Dazed And Confused escrita por venus


Capítulo 13
Floyd & Raven


Notas iniciais do capítulo

ok.... perdoem a demora e também o banner (probleminhas no photoshop huhuhu)
as músicas do capítulo são:
Hair And Skin - Mazzy Star
Warned You - Good Morning
Crust Bucket - The Frights
capítulo curtinho porque a história tá acabando e as reviravoltas estão se esgotando e faltam dois capítulos pra encerrar tudo e eles são bem... :(
enfim, vou dar uma enrolada aqui porque é legal..... acho que é o último capítulo do ano e mesmo que eu não tenha sido muito ativa nesses últimos meses, só queria que vocês soubessem que Dazed And Confused é meu orgulhinho e eu ficava constantemente pensando sobre a história. é que eu tava atolada de provas (but guess who passou direto?? yr homegirl, julia) e também confesso que fiquei com medo de escrever um final porque sei lá... vai que tem umas contradições e vai que fica meio ruim.
espero que vocês gostem!!!!!!!



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Floyd degustava um macarrão instantâneo sentado no banco solitário da cozinha, na manhã seguinte.

Aquele cômodo em particular lhe trazia más lembranças. Na noite anterior, arrojado naquele mesmo chão grudento de ladrilhos lascados, teve sua traqueia espremida por dedos ásperos, cujas unhas cravaram sinais em forma de meia-lua em sua nuca. Viu formigas contornando seu corpo e prosseguindo sua curta peregrinação. Viu moedas e uma fruta pútrida (pelo seu formato esférico e pela rubidez nas extremidades, supôs que fosse um cadáver de uma maçã) jazendo sob a geladeira (que deixara de funcionar há uma década). Viu olhos ferozes e um sorriso de escárnio. Sentiu seu pomo-de-adão esmagado e sua língua recuando em sua garganta. Pensou que fosse morrer. Pensou em Raven e em como ela trazia a mesma sensação de sufoco, mas de um jeito bom.

E quando seu pai afrouxou os dedos ao redor de seu pescoço e seus pulmões se preencheram com o ar venenoso da atmosfera e ele tossiu para não regurgitar, Floyd quis ser uma formiga, ou uma moeda obsoleta, ou uma maçã podre. Os miados penosos de um gato de rua foram trilha sonora para aquele momento. Aquele mesmo chão grudento de ladrilhos lascados foi seu colchão naquela noite.

Na manhã seguinte, Floyd degustava um macarrão instantâneo sentado no banco solitário da cozinha maculada por traumas e respingos de Coca-Cola de baunilha, enquanto planejava sua vingança. Pensou em perfurar o coração do pai, assim como o serial killer. Quis retalhar sua barriga roliça e espalhar suas vísceras pela mercearia. Mas ao invés disso, decidiu escrever uma carta que solucionaria seus problemas.

 

***

 


Raven observou as últimas andorinhas sazonais migrarem para o Leste, pairando como uma assombração entre os conversíveis poeirentos. Ela esticou a gola do suéter verde até o nariz. O ar que aspirou entre os buraquinhos da lã cheirava a Drakkar Noir. Por mais insuportável que o perfume fosse em outros rapazes, na pele de Floyd tinha um aroma agradável.

Uma garoa frígida começou a despencar do céu róseo. Os respingos arrepiaram sua pele e ela logo procurou abrigo embaixo de um salgueiro de fronde alaranjada. Ela captou uma distorção no tempo; algo denso, lento e faiscante na atmosfera.

— Você é uma garota inteligente. — disse uma voz estrépita atrás dela. Era apenas Beauregard. — O que que tá fazendo embaixo duma árvore enquanto chove?

Beauregard parecia pertencer àquele horário da manhã. A maneira que seu rosto se assemelhava à uma cadeia montanhosa (o nariz contornado por sombras, as elevações de suas maçãs, os olhos circulados por cânions, os lábios da cor de uma floresta temperada) remetia à ela uma sensação de renascimento e de frescura. Ele vestia uma blusa de gola rolê. Beauregard nunca usava nada além de camisetas havaianas ou camisas de bandas, e por conta disso, Raven se esquecia de que era rico. Mas ali, naquele horário, espremendo os olhos por causa da luz fulgurosa do sol, ereto como um príncipe, exalava uma graça régia. Raven se lembrou de que Beauregard pertencia à realeza.

— O quê? — perguntou, embasbacada pela sua beleza.

— Tá chovendo. E você tá embaixo de uma árvore. Árvores atraem raios. E o seu corpo molhado é um condutor de eletricidade do caralho.

— Ah, sim.

— Ei, eu tava indo pro meu carro dar uns tapinhas, você quer vir junto? — ele carregava uma sacola embaixo do braço.

Ela esquadrinhou o estacionamento com os olhos uma última vez. Floyd não apareceria.

— Tá bom.

O Corvair vermelho luzia como o pôr-do-sol. Seu interior fedia a maconha, pinho e cigarros mentolados. Beauregard ocupou o assento do motorista e Raven, o do passageiro. Pediu que ela pegasse a seda dentro do porta-luvas e ao fazê-lo, encontrou dentro do compartimento algumas cartelas de pílula vazias e dois cassetes do Bikini Kill.

