Mundo medonho escrita por Helen


Capítulo 24
Galxy.




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Ronald senta no chão e pergunta pra Agatha se ela é mesmo Agatha. Ela o observa com os olhos de cores diferentes. Ele repete a pergunta. Pouco depois, ela relembra alguns papéis que viu sobre efeitos colaterais da transfusão, no esconderijo da biblioteca. Num deles, falava sobre a heterocromia, e que era um efeito comum e que passava rápido. Depois, para provar que era ela, disse que sabia disso porque não tinha nada melhor pra fazer. Ronald suspira aliviado. Agatha consegue se recuperar do susto, e começa a explicar as coisas.

— Devit não é o criador dos Medos. — diz ela, com convicção.

— Como tem tanta certeza?

— Se ele fosse, não teria se escondido do Medo que me capturou.

— Talvez fosse estratégia dele ou...

Agatha encara o rapaz e diz com os olhos que “conspirações eram algo desnecessário naquele momento”. Ele entende e para de falar. Os dois discutem alguns poucos detalhes de seu novo plano e depois partem. Não demora muito até Agatha ter seus dois olhos novamente com a cor anterior, e voltar a parecer a mesma pessoa antes do desespero medonho. Os dois se sentiam confiantes com suas almas não atrofiadas. Seus olhos e passos trabalhavam em conjunto, procurando apenas um objetivo.

...

Devit procurava a sala onde estava o sete, um, doze, vinte e quatro, vinte e cinco, enquanto Otsugua carregava as capas dos Scrupulum. A procura era interrompida por gritos aterrorizados dos integrantes da malta que estavam fazendo a transfusão. Se já não bastava a tensão de ser um Intrépido numa terra de Medos, ainda precisava aguentar os gritos dos que foram traídos por seus "irmãos".

Salas e corredores depois, o homem encontrou um corredor longo, que começava metálico e ia se tornando cavernoso. Sua curiosidade o obrigou a entrar, e sua intuição dizia que ali ele encontraria algo útil. Devit entrou e Otsugua o seguiu. O corredor ia reto, descendo. Era escuro, mas iluminado por algumas poucas luzes artificiais aqui e ali, que depois foram substituídas por cristais brilhantes. Poucos minutos depois de ter entrado, Devit se via dentro de uma caverna cheia de estalactites e estalagmites, todas cobertas da gosma medonha. Ele resmungou alguma pergunta, preocupado com o que aquilo poderia significar. Sua intuição o mandou calar-se, dizendo que precisava continuar a todo o custo.

Obediente, ele continuou a caminhar pela caverna, até ver uma luz. Ele a seguiu e chegou até os bastidores do palco onde o Rei Medonho estava discursando antes. O mesmo havia ido se encontrar com os Medos Psico-Físicos para ajustar alguns detalhes finais. O único que restava ali era o Medo Superior branco.

Estava quieto e parecia pensativo. Devit não queria se aproximar dele, mas teve de o fazer. Silenciosamente, passou pelo palco e chegou até a base do enorme cálice de mármore. Não havia mais nenhum Medo na plateia.

Devit olhou para cima e pensou em alguma coisa para chamar a atenção da grande criatura. Não precisou chegar a uma conclusão, porque Otsugua tomou as rédeas da situação, falando com sua voz espectral. A criatura virou os olhos totalmente negros para Devit, e não ligou muito para sua presença ali. O espectro começou a falar em alguma língua estranha e a criatura pareceu entender, e respondeu. Uma curta conversa se desenrolou, e o único humano presente esperou até que ela acabasse. De repente, a criatura branca pegou o homem e o trouxe até o cálice, deixando-o na "bancada" do mesmo. O espectro diz que foi a criatura culpou o homem de ser o criador dos Medos. Ele lançou um olhar estranho para o Medo Superior, e perguntou a Otsugua qual era o objetivo daquilo.

A alma riu. Disse que não haveria como aquele encontro ter acontecido se não tivessem o culpado. Resumiu o plano, dizendo como Medo Superior infiltrou o sentimento de familiaridade na mente do Medo de Hugo e, na mente do Medo de Adler, Otsugua sussurrara uma conspiração contra Devit. A parte ruim do plano era que Hugo estava prestes a se tornar um Rei Medonho, o que o faria mais poderoso para controlar os Medos contra os Intrépidos e comuns restantes. Mas eles resolveriam isso depois.

Quando a explicação foi terminada, Otsugua levou todas as capas para o Medo Superior, que começou a retirar as costuras. Terminado o trabalho, havia vários pedaços de pano escarlate cinzento, grandes o suficiente para encher o grande cálice. A criatura olha para a porta por um segundo, volta a olhar para seu trabalho, mas segundos depois retorna o olhar. Ele vira sua cabeça com rapidez, tentando dizer alguma coisa. Devit vira seu rosto para a direção que a criatura olhava e então vê um Medo Físico sorrindo na porta, e logo depois correndo. Otsugua tenta ir atrás dele, mas sua conexão com Devit o impede. A criatura branca continua tentando dizer algo mas tudo o que consegue falar são os números.

