Corações Perdidos escrita por Syrah


Capítulo 47
47. Atire primeiro, morra por último


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos de volta! :)

Boa leitura a todos!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/615585/chapter/47

AS PALAVRAS DO remanescente me pegaram de surpresa. Arregalei os olhos enquanto apertava os dedos com força ao redor da minha arma, apontando-a para o sujeito.

Ele me conhecia. Sabia quem eu era, da mesma forma que parecia ciente de que nos encontraríamos ali, naquele exato lugar, cedo ou tarde. Aquilo não podia ser bom, de jeito nenhum.

— Ouvi falar bastante de você nessas últimas semanas, e posso dizer que me tornei um tanto curioso a seu respeito, Emma! — o homem sorriu para mim, inclinando o rosto para o lado enquanto me saudava com uma expressão alegre demais para ser sincera.

Seus ombros eram largos e eretos, o que me dava a noção de que ele devia ser bem alto, o bastante para me render trabalho. Os músculos marcados por baixo das mangas da camiseta me entregavam a plena certeza de que um combate de força bruta entre nós estava fora de cogitação; uma coisa era lutar contra um brutamontes qualquer que pensava ser o Superman, outra era um embate com um lobisomem treinado e capaz de controlar a própria transformação — as chances definitivamente não estariam ao meu favor.

Senti que seus olhos negros brilhavam para mim, repletos de uma alegria que me deixou bastante confusa a princípio. Ele estava radiante, de uma forma esquisita e sem sentido — parecia verdadeiramente satisfeito com a minha presença, como se não ligasse para o fato de ter uma arma apontada para o próprio crânio enquanto falava. Pior que isso, o sujeito agia como se não houvesse uma garota semiconsciente e ferida ao seu lado.

Reparar novamente na situação de Sara fez o sangue ferver dentro de mim. Engatilhei a arma, respirando entre lufadas.

— Afaste-se da garota. — Ordenei, sabendo que suas garras jamais seriam tão rápidas quanto meus projéteis envenenados. — Devagar. E deixe as mãos onde eu possa vê-las, ou juro por Deus que farei um buraco bem visível nessa sua testa.

O homem, no entanto, não se moveu um único centímetro. Pelo contrário, após ouvir minhas palavras, cruzou as mãos sobre o colo e se recostou ainda mais na poltrona, no que me pareceu um claro ato de desafio. Foi então que notei o relance de algo negro e brilhante atrelado aos seus dedos; parecia uma pulseira de couro, mas se destoava bem mais que um simples acessório. Infelizmente, não havia como ter certeza sem conferir de perto.

Os nós dos meus dedos se tornaram brancos sobre a arma. O remanescente ergueu uma sobrancelha, abrindo um sorriso mínimo. Sua expressão parecia dizer "Tem certeza de que essa é uma boa ideia?".

— Sua fama lhe precede — disse ele, passando a língua lentamente sobre os lábios e semicerrando os olhos. — Não esperava menos da filha de Adam Grace. Você tem os mesmos olhos que o seu pai, sabe, Emma? Chega a ser uma semelhança adorável.

Meu peito pareceu estalar dolorosamente à menção daquele nome, como se de repente estivesse sob uma pressão esmagadora. Minha respiração acelerou, se tornando quase ofegante, meus olhos se comprimiram e uma gota gelada de suor escorreu até a base da minha nuca. Pelo visto, não era só a mim que o estranho conhecia.

Apesar de já saber que meu pai estava trabalhando com aqueles assassinos, de alguma forma, ter a confirmação tornava tudo ainda pior. Era como se tornasse a situação toda um documento oficial.

Adam Grace havia me traído, e a prova disso estava parada bem na minha frente, retribuindo o meu olhar com um sorriso tão frio quanto uma lâmina de prata.

— Ah, é, eu conheço o papai Grace, sim — anunciou o sujeito maliciosamente após notar a minha expressão congelada. — Mas você já devia saber disso, afinal, está com ela — ele apontou com o queixo para Sara, entortando os lábios em desgosto. A menina permaneceu indiferente. — Aposto que a nossa pequena herdeira já te deixou por dentro da maior parte dos detalhes.

Insatisfeito com a falta de atenção, o homem então agarrou os cabelos da garota com força, puxando sua cabeça para trás e obrigando seu corpo enfraquecido a demonstrar alguma reação. Sara ofegou com a dor, levando ambas as mãos à cabeça involuntariamente — por um breve momento, pensei tê-la ouvido rosnar.

