Tão frio quanto a Coréia escrita por Garota Errada


Capítulo 3
Temperatura -12


Notas iniciais do capítulo

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Acordo com batidas incessantes na porta. Chego a dá um pulo da cama, completamente confusa; demoro para realmente perceber onde estou. Que deixei a minha casa em São Paulo e até mesmo meu país, e que agora estou no fim do mundo, conhecido também como Coréia do sul. Num quarto minúsculo em uma casa da qual tive visão apenas de uma parte dela.

Todavia não é momento para pensar nisso, a pessoa ainda está na porta, e pela intensidade das batidas imagino que esteja nessa, algum tempo. Nem vou ressaltar que a pessoa – que é uma mulher devido a voz – fala algo que nem faço ideia do que é.

Resolvo responder algo que suponho ser universal.

–Yes!

As batidas param, mas as falas não. Tenho que novamente supor algo, e dessa vez que a mulher está fazendo alguma pergunta, do tipo ‘Está acordada?’ ou quem sabe ‘Você está bem?’ o que pode ser verdade ao levar em consideração as batidas dela na porta.

–Yes!. – digo novamente e sigo para a porta, antes de chegar a essa ela se abre.

É uma mulher de meia idade, extremamente mais baixa que eu, quem abre a porta. Ela arregala seus olhos asiáticos ao me ver. Não sei se surpreendida por estar em pé ali, perto da porta, ou se ela era mais um dos observadores curiosos.

Ela me encara demoradamente a analisar-me. Sinto-me incomoda com sua forma de me olhar. O que tem essas pessoas, afinal de contas?

Provavelmente ela percebeu que não estava me sentindo muito bem, e então deu um sorriso amarelo como um modo de pedir desculpas, educada como sou respondo o sorriso. Mas não consigo fazer o mesmo quando ela inicia seu falatório. Chego a ficar tonta com avalanche de palavras que saem de sua boca, todas indecifráveis.

–O que? Hã?

Novamente ela se toca e resolve brincar de mimica comigo. Algo que tenho que ressaltar que nunca fui boa. Porém o gesto produzido por ela não dava margem para dúvida. Ela estava me chamando para comer. Meu estomago chega a roncar de felicidade.

Balanço a cabeça num sim, então ela pega em minha mão e me puxa para fora. Não faço ideia quantas horas dormi, tenho somente a sensação que é de manhã bem cedo; e talvez seja, percebo assim que estou no jardim e vejo o céu escuro. Suspiro frustrada, imaginar que esse povo acorda tão cedo.

Desaminada continuo a ser puxada pela senhora até adentrarmos a outra parte da casa, qual se encontra a mesa de jantar. Meu tutor está sentando à mesa, junto com mais duas pessoas, comendo uma variedade de pratos. Não faço ideia do que é, mas o cheiro é maravilhoso. Outra vez meu estomago dá sinal de vida.

A senhora me puxa para mesa e aponta uma das cadeiras, defronte a um garoto; quem, assim que sento, apenas me olha de relance, para então voltar a comer.

–Dormiu bem? – pergunta meu tutor.

–Sim, mas imagino que dormi bastante. – comento com um sorriso sem jeito.

Ele me encara confuso. Não entendo seu olhar.

–Disse algo de errado?

–Você dormiu dois horas, apenas – informa ele.

Sinto que meu queixo caiu nesse instante. A minha sensação é outra, principalmente pelo fato de jurar que é de manhã e não comecinho da noite. Dou outro sorriso sem graça e resolvo encarar a comida – o que é o mais importante.

Numa tigela ao centro da mesa há algum tipo de cozido, nele tem legumes e suponho que carne, ao redor dela diversas travessas menores com poções de vários pratos, em sua maioria de cor vermelha, provavelmente molho de tomate. A única coisa que tenho certeza absoluta do que é, está numa tigelinha posta na frente de cada um, o arroz.

A outra pessoa à mesa, uma mulher, pega com seus pauzinhos (que não deveria receber esse nome por ser de metal) algo amarelado cortado em rodela e coloca sobre meu arroz; o sorriso que ela dá logo que faz isso me acalenta. Suponho que agora tenha que comer aquilo.

Pego meus pauzinhos quais manejo razoavelmente bem por ter comido muito sushi e yakisopa em minha vida, e pego o estranho legumes e levo a minha boca. Dou uma pequena mordida, um sabor levemente azedo invadi ao meu paladar, e embora ache que não gostarei ao engolir percebo o contrário e satisfeita dou uma mordida mais generosa, para na terceira acabar com o legume.

