Mundo medonho escrita por Helen


Capítulo 19
Diplomacia.




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Enquanto Agatha procura entender o rei que acaba de passar pelas ruas, ela encontra uma "carta" na sua mente. Quando a lê, um grande atlas de informações sobre a Ilha Medonha se abre e ela absorve cada palavra com calma. Não sabe de onde veio tamanha quantia de dados, mas agradece por quem a informou sobre isso.

...

O desfile termina e os Medos se dispersam, deixando o rei apenas com alguns de seus guardas mais poderosos. Alguns Medrosos tentam falar com ele, mas os guardas recomendam que eles escrevam para o palácio.

Uma carruagem branca leva o misterioso Rei Medonho para um pátio de mármore. Portões de aço se abrem diante dos dois cavalos brancos com olhos escuros que guiam a carruagem, a qual circula a grande fonte feita de topázio bruto que ostenta água límpida, antes de parar em frente a uma grande escadaria de concreto.

Abrindo a porta, o Rei Medonho sai do luxuoso veículo e anda de forma suntuosa. Tira um estranho bracelete escondido no braço e o usa como coroa. Corre pela escada, pulando como se fosse o rei do mundo. Caçoa de todos os guardas, sem se importar se eles reagiam ou não. O rei começa a cantarolar músicas medonhas, e continua subindo a escada, exalando escárnio até finalmente chegar até a porta. Quando entra no palácio, tudo de repente desaparece. Seu sorriso, sua postura imponente, seu jeito zombeteiro, tudo parece cair, como um chapéu mal colocado. Até seus olhos brancos param de irradiar luz. E então, o Rei Medonho passa pelo grande salão, quieto e pensativo. Não há ninguém dentro do palácio naquele momento para que o obrigue a tomar a mesma personalidade de antes. As empregadas estão cuidando dos jardins, e os outros estão em seus afazeres nos escritórios. Ele encontra a porta de seu quarto, e a abre, entrando no grandioso e requintado lugar. Se joga na cama macia e branca e o seu Medo sai da sua cabeça sem querer, com o impacto.

— O que flagela sua alma? — diz a criatura, recompondo-se com dificuldade.

Virando a cabeça com certa lentidão, o Rei Medonho olha para o Medo com um olhar sério.

— Você nunca foi bom em fingir que se importa. — disse o homem.

— Agora é assim que trata o Medo que lhe pôs como o segundo na Sociedade Medonha, logo depois do Superior?

— Sou o segundo apenas na Sociedade e seus domínios físicos. O resto do mundo não me conhece. Quando os Scrupulum chegarem, eles ficarão confusos.

— Temo que já estejam, meu senhor. Cinco dos meus seis vigias confirmaram a chegada deles. A organização inteira está confusa sobre quem o senhor realmente é.

— O que eles dizem?

— Deduziram três possibilidades: Você é um "Medo de Humanos", um "Humano Medonho" ou um "Humano Corrompido".

O rei soltou uma gargalhada.

— "Humano Corrompido"?! Sério?

— Digo a verdade, e somente a verdade. — o Medo sorriu.

— Eles virão até aqui pra tentar extrair respostas. Talvez até queiram falar com o Medo Superior. Os Scrupulum já passaram vinte anos enrolando nessa guerra, é provável que já estejam cansados e procurem a paz.

— São tão humanos. Detestam quando há guerra, mas quando estão em paz o que mais fazem é procurar motivos para brigar.

— Precisarei impedi-los de ver o Medo Superior? — o rei apoiou a cabeça nas mãos. — Eles acabarão com nossas vidas se quiserem nos transformar em sentimentos.

— Não precisa se preocupar acerca disso. Sei que humanos e Medos chegarão em um acordo.

— Acordo? Isso não é meio estranho de se dizer?

— Um acordo como o Tratado de Versalhes.

Os dois riram com gosto da piada.

...

