Tão frio quanto a Coréia escrita por Garota Errada


Capítulo 7
Temperatura 5


Notas iniciais do capítulo

Cada personagem tem seu valor, principalmente para um leitor, que com sua magia transforma ele em realidade.
Comentário faz bem a vida, ao leitor e principalmente a inspiração do escritor. Comente!



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Como havia previsto não consegui dormir muito bem durante a noite e a ansiedade não diminuiu nem um pouco durante o café da manhã. Queria fazer um milhão de perguntas ao San Min ou mesmo ao meu tutor; saber mais sobre as aulas particulares e principalmente sobre o lugar que estaríamos indo essa tarde.

Mas mantive as minhas perguntas para mim, comi a minha primeira refeição do dia, ajudei a limpar a cozinha, limpei o meu quarto, como pedido e em seguida escolhi as roupas que usaria dali há duas horas. Embora tenha separados algumas no diante anterior, não cheguei a realmente escolher aquela que achava própria para o passeio. Um passeio que ainda não tenho certeza de como e onde será.

E a ansiedade somente aumenta a cada segundo que se passa. Estou a ponto de enlouquecer devido a isso, entretanto me é gratificante por ter algo por me empolgar e que fazer depois de mais uma semana nesse lugar sem saber para onde ir e o que fazer. Como confirmação aos meus dias tediosos encaro o caderno sobre a minha escrivaninha; as palavras soltas, embora sempre tente escrever algo mais concreto, estão lá demonstrando o quão difíceis foram meus primeiros dias, enfrentando a mudança radical e a recente perda.

Entretanto agora, finalmente, consigo enxergar alguma luz no fim do túnel. Posso respirar sossegada por saber que terei o que fazer e que terei com quem conversar nos meus dias que continuará a seguir nesse novo mundo.

Com essa certeza vou a escrivaninha e pego o caderno sobre esta e a guardo na única gaveta da cômoda, que tem o mesmo tamanho que o tampo, e sinto-me incrivelmente em paz ao fazer isso.

O que me resta e me arrumar e esperar o momento que deixarei essa casa e irei conhecer um novo lugar.

•••

San Min e eu saímos de casa pouco depois do almoço, ele leva sua mochila escolar, na qual tem comida para nós dois, caderno e um velho livro dele do ensino básico.

Estamos de jeans e bota; ele com uma camiseta e um casaco por cima, eu regata, duas blusas medias e um casaco grosso. Embora o inverno ainda não iniciou, o outono na Coréia é suficientemente frio para mim. Andamos até o armazém, onde a dona nos cumprimenta alegremente – ela já está acostumada com a minha excêntrica aparência. Cumprimentam-na e seguimos para a escadaria; a última vez que a usei foi também a minha primeira vez.

Dali seguimos a rua de baixo até um ponto de ônibus; pelo caminho, como na minha chegada, os olhares são direcionados a mim. San Min amavelmente explica que é raro estrangeiro vim para essa parte da cidade, principalmente alguém com as minhas características.

–Certamente sou muito estranha perante os olhos de vocês.

–Não. Bonita para os coreanos.

Fico envergonhada com as palavras dele, sinto meu rosto esquentar, apesar do vento frio que lhe acaricia.

–Cor de cabelo bonito, olhos bonitos. – completa ele.

Estamos parados no ponto de ônibus quanto ele diz isso, olho-o e reparo ele analisar o azul dos meus olhos e imagino o quão maravilhado ele não ficou ao vê-los pela primeira vez. Sorrio com esse pensamento.

–Altura estranha. – anuncia ele com desagrado.

–Altura estranha? – repito.

–Muito alta para mulher. – explica.

–Ah! – exclamo ao entender.

Posso imaginar que isso seja realmente incomodo, até para mim esse fato é. Embora no Brasil conseguia encontrar garotos da mesma altura ou um pouco mais baixo, aqui suponho que não seja uma tarefa muito fácil e quem gostaria afinal de contas ficar ao lado de alguém bem mais alto que você?

Olho para San Min e entendo o quão cômodo pode ser para ele essa saída ao lado de alguém bem mais alta que ele.

–Obrigada por me explicar tudo isso e pela oportunidade de conhecer um novo lugar.

Ele me olha demoradamente, visivelmente desconcertado com as minhas palavras, mas eu tinha que demonstrar minha gratidão pela decisão dele, embora essa lhe seja incomoda.

Um ônibus estaciona diante ao ponto, ele desvia sua atenção para ele.

–Preste atenção. – diz ele para mim.