— Ei, o que pensa que está fazendo? Já disse pra sair de perto dela! — exclamei indo na direção dos dois.

No entanto, assim que dei o primeiro passo, meu corpo inteiro estagnou. Contive meus próprios movimentos e senti meus músculos se tencionarem enquanto eu usava toda a força de vontade que me restava para não cometer uma loucura.

O estranho estreitou os olhos na minha direção, examinando a minha reação. Seus dedos estavam ao redor do pescoço de Sara e uma unha despontava de um de seus dedos em forma de garra.

Senti que o ar estava lutando para se libertar em minha garganta.

— Um passo em falso, e eu trituro a jugular dela — ameaçou ele, a voz mais parecendo um bloco de gelo. — Sei que quer respostas, Emma, por isso tentarei ser complacente. Aqui vai o trato: largue essa arma, mantenha as mãos à vista e eu vou sanar suas dúvidas e evitar uma carnificina. Lute e eu mato essa vadia antes que consiga dizer o nome dela.

Sara engoliu em seco. A garota tinha os dentes cerrados e o maxilar trincado no que me pareceu uma tentativa bastante esforçada de manter o controle. Sua atitude me deu a noção de que ela devia estar finalmente recobrando os sentidos, mas, ainda assim, se encontrava amarrada e, portanto, não seria de grande ajuda naquele momento.

Meu coração pareceu se comprimir dentro do peito ao lembrar de Sam e Dean. Onde estariam aqueles dois? Sam não dera as caras desde a última ligação e Dean havia desaparecido na outra ala, enquanto isso Castiel estava sabe-Deus-lá-onde cuidando do próprio nariz. Eu só esperava que os irmãos estivessem bem; já tinha problemas o suficiente para cativar a minha atenção naquela noite, e naquele instante precisava de uma solução — um milagre, sendo mais sincera —, não de outra complicação.

O remanescente deixou escapar um suspiro enquanto me observava.

— Talvez fosse melhor se essa conversa acontecesse tranquilamente, não acha? — ele soava desapontado e pacífico, como se seu objetivo fosse realmente apenas um breve diálogo, e eu estivesse indo contra a ideia. É claro. Como se eu fosse estúpida o bastante para acreditar. 

— Oh, e por que não? — retruquei exalando sarcasmo. — Quem sabe depois do papo não saímos pra tomar um chá e quem sabe jogar damas?

O sujeito rolou os olhos para o alto, impaciente.

— A segurança da criança não é a sua prioridade, caçadora? — perguntou. Apesar do tom irritado, suas orbes guardavam um brilho tranquilo e confiante.

Ele se levantou e, lentamente, como se quisesse indicar que não pretendia cometer nenhum ato violento, se afastou cerca de dois passos de Sara. Minhas sobrancelhas se ergueram e franzi o cenho enquanto um pequeno sorriso cruzava os lábios do desconhecido. Meus olhos automaticamente correram até sua mão esquerda quando um movimento repentino captou meus reflexos; um simples, porém rápido puxão e a sucessão de acontecimentos me deixou devidamente surpresa.

O homem estava há pouco menos de um metro de distância de Sara, sem sequer tocá-la, mas isso não impediu a garota de, sem razão aparente, soltar um breve gemido de dor. Um lampejo de confusão tocou meu rosto no segundo em que o remanescente puxou novamente a mão e, dessa vez, a garota deu um breve solavanco para frente, deixando escapar um rosnado baixo.

Então notei novamente o objeto preto e brilhante que eu havia visto mais cedo nas mãos daquele cara. Uma pulseira de couro, eu pensava; mas não, não era isso. A conexão foi instantânea, assim como o choque derivado da percepção. Aquilo era... 

— Abaixe a arma, Emma. — Repetiu o homem. Dessa vez havia uma ameaça implícita em suas palavras. — Essa belezinha aqui está completamente embebida em prata líquida, caso não saiba. Não em quantidade suficiente para ser fatal, claro, mas pode apostar que machuca como nunca. — Seu olhar estacionou em Sara e um sorriso cruel manchou seus lábios. — Não vou pedir uma outra vez: abaixe essa coisa, ou a garota vai sofrer as consequências.