Empolgada sigo para pegar mais do legume, mas a mulher segura a minha mão e faz que não com a cabeça e fala algo que nem em sonho conseguiria entender. Ela pega uma tigela vazia, que nem havia notada diante de mim, e coloca nela um pouco do cozido. Meu estomago chega a revirar ao ver essa cena. Não há carne coisa nenhuma, é sim frutos do mar. E eu odeio fruto do mar, a única coisa que como que venha do mar é peixe, nada além disso.

Ela coloca toda contente a tigela na minha frente, como um pesadelo fica me olhando, claramente a espera que eu coma um pouco daquele inferno em forma de cozido. Engulo a ânsia que invade minha garganta e levo os pauzinhos para dentro da tigela, sinto-me observada por todos.

Afasto os frutos do mar e pego um dos legumes – supostamente cenoura – e levo a boca. Apesar de estar junto ao fruto do mar o gosto não é ruim quando mordo a cenoura, embora seja apimentado.

A mulher ataca novamente logo em seguida, com seus pauzinhos retira da minha tigela um camarão e coloca sobre o meu arroz. Olho para ela com a louca vontade de lhe perguntar se ela não gostava de mim, ou se queria somente me irritar mesmo. A educação que recebi não permite falar essas coisas, principalmente para alguém que vi uma vez na vida – acho. Pelo menos ela não estava na foto de quando voltei para casa dois dias depois que nasci.

E forçando meu estomago aguentar o que viria pela frente, dei uma mordida na coisa monstruosa, sentindo as minúsculas perninhas dela alisar a minha língua. Tive que mastigar rápido e engolir de uma vez, caso ao contrário não conseguiria essa façanha. O que salvava a minha pátria era que o gosto apimentado encobria boa parte do meu paladar. Mas para ajudar engoli uma boca quantidade de água logo em seguida.

O pesadelo, é claro, não parou aí. A mulher continuou a me servir pelo resto do jantar, tive que comer o camarão todo, o treco grudento de dentro da ostra, uma carne esponjosa e borrachuda que não faço ideia do que é, misturar o caldo no arroz e comer (a melhor parte), experimentar mais dos pratos sobre a mesa. Legumes em conserva, uma verdura regado a mais pura pimenta, peixe frito e alguma coisa do fundo do mar empanado.

No fim do jantar além da comida, tinha bebida sem sombras de dúvida a quantidade de água que devemos tomar ao dia.

Sinto-me a estranha no ninho e tenho a louca vontade de voltar para meu quarto, como o garoto fez assim que finalizou de comer. Mais a senhora novamente me pegou pela mão e a segui para o jardim, onde nos sentamos num tipo de mesa mais baixa, ela se sentou com perna de índio e simplesmente a imitei. Embora a minha vontade era de ao menos ficar dentro da casa, o frio ainda não havia dado trégua.

Ela sorri enquanto falava alguma coisa. Será que ela ainda não havia entendido que não falava sua língua?

Logo meu tutor e sua esposa – pelo menos suponho que seja, juntam-se. A mulher coloca uma travessa larga com fruta cortadas dentro, com cinco garfos posto ao lado. Assim que ela repousa a travessa se retira gritando algo, provavelmente chamando pelo garoto. Meu tutor se senta ao meu lado.

–Tudo bem? – indaga ele.

–Sim. – digo, embora gostaria de falar muitas outras coisas.

Ele sorri e pega um garfo e espeta um morango para em seguida passar o garfo para mim. Pego-o e mordo a ponta do morango, o sabor doce invadi meu paladar. Uma grande recompensa depois de todo o sufoco com o jantar, o que vale a pena por ficar nesse lugar frio.

A família se reúne e na sua maioria alegremente comem as frutas. Um conversando com o outro, o garoto fala pouco e secamente, parece sem muita paciência para esse tipo de coisas. Meu tutor traduz o que a senhora e sua esposa dizem para mim e faz o mesmo para ela quando respondo. Perguntas básicas, como: ‘Está se sentindo bem?’ ‘Como foi a viagem?’ “Sente falta de seus pais?’

A última não precisou que meu tutor traduzisse, eu apenas balancei a cabeça enquanto a tristeza expressava-se em meu rosto. Nesse Instante um silêncio dominou a todos, em cada um ali presente visualizei compaixão, até mesmo no garoto, entretanto ninguém fez aquilo que gostaria que fizessem nesse instante. Ninguém me abraçou.

E certamente por isso que minha noite, deitada na cama de um quarto aquecido, foi regada a choro...


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Notas finais do capítulo

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