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Capítulo 16
Capítulo 15 — ALICIDIA


Notas iniciais do capítulo

Olá ♥



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Após o dia tenso no Instituto Westin Hills, Lúcia Martinel deu entrada na clínica e foi internada por seus pais. Eles pagaram uma quantia absurda para que os enfermeiros, psicólogos, médicos, padres, Deus, seja lá quem fosse, salvasse sua filha de seus pesadelos e gritos sem sentidos, tais como: “ele vai voltar”; “ele vai me matar também”; “meu irmão vai vir me pegar”; “ele vai fazer a mesma coisa comigo”.

Ninguém entendia a mensagem da pequena garota. Mas Elizabeth Marsh estava determinada a tentar.

— Poderei vê-la? — Marsh perguntou à médica-geral da clínica, Clara Lahey.

Clara assentiu devagar.

— Os pais de Lúcia concordaram que talvez sua filha pudesse contribuir em algo e tudo que eles mais querem é que o caso seja solucionado. Bem, eles perderam um filho com isso e a filha ficou com graves sequelas. — a médica suspirou pesadamente. — Ainda não temos um diagnóstico para Lúcia, talvez isso seja só trauma de quem viu demais, mas ela ficará bem. Mas, por favor, seja sensível e cautelosa com a menina.

Ambas estavam paradas em frente ao quarto dezessete, do corredor F – Z, onde Lúcia estava instalada.

— Prometo ser breve e tomar cuidado. — a delegada assentiu abrindo a porta do quarto da menina.

Lúcia tinha acabado de acordar quando Elizabeth entrou no quarto, ela estava meio sonolenta e com os olhos menos inchados do que quando a delegada a viu pela primeira vez. Lúcia olhou a mulher e depois voltou a focar seu olhar na parede.

— Olá, Lúcia. — Elizabeth sorriu, caminhando devagar até a cama da menina.

— Quem é você? — a voz de Lúcia era robótica.  — Eu não te conheço.

Elizabeth umedeceu os lábios e respirou fundo.

— Meu nome é Liz, e eu vim conversar com você. — a delegada tentava usar da voz mais suave possível. — Tudo bem se a gente conversar um pouco?

Lúcia desviou o olhar e centralizou-o nos olhos castanhos de Elizabeth, assentindo devagar com a cabeça. Elizabeth sorriu.

— Que ótimo. Diga Lúcia, qual é o seu sabor de sorvete preferido?

Lúcia quase esboçou um sorriso.

— Eu gosto de menta, eles são verdinhos e eu gosto muito de verde. — as feições da garotinha estavam relaxando. — E o seu, Liz?

— Eu gosto muito de sorvete de abacaxi!

Lúcia fez careta.

— Eca! Eu odeio frutas!

Elizabeth soltou uma risada.

— Você gosta de chocolate? — Marsh perguntou, sendo totalmente conquistada pela leveza da menina.

— Sim, sim! O meu chocolate preferido é o branco, igual ao do meu irmão! Sempre que o tio Wilden trazia chocolate pra gente, Joshua sempre me dava um pedaço do seu. Um pedaço grande. — Lúcia estava empolgada contando a história, Elizabeth poderia jurar que a menina tinha se esquecido da morte do irmão por um segundo, mas estava enganada. Os olhos da menina marejaram com força. — Eu amo meu irmão, e não entendo por que ele fez aquelas coisas.

Lúcia ergueu os pequenos olhinhos cheios d’água para Marsh, a delegada fez um esforço enorme para não chorar. A inocência de uma criança que foi manchada e machucada pela crueldade humana.

— Lúcia, nós podemos falar do seu irmão? — a delegada perguntou quase num sussurro, e em seguida limpou as lágrimas que escorriam no rosto da menina.

Lúcia assentiu.

— Naquela noite, você viu alguém com o Joshua? — Elizabeth perguntou.

— Não havia ninguém lá, ele estava falando sozinho. Quando eu desci as escadas, vi as facas na mão dele. — Lúcia falava baixo como se contasse um segredo. — Todos os gritos que eu ouvi eram dele, não havia outra voz.