Uma lágrima escapou dos olhos de Sara, que permaneceu o mais imóvel possível. Ela parecia tão minúscula e indefesa naquele momento, nada como a adolescente confiante e independente que batera a porta de Bobby há alguns dias praticamente me deixando sem escolhas quanto a oferecer minha ajuda. Vendo-a naquele estado, minha única vontade era socar o rosto daquele imbecil responsável pela situação até que ele ficasse inteiramente cego.

Uma coleira. Meu Deus do Céu! Eu já havia visto certos tipos de abuso, mas aquele chegava a ser perturbador, especialmente pelo que se enxergava nas entrelinhas. Meus dedos tremeram involuntariamente. Aquele sujeito devia ser doente; algum tipo de sádico psicopata, era a única explicação.

Com o sangue frio que me restava, engatilhei a arma.

— Saia. De perto. Dela. — Falei entredentes. — Agora, ou vou ser obrigada a pular a parte burocrática e partir direto para aquela onde eu chuto a sua bunda de volta pro canil de onde você veio.

O remanescente ergueu uma sobrancelha, incrédulo. Seus olhos alternaram entre a arma e eu, até que seus lábios de repente se esticassem em um sorriso de escárnio.

— Pensando bem, essa é uma ótima ideia, realmente! Vamos lá, por que não atira de uma vez? — ele deu uma risada zombeteira e balançou a cabeça, como se estivéssemos discutindo a ideia mais absurdamente divertida do planeta. — Experimente puxar o gatilho, caçadora, e prometo que esse lugar vai estar cercado com os monstros que você tanto odeia antes que consiga sequer mirar a segunda bala.

Um calafrio desagradável percorreu a minha espinha. Meus olhos correram por Sara, que permanecia encolhida ao lado da poltrona, de cabeça baixa e semblante transtornado. Ele a havia posto em uma coleira, como se a garota fosse um animal qualquer, por pura e única satisfação própria. Ele queria vê-la humilhada, era o que parecia.

Presa e subordinada como um cão, pensei, engolindo em seco. O homem parecia apreciar muito bem a ironia que a cena proporcionava.

Uma lágrima escapou dos olhos de Sara. O homem apertou a coleira ao redor dos dedos e a garota estremeceu, apavorada. A cena me fez sentir ainda mais ódio.

— Você é algum tipo de sadista problemático, por acaso? — minha voz saiu entorpecida pelo enjoo.

O psicopata sorriu para mim, exibindo uma expressão tranquila, como se situações como aquela lhe ocorressem todos os dias e fossem perfeitamente normais.

Ele suspirou, dando de ombros. Os olhos negros faiscaram em minha direção, repletos de satisfação ao notar que eu estava encurralada. Que escolha tinha? Não poderia de forma alguma dar chance a um blefe. Aquele cara estava certo em algo, afinal; a segurança de Sara era prioridade. Se nossas chances de escapar colocassem sua vida em risco, então não deviam ser analisadas até que estivéssemos sem qualquer outra opção.

Decidi então que, naquele momento, o melhor a se fazer era ganhar tempo. Talvez Castiel pudesse aparecer para ajudar graças a uma prece interna ou, com sorte, Dean e Sam dessem as caras — eu esperava que eles estivessem bem, dadas as circunstâncias.

Em um gesto relutante, lentamente me abaixei, deixando a arma cuidadosamente sobre o chão e, em seguida, empurrando-a aos pés do homem. Me ergui novamente devagar, elevando os braços sobre a cabeça.

Castiel, por favor, se estiver ouvindo isso, preciso muito da sua ajuda, anjo, rezei em meus pensamentos, apertando os olhos por uma fração de segundo. Amém, acrescentei em seguida, só para garantir.

O estranho apanhou minha arma do chão e descarregou o pente, jogando cada parte em um canto distante do quarto.

— Agora estamos nos entendendo — disse ele em um tom calmo, sem tirar o sorriso gélido do rosto.

— Quem diabos é você? — perguntei outra vez, ríspida.

— Meu nome é Richard Myles — o homem finalmente se apresentou, e o fez como se estivéssemos nos conhecendo em um baile de gala e não na cena de um sequestro. — Como já deve ter imaginado, estou aqui pela garota.

— O que vocês querem com ela?

— Eu? Absolutamente nada. — Richard respondeu, categórico. — Mas há algo nela que interessa ao meu clã. Clã esse do qual ela também faz parte, embora tais laços tenham se afrouxado desde que Sara resolveu dar uma de Teen Wolf — ele franziu o nariz em desgosto. — Posso te garantir que, no que diz respeito a esta criança, nossos interesses são puramente... políticos.

