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Capítulo 18
Capítulo 17 — Elton Conta uma História


Notas iniciais do capítulo

Olá ♥



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O trem estava lotado. Alice e Lydia estavam em pé, no vagão seis, uma do lado da outra segurando em uma barra de metal, tentando equilibrar-se. O Condado de Madrin não era tão grande nem tão povoado, mas parecia que naquele dia as poucas pessoas do lugar decidiram se encontrar dentro do trem. O vagão onde as garotas estavam começou a chacoalhar e parou de seguir caminho.

— Odeio você por ter me arrastado pra isso. Se ficarmos mais de duas horas nesse trem, eu vou te afogar na primeira poça d’água que eu achar. — resmungou Lydia, olhando com desaprovação para Alice.

E o veículo parou. Uma voz eletrônica avisou que estavam com problemas na via, que ficariam uns vinte minutos parados. Ou mais. O celular de Lydia tremeu, ela pôs a mão direita no bolso do casaco largo e retirou o celular do bolso e a tela estava acesa, com uma mensagem em caps lock e com acento exclamativo, vindo de um número conhecido:

NÃO SAIAM DE CASA!

— Soul

Lydia respirou fundo, aflita, cutucou Alice com o cotovelo e virou a tela do celular para ela.

— Ele está aprontando. — Alice estalou a língua. — E afinal, já saímos.

Lydia guardou o celular e rezou para Soul estar blefando.

**

Soul Ashter. Um nome que Elizabeth jamais tinha ouvido antes.

Ela encarou Elton por uns minutos. Estava desconfiando se ele havia lhe dito a verdade ou não. Ele ainda tinha o sorriso escárnio, como se tivesse ganhado algo. Mas e se estivesse mentindo? A maldita dúvida novamente.

— Eu estou falando a verdade, senhora. Você disse que me livraria se eu lhe desse um nome e eu dei. Não suportaria passar vários anos na cadeira novamente. Eu estava precisando de dinheiro, só por isso aceitei esse trabalho psicótico. — sussurrou o homem, sentando-se tranquilamente na cadeira.

Marsh tinha os cotovelos apoiados na mesa, e sua sobrancelha direita saltou ao ouvir “trabalho psicótico”.

— Trabalho? O que você fez pra esse rapaz? Conte a história toda, Elton. Absolutamente completa, se mentir, eu vou saber e você terá uma adição bem alta nas suas contas. — ameaçou a Delegada.

Um músculo do rosto de Elton tremeu, e ele se calou por alguns segundos. E então, prosseguiu.

— No início era tudo brincadeira. Eu tinha acabado de sair da prisão, havia decidido fazer algo bom com a minha vida, ingressei no teatro e arrumei um emprego no Westin Hills. Ganhando horrivelmente pouco, então aceitei fazer um bico de ator para Soul Ashter. — contou Elton, Marsh tinha uma expressão ouvinte, anotando tudo em seu bloco. — Eu me caracterizei como um assassino de outro século. Galeno Withlock, se não me engano.

Um sorriso triunfante brotou nos lábios de Elizabeth.

— Ora, ora, veja só. Um assassino real? Então Galeno existiu. — disse ela, teclando rapidamente em seu notebook.

Após uma rápida pesquisa a tela se encheu de sites que mostravam o épico caso de Galeno Charles Withlock, o Maníaco assassino do século 19.

— Parece que Enzo tinha de onde tirar inspiração, caracterização, nome e história para seu personagem. — pediu a delegada. — Prossiga Elton, por favor.

Elton arqueou as sobrancelhas e respirou fundo, tomando devido cuidado com as palavras que dissera, não poderia fugir do correto. Por um instante se confundiu com as palavras da delegada, ele se sentiu enroscado. Ele sabia que a mulher estava fazendo descobertas essenciais através de seu depoimento.

— Então... — Elton fez uma pausa e olhou para o teto, limpou a garganta e prosseguiu. — Soul me pagou pra dar uma assustada em suas irmãs e dizer algo como “vocês estão na minha lista”. Ele pagava tão bem que tudo saiu do controle. Ele descobriu onde eu trabalhava e aumentou a quantia para que eu infernizasse Enzo Monroe, o deixando cada vez mais louco e insano. Dizendo e insistindo em “matar leitores fantasmas”. Ele queria essas mortes que estão havendo. É ele quem vocês procuram. Eu não entendia nada, era como um roteiro. Eu apenas recitava as falas e ganhava por elas. — contou Elton, esfregando as mãos na mesa. — Eu não sei como, mas Soul Ashter está diretamente envolvido em todas as mortes. É ele.

Elizabeth observava Elton ainda com um pouco de desconfiança. Ele entregara o tal Soul Ashter com uma facilidade estranha. Ele não tinha medo de trair o provável parceiro? Ele não tinha medo de nada? Por que Elizabeth persistia em pensar em conclusões que atrapalhariam seu próprio caso? Ela espantou os pensamentos insistentes. A delegada fez um sinal para Buckerman, que estava do lado de fora da sala. O policial entrou na mesma e agarrou as mãos do zelador.