Elizabeth franziu a testa.

— Você não ouviu a porta bater, como se alguém tivesse saído da casa? Fugindo?

Lúcia negou.

— Não. Ninguém saiu e ninguém entrou, não tinha ninguém lá, Liz. Meu irmão fez tudo sozinho e acho que ele virá fazer comigo. Tenho medo.

Elizabeth prendeu a respiração por alguns segundos e pegou na mão de Lúcia.

— Há algumas coisas que são tiradas de nós e é nossa obrigação lidar com lidar com isso, mas o que passa para o outro lado não pode mais nos atingir. Lúcia, você está viva, e está segura, e eu prometo que irei entender o que aconteceu com seu irmão. — Marsh sentiu Lúcia apertar sua mão enquanto falava.

— Obrigada, Liz. — Lúcia soltou a mão da delegada.

— Eu que agradeço, Lúcia.

(...)

Elizabeth saiu do quarto de Lúcia com os olhos ainda molhados e o coração doído, tentando imaginar como uma menina daquela idade estava lidando com a morte de quem provavelmente foi a pessoa mais importante da sua vida. A delegada então seguiu até o saguão do Instituto onde havia um alvoroço de policiais e detetives. Todos conversavam entre si parecendo terem acabado de retornar do lado de fora, suas botas estavam cheias de terra assim como suas mãos.

O último a passar pela porta principal e fechá-la, foi Buckerman. Ele trazia consigo duas sacolas plásticas transparentes. Na mão esquerda, ele tinha uma bandeja prateada manchada com sangue e na direita algo que parecia roupas escuras.

— O que é isso? — Elizabeth se aproximou de Buckerman, apontando para as sacolas.

— Achamos uma falha incomum no jardim enquanto fazíamos uma ronda. O jardineiro nos disse que a grama não costumava ser daquela forma, e ele pareceu preocupado e desconfiado. Parecia que alguém havia cavado aquilo, então conseguimos uma pá e decidimos ver o que era, e achamos essas coisas. — explicou o parceiro, erguendo as sacolas.

Antes que a delegada pudesse dizer algo, alguém se aproximou.

— Sra. Marsh.

— Retorne com todos para a viatura. — Elizabeth disse à Buckerman antes de se virar para falar com quem a chamara, era a recepcionista Tess. — Sim?

Buckerman organizou o corpo de policiais e todos se retiraram do salão que ficou quase completamente vazio.

Elton Gonzalez, o zelador, funcionário ausente no dia do ataque contra o Sr. Monroe, não veio trabalhar desde então. — sussurrou a recepcionista. — Achei que devesse saber.

A recepcionista avisou e retornou ao seu balcão. Elizabeth arqueou a sobrancelha direita e fixou o olhar na porta de saída, talvez agora ela soubesse exatamente o que fazer.

**

Hunter estava sozinho no primeiro andar da Delegacia Central do Condado de Madrin, trabalhando empenhadamente em sua sala. Fazia pouco mais de uma semana que Hunter trabalhava em sua recente descoberta, a sala de bate-papo de Galeno, a segunda evidência que liga as pessoas assassinadas- ou não— misteriosamente em suas casas.

O que mais custou o esforço do perito foi descobrir a senha para desbloquear a sala, mas como nada é impossível, no terceiro ou quarto dia de tentativas com códigos e programas, Hunter encontrou a senha. Sete dígitos, sete letras. ALICIDIA.

O histórico de conversas foi revelado, assim como os membros. Vários nomes na lista de membros foram reconhecidos e associados aos homicídios. Havia naquela lista vários nomes reconhecidos por Hunter, e alguns eles tinham um risco em cima. Todos aqueles nomes riscados eram os nomes de usuário usados no site de histórias pelas pessoas que foram assassinadas. Ou seja, quando a pessoa era morta, ela era riscada na sala de bate-papo.