Hugo cortou um jarro ao meio. Era o vigésimo sexto daquele dia. Sua alma estava inquieta, devido a um vazio que estava sentindo. Um vazio doloroso e profundo, já que algo havia desaparecido: Hugo encontrava seu Medo em lugar nenhum.

Isso seria ótimas notícias para qualquer Medroso que sofresse danos ou ganhasse problemas com a companhia de seu Medo, como Adler. Mas para Hugo, que considerava seu Medo mais como um irmão do que uma criatura hospedeira, aquilo era terrível. Hugo é um dependente do Medo. Ele utiliza-se da criatura para tomar decisões, pensar e todo o resto. Sem a criatura, o homem é apenas um perdido num deserto.

— Pra onde aquele desgraçado foi? — Hugo parou. Se jarros pudessem sentir, eles suspirariam felizes por não terem sido os próximos.

O homem entrou dentro de uma sala, inquieto, e dentro dela estava o restante dos Scrupulum. Ele apenas ouviu algumas discussões sobre ir tentar falar com o Rei e acabou entregando tudo nas mãos deles, deixando a sala. Os membros da malta acharam estranho, mas não incomodaram o líder da missão. Ele não era muito essencial, já que os Medos eram até mais úteis do que ele.

"Esse lugar é muito barulhento." pensou Hugo, entre os corredores daquela casa de dois andares. Pulou para fora da nova base dos Scrupulum e foi andando pela rua. Medrosos andavam tranquilamente, e alguns poucos acenaram para ele. Achou engraçado como até o céu ali era cinza, já que a Sociedade estava dentro de uma gigantesca caverna marinha. Hugo andou por toda a Sociedade Medonha, admirando o cenário monocromático. Durante a caminhada, avistou alguém.

Um Medo estava nos ombros de um homem, que provava um delicioso sorvete. A criatura cumprimentou Hugo, seguindo-o e entortando a coluna para trás, para acompanhá-lo. No momento em que viu que era o ruivo, ficou assustado e rapidamente voltou-se para frente, segurando a cabeça vermelha do Medroso com as garras.

— Corre, Adler. — sussurrou o Medo.

— Por quê? — perguntou o Medroso.

— Apenas me obedece, droga.

— E se eu não quiser?

— Vai logo! — a criatura tentou arranhar os olhos dele, mas acabou por derrubar o sorvete de Adler.

— Ah, mas você vai me pagar por isso! — Adler pegou o Medo e o jogou no chão, com raiva.

A criatura caiu no chão e soltou um grito de dor. Se recompôs e ficou sobre as quatro patas, como um cão prestes a atacar. Adler colocou um pé para trás e fechou o punho. Hugo se virou e tentou pensar em como aquilo havia chegado naquele ponto tão rápido. O Medo pulou na direção do Medroso, que deu um soco no rosto da criatura, fazendo-a cair de novo. Aquilo se repetiu mais umas duas vezes, e foi quando o Medo correu ao redor de Adler tentando confundi-lo. Talvez a criatura tivesse se esquecido que o Medroso havia sido um ótimo soldado. Esse fato esquecido a fez tomar uma rasteira e logo em seguida ser segurada pelo pé. Adler começou a girá-la e então a lançou pra longe.

Hugo estava paralisado e boquiaberto. Tudo bem que ele era o segundo melhor dos Scrupulum, mas nunca conseguiria fazer algo parecido com aquilo sem alguma arma. Porém, aquilo não o impedia de exercer seu senso de justiça medonho.

— Ei, você não pode bater num Medo só porque ele derrubou um sorvete! — disse Hugo.

— Quem é você pra gritar comigo por causa disso?

— Eu sou o segundo melhor dos Scrupulum!

— Huh, e é? Prove que você é tão forte assim. Há um campo de concreto por aqui. Daqui a duas horas. Entendeu?

— Beleza, então.

— Esteja lá se não eu te caço por toda essa Sociedade!

— Sou Medroso mas não sou covarde!

— Veremos.

