And So We Go escrita por Lavínia Black


Capítulo 2
Capítulo 2 - E eu viro uma stalker




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Quatro dias.

Quatro dias depois e Lisla estava prestes a decretar óbito por motivos psicológicos: tédio.

Lisla nasceu e foi criada em New York, passava as férias em Malibu, e já viajou diversas vezes com o pai, e as vezes com a avó, por todo o mundo. A garota poderia se orgulhar de nunca ter uma vida parada, Lisla gostava da agitação e do barulho da cidade grande, onde sempre havia algo para fazer. Quando ainda estava na escola, seu sonho era terminar logo para poder enfim aproveitar New York. Sokovia parecia ter vindo para testar a sanidade dela.

A cidade cada dia se provava o completo oposto de tudo que Lisla conhecia. Ela estava ali há três dias, três longos dias onde ela não fazia nada além de relembrar cada momento de New York. Ela passou boa parte dos primeiros dias dentro do quarto do hotel, involuntariamente, apenas dando uma pequena espiada pela janela para sentir a atmosfera do lugar, mas voltando para dentro em seguida.

No primeiro dia a ansiedade ainda lhe dava energia e enchia de curiosidade. No segundo dia o quarto começou a lhe entediar e ela sai para a recepção, conversar com a mulher que lhe atendeu antes, mas ela não estava. No terceiro dia seu celular começou a fazer falta. No quarto dia ela decidiu que não aguentava mais, precisava de contato social.

No quarto dia ela acordou por volta das 10 da manhã, a sua janela ficava do lado oeste então o sol não era um problema, decidida a perambular pela cidade, tinha certeza que enlouqueceria se passasse mais um dia encarando a parede branca do hotel, todas as suas roupas ainda estavam todas nas malas, Lisla não confiava muito no hotel e era mais fácil para se locomover. Ela tirou uma roupa confortável, Lisla sempre tivera um fascínio por roupas e por moda no geral, mas isso pareceu sumir desde que chegou em Sokovia, ela já não sentia aversão a usar uma camisa simples sem nenhum acessório. Vestiu-se rapidamente com uma blusa preta e uma calça cargo, e trancou a mala no guarda-roupa, para enfim tomar coragem e sair.

Ela não esbarrou em ninguém pelos corredores, pelo visto Sokovia não recebia muitos visitantes nessa época do ano, ou em qualquer uma, a única figura humana era a recepcionista, que agora estava no canto mexendo no celular não tão discretamente. Ela hesitou na sala de recepção, valeria a pena mesmo ficar andando pela cidade que nada lhe chamava atenção, ela não sabia sobre nenhum ponto turístico, Sokovia apenas lhe entediava. Aquele pequeno monstrinho do arrependimento começou a lhe pressionar novamente, incitando-a a voltar para o quarto e chorar querendo voltar para casa. Suas mãos se fecharam em punho, tão forte que suas unhas quase rasgaram a pele.

Um garotinho vestido de vermelho passou correndo do lado de fora e ela voltou a razão, fazendo seus pés voltarem a andar. A recepcionista fez um movimento para ir falar com ela, mas Lisla nem lhe deu atenção. Assim que saiu a luz quase não a afetou, até o sol daqui é diferente. O sol de Malibu era quase excruciante quando em sua força total, New York era mais branda, mas nada comparado ao que acontecia em Sokovia naquele dia, diferente até do dia em que ela chegou, os raios de sol quase não faziam diferença e a cidade continuava tendo um tom meio acinzentado em suas ruas.

Não seja dramática, você que se colocou nessa posição.

Sokovia estava tão silenciosa quanto o hotel, o clima parecia ter afastado as pessoas das ruas, assim como o fim de semana, pelo visto os habitantes de Sokovia gostavam de se trancafiar nos dias de folga, Lisla teve poucos vislumbres de pessoas ao redor de casas e crianças correndo de um lado para o outro, apenas elas não pareciam se importar, dois jovens se esgueirando para um beco, Lisla fez questão de passar distante deles. Mesmo com a sensação que não encontraria nada além de uma boa dor muscular pela sua falta de tênis, ela continuou a andar.

Dez, vinte, trinta minutos depois para finalmente algo acontecer. Lisla percorreu as ruas ao redor do hotel, as avenidas em que elas desembarcavam até finalmente ela encontrar algo de interessante, e útil. Um dos principais impasses de Lisla era dinheiro, simplesmente não dava para ela continuar com o cartão de crédito Stark, assim que sentissem falta dela a primeira medida de Pepper seria rastrear seu celular. Ela teria que se virar com seus próprios esforços, problema: ela não tinha nenhum dinheiro. Lisla sempre viveu às custas do Stark, nunca precisou guardar nem um centavo, ela estava lidando com esses erros agora.