— Pode levar. — disse Elizabeth com firmeza, levantando-se de sua cadeira e ajustando o botão frouxo do blazer.

Elton resmungou um pouco pela dor das algemas.

— Soul Ashter, delegada. Não se esqueça desse nome. — sussurrou Elton, sendo arrastado para fora. — É ele que você quer pegar

— Cale a boca. — resmungou Buckerman, arrastando o homem para fora da sala até sua nova cela fria.

E então o silêncio tomou conta da sala de interrogatório. Apenas o zunido irritante do ar-condicionado na lateral da parede. A delegada reabriu a página do Google e digitou na barra de pesquisa: Soul Ashter. O garoto não era um pop star, talvez ela jamais achasse o nome dele em algum site de pesquisa. Mas talvez sim.

Os primeiros resultados da pesquisa eram:

Soul Ashter: Vencedor, pela terceira vez seguida, da olimpíada de matemática da escola Campster, situada na Avenida Ambers, Prince, Condado de Madrin.

Pelo terceiro ano seguido, Soul Ashter, quebra recorde feito em 96 por um aluno de Campster, Condado de Madrin: ter três prêmios consecutivos da olimpíada de matemática anual.

E mais e mais resultados como aquele. O garoto era um prodígio. Inteligente o suficiente para ser um assassino, mas talvez jovem demais. A delegada clicou no primeiro resultado, e abriu uma grande foto do garoto, com seu nome completo, sua idade, nome da escola e localização dela.

Soul Marvin Ashter. Escola Campster. Avenida Ambers, Rua Prince, Condado de Madrin. Dezesseis anos.

Para Marsh era impossível que alguém tão jovem fosse tão diabólico como Elton o descrevera. E o garoto realmente não tinha cara de assassino. Mas Jason Voorhees também não tinha quando morreu afogado aos treze anos e voltou para se vingar. Batendo a caneta vagarosamente em cima da mesa, fazendo cliques contínuos e insuportáveis, Elizabeth pensava. Por fim, acabou imprimindo a foto do garoto, dobrou-a ao meio e saiu da sala. Seus passos de salto faziam um único som naqueles corredores longos cheios de gente, porém todos tão silenciosos. Ela carregava a foto com precisão, talvez fosse a primeira vez naquele caso que Elizabeth soubesse exatamente onde estava indo.

— Conhece este garoto?

A voz grave e firme da delegada invadiu o ambiente silencioso em frente da cela isolada de Elton. Ela encontrou o presidiário de cabeça baixa e olhos fechados, então ele ergueu o olhar e quando encontrou a foto, abriu um sorriso malicioso.

— Acertou em cheio, senhora delegada. — ele debochou. — Soul Ashter.

Elizabeth ainda estranhava a entrega tão fácil do cúmplice. Então respirou fundo e não respondeu ao zelador, e com os mesmos passos firmes que chegou até a ala das celas, ela saiu. Passando por Buckerman, dizendo:

— Prepare a viatura, vamos ao Instituto Westin Hills. Eu finalmente tenho algo relevante para perguntar à Enzo Monroe, e espero que ele tenha sanidade para me responder.

**

Notebook no braço esquerdo, um pacote de droga no bolso da calça. Esse era Soul andando sem rumo pelas ruas do Condado Madrin. Não tão sem rumo assim, ele sabia aonde ir, mas estava receoso. No geral, seus pensamentos se resumiam em: fugir, perigo.

E se repetiam nessa ordem em sua mente. Ele passou em frente de uma loja que vendia eletrônicos, em sua vitrine, as televisões em exposição reproduziam o jornal de notícias local. Foi aí que Soul soube da descoberta e anunciação da sala de bate-papo. E isso foi desesperador. Ele não sabia o que fazer, e teve certeza de que não poderia seguir para aonde pretendia, então uma luz acendeu em sua mente.

O garoto pegou o caminho contrário, voltando em direção à sua casa, mas não indo exatamente até . O garoto começou a correr, ele podia sentir seu pulmão sangrar, mas ele não conseguia parar. A chuva o refrescava, mas ele podia sentir o calor subir a sua cabeça. Flashbacks passavam em sua mente, ele ouvia a voz de Lydia implorando para ele ficar. Ele ouvia a voz desentendida de Alice entrando na sala. Por Deus, aquela não podia ter sido a última vez que ele via aquelas meninas. Pelo menos que as via com medo e com a sensação de ser julgado pelo confuso entendimento que elas tinham sobre tudo. Após correr quase doze quarteirões, Soul havia chegado. E ele não acreditava no lugar onde ele havia decidido se esconder. Se esconder de quê, exatamente?

Ele abriu a porta da velha casa abandonada, o cheiro podre da cozinha afetava a casa inteira e havia um gato morto dentro da pia. Provavelmente ele entrara na casa em busca de comida como sempre fazia e acabou comendo algo estragado. Muito estragado. Era horrível.

— É o único lugar onde jamais me procurariam. — ele sussurrou para si mesmo, trancando a porta com a chave achada debaixo do carpete de entrada.