"Sete, um, doze, vinte e quatro, vinte e cinco." dizia a criatura, agoniada.

Devit olha para Otsugua, procurando alguma explicação. A alma diz para ele que a criatura está presa por algum tipo de encantamento, e que não consegue falar com humanos nem sair da Sociedade. O homem pergunta por uma solução. Otsugua diz que uma parte do encantamento é quebrada dizendo o nome da criatura naquele planeta. Aquela era a justificativa de terem transformado o nome em números.

— Transformado em números? — pergunta Devit para si mesmo. Lembrou-se da imagem que Agatha havia achado na sala das câmeras.

"A1Z26."

Pesquisou na sua mente, apressado. Começou a ouvir uma gritaria medonha, mas continuou a procurar. A-Z, alfabeto. 1-26... número de letras. Criptograma. Troque as letras por números.

— Repita os números. — disse Devit para a criatura.

"Sete, um, doze, vinte e quatro, vinte e cinco."

7 = G, 1 = A, 12 = L, 24 = X, 25 = Y

— Seu nome é Galxy, não é? — o homem se vira, ficando de costas para a multidão medonha que acaba de chegar.

Todos param. O Medo Superior olha para Devit com a mesma expressão de paisagem.

— Sim, é.

Um barulho de algo se quebrando ecoa pela sala. Os Medos começam a correr para avisar a seus irmãos que é necessário acelerar tudo. Galxy não se preocupa com isso, agora que consegue falar. Ele abre sua boca, e ruge. Dentro da sua boca há nada além de poeira estelar. Quando ela é fechada, o buraco da boca desaparece no branco rosto, e apenas sobra os olhos escuros.

Otsugua continua falando na língua estranha que Devit não conhece, mas agora com Galxy falando uma língua compreensível para as pessoas, o humano fica com uma ideia melhor sobre o que estão conversando. A conversa gira em torno da gosma medonha. Ela era a principal barreira para Galxy sair dali. Metade havia desaparecido naquele momento. Faltava o restante.

Apenas as capas dos Scrupulum sozinhas não ajudavam. Era necessário encontrar algo que as unisse e as tornasse o que eram antes. Devit parou algum tempo e perguntou o que mais o intrigava naquele momento: O que era exatamente Galxy?

Otsugua respondeu que ele era uma entidade cósmica. Devit se revoltou. "Como assim uma entidade cósmica deu sentimentos pros Medos e foi presa por causa de uma gosma estranha?". Otsugua explica que Galxy é simplório e carrega consigo um desejo de fazer o bem a quem pede. Por isso, quando chegou no planeta Terra e achou os Medos, acreditou que deveria continuar 'estacionado' ali, para o bem daqueles 'oprimidos', pois fora enganado pela boa lábia deles. Quando o criador dos Medos o prendeu com a gosma medonha ao cálice, para impossibilitar permanentemente sua saída, ele deu o Grito e então os Medos aceleraram o plano, da mesma forma que estava acontecendo ali.  Isso foi comandado por Hugo. Ele fugiu depois, e um ano após isso, fez com que Fernanda criasse os Scrupulum. Seu ano inativo foi dedicado apenas à criação daquele plano de trazer todos os Intrépidos e os Scrupulum para a Sociedade.

O humano pergunta o que eles vão fazer. Galxy diz que há apenas duas pessoas restantes, que não estão sendo vítimas da transfusão. Ele não diz seus nomes, e apenas pede com educação para que Devit e a alma vão procura-los. Devit pede para que Galxy o desça do cálice, e diz que será fiel à confiança da entidade. Ela desce o homem, e pede para que seja rápido. Devit concorda com a cabeça.

...

Hugo olha para o teto. Desce a visão pela linha do canto da parede e passa pelos Medos e as máquinas. Ele suspira, lembrando-se de que como havia tido a ideia de criar tudo aquilo. A ideia surgira no meio da madrugada. Seus medos o enchiam de pavor e angústia, então decidiu que era hora de tirá-los. Covarde! Fugiu ao invés de enfrentar. Hugo se lembra dos semblantes intrigados de César, Devit e Loch, quando apresentou seu projeto. Foi aprovado e depois divulgado sem dar créditos ao criador. As partes de cérebro foram retiradas, e um homem chamado César Vectorine descobriu que elas reagiam. Devit desenhou suas formas e as trouxe a vida com o modelador biológico. Hugo apoiou os testes. Não havia tido uma razão para transformá-los em algo vivo. Poderia se ter apenas queimado os pedaços de cérebro, e a humanidade nunca mais pensaria em temer algo. Mas as consciências de todos impediam que a humanidade mergulhasse naquela loucura por completo.

