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Capítulo 21
Capítulo 20 — Sangue Inocente Nunca Para de Jorrar


Notas iniciais do capítulo

Olá ♥



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O galpão nunca esteve tão pequeno. Lydia agarrou o pulso de Alice com força, a fim de tirá-la dali. Mas ela não podia. Tendo visto Soul invadir o local com tanto desespero, Alice não pode deixar de correr até o irmão – arrastando Lydia –, o que as deixou também perto de Galeno quando este invadiu o lugar. Há poucos palmos dele, na verdade. Lá estava Soul, preso por Elizabeth, ao lado dela. Buckerman estava atrás de Galeno, perto da porta, ele poderia fugir se quisesse. E lá estava Galeno, no centro da situação.

E no salão ouvia-se apenas o som das respirações ofegantes de todos, e a risada sarcástica do assassino.

— Não fale nada, nem respire se possível. — Lydia sussurrou no ouvido de Alice, com a voz trêmula. — Nada de movimentos bruscos.

Alice respirava rápido. Estava nervosa. As palmas de suas mãos estavam molhadas. A menina abraçou os próprios joelhos e alternava o olhar de Soul para Galeno.

— Acabou, Enzo. Já chega. Eu fiz tudo por você, tudo o que eu pude para te ajudar e agora você está fazendo isso comigo! — Soul berrava, finalmente soltando-se das mãos da delegada.

Ao ouvirem o nome de Enzo, Elizabeth e Buckerman – que ainda apontavam suas armas em direção á cabeça do homem de preto – se entreolharam confusos, pensando em como aquele escritor, louco, maníaco e internado, conseguiria ser aquele homem em sua frente, vestido como um assassino. 

Sem perder mais tempo, Elizabeth engatilhou sua arma e aproximou-se de Enzo – ainda que assustada, porém audaciosa – e lhe encarou, há alguns seis passos de distância, com sua arma em prontidão, na direção de sua testa. Assim como a delegada, Buckerman cercava o assassino por trás.

— Hoje não, rapaz. — Enzo riu ironicamente e deu uma cotovelada pra trás, atingindo a boca do estômago de Malcolm.

Virando-se repentinamente, acertou também um soco certeiro no queixo do policial que fazendo-o desmaiar e Alice soltar uma exclamação involuntária. Galeno fitou a menina, por míseros segundos e lhe deu uma “gravata’”, segurando-a junto a si, apertando seu pescoço e fazendo-a gemer. Soltou um sorriso escárnio.

— Eu vim aqui matar uma pessoa. — Galeno gargalhou, esfregando seu nariz no cabelo loiro e ralo de Alice. — E eu vou.

— Mas o meu ponto não é matá-lo. — a voz da delegada continuava firme, mesmo que ela temesse pela vida de Alice. — Mas eu vou acertar uma bela bala na sua testa gigante se não soltar a garota.

Mais uma vez, Enzo soltou uma risada debochada.

— E se você não soltar sua arma nesse exato segundo eu perfuro o abdômen da loira. — ameaçou Galeno, passando sua espada pelo estômago de Alice.

— Solte Alice, ela não é AlliVe! — Soul berrou.

— E você me diria se fosse? — Galeno riu maldosamente, apertando o pescoço da menina novamente e passando a língua pelo seu rosto. — Que menina linda.

A garota chorava em silêncio, suas mãos finas seguravam o braço grosso de Enzo que apertava seu pescoço e a deixava sem ar por uns minutos.

— Enzo. — Soul chamou, aproximando-se com as mãos erguidas. — Solte a minha irmã. Ela não tem nada a ver com o seu ódio.

— Meu nome não é Enzo! É Galeno! — O homem de vestes pretas afirmou, sacudindo sua espada gigantesca na mão direita e apertando o pescoço da garota com o braço esquerdo, ela gemeu alto. — Você só me fez mal, Soul Ashter! Você roubou a minha história!

— Solte a garota! — A delegada berrou, disparando sua arma em direção ao assassino.

Buckerman havia despertado, ainda que tonto. Ele se ergue, e trocou olhares sugestivos com Marsh. Aproximou-se então, sutilmente pelas costas do assassino. Ele poderia desmobilizar o assassino, e isso o fez, com um tiro na panturrilha.  