Eu não podia acreditar no que estava ouvindo.

— Assassinar uma criança por poder soa como algo político pra você?

Richard sorriu. Parecia verdadeiramente entretido em nosso diálogo.

— Assassinato ou não, vai depender unicamente dela — respondeu ele, sério. Seus olhos tinham um brilho oficial, como se agisse como um porta-voz ou algo assim. — Lucian pretende desafiá-la para um embate, no qual o vencedor fica com a coroa. Se Sara preza tanto a própria vida, tudo o que precisa fazer é vencer.

Eu balancei a cabeça.

— Você é louco. Ela é só uma jovem, não uma lutadora. Ambos não tem o mesmo preparo físico pra um combate justo.

Richard suspirou, erguendo os braços como se dissesse "Não posso fazer nada, sinto muito".

— Como eu disse, é uma questão puramente política. O clã irá respeitar o vencedor, seja ele quem for.

— Assim como respeitaram a liderança do Max? — debochei, enfurecida.

Logo atrás de Richard, Sara deixou escapar um rosnado enfurecido. Quando olhei em seus olhos castanhos, estes pareciam duas fendas vazias e sedentas por sangue, direcionadas especialmente para o remanescente.

Aparentemente, ela havia finalmente despertado.

— Vou rasgar a sua garganta em pedaços — a garota rugiu, furiosa. — E depois farei o mesmo com Lucian e todos os Anciões. E qualquer outro imbecil que ousar se manter do lado dele.

Ao seu lado, Richard deu uma risada sonora, parecendo extremamente fascinado.

— Esse é o espírito, criança — disse mascarando um sorrisinho. — Seu pai era fraco e covarde, sujo o bastante para propor uma aliança com aqueles vermes sanguessugas — cuspiu ele. — Caso vença Lucian, tente não cometer o mesmo erro.

Com isso, a garota chegou ao limite. Sara se lançou para frente, os olhos brancos como pérolas e os dentes afiados à mostra. No momento em que suas presas se chocariam com a garganta de Richard, no entanto, as algemas a seguraram.

É, pelo visto a coleira não representava o pacote completo.

— Esses brinquedinhos são fortes o suficiente para manter você e seu espírito rebelde presos aí por uma década. Esse prédio inteiro ruiria antes que conseguisse sair daí usando a própria força, entendeu bem? — disse ele. Imediatamente associei as algemas a algum tipo de feitiço. Será que ele havia colocado um ali para manter Sara sob controle?

— Eu vou te matar! — berrou a garota, ensandecida. — Vou matar todos vocês!

O remanescente riu, entretido.

— Será uma líder incrível com esse pensamento, minha querida — sussurrou ele. — Mas, antes disso, terá que torcer para que a sua protetora aqui tenha sucesso no próprio resgate. — E, de repente, ele se virou para mim, as íris negras e brilhantes me devorando completamente. — Eu disse que não queria armas de fogo, Emma, no entanto, devo admitir que você tem me deixado bastante curioso. Você já deve saber que a única forma de tirar Sara daqui com vida é eliminando a minha. E, ah, claro, sendo mais rápidas que um clã de lobisomens de prontidão. Mas isto é só um mero detalhe — ele sorriu e suas presas brilharam na luz, maiores e mais afiadas que as de Sara. — Então, por que não pulamos as preliminares, caçadora? As apresentações já foram feitas.

A cabeça se inclinou para o lado para me examinar melhor. Eu tremi involuntariamente ao sentir seus olhos me analisarem. Richard parecia tão ridiculamente confiante que fiquei imaginando se ele não estava com alguém. Não era possível que tivesse feito aquilo sozinho, era?

— Estive esperando por vocês o dia todo, quase achei que não fossem aparecer. Daí eu teria que dar a ele outra desculpa para ficarmos, o que seria muito trabalhoso. E desnecessário. Estou feliz que tudo acabou dando certo.

Ele? Meu cérebro pareceu dar uma guinada brusca do nada. De quem aquele cara estava falando?

— Você a prendeu aqui! — apontei, enraivecida. — Dopou uma criança e a acorrentou como um animal. Você é doido!

Richard revirou os olhos, como se eu estivesse exagerando!

