Victória saiu do quarto. As lágrimas ainda nos olhos e um coração partido. Detectou na mesa da cozinha uma pequena carta. Victória pegou o objeto sobre a mesa e começou a ler:

“Minha morena

Sinto muito por magoa-la e por não ter aparecido no velório do seu tio por causa do trabalho. Sinto muito por todas as vezes que eu te fiz sofrer. A culpa é totalmente minha, eu assumo.

Lembro da primeira vez em que te vi. Nos esbarramos numa manifestação contra a Dilma, lembra? Eu toda largada, de jeans e camiseta, e você de vestidinho rosa. Você gritou comigo. Nunca vi criatura mais linda. Deixou sua carteira cair e fui até sua casa para entregar. Chegando lá, vi seu ex te pressionando dei uma surra no cara. Sentamos num banquinho de uma praça. Conversamos. Rimos. Você me roubou um beijo; não sei como resisti.

O tempo foi passando. Viramos amigas, depois algo mais, nos mudamos para um apê, só eu e você. Consegui um emprego no jornal e você numa cafeteria. Então você pediu demissão: conseguira um emprego bem melhor como cantora.

Fizemos uma festa para comemorar. Seu tio Edmilson parecia ser o mais animado: bebeu todas. Dois dias depois, ele bateu o carro. O velório foi no mesmo dia em que eu tinha uma reunião.

Cheguei em casa e você me deu uma bela bronca. Foi tão feia que pensei que não tinha mais jeito.

Meu amor, eu sei que você não quer mais me ver, eu sei. Se você quiser eu nunca mais piso nessa casa, eu sumo da sua vida, só para te fazer feliz. Mas saiba que eu nunca vou esquecer seu rosto, seu sorriso, seu cabelo, seu olhar.

Eu não consigo mais escrever, desculpe.

Adeus, meu amor.

Eu te amo.

Luísa”

Victória largou a carta em cima da mesa. As palavras ainda corroíam sua alma. As lágrimas corriam pelo rosto.

Então ouviu um estalido. A porta de entrada se abriu com um ruído que só ela tinha. Luísa entrou, o rosto vermelho e os olhos marejados.

Victória admirou a beleza de sua namorada: Cabelo castanho-escuro ondulado e comprido, olhos castanhos cobertos por um óculos geek e os típicos jeans, camiseta e all stars. No antebraço, um band-aid enrugado um pouco acima da tatuagem com caneta azul.

– Vic? – ela perguntou, uma expressão surpresa.

– Ah, Lu!

Victória se jogou nos braços da namorada e roubou-lhe um beijo cheio de saudades. As línguas “passeavam” uma na boca da outra, o piercing de Vic tornando tudo mais gostoso. Terminado o beijo, as duas colaram os rostos, arfando.

Luísa sorriu.

– Pensei que não queria mais me ver.

– Claro que não, sua boba! Eu te amo, não aguento ficar sem você!

Elas se beijaram mais um pouco, riram. Foram para a varanda apertada do lugar, onde dançaram ao som de “Eduardo e Mônica”.

“Quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?”