Adler saiu andando, pegou seu Medo pelo pé no meio do caminho e o arrastou pelo restante do trajeto. Quando chegou na casa onde estava, abriu a porta com violência, dando um susto em Devit e Ronald, que estavam na sala. Fechou a pobre porta com menos força.

— Tu tá mais branco do que quando eu te vi naquela cela. — Devit fitou o rapaz. — Viu alguma coisa?

— O segundo melhor dos Scrupulum tá aqui!

— E daí? — disse Ronald. — Se ele não mexer com a gente, tá tudo certo.

— Deixa eu resumir a minha situação: — Adler respirou fundo. — Eu. Raiva. Desafiar. Luta. Campo de concreto.

— Hã? — Ronald olhou pra Adler com uma expressão confusa.

— Ah... — Devit parecia entender totalmente aquela mensagem. — Autoconfiança excessiva temporária?

— EXATO. — respondeu Adler. — O que eu faço? Se os Medos me virem lutando eles vão desconfiar das minhas técnicas intrépidas.

— Tem certeza que eles vão prestar atenção nisso? — Ronald se encostou no sofá. — Não tem como você ter uma tática tão diferente dos Medrosos, já que passou muito tempo nessa condição, e aliás, ainda está nela.

— Há lógica nessa sua teoria, mas eu não posso confiar tanto nisso. E também, eu dei uma boa surra no meu Medo e fiz ele desmaiar, ou seja, aquilo deve estar se contorcendo de raiva por dentro. Quando acordar, com certeza vai ativar o Surto e me entregar pros 'irmãos' dele.

— Otsugua pode silenciar ele, se quiser. — ofereceu Devit. — Mas aí eu teria que estar por perto, durante a sua briga.

— Muito arriscado, eu diria. Há o risco dos Medos te verem, o que é muito pior do que a língua solta do meu Medo.

— Otsugua pode criar objetos? — perguntou Ronald.

— Huh, nunca perguntei. — disse Devit.

— Se Otsugua pudesse criar alguma coisa, mesmo que fosse espectral, ele poderia silenciar o Medo e você não precisaria ir com ele, Devit.

— Boa ideia. Perguntarei para Otsugua se ele tem algum tipo de poder assim.

Devit começou a falar em latim com o ar, onde estava a alma, invisível. Um som espectral pode ser ouvido, e então Devit olha para os dois, e diz que o espectro sabia algo melhor. Adler comemorou e pediu para que Otsugua fizesse seja lá o que fosse. Ele fez, e o que quer que tenha feito, além de silenciar o Medo, diminuiu seus movimentos. Adler colocou o Medo na sua própria cabeça e, pegando a espada de Loch, partiu para o campo de concreto.

...

O cinza do concreto exalava uma sensação neutra, que fazia o mais expressivo dos humanos ficar ilegível diante dos olhos. Hugo andava agitado. Esqueceu da existência de seu Medo graças ao desafio, e se perguntava quem era seu oponente de cabelos avermelhados, já que o mesmo não havia se apresentado. Adler chegou até o local, já desembainhando a espada, e Hugo fez o mesmo.

— Você não disse seu nome. — disse Hugo.

— A lâmina vai lhe dizer. — Adler sorriu confiante.

Adler correu e atacou de frente. Hugo defendeu e recuou um pouco. Novamente, Adler foi na ofensiva, e começou a tentar encurralar Hugo, que com dificuldade se defendia de todos os ataques sequenciais de Adler.

— É o melhor que tem, cara dos Scrupulum?

Hugo continuou quieto. Percebeu que sem seu Medo era inútil. Quando sua ficha caiu em relação a isso, se irritou. Ele não podia ser tão dependente para sempre. Um desejo arrasador de provar sua independência e valor surgiu de repente, e se espalhou pelo sangue com velocidade, fazendo com que os movimentos do homem acelerassem, e sua força de vontade aumentou sua força física. O oponente se impressionou com a passagem da defensiva para a ofensiva de Hugo. Adler aceitou o desafio e começou a se defender dos ataques de Hugo, que não eram muitos, contudo, eram certeiros.