— Naturalmente. Sara se mostrou bastante agressiva à própria detenção, portanto, vê-se que foi um ato necessário — ele sorriu novamente. — Ela também sabe ser bem engenhosa, então fiz questão de mantê-la afastada de todos os materiais que pudessem facilitar na sua fuga.

— E achou que a envenenar seria bom também, seu idiota? — rosnei.

O homem deu de ombros.

— Uma medida radical, admito, porém necessária — respondeu simploriamente. — Não se preocupe, Emma. Ficará aliviada em saber que a dose que dei à Sara foi bem menor que a que seus dois outros amigos receberam.

Meu coração parou por um segundo. Ele estava falando dos irmãos? Sam e Dean haviam sido pegos? Onde eles estavam? Ainda estariam vivos? E Castiel, será que minha prece tinha sido assim tão ruim que ele nem mesmo se dera ao trabalho de atender? Minha cabeça girava em confusão.

Acho que algo em meu rosto transpareceu meu medo, pois o homem sorriu vitoriosamente.

— Sim, seus animaizinhos de estimação, os Winchester, já foram devidamente recebidos. Apenas me entristece saber que eles não puderam te ver uma última vez.

— O que fez com eles? Se tocou em um fio de cabelo...

Richard riu. Ignorando a minha pergunta, o homem ajeitou a própria camisa e deu um passo a frente.

— Sejamos breves, tudo bem? — disse em um tom falso de gentileza. — Tenho companhia em breve, e planejo arrumar toda a bagunça que está prestes a causar antes que ele chegue. — E, novamente, o ele manchou a conversa. De quem aquele imbecil estava falando? — Vamos, faça uma breve demonstração, caçadora. Me mostre o que Adam Grace ensinou a você todos esses anos, no lugar de Alice.

Outra vez, um forte comichão formigou em minhas entranhas, instantaneamente ativado pela menção de um simples nome. Fixei Richard com um olhar que eu torcia para ser tão assassino quanto o de Sara. Em um instante, pareceu que todo o meu interior se incendiou como brasa quente.

— Emma... não! — suplicou Sara, retomando o controle da razão. — Ele está te provocando, quer te obrigar a lutar! — Ah, justo agora você dá uma de moralista?!, pensei.

Eu respirei fundo, lutando contra a fúria que ardia em mim. Richard sorriu, divertindo-se. O homem cruzou o quarto e em poucos segundos me alcançou, o semblante irado e a postura agressiva não me deixavam dúvidas; ele avançou subitamente sobre mim, não perdendo tempo ao tentar desferir um gancho de esquerda quase certeiro em meu rosto.

Desviei por poucos centímetros, chegando a sentir o ar se deslocar à minha frente, tamanha a força que o sujeito usara. Me esquivei do segundo golpe com um impulso para trás, usando a deixa para desferir uma joelhada contra seu estômago. Quando o lobisomem se curvou para a frente, aproveitei para socar seu rosto; uma, duas, três vezes. Richard rosnou quando  seu corpo foi para trás com o impacto, erguendo um braço sobre o rosto defensivamente e utilizando o outro para agarrar meu punho esquerdo com uma velocidade sobrenatural. O remanescente bloqueou uma segunda joelhada minha com a própria perna, agarrando meu ombro e girando com força, me arremessando do outro lado do quarto.

Ai, merda. Minha visão foi preenchida com vários pontos pretos, ao passo que meu corpo latejou em diversos locais ao mesmo tempo. Droga, provavelmente tinha fraturado uma costela na minha breve experiência de voo.

Quando consegui me colocar de volta nos próprios joelhos, os passos pesados de Richard preencheram meus ouvidos. Ele está usando botinas de guerra?, pensei enquanto a sombra do homem cobria parcialmente a minha visão do perímetro. Um chute em meu estômago e senti meu corpo desabar novamente sobre o chão, dessa vez com um protesto sonoro de dor da minha parte. Costela número dois, fora.

Em algum lugar distante, os berros de Sara preenchiam o quarto.

— Seu monstro desgraçado! — ela gritava a plenos pulmões, seu corpo inteiro parecia mais do que motivado a se livrar daquelas algemas a todo custo. — Pare com isso, agora, ou eu juro que vou acabar com você, me entendeu? PARE, RICHARD!