Faz um sim apressado com a cabeça, e assim que a porta dianteira do ônibus se abre, o motorista me olha com visível espanto, San Min olha-me para mim.

–Ele é um unjeonsa.

–Ujonza?

–Un-Jeon-sa!

–UnJonza.

Ele sorri, mas embora não totalmente satisfeito com minha pronuncia. Subimos no ônibus e ele diz algo ao motorista, e pede para que eu diga o mesmo, paraliso.

–Não entendi. – ele bufa.

–Annyeonghaseyo! – repete ele em tom alto.

Viro-me para o motorista que parece esperar alguma coisa de mim, sorrio. Aquela palavra pronunciada por San Min não é totalmente nova para mim, já que ele a usa sempre que vamos ao armazém ou quando estou com a araboti na banca de legumes e ela cumprimenta alguém. Ainda assim não tenho certeza se conseguiria falar claramente para o motorista.

–Anhiongaseio.

–Annyeonghaseyo. – responde ele sorridente.

Fico mais segura e despejo o cumprimento nos demais dentro do ônibus, que me cumprimentam em sua maioria somente com um balançar de cabeça. San Min e eu sentamos nos bancos do fundo.

–Pronuncia 6 pontos. – informa ele.

Seis pontos não são de todo o ruim, fico feliz.

•••

Descemos num ponto diante de um enorme parque, cujo nome San Min faz repeti-lo dezenas de vezes, e ainda no final não fica satisfeito.

–Mas não é Bulamé?

Ele não responde, segue determinado em direção a entrada do parque. Não tento novamente e o sigo para dentro do parque, que realmente se mostra monstruoso assim que colocamos o pé dentro dele.

San Min segue uma pista de corrida e desta vai para uma área com bancos, no qual ele escolhe um e se senta convidando-me a fazer o mesmo. Agradeço quando ele finalmente se senta, embora esteja frio e uma caminhada é uma excelente escolha para aquecer, andar demais, principalmente numa pista tão longa, não se mostra desse modo.

–Mul?

–Hã?

–Mul?

–Isso é algum xingamento? O que é esse tal de Mulé?

–Mul.

–Mulé.

–Mul.

–Repete.

–Mul.

–Mul. – ele sorri ao terminar de pronunciar.

Suponho que seu aberto sorriso significa que finalmente disse uma das palavras de forma correta, embora não faço ideia do que se trata isso; apesar de soar estranhamente familiar.

Ele retira sua mochila e retira uma garrafa de água de dentro dela.

–Mul?

–Ah, é verdade isso é água.

Não era uma forma tradicional de ensino, mas tenho que admitir que é eficaz, San Min certamente seria um ótimo professor particular para mim. Mas não parou na água, depois disso ele pegou seu velho livro e me ensinou sobre as vogais e consoantes coreanas, compostas e simples. E tenho que dizer que diferenciar a pronuncia de algumas é extremamente chato, por isso ficamos somente nisso o resto da tarde. Finalizando nossa aula com um piquenique.

No ônibus de volta ele me fez repetir a palavra unjeonsa (motorista) e a cumprimentar o mesmo; segundo ele a minha pronuncia estava melhor agora que havia aprendido um pouco sobre vogais e consoantes. Entretanto que não era para ficar feliz – disse ao ver meu sorriso – pois ainda tinha muito o que aprender.

Ainda assim fiquei feliz, não pelo fato de ter melhorado a pronuncia, mas sim por ter saído de casa, ter conhecido um lugar novo (e esplêndido) da Coréia e descoberto, pela explicação de San Min, que estamos em Dunjeko um distrito de Soeu.

No caminho de volta ele me fez repetir as vogais e consoantes que tinha os sons simulares, embora nas vogais realmente os sons eram iguais, nas consoantes havia uma pequena diferença na forma de pronunciar de modo que ficavam levemente diferentes, mas diga-me se conseguia realmente pronunciar com essas diferenças. No fim das contas San Min resolveu deixar a continuação da aula para quando chegássemos em casa.

O jantar já estava posto quando chegamos, os três adultos ficaram curiosos em saber como tinha sido a minha primeira aula, San Min obrigou-me a cumprimenta-los em coreanos, o fiz cuidadosamente. Os três empolgados aplaudiu-me, em seguida, convencida lhes disse a palavra Mul, o que deixou eles sorridentes para então falar unjeonsa, algo que realmente os surpreendeu.

–Muito bom. – diz meu tutor com orgulho. – Agora comer.

Acho que eu também deveria corrigi-los quando pronunciam frases tão desconexas como essa, mas ignoro ao ouvir meu estomago dar seu valoroso sinal de vida.


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Notas finais do capítulo

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