Enzo gemeu de dor, e relaxou o braço que segurava Alice. A garota – aproveitando o momento de vulnerabilidade do assassino – o empurrou e se afastou cambaleando, mas talvez não tão rápido. Enzo se curvou ao chão rendendo-se a dor, e segurou o tornozelo da garota fazendo-a cair de bruços, e rendido pela dor, Galeno caiu de joelhos e para sua alegria, o corpo de Alice estava entre suas pernas. Ele estava em cima da garota. Ele a prendeu-a ao chão segurando-a pelo pescoço. Alice debatia os braços a fim de fugir. Galeno ergueu seu enorme facão, quase como uma real espada antiga, e ele levantou-se para tomar impulso, e desceu com rapidez para fincá-la no estômago de Alice.

Enzo foi tomado por um segundo tiro de Elizabeth, um tiro que lhe acertou no peito. O assassino soltou um grito estridente, e isso paralisou o movimento que ele fazia com o facão. Ele sentia a própria luz esvair de si mesmo.

— Eu a levo comigo! — ele berrou de dor e histeria, e caiu para morrer.

Caiu. Alice tentou levantar-se para fugir, mas não deu tempo. Tempo. Ela ainda estava no meio das pernas do assassino, e quando ele caiu, sua espada – em sua mão direita –, caiu com ele, acertando o estômago da garota. Galeno caiu morto em cima de sua vítima, que sangrava incessantemente pelo golpe sofrido com um facão de sessenta centímetros que atravessou seu abdômen.

Soul gritou em desespero, correndo até a irmã.

Lídia soltou um grito agudo, e correu até sua prima.

— Alice... Alice. — Lydia estava ajoelhada do lado de Alice, após arrancar o corpo morto e pesado de Enzo que estava cobrindo o corpo de sua prima. Ela segurou forte sua mão. Sua mão que ela podia sentir esfriar. — Não, por favor.

— Lydia... isso não dói. — Alice soluçou e sangue começou a sair de sua boca. Ela estava sem forças pra segurar a mão da prima. — Eu a amo muito. Obrigada por tentar me proteger sempre. Minha irmã. Para sempre minha melhor amiga, e protetora. Muito obrigada e perdão por não te ouvir.

A voz de Alice estava fraca, ela mal conseguia respirar agora. Ela sentia suas células paralisarem e seu coração enfraquecer.

— Me perdoe. — Lydia levou a mão de Alice até seu peito. Com os olhos fechados, sem conseguir conter as lágrimas ou abri-los. — Alice, minha irmãzinha, eu faria de tudo pra proteger você, me perdoe por não fazer isso direito. Por favor, seja forte.

Alice ia falar algo, mas não conseguiu, o sangue insistia em sair pela sua boca. Suas entranhas estavam morrendo, a luz estava morrendo.

Soul se ajoelhou ao lado da prima, em frente ao corpo de Alice. Ele não conseguia ter uma única reação, ele era um compilado de faces. Ódio, culpa, tristeza e amor em demasia pela menina que estava morrendo. Pela sua menina que morria diante dos seus olhos, e diante dos seus atos.

— Alice. Por favor, Alice. — então finalmente, Soul se rendeu às lágrimas pesadas e conseguiu enfim dizer algo. — Deveria ser eu, mas é claro. Não minha irmãzinha, Alice, eu lhe imploro, seja forte. Não posso seguir sem você.

Alice negou, se agarrando ao resto de energia que ela sentia passar pelas suas veias, e por um segundo o sangue parou de esguichar pela sua boca.

— Soul... — Alice soltou um riso fraco, tateando o chão, procurando a mão de seu irmão e quando a achou, segurou-a forte. Ela ainda não tinha soltado a de Lydia. — Eu sinto muito por desconfiar de você. Obrigada por ter tentado nos salvar. Obrigada por estar sempre tentando. Sempre. Você é meu herói, meu exemplo. Meu gêmeo. Eu vou ser pra sempre...

A voz de Alice falhou, ela tonteou. Estava quase lá, quase. Só mais um pouquinho coração, só mais um pouquinho, Alice implorou.

— Pra sempre sua gêmea. Eu te amo, minha melhor metade. — Alice completou, sem forças.

Soul berrou alto, Lydia sentia a pior dor de sua vida. Alice – fracamente – apertou as mãos de seus irmãos.

— Está tudo bem. — Alice soltou um riso fraco e fechou os olhos. — Se cuidem. Se amem. Não briguem. Eu os amo.

Alice sorriu pela última vez e disse suas últimas palavras de olhos fechados, e depois disso, seu sorriso apagou e a mão dela parou de apertar a mão deles. Então, foi o fim.