O remanescente deu uma gargalhada sonora e maníaca, se aproximando de mim outra vez, os lábios manchados com aquele sorriso presunçoso e detestável. No entanto, antes que ele se desse conta girei a perna em um ímpeto e o atingi, fazendo seu corpo ir com tudo ao chão. Subir em cima de um lobisomem estava totalmente fora de questão, por isso apenas me levantei e procurei pela arma que ele tinha arremessado pelo quarto. Meus olhos esquadrinharam o quarto, em pânico, até visualizar o brilho opaco do cano próximo ao pé da cama.

Eu me joguei na direção do objeto sem pensar duas vezes. Agarrei a arma com uma das mãos e me virei, bem a tempo de ver Richard já de pé com uma expressão insana e desvairada em seu rosto. Ofegando como louca, eu puxei o gatilho.

E, é claro, nada aconteceu.

— Esqueceu da munição, lindinha — disse ele, e notei o brilho prateado do que devia ser o pente de balas entre seus dedos.

Merda! Eu tinha esquecido que aquele filho da mãe havia desmontado a maldita arma antes de jogá-la longe. Seu olhar psicopata me fixava com um sorriso não muito agradável, dando a entender que o futuro que ele reservava para mim iria bem além de uma coleira. Mas... nem tudo estava perdido, certo? Eu ainda tinha... ainda tinha... minha adaga!

Sim, é claro! Havia escondido a pequena lâmina de prata na bota antes de sair à procura de Sara pelos corredores. Tudo o que precisava fazer ela alcançá-la, bem rápido.

E foi o que eu fiz. Jogando a arma longe outra vez, rapidamente saquei a adaga e me pus de pé, sentindo meu corpo protestar de mil maneiras diferentes e minha visão escurecer durante uns dois segundos.

— Uma faca? É o melhor que pode oferecer? — ele riu, desacreditado. — Esperava mais de você, minha querida.

— Não vai estar sorrindo quando eu acabar com a sua raça, pulguento! — gritei de volta.

A expressão de Richard se fechou outra vez, com ódio queimando em seus olhos negros, que agora não passavam de fendas assassinas e motivadas. Ele partiu novamente para a ofensiva, me alcançando em duas passadas e desferindo outro soco que acertaria em cheio meu rosto se meus reflexos não tivessem salvado a minha pele no último segundo. Com um braço defendi o golpe, utilizando o outro para revidar. O homem, no entanto, aparou meu pulso com a mão livre, e aproveitei o momento para desferir uma cabeçada certeira. Richard cambaleou para trás, mais surpreso do que realmente afetado pelo golpe.

Investi com a adaga contra seu coração, mas ele foi rápido em se defender, gritando de dor quando a lâmina de prata afundou em seu antebraço.

— Sua... humana... desprezível — ele rosnou. Oh-oh... algo me dizia que eu o tinha deixado realmente irritado agora.

Richard partiu para cima de mim com fúria, agarrando meus braços com força. Desferi um chute certeiro que o fez cambalear um pouco para trás, mas como estava vacilante por causa da dor em meus braços, não consegui pará-lo quando este desferiu um soco contra meu rosto. A dor incendiou todo o lado esquerdo do meu rosto, tão grande que quase não senti quando a segunda pancada chegou, me fazendo ir ao chão.

O sangue manchou o carpete do quarto ao escorrer da minha boca em uma quantidade não muito otimista. Eu pisquei, zonza. Foi então que senti a mão de Richard em meu pescoço, me erguendo do chão como se eu fosse uma boneca de pano. Ele me jogou contra a parede, me sufocando. Ergui o braço em um instinto — milagrosamente, eu ainda segurava a lâmina de prata. Richard percebeu meu movimento e rapidamente segurou meu pulso.

Um barulho estranho de osso se partindo. Um grito. A dor queimou por todo o meu braço, me fazendo arquejar enquanto as lágrimas queimavam em meus olhos. A faca atingiu o chão com um tilintar que ficou completamente abafado pelos gritos de Sara e pelos meus próprios.

— P-pare, Richard, eu vou com você! Só deixe ela em paz, p-por favor! — Sara berrava ao fundo, a voz estrangulada por seus sentidos alterados. Eu não conseguia vê-la, apenas ouvir. A menina parecia desesperada.

Minha visão estava falhando, pontos pretos dançando diante dos meus olhos. A dor era tanta e em tantos lugares que eu sequer sabia como ainda estava consciente. O som de pancadas vindas de alguma porta aos fundos e vozes abafadas me deu a vaga noção de que alguém por ali chamava meu nome. Seria... Sam? Ele estava bem? E Dean, será que estava com o irmão?