A forma de Adler lutar era mais violenta, aleatória e baseada em quantia de golpes. Tinha como foco uma pressão direta sobre o oponente, o deixando sem escapatória. Os que não tinham uma defesa forte, acabavam morrendo de forma brutal. Mesmo que Adler fosse um Medroso, seu comportamento com a espada revelava um perfil intrépido.

Contrastando com o estilo de Adler, a forma de Hugo lutar era calculista e focada em atingir o adversário em pontos específicos. Fundamentado em ataques indiretos e sutis, fazia o oponente ter a convicção temporária que estava vencendo por não ter muitos ferimentos, e assim acabava forçando o corpo sem querer, sem perceber os cortes certeiros, acabando por se autodestruir.

O Medo de Adler rolava de um lado para o outro na mente do rapaz, ainda desmaiado. A criatura nem fazia ideia de que estava presenciando fisicamente uma luta épica, onde dois ideais lutavam sem perceber.

...

Sem o líder, os integrantes dos Scrupulum decidiram tomar decisões por conta própria. Os Medos da malta marcaram uma reunião com o Rei Medonho através dos Medos da Sociedade, e dali a algumas horas todos os Scrupulum estariam na mesma sala que o estranho rei. Otsugua ouviu sobre isso enquanto estava fora da casa e fez questão de avisar aos Intrépidos. Devit passou as informações para Loch e Ronald, e então todos decidiram que era hora de agir. As duas organizações planejam suas visitas ao Palácio Medonho, e quando a hora chega, as duas saem, esquecendo do duelo no campo de concreto.

...

— Que erro estúpido, não acha? — pergunta o Medo ao seu parceiro.

— Acho não, tenho certeza. — o outro Medo sorri.

— Somos geniais.

— Ou eles são dedutíveis demais?

— Talvez ambos.

— Ambos, talvez.

Dois Medos estão na janela mais alta do Palácio Medonho. Um deles é alto e parece vestir uma capa. É o Medo da Morte, em sua forma mais comum. Classificado em Psico-Físico nível 10, ou, resumindo, um dos mais poderosos Medos. O outro Medo é um Medo Psicológico, e ao mesmo tempo consegue ser um Medo Físico. Considerado Medo da Dupla Personalidade, é quatro níveis abaixo que o seu colega. Naquele momento, estava na sua forma mais confortável, que era de Medo Físico comum.

— Eles estão vindo. — disse o Medo Físico. — Todos ao mesmo tempo.

— Vamos esperá-los, então.

— Nunca me senti tão ansioso pela chegada de humanos desde quando o Grito foi dado. — a criatura desceu do parapeito da janela onde estava.

— Nem eu. Aproveite sua chance, não teremos uma dessas de novo.

— Acha que eu tenho cara de alguém que desperdiça oportunidades?

— É apenas um aviso. Humanos conseguem ser imprevisíveis se querem.

— Terei isso em mente.

Os dois seguem o corredor onde está a janela, e descem as escadas. Chegam em outro corredor e entram em uma porta, onde o Rei Medonho se admira diante do espelho.

— Acham que essa guerra é diplomática demais? — perguntou o rei, sem parar de se olhar.

— Que pergunta é essa, do nada? — disse o Medo da Morte.

— Sei lá. Nunca pensaram nisso?

— Se ela estiver diplomática, acabaremos com isso hoje mesmo. — disse o Medo Físico.

— O que querem dizer com isso?

— Você vai ver, meu senhor. — disseram os dois Medos ao mesmo tempo, fazendo uma reverência.

Os três saíram da sala e foram até a sala de reunião do Palácio. Alguns mordomos estavam lá. As paredes eram de mármore e o chão era de concreto. Tudo que havia na sala era uma poltrona preta para o Rei e uma mesa preta gigante com milhares de lindas cadeiras brancas esperando os convidados. Dali em diante, eles precisavam apenas esperar.


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