─ Quero falar com ele. ─ eu entrei na sala de Nick sem pedir para ser anunciada, sem informar o assunto que queria discutir com o Diretor da S.H.I.E.L.D. e muito menos deixar aquela secretária fedelha encostar no meu braço na tentativa de me puxar para longe.

─ Você deveria estar aqui? ─ Nick girou sua cadeira e me olhou cético.

─ Não, mas-

─ Achei que tivessem marcado uma reunião com a S.T.R.I.K.E. para discutir sobre a missão daqui a dois dias. ─ Fury cruzou os braços e me olhou um pouco irado.

─ Nick eu sei, mas-

─ Agente Fury é mesmo assim que você quer pagar por seus crimes? Fugindo de reuniões para falar comigo? ─ ele voltou-se para seu computador e voltou ao trabalho.

─ Não é com você que eu quero falar! ─ rebati, agora irritada por seu lembrete de que eu estava pagando por meus crimes ─ Quero falar com ele.

Nick voltou-se para mim brevemente, me olhando ainda um pouco descrente, mas esse contato visual não demorou muito, pois logo estava voltado para seu computador e me ignorando por uns minutos.

─ Ele não quer falar com ninguém no momento. Eu disse a você. Ele está destruindo alguns sacos de boxe.

─ Tá, legal! E onde fica isso? ─ me aproximei da mesa dele na expectativa de conseguir alguma resposta descente.

─ Vá até o subsolo, sala A3. ─ Nick falou sem me encarar.

─ É lá onde ele está? ─ uma mínima pontada de esperança cresceu em meu coração.

─ Não. É onde a equipe S.T.R.I.K.E está reunida para rever o plano de proteção do cubo. É onde eu quero que você esteja.

─ E depois? ─ cruzei meus braços.

─ E depois você será encaminhada para a base onde o cubo está. ─ foi tudo o que ele disse.

─ Nick, qual é... ─ bufei, mas continuei sem respostas ─ Muito maduro da sua parte.

─ Está dispensada, agente Fury.

E eu tive que partir.

Há nove anos atrás eu odiava o subsolo. Era onde acontecia reuniões ultrassecretas que eu não podia participar ─ afinal a maioria era sobre mim ─, ou era onde os cientistas estranhos me aplicavam sedativos, remédios, me forçavam a fazer testes, exames, treinamentos... Não tinha muitas boas lembranças do lugar, para falar a verdade.

Mas agora, nove anos depois... Era apenas uma parte do complexo da S.H.I.E.L.D. que eu só tinha permissão para transitar quando o Diretor quisesse.

Eu estava andando lentamente pelo corredor silencioso quando ouvi um arfar vindo não muito longe dali.

Foquei minha audição apurada no som e percebi que alguma coisa estava caindo sobre o chão repetidamente. Pareciam minúsculas bolinhas quicando no chão. Um som mais forte interrompeu o antigo, e foi substituído pelo som de algo se arrastando. O que é isso afinal?

O som vinha de uma sala atrás de uma dupla de portas de alumínio. Caminhei até essa porta, desviando-me de meu real objetivo e apenas por pura curiosidade, abri uma pequena fresta para olhar lá dentro.

Era um ringue de boxe. Ou era o que deveria ser.

O que um ringue de boxe estava fazendo no subsolo da S.H.I.E.L.D.?

Abri um pouco mais a porta e o vi.

Meu coração parou, permitindo apenas que meus olhos se movimentassem para gravar a imagem a minha frente.

Ele estava usando uma calça de moletom cinza, sapatos esportivos, ataduras nas mãos e um peitoral desnudo completo de suor. Ele parecia irritado com alguma coisa ao colocar novamente outro saco pendurado no gancho. Começou a socar e socar sem perder tempo, seguindo um ritmo constante de movimentos e respiração sem parar para endireitar o saco que se movimentava feito maria-mole.

Não sei quanto tempo fiquei ali, mas observá-lo enquanto expressava toda aquela raiva me fez perceber o quanto eu não estava preparada para contar a ele quem eu era. Ele tinha uma imagem perfeita minha. Imagem que eu sempre zelei e tentei proteger. Kate Heastings era uma boa mulher, tinha o próprio negócio, cuidava muito bem da sua biblioteca, era gentil com os clientes e seu maior defeito era não saber fazer uma panqueca descente e amarrar corretamente seu avental.

Quem era Ellizabeth Fury perto de Kate Heastings? Uma merda. Era isso o que eu realmente era. E não estava preparada para revelar esse meu lado.

Só que eu pensei nisso tarde demais, pois na terceira vez que ele destruía um saco, resolveu desistir e virar-se em direção a saída ─ em minha direção.