Lydia soltou a mão morta de Alice, ela não conseguia respirar. Sua visão estava turva pelas lágrimas incessantes, então ela fecha fortemente os olhos a cada cinco segundos, a fim de ser tudo um pesadelo. Ela reabre os olhos e ainda vê apenas o chão cheio de um líquido vermelho. Sangue.

Soul não podia estar mais ferido. A culpa se alastrava pelo seu corpo e fazia sua cabeça doer. Ele não conseguia olhar para o rosto da irmã. Rosto totalmente pálido, seus lábios quase azuis. A dor e a culpa eram fortes demais pra ele. Ele nunca aceitaria que não era ele o que estava ali, sem vida. Ele merecia aquele fim.

Lydia e Soul enlaçaram os braços e ficaram observando o corpo desfalecido de Alice por quase quarenta minutos, e só acordaram do transe quando alguém lhes tocou o ombro.

— Eu sinto muito.

Era a voz chorosa de Elizabeth. Lydia observou o lugar, agora tão calmo. Percebeu que Buckerman não estava mais lá, e o corpo de Enzo também não estava mais lá.

— Ele está morto? — Lydia perguntou com frieza.

— Sim, ele...

— Ótimo. — Lydia cortou a delegada, passando a mão pelo rosto, secando as lágrimas.

Podiam-se ouvir as sirenes altas do lado de fora do galpão. Soul imaginou a aglomeração de repórteres, viaturas, ambulâncias do IML. E passou as mãos pelo rosto úmido, pensando em como lidariam com aquilo para sair dali com o corpo de Alice. Quantos jornais noticiariam aquilo. Quantos repórteres iriam falar sobre o misterioso caso mal resolvido durante meses. Ele não estava pronto.

A porta de madeira foi escancarada com brutalidade, revelando duas pessoas com os olhos inchados, Henri e Catarina. Os pais estavam em prantos pela notícia. Catarina se jogou em cima do corpo da filha, como se nada mais importasse naquele momento. E banhou-se com seu sangue, aos berros. Henri se afastou em passos largos e encostou-se à parede, deslizando as costas até o chão. Com um olhar vago e perdido, mal conseguia olhar para sua família, fitava apenas o teto, umas lágrimas solitárias correram seus olhos inexpressivos.

— Como deixaram isso acontecer? O que aconteceu?! — Catarina gritava, sacudindo os ombros do corpo morto de sua filha. — Ah, meu Deus! Alice!

Lydia enfiou as mãos no rosto, suas lágrimas escapavam através dos seus dedos.

— Eu queria protegê-la. Eu tentei. Eu juro, por favor, acreditem. — Lydia lamentou, sentindo uma queimação rasgar seu peito.

— A culpa foi minha mãe. Eu sinto muito, eu nunca vou poder me perdoar, eu vou sentir isso pra sempre. — Soul pôs a mão no ombro de sua mãe, e a outra mão alisava seu peito que doía de verdade. — Eu nunca mais estarei inteiro.

Catarina se levantou, puxou Soul e Lydia e os apertou muito forte, mas do que qualquer outra vez. Ela queria senti-los bem perto, prestar atenção em seu cheiro e em como eles a amavam.

— Vocês estão aqui comigo, eu tenho vocês e vocês vão pra sempre estar comigo. Meu Deus, crianças! — ela chorou ainda mais agarrada com Soul e Lydia que não paravam de solução também.

Antes que Soul ou Lydia pudessem abrir a boca, a porta do galpão foi aberta. Vinham dois homens altos, carregando uma maca, em direção à Alice.

— O corpo dela precisa ser levado. — avisou um deles, pegando o corpo de Alice com delicadeza e pondo-o em cima da maca amarela.

O segundo rapaz cobriu o corpo de Alice com um saco preto, e a carregaram para fora do local. Catarina, abraçada com Soul e Lydia, berrava o nome da filha morta. Henri se aproximou dos três, os abraçando por trás.

— Ela se foi, Cat. — Henri a consolava, deixando finalmente suas emoções de dor transparecerem e suas lágrimas acompanharem as de sua mulher. — Ela não vai voltar.

— O IML entrará em contato com vocês em breve. Eu sinto muito pelo ocorrido. A situação foi extremamente delicada, eu sinto muito ter envolvido suas filhas nisso. Mas foi realmente algo fora do normal. Eu recomendo que todos — a delegada, que mantinha as mãos nas costas, observou cada um deles — sigam comigo agora para delegacia. Eu tenho a obrigação de prestar os devidos esclarecimentos, venham, por favor.