Havia mais outros nomes, sem o risco em cima, aqueles que ainda estavam vivos. Ainda.

Hunter encarava a tela do computador, com sua expressão era um pouco confusa e intrigada, mas acima de tudo, ele estava curioso. O histórico da conversa era peculiar, era apenas uma linha interminável e repetitiva. O “criador”, com o nome denominado como “Galeno” na sala virtual, chamava um membro, e o usuário correspondente ganhava um risco em seu nome. Aparentemente era assim que funcionava.

Conseguindo invadir todo o sistema da janela de bate-papo, o perito teve acesso às conversas privadas do criador com os outros membros da sala. A conversa era composta por mensagens de texto e mensagens de áudio. Hunter colocou os fones de ouvido e reproduziu o primeiro áudio da conversa de “Galeno” com o membro Magnus.

— Você recebeu o que enviei? Espero que sim. Já está usando? Espero também. Essa sessão é perigosamente deliciosa, e se você realmente quer os efeitos, deve ter se preparado. Você irá viver uma aventura como a de Galeno, o vilão maravilhoso da nossa história favorita.

O primeiro áudio acabou. Hunter reproduziu o segundo.

— Lembra que você me disse o seu capítulo preferido? É o nove, se não me engano. Agora, eu o lerei. Viva isso, Magnus! Viva as palavras que eu vou dizer, viva!

O membro com quem o criador conversava, era Magnus. O nome de usuário correspondente à vítima morta, Joshua Martinel.

O segundo áudio acabou. A voz que o ditava era rouca e parecia modificada. Sintetizador. E as últimas palavras foram ditas com uma intensidade parecida com uma ordem. O terceiro e último áudio foi reproduzido.

— “Não havia mais ninguém naquele bar abandonado. Apenas Vallaric, o dono do local, preparando-se para fechar as portas. Foi aí que ele ouviu a porta sendo aberta, revelando a imagem de alguém que ele temia: Galeno. Sem hesitar, o assassino em série mais procurado da cidade, lhe golpeou no estômago. Vallaric gemeu. Havia uma panela de óleo quente sobre o fogão, usando de toda força, Galeno afundou as mãos do homem na panela, queimando-as e as deixando sem forma alguma...”

Hunter não conseguiu ouvir até o fim, não só pelas palavras, mas pela forma como elas estavam sendo lidas. A voz era áspera e ameaçadora, entrava na sua mente como um veneno e o deixava confuso. Como se quem o lia, o induzisse a fazer aquilo. Era insano.

Aquele chat privado aconteceu com todas as vítimas mortas. Todas elas receberam o áudio com descrições de mortes dos capítulos da história em comum entre eles, Cemitério das Cinzas. E todas elas pareciam ansiosas para serem invocadas à sala privada junto com Galeno. Elas pareciam ansiosas para sua própria morte. Talvez elas não soubessem onde isso ia acabar. Afinal, a sala havia sido anunciada como uma brincadeira.

**

A viagem entre o Instituto Westin Hills e a delegacia não era tão longa, mas naquele dia pareceu como uma eternidade para Elizabeth Marsh. Ela estava no banco de carona de uma das viaturas, e Buckerman dirigia. A cada cinco minutos ela lançava um olhar nervoso para o banco traseiro, onde estavam as sacolas plásticas com os objetos achados no jardim do sanatório. Ela montava teorias em sua mente, às vezes absurdas e outras vezes quase certas.

— Marsh, ficar olhando pra trás de cinco em cinco segundos não vai mudar o fato que ainda falta mais de dez minutos para chegarmos. — suspirou Buckerman, alisando o volante de couro. — Nós vamos entregar essas coisas para Grace e ela vai encontrar algo de relevante naquele sangue e naquela roupa. Teremos fortes pistas agora. Acalme-se.

Grace Hollister é a perita criminal do laboratório forense. Ela trabalha no segundo andar da Delegacia Central do Condado de Madrin há anos, analisando digitais, DNA, sangue e outros elementos encontrados em provas periciais.