Nossos olhos se cruzaram. Mais uma vez. E durante todo aquele longo e interminável minuto eu pude sentir o brilho mágico que Steve exercia em mim novamente. Mas acabou quando ele deu um passo em minha direção e eu sem saber o que fazer, fechei a porta e caminhei às pressas para longe.

Que merda! Que merda!

─ Kate, espera! ─ ouvi-o gritar.

Puta merda!

─ Kate! ─ senti seu braço me puxar de volta e eu não consegui encará-lo. Fiquei admirando o chão, pois sabia que se o olhasse novamente não iria resistir e acabar falando alguma besteira ─ O que você está fazendo aqui? ─ sua voz era um pouco ofegante, mas não demorou muito para se normalizar ─ O que... Como foi que me achou?

─ Seu amigo Nick. ─ foi tudo o que consegui dizer.

─ Oh... ─ ele suspirou e então passou a mão por baixo de meu queixo, forçando-me a encará-lo ─ O que foi?

Porcaria de olhos lindos!

─ Preciso falar com você. ─ consegui lutar contra o nó que se formava em minha garganta para dizer.

─ Eu também. ─ uma fina camada do brilho voltara, mas eu lutei contra ele para manter minha mente sã e estável. Eu preciso falar a verdade. ─ Eu não parei de pensar em você um segundo se quer.

Opa!

─ Acho que não estamos falando da mesma coisa. ─ dei dois passos para trás, mantendo uma distância favorável para mim.

Senti que meu afastamento o magoou um pouco, mas era necessário. Eu não conseguia pensar direito com ele me tocando.

─ Steve eu... ─ mordi o lábio. Como é que você se apresenta de verdade para um homem?

─ Kate, você... ─ ele franziu o cenho daquela forma fofa que só ele conseguia fazer. Foco Ellizabeth! Pelo amor, é só um cara maravilhoso, perfeito que possivelmente você está apaix... enfim... Nada demais! Supere!

É. Eu preciso falar.

─ Meu nome não é Kate Heastings. ─ dito isso, sua confusão só transparecia mais e mais em sua face ─ Há mais ou menos um mês e meio ─ coloquei minhas mãos para trás e ergui o queixo, para demonstrar uma formalidade comum entre soldados enquanto falava ─ minha equipe foi enviada para uma caverna submersa ao gelo onde foi rastreado um tipo diferente de metal. Encontramos o metal e... um pouco mais além eu encontrei você. Estava congelado, mas para minha surpresa ainda respirava. Alguns dias depois você despertou, destruiu um cenário criado para tentar mantê-lo confortável, agrediu alguns colegas meus e... Bom. Saiu para as ruas da atual Nova York. ─ percebi toda a contrariedade transparecer em suas feições, mas não me contive. Agora eu precisava terminar ─ Meu superior, o Diretor Fury, pediu que eu voltasse para a base após uma semana de descanso para que eu lhe ajudasse a conhecer o novo mundo. Mas eu me recusei. Não me sentia confortável com a situação e lidar com um homem que... deveria... bom... ─ suspirei ─ Foi demais pra mim. Mas você e o diretor estavam lá um dia depois e... com o passar do tempo... eu não tive como fugir- ─ ele interrompeu minha fala ao virar-se em direção oposta e começar a andar.

Eu preciso continuar a falar, ou se não vou perder a chance! Foco, Ellizabeth! Você consegue.

─ Não tive como fugir porque me apaixonei. ─ Ah! Não acredito que admiti isso em voz alta. Não era bem esse meu plano inicial, mas tudo bem. Quando eu disse isso, ele freou no meio do caminho e virou seu rosto de perfil para mim, como se mostrasse que estava prestando atenção por enquanto ─ No inicio eu... bom... não sabia realmente o que era, mas... mas agora... ─ suspiro ─ Agora eu sei. ─ Ele virou-se por completo e deu curtos passos em minha direção ─ E-eu sei que ainda tem a garota misteriosa, Peggy, e eu sei lá quantas outras mulheres envolvidas na sua vida, mas acho justo que você saiba realmente quem eu sou. Você pode até pensar que eu menti para você e, sinceramente? O que vivi nesses últimos meses foi o mais perto que consegui chegar de ser eu mesma com alguém. Foi o que eu procurara durante anos da minha vida. Paz. Conforto. Estabilidade. Alegria...─ continuou a dar curtos passos em minha direção e eu não sabia muito bem determinar o que era aquele brilho em seu olhar. Só sabia que aquilo me deixava totalmente desconfortável. ─ Você pode, por favor, falar alguma coisa? Porque eu estou me sentindo uma completa idiota falando sozinha.

Agora ele estava perto o suficiente para que eu me perdesse na iris de seus olhos mais uma vez.

─ E quem você é? ─ sua voz soou baixa, mas cada palavra atingiu meu cérebro como chicotes atiçando o ar.

─ Sou Ellizabeth Fury.