Ele conhecia aquela casa como ninguém.

Sentou-se no sofá, pôs seu notebook sobre a mesa de centro de vidro, e ligou-o no carregador. Então logou na mais famosa sala de bate-papo. A lista de membros sumiu. Não havia mais ninguém naquela sala. Vidas foram, finalmente, poupadas. Soul costumava notar um estranho membro na sala, uma incógnita. Um X. Mas agora, naquela sala, não havia mais a incógnita misteriosa, era apenas Soul Ashter e o dono da sala, Galeno. Com clareza, eram apenas dois membros naquela sala mortífera.

**

Tic Toc

     Tic Toc

O barulho irritante do relógio era o único som no quarto escuro de Enzo. Ele olhava para a parede pela primeira vez como se estivesse realmente a vendo. Era a lucidez gritando mais alto. Ele via as cores novamente, e isso já vinha mudando há algum tempo. Ele sabia exatamente o que ocorria à sua volta agora. E sabia com o que estava lidando, o que estava fazendo. Ele mal podia esperar pelo fim. A luz de lucidez que lhe acometia lhe dava também a certeza do que queria fazer e que gostava do que estava acontecendo.

Um som estranho. Não eram passos calmos e silenciosos como Enzo ouvia diariamente do lado de fora do quarto passando pelo corredor. Hoje eles estavam fortes, altos e rápidos. Como se alguém estivesse desesperado demais para andar num ritmo comum. E a porta se abriu violentamente. Mas a imagem revelada não parecia de alguém raivoso, e sim arfante. Uma mulher loira, com o cabelo ensopado, devia estar tendo uma tempestade. A mulher usava um crachá: Delegada Marsh, visitante.

Enzo permaneceu inexpressivo. A porta foi fechada por um homem alto e de cabelos negros e úmidos, seu crachá dizia: Policial Buckerman, visitante.

— Por que estão aqui? — sussurrou Anonimato.

A delegada sentou-se em uma cadeira ao lado da cama de Enzo.

— Quero respostas. — disse Elizabeth com uma calma pausa entre as palavras. — Você pode responder a minha pergunta?

A delegada temia que Enzo estivesse enlouquecido demais para saber seu próprio nome.

— Posso, mas é claro. — a voz do autor saiu grave e séria.

Marsh esboçou um breve sorriso com isso. Respirou fundo e tirou a foto amassada do bolso, e a estendeu em direção à Enzo. Elizabeth abriu a boca para dizer algo, mas fora interrompida pelo seu celular. Ela pegou-o a fim de desligá-lo. E isso fez.

E ele tocou em seguida. E novamente. E de novo. Mais uma vez.

— Atenda. — disse Anonimato com uma voz rouca. — Está me dando dor de cabeça.

Elizabeth bufou, levantou-se da cadeira, deu a folha com a foto de Soul para Buckerman e atendeu o celular no canto da sala.

— O que foi? — perguntou delegada, atendendo ao telefone no terceiro toque.

— Sinto muito, Marsh. Soube onde você estava e achei que precisaria saber o que eu e Hunter descobrimos. — Grace estava séria.

Elizabeth tentou manter a calma.

— Espero que seja importante. — disse Marsh.

— Há dois usuários naquela sala de bate-papo, dois usuários que depois da evacuação continuam lá. Dois que ainda estão lá mesmo sabendo das mortes e foram os únicos que estiveram na sala privada com Galeno e não estão mortos. — a voz de Grace era misteriosa.

— Continue. — Disse Marsh, enfim interessada, apoiando-se na parede.

— Rastreamos o IP e adivinhe? A localização de um dos usuários veio de um computador de algum lugar no Condado, Avenida Ambers...

— Ambers? Deixe-me ver, Rua Prince? — Elizabeth a interrompeu.

A delegada foi até Buckerman e agarrou a folha que deixara em suas mãos. Correu os olhos pela foto e no canto estava: Escola Campster, Soul Ashter, 16, Condado Madrin, Av. Ambers, R. Prince.

— Exatamente. — concordou Grace. — E você nem sabe da parte mais curiosa. O segundo IP veio da localização exata do Instituto Westin Hills. Esses dois únicos usuários são peculiares, por que o IP de Ambers se conectou apenas uma vez com Galeno na tal sala privada, e o do Westin Hills várias vezes. E ambos ainda estão vivos. Não há riscos em seus nomes, e eles se conectaram ainda há pouco.

Elizabeth desligou o celular sem ao menos dizer “tchau” e o enfiou no bolso. A delegada foi até a cama de Enzo e estirou a foto rente ao seu rosto pálido e doentio.

— Você reconhece este garoto?! — havia urgência na voz da mulher.

Atrás da delegada, a porta foi aberta, fazendo um som baixo. Duas silhuetas femininas vestidas de enfermeiras adentraram na sala, ofegantes, parecia terem fugidos de alguém. Elas atraíram os olhares do quarto, que presumiam estar vazio.

— É o meu irmão. — disse uma delas, com a voz trêmula.

Era Alice, acompanhada por Lydia.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ter chegado aqui ♥