Por favor, estejam bem, pensei, por favor!

— Tarde demais, criança — Richard respondeu para Sara, em seu tom havia um prazer inegável. Ele estava adorando tudo aquilo. — Você vai comigo, sim, assim como os cadáveres deles três. E essa aqui será a primeira!

Observei enquanto seus olhos adquiriam uma coloração esbranquiçada, beirando o dourado. Suas unhas se alongaram, tornando-se imensas garras, ainda maiores do que antes, que poderiam facilmente dilacerar a minha garganta em um segundo se quisessem. Ele estava se transformando.

Meu Deus, pensei, em pânico, contemplando o inevitável, eu vou morrer.

— Fui alertado de que você deveria permanecer viva até o fim desta operação, mas, agora que tenho a garota, acho que não precisamos mais de você.

Meu cérebro estava frenético. Um combate de força, que inferno!, pensei furiosa. Eu nunca deveria ter entrado num combate de força com esse cara!

— E pensar que eu quase cheguei a chamar alguém como você de... líder — ele praticamente cuspiu as palavras em mim. — Você não é nada, Emma Grace!

O quê? Algo em meu cérebro pareceu estalar. Líder?, pensei, incrédula. Aquele homem devia ser mesmo um lunático.

O sangue escorria quente em minhas roupas. A dor latejava em cada célula do meu corpo e eu sabia que desmaiaria a qualquer momento. Merda, então era assim que eu acabaria, depois de tudo? Detestava admitir, mas até que seria um final bem previsível.

Foi então que a coisa mais louca do mundo aconteceu. Um barulho alto, de doer os ouvidos, inundou o quarto. E mais outro. A pressão em meu pescoço pareceu diminuir consideravelmente e milhões de pequenos pontinhos negros atrapalharam a minha visão outra vez. É, isso, vou apagar de vez, pensei enquanto meu corpo ia ao chão pela milésima vez naquele dia, pelo menos foi indolor. 

Mas não foi o que aconteceu. Ao contrário, assim que meus joelhos bateram no carpete com um tilintar dolorido, senti minha garganta arder e o ar correr desesperado para dentro de mim. Eu estava ofegando, e — surpreendentemente — consciente. Meus neurônios demoraram a assimilar que os pontos negros em meus olhos não eram coisa da minha cabeça, mas sangue.

O corpo sem vida de Richard jazia na minha frente, desmontado sobre o carpete, com seus olhos negros vidrados e um buraco de bala meio fumegante no meio da testa e outro no peito, na altura do coração. Mas como...?

Imediatamente me virei para Sara. Será que ela havia conseguido, de alguma forma, se libertar e apanhar a arma, dando a cartada final? Eu achava que sim, mas não poderia ter sido a garota, porque, quando a olhei, seu semblante transtornado estava em choque — não direcionado para Richard ou eu, mas para a porta. Foi então que notei a sombra se projetando sobre mim e o cadáver. Eu ergui o rosto com um sorriso assustado, esperando ver Dean ou Sam me encarando de volta com expressões vitoriosas nas próprias caras.

O que eu vi, no entanto, não foram os irmãos. E a visão quase fez meu coração saltar pela boca uma segunda vez naquela noite.

Tenho companhia em breve, Richard dissera. 

Ele. Agora tudo fazia sentido.

— Mas o que é que...? — minha voz saiu como um lamurio, sem reação.

O homem me encarou de volta com aquelas orbes verdes brilhantes, estreitando o olhar. Olhar esse que eu não via há muito, muito tempo.

— O que diabos está fazendo aqui, Emma? — meu pai perguntou, chocado.

E então a adrenalina se esvaiu do meu sangue como se alguém de repente houvesse destampado o ralo, e eu desmaiei.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ei, galera, tudo ok?

Desculpem o palavreado, a emoção tá no limite. FINALMENTE chegamos no ápice da porra toda, ahahah.

No próximo capítulo: Adam enfim dá as caras, mas as reações ao seu retorno não são as que todos esperavam. E, pior ainda, o pai de Emma também não parece o mesmo. Dúvidas vêm à tona enquanto a ajuda de nossos irmãos e a presença inesperada de Castiel só servem para causar mais dúvidas na cabeça de Emma. O que, de fato, aconteceu com Adam Grace?

Até mais, meus lindos!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Corações Perdidos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.