Elizabeth os chamou e seguiu para fora do galpão. Soul e Lydia se afastaram e olharam Henri e Catarina no fundo dos olhos.

— Precisamos ir. Vocês precisam disso. — disse Soul.

O casal não disse uma só palavra depois disso, ambos saíram apoiados um no outro, não fisicamente, psicologicamente. Lydia e Soul ficaram mais alguns minutos sozinhos dentro do galpão, em silêncio, assim como saíram. Sem dizer uma só palavra.

Os quatro se acomodaram no banco traseiro da viatura, que era bastante larga. Buckerman dirigia e Elizabeth estava no banco do carona. A fase de desespero parecia ter passado, eles tinham apenas olhos inexpressivos e focados em algum lugar específico, de vez em quando, uma lágrima solitária escorria. A viatura foi estacionada na ala exclusiva da polícia, e todos deixaram o carro. Buckerman seguiu para outra rota, sozinho, a fim de encontrar uma enfermeira no hospital mais próximo para cuidar de seus ferimentos no rosto.

A delegacia estava totalmente silenciosa, havia pessoas trabalhando, porém sem nenhuma fala. Henri e Catarina adentraram na sala da delegada com ela enquanto Lydia e Soul esperavam sentados no corredor, do lado de fora. Ambos estavam em um silêncio absoluto por quase quarenta minutos.

— Eu fiquei o caminho inteiro pensando e repensando que eu poderia ter segurado o pulso dela com mais força, ter gritado mais alto, impedido aquilo de acontecer. Mas eu estava tão em choque. Mas eu quis, eu quis muito segurá-la. — Lydia quebrou o silêncio e foi tomada pelas lágrimas silenciosas.

— Alice vai nos perdoar, ela sempre perdoa. — Soul soltou um riso abafado acompanhado de fungados. — Mas não sei se os pais dela irão fazer o mesmo.

— Acha que Elizabeth vai contar a verdade? — Lydia fitou a lâmpada do teto.

— Ela deve contar a verdade. — Soul enfatizou a palavra “deve”. — Chega de mentiras. Pra sempre.

A porta ao lado deles foi aberta fazendo um pequeno rangido. As expressões de Catarina e Henri não pareciam ter mudado após ouvir a história explicativa da delegada, após a conversa, eles ainda pareciam totalmente inexpressivos. Sem lágrimas, mas com dor, e sem questionamentos. Uma terceira pessoa vinha atrás deles, Elizabeth, que parou na soleira da porta.

— Soul, por favor. — Ela fez um sinal, chamando-o.

O rapaz levantou-se e seguiu até a sala, fechando a porta.

— Eu preciso do seu depoimento. Enzo, Galeno e esses assassinatos ainda estão em aberto, eu preciso de tudo o que você sabe. Podemos marcar um dia para você voltar aqui? Depois do funeral de Alice? — Perguntou Elizabeth, sentando-se em sua cadeira e olhando apreensivamente para Soul, parado ao pé da porta.

— Não. — Soul limpou a garganta. — Quero enterrar a minha irmã tendo isso por acabado. Tendo esclarecido tudo o que eu sei. Pode ser amanhã de manhã.

— Ótimo. — Elizabeth suspirou. — Eu sinto muito ter arrastado suas irmãs pra isso. Eu sinto muito por Alice.

— Não, Marsh. Ninguém sente de verdade. — Afirmou Soul, balançando a cabeça negativamente, abrindo a porta e saindo.

Junto aos seus pais e Lydia, o rapaz deixou a delegacia, mas o clima pesado e silencioso os acompanhou durante o caminho. Henri – ainda que um pouco desnorteado – optou por dirigir até sua casa. As ruas nunca pareceram tão escuras como estavam naquela noite e o caminho do centro até sua casa, nunca pareceu tão longo. O silêncio foi persistente dentro do veículo e quando chegaram à sua casa, não poderia melhorar.

— A delegacia vai se responsabilizar por todos os preparativos do funeral. — informou Catarina, com uma voz seca e rouca, seus olhos rolavam o chão.

Soul e Lydia assentiram com calma e observaram o casal subir ao seu quarto. Eles trancaram a porta e ficaram em silêncio por horas, sem conseguir pegar no sono. Ou olhar um para o outro. Apenas fitando o teto ou a janela aberta. Lydia e Soul dormiram juntos na sala. Pedindo ao máximo, para sonhar com Alice viva e feliz. Eles queriam ter uma última lembrança melhor do que a que tiveram no galpão.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por terem vindo até aqui sz