O homem se viu com as mãos sujas. Havia apagado tantas memórias que mal as podia lembrar. Brincou com as mentes das pessoas, e a sua própria. Agora, ninguém o podia perdoar. Não pelo fato de que sua consciência não conseguia encontrar graça que o salvasse, mas sim porque ninguém lembrava de seus erros para poder perdoá-los.

Seus Medos se aproximaram, e começaram a transfusão com pressa. Hugo não queria ouvir, mas foi obrigado a saber que Galxy havia sido liberto pela metade. Mais notícias ruins, se já não bastasse as que já ouvia todas as horas.

Fechou os olhos, e ouviu a máquina trabalhando ao seu lado. O sangue foi para um lado, e depois para o outro. Passou pelo tubo sinuoso e então entrou nas veias do Medroso.

Dor física. Ele já esperava por isso. Gritou apenas para acompanhar seus companheiros dos Scrupulum. Sentiu seu sangue mudar, e sua alma definhar por completo. Não era mais humano. Sua parte humana caiu num sono eterno, e então a parte mais medonha se libertou, tomando controle de tudo.

Um Rei Medonho nascia.

...

Pela fresta da porta, dá pra ver Medos correndo de um lado para o outro. Tudo está bagunçado. Loch olha a cena, preso à cadeira. Sente a morte se aproximando. Não tem medo, mas está confuso. Há muitas informações. Ao lado de Loch, está Alex. A inocência do rapaz comum diante da situação comove o homem intrépido. Mas não há tempo. Não há tempo para comoção. Os Medos dizem a ele que não é necessário quebrar a cabeça com explicações, já que sua alma humana não se lembrará.

O sangue vai para um lado, e depois para o outro. Passa pelo tubo sinuoso e entra nas veias do Intrépido e do comum. Medo corrompe o Intrépido, mas o comum continua lá. Um de seus olhos muda de cor. Novamente um Medo vai avisar os outros.

Não dá tempo. Antes que o Medo volte, o mais novo corrompido elimina o jovem, sujando o chão de vermelho.

Mais um Rei Medonho nascia.

...

Devit segue Otsugua pelos corredores subterrâneos. Enquanto passa por algumas salas, se depara com Adler batendo numa porta de vidro lacrada, desesperado. Quando vê Devit, ele o recusa com os olhos e o xinga, furioso. Otsugua diz a Devit que Adler está com o destino selado, e então começa a apressar o homem. Pouco tempo depois, Adler começa a gritar e socar a porta de vidro com muito mais força. Devit olha pra trás e vê o amigo tentando escapar dali a qualquer custo. Quer salvá-lo, mas lembra do que Otsugua disse. Começa a andar mais rápido, e de repente tudo fica silencioso. Ele apenas ouve seus próprios passos e o som espectral de Otsugua. A porta de vidro é arrombada, e Devit se vira para ver o que aconteceu. Quando colocou os olhos na figura, os virou novamente para Otsugua e começa a correr. Não era mais possível salvar seu amigo.

E mais um Rei Medonho nascia.

...

Ronald acha Devit de longe e o ajuda a se esconder numa sala vazia, junto com Agatha. O homem se senta no chão e respira com profundidade. Havia recebido várias ondas de pavor dos novos Reis Medonhos. Sem conseguir mais suportar, Devit apoia os braços nos joelhos e deita sua cabeça neles. Inspira... expira.... inspira... expira...

Ao pensar que se acalmou, ele levanta a cabeça, mas as lágrimas não se contêm. O mago chora diante das duas crianças. Chora não apenas porque seu melhor amigo havia acabado de ter perdido sua alma para o Medo. Chora porque sabe que eles três são os únicos livres do Medo. Devit chora pelo egoísmo humano, e pela maldita coragem imunda que trouxeram todos até ali. Ronald e Agatha o assistem chorar. Otsugua se aproxima de Devit e o possui, e o faz dizer a si mesmo:

— Lamente-se quando tudo estiver acabado. Caso prossiga chorando pelos que se foram, esquecerá dos que ainda estão.

Devit se desculpou para si mesmo, enquanto Otsugua o deixava. Limpou o rosto e se acalmou. Pouco depois, estava pronto para enfrentar tudo. Agatha organizou estratégias e Devit pontuou os objetivos. Ronald servia como conector entre as estratégias e os objetivos. Otsugua lembrava detalhes simples. Quando tudo estava pronto, os três foram até a porta. Respiraram fundo e então a abriram, indo fazer o que ninguém além deles poderia fazer.


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