Em uma das ruas mais afastadas do hotel, uma rua estreita e mais enfeitada que as outras, cheia de árvores nas calçadas, tinha uma confeitaria. Bonitinha e arrumada, com bolos e doces atraentes, mas o que lhe chamou atenção foi o pequeno anúncio no vidro do lugar, com tradução para o inglês, para a sua surpresa.

Vagas Disponíveis para ajudantes.

Contatar Sra. Cosset

As imagens começaram a surgir em sua cabeça, horas e horas enfiada em uma cozinha, mãos enrugadas por lavar pratos ou mãos sujas por mexer com bolos, a vontade de ignorar o anúncio foi grande, ela com certeza arrumaria algo melhor. Seja forte, Lisla, suas unhas não importam mais. Era difícil, abandonar seus defeitos, mas era o que tinha que acontecer agora. Pelo bem da sua jornada. Ela decidiu dar uma chance.

A confeitaria por dentro tinha mais tons de rosa do que necessário e até tinha uma mulher em um dos balcões, recebendo um pacote de uma mulher mais idosa. Lisla andou hesitante em direção a elas, a cabeça ainda baixa quase como um instinto para não ser reconhecida, dando um sorriso para a cliente que saia agora. A dona da loja agora virou sua atenção para ela.

– Em que posso ajudar, querida? - cumprimentou, simpática e em inglês, quase pressentindo que ela não era dali. A senhora tinha os cabelos brancos na altura dos ombros, em um corte chanel elegante e um crachá que dizia Sra. Cosset. Ela tinha olhos castanhos gentis e uma delicadeza que parecia eterna. Lisla sempre foi boa em ler pessoas, uma habilidade muito útil no ninho de cobras que chamava de escola. Essa sua habilidade talvez a salvasse um dia.

– Eu vim pela vaga de ajudante - Apontou para o anúncio do lado de fora, a mulher logo pareceu interessada, saiu de trás do balcão e foi em sua direção, um pano branco limpando o pó das mãos.

– Ah, finalmente, já não aguentava mais todo esse trabalho sozinha, minha coluna já não é a mesma - ela deu uma risadinha, uma típica mulher simpática, como se quisesse que Lisla ficasse menos nervosa - Qual o seu nome, querida?

– Lisla Price - o nome de solteira da sua mãe saía mais natural depois de quatro dias em uso. Sra. Cosset estava no papo agora.

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– De onde você disse que era mesmo? - Margot perguntou enquanto enfeitava um dos bolos com glacê azul e Lisla suspirou, cansada.

Apesar da aparência delicada, a Sra. Cosset era uma tagarela, assim que ela fez uma pequena entrevista com Lisla, perguntas básicas, idade, se ela estudava, perguntas que Lisla respondia com a mesma sinceridade com a qual ela vinha respondendo todas as outras desde que chegou, 50% verdade, 50% mentiras com palavras bem colocadas para parecer verdade. A Sra Cosset - ou Margot, como ela insistiu em ser chamada - pareceu satisfeita com as respostas de Lisla e lhe ofereceu o emprego, nada muito, disse ela, mas o que Lisla precisava era de uma distração.

E o trabalho na confeitaria não era muito difícil, muito conveniente para a garota de 18 anos cujo único trabalho na vida fora as aulas de educação física no ensino médio, Margot pediu para que Lisla ficasse na recepção, enquanto ela cuidava da cozinha. E foi assim que ela passou o resto do dia, sorrindo para clientes que ocasionalmente entravam e conversando com Margot, que de uma maneira quase irritante, queria saber tudo sobre a vida de Lisla.

– Hã... Estados Unidos, mas precisamente New York - Ela respondeu, uma caneta entre os lábios enquanto contava o dinheiro no caixa, pelo jeito no fim do dia, Margot já confiava nela o suficiente para permitir isso.

– Deve ser um lugar lindo, eu nunca sai de Sokovia, nem quando era mais jovem - Lisla suspirou novamente, estava fazendo o possível para evitar a conversa, sem ser rude com a mulher, mas ela simplesmente não parava de puxar assunto. Ela olhou de esguia para o relógio pendurado em uma das paredes, 14:00 da tarde, seu turno não acabaria até no mínimo 17:00 e não dava mais para evitar Margot. A mulher mais velha ia fazer mais uma pergunta quando foi interrompida pela porta sendo aberta, duas pessoas entrando por ela.