— Eu sei. — Elizabeth encostou sua cabeça no banco, fechando os olhos. — Mas as coisas parecem tão alheias. Uma história, uma sala de bate-papo esquisita e um autor internado. O que eu posso fazer com isso? O que podemos descobrir com apenas isso?

Buckerman permaneceu com os olhos na pista tentando chegar o mais rápido possível até a delegacia.

**

O silêncio havia engolido a residência dos Ashter mais uma vez. Catarina e Henri ainda estavam fora, a TV estava desligada, e Soul estava sentado no sofá, mexendo em seu notebook. Lydia estava na cozinha com Alice, que tentava uma receita que viu num livro.

Lydia estava concentrada em cada movimento de Soul, ela conseguia enxergá-lo da cozinha. Ele parecia nervoso, sua perna esquerda estava agitada, balançando sem parar, ele passava as mãos pelo cabelo em um movimento brusco, bagunçando-o. Ele mordia os próprios lábios e sua respiração estava forte. Seus olhos corriam pela tela do aparelho, como se procurasse algo.

— Relaxe. — Alice resmungou, passando uma folha de sua revista de receitas. — Precisamos agir como se não soubéssemos de nada, e ficar encarando ele não é a melhor opção.

Lydia encarou-a incrédula.

— Como você consegue cozinhar nesse momento?

Alice deu os ombros, voltando a se concentrar em sua receita. Depois de dez minutos nessa agonia, Soul passou as duas mãos pelo rosto e fechou o notebook com raiva. Sem olhar para ninguém ele subiu as escadas rapidamente.

Lydia foi rápido até a sala e observou o garoto subir as escadas, depois de alguns segundos ela o seguiu. Chegando ao terceiro andar, ela se escondeu no banheiro e trancou a porta de vidro. O cômodo ficava entre os três quartos. Dois deles ao lado esquerdo, o de Soul e seus pais e o terceiro ao lado direito o de Lydia e Alice.

Lydia ouviu um barulho, era como se revirassem algo. Barulhos relativamente altos, mas nem tanto. Baixo o bastante para não ouvir da cozinha no andar de baixo, mas alto o bastante para ouvir de dentro do banheiro no andar de cima. O barulho vinha do lado direito e lá havia apenas um quarto, o das garotas. Através da brecha direita da porta de vidro do banheiro, Lydia encaixou um dos seus olhos e conseguiu observar parcialmente a porta de seu quarto que estava aberta, e a garota também via Soul. Ele estava remexendo nas coisas de Alice e nas suas. Ele estava procurando a droga.

E ele achou.

Os grandes olhos negros de Lydia se arregalaram e a garota saltou. Ela se afastou da porta e colou suas costas quentes na parede fria do banheiro, tapando a própria boca. Ela ficou ofegante e nervosa, sua respiração estava alta demais. Lydia estava preparada para o escândalo que Soul ia fazer agora que ele sabia que elas haviam descoberto seu segredo mal solucionado.

Ela ouviu seus passos descendo as escadas, ele saiu do segundo andar. Ela escancarou a porta do banheiro e saiu às pressas de dentro dele, observando Soul se movimentar no andar de baixo. Ele abriu a porta pra sair, Lydia o viu enfiando o pacote de drogas no bolso.

— Não faça isso, Soul! — Lydia gritou do andar de cima. — A gente vai ajudar você!

Sua voz saiu mais desesperada e trêmula que o esperado. Soul a olhou, a porta estava aberta e o temporal molhava a entrada da casa.

— Eu sinto muito, Lydia. Mas não sou eu quem precisa de ajuda.

Alice veio da cozinha com uma colher de doce nas mãos.

— O que está acontecendo? — ela olhou nervosa do irmão até a prima.

Soul olhou as duas meninas e respirou fundo.

— Não saiam de casa. — e ele saiu, batendo a porta.

Lydia desceu com rapidez.

— Ele achou a droga, ele sabe que nós sabemos. — ela disse para Alice. — Agora não temos mais nada.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada por ter chegado até aqui ♥