Lisla rapidamente reconheceu a pessoa mais baixa, ela estava usando roupas parecidas com as da última vez em que elas se encontraram, era a garota do banheiro do aeroporto. Lisla reconheceria aquele estilo de roupa em qualquer canto, e ela estava usando a mesma jaqueta. Mas ela não estava sozinha, ao seu lado tinha um garoto, que compartilhava das mesmas feições dela, quase como se fossem da mesma família, irmãos ou primos, muito provavelmente. Ele tinha alguns centímetros a mais que a garota, mas o mesmo cabelo escuro e os olhos grandes.

Lisla tinha consciência do fato de que ela estava encarando os dois, mas apesar do garoto ser muito bonito, e bem o seu tipo se ela fosse sincera consigo mesma, mas não era por isso que ela estava encarando, não completamente. Algo mais do que a semelhança entregava o fato deles serem parentes, os dois se moviam quase em órbita, era intrigante observá-los, além disso eles tinham uma aura de mistério, como se estivessem aprontando alguma coisa, principalmente por eles não demonstrarem nenhuma intenção de fazer um pedido. Lisla guardou o dinheiro e se focou em observar o par. A garota ia na frente, sussurrando alguma coisa para ele, mas Lisla estava longe de mais para fazer uma leitura labial. Ela apertou os lábios, frustrada, sua curiosidade ia acabar lhe matando algum dia.

Ela atravessou o balcão, puxando de debaixo um pano, para fingir limpar a mesa mais próxima, discretamente se inclinando em direção aos dois para escutar, sem sucesso, eles ainda falavam baixo demais. Lisla podia sentir os olhares nas suas costas, talvez eles tenham notado que ela estava se intrometendo, talvez só a queriam longe. Por vias das dúvidas, ela permaneceu no lugar, ouvidos atentos. Mas naquela posição, ela não conseguia ver o que os dois estavam fazendo.

Um espelho bem que viria a calhar.

Ela virou o pescoço para não perdê-los de vista. O primeiro a fazer contato visual com ela foi o garoto, ele virou-se, agitado, passando os olhos energéticos por toda a sala, para enfim focar-se no único ser humano em vista: Lisla. Ele a encarava com rispidez, os olhos claros, daquela distância ela não conseguia distinguir que cor eles eram, cintilavam com uma fúria contida, como se ela estivesse atrapalhando seus planos, como se fosse um peão que estava no lugar errado no tabuleiro de xadrez. Não pode ser, ela nunca nem o tinha visto. Não fiz nada para ele, disso tem certeza. Tinha algo no rosto dele que não indicava reconhecimento, o garoto não a reconhecia, sua amargura não era pessoal, diretamente ligada à ela.

Ele não desviou o olhar e durante todo o tempo Lisla sentia um arrepio na espinha até a garota sussurrar algo para ele e os dois deixarem o local, sem olhar para traz. Isso apenas atiçou a curiosidade de Lisla, os dois não agiam naturalmente, eles definitivamente estavam planejando algo, e ela queria descobrir o que era. Margot ainda estava na cozinha, cantarolando alguma música em russo, distraída. Tomada pela curiosidade e por súbita coragem ela largou o pano e, com o cuidado de não chamar a atenção de Margot, os seguiu.

No lado de fora, por alguns segundos ela pensou que os tinha perdido, mas ela podia ver a jaqueta vermelha da garota ao cruzar uma das esquinas, desaparecendo em outra rua. Lisla rapidamente a seguiu pela calçada, o coração palpitando forte só com a possibilidade de Margot notar sua pequena escapada e demiti-la. Os dois voltaram a sussurrar, o que tanto eles falavam era o que Lisla tanto queria saber. Eles continuaram andando por alguns minutos, se afastando cada vez mais da confeitaria e entrando em uma parte mais deserta da área comercial de Sokovia. Lisla pensou em desistir, parecia que os dois estavam voltando para casa ou algo similar, a coragem tinha passado e só ficou a sensação de que ela estava agindo como uma perfeita stalker que iria perder o seu emprego e ser deportada de volta para os Estados Unidos.

Mas o que aconteceu em seguida a fez mudar de ideia completamente. Eles eram discretos, Lisla tinha que admitir. Os dois pararam na frente de uma loja, a última da rua, cuja saída era uma enorme parede, o garoto se abaixou e rápido como uma flecha, pegou o que parecia uma pedra do chão e atirou em uma das janelas, quebrando o vidro, o som ecoou pela rua, mas não chamaria atenção de ninguém, não tão longe do movimento de pessoas. Sem dar oportunidade de Lisla absorver no que tinha se metido, ele atravessou a janela, com a garota em seus calcanhares.

Segundos depois, só restava o vidro na calçada como testemunha do que Lisla foi atrás.


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Notas finais do capítulo

E então o que acharam? Comentem ;)