— Eu não sei bolar. — ela entregou o papel para ele.

Beauregard riu e Raven o assistiu enquanto seus dedos lépidos moldavam o baseado. Uma vez aceso, ele deu um trago e suspirou. Socou a buzina três vezes e gritou:

— Eu senti falta dessa merda!

Raven sorveu a fumaça e a segurou dentro de seus pulmões por alguns segundos. Os floreios eram visíveis contra a luz matinal. Quando se deu conta, nuvens difusas preenchiam o carro e tudo era baço aos seus olhos. Beauregard encaixou as chaves na ignição e as girou, de modo que o motor começou a tremer embaixo deles e uma música interrompida no primeiro minuto voltou a soar no toca-fitas. As meias afolozadas de Raven não protegiam seus tornozelos do ar-condicionado álgido.

— Três meses atrás... nesse dia... nesse mesmo horário... nessa cidade desditosa... nós achamos o cadáver de uma menina de sete anos. — constatou ele, esboçando um sorriso macabro.

— Daqui a pouco vai ser Halloween. Eu acho que... não vai ser legal ver aquele sangue falso.

Os Wakahisa tinham uma tradição no dia 31 de Outubro. Eles trancavam a porta, apagavam as luzes, enfurnavam-se no quarto da Sra. Wakahisa com sacos de pipoca e assistiam a todos os filmes de Sexta-Feira 13. Os três tinham um fascínio bizarro por slashers: Park apreciava as entranhas mal-feitas (‘‘É tão ruim, mas tão ruim, que no final até que é bom’’, dizia), Raven era hipnotizada pela trama e a Sra. Wakahisa gostava dos finais porque, segundo ela, traziam uma sensação falsa de controle sobre a vida. O Halloween, no entanto, não trouxera aquela empolgação anual para Raven e isso a deixou inquieta.

O rosa do céu desaparecia, dando espaço ao amarelo-limão, que não era de longe tão bonito quanto. As árvores farfalharam e algumas folhas caíram sobre o para-brisa. Beauregard recitou uma música do Echo & The Bunnymen como se fosse um poema e depois soltou suas risadas pueris. Raven não entendia como as pessoas, quando chapadas, demonstravam-se ledas e hilariantes. Para ela, a maconha trazia o pior em si mesma. Soava como Kim Gordon nas introduções de suas músicas quando falava; velha e cansada. Seu corpo ficava lânguido e suas pálpebras pesavam.

Beauregard, crapuloso. Raven, entediante. Quando ele se arrastou para fora do útero, um sismo de magnitude 6.2 na escala de Richter devastou a capital do Nicarágua. Ela nasceu num dia pacato, expelida com facilidade após uma cesariana. Beauregard seria grande. Raven não se via saindo da cidade (toda vez que devaneava com estradas, cidades ou qualquer outra paisagem que não fosse quintais exuberantes com gerânios e escorregadores lustrosos, sua cabeça batia na redoma invisível que a lembrava de que seus pés estavam enraizados no subúrbio, e que de lá não sairiam).

Suas extremidades formigavam. Repentinamente, sentiu a necessidade de segurar alguma coisa com força, alguma coisa real.

— Eu acho que tô tendo uma brisa ruim, Beau. Até mais. — ela abriu a porta do Corvair e a fumaça espessa escapou de dentro do carro. — Parece uma chaminé. — balbuciou ela antes de sair.

 

 

***

 


Floyd e Raven se desencontraram naquele dia.

Floyd caminhou até a casa dos Wakahisa após terminar seu macarrão instantâneo. A massa se revirava em seu estômago e era possível ouvi-la se desintegrando dentro dele. Rouxinóis pousavam na fiação elétrica ensarilhada nos olmos. Donas de casa varriam as folhas secas incansavelmente, suspirando e reclamando para si mesmas. O ar cheirava a madeira queimada e salsichas grelhadas. Era nove e quarenta e seis da manhã, vinte e um graus Celsius e o céu já estava acinzentado.

A Sra. Wakahisa atendeu a porta vestida em um robe, sorrindo afavelmente para ele.

— Floyd, mas que surpresa em vê-lo! — exclamou, para então lhe abraçar. Ele não sabia como era um abraço maternal, mas sabia que o da Sra. Wakahisa era o mais próximo disso que teria.

— Oi, tia, eu só vim dar uma passada aqui pra deixar uma coisa pra Rae. — explicou, num tom brando e tímido.

— Ah, sim, sim. — ela abriu inteiramente a porta e fez um sinal para que entrasse.

Floyd gostava da Sra. Wakahisa. Gostava das suas superstições, das suas histórias claramente inventadas, do seu jeito de andar pomposo, do modo que cuidava de seus filhos. Gostava, especialmente, de como ela não lhe perguntava por que não estava na escola.

Já segurava o corrimão da escada quando ela o repreendeu:

— Espere, espere. — agachou-se sobre a mesa de centro e pegou o maço de cartas de tarô. Embaralhou-as e as dispôs em um leque. — Escolha uma.

Floyd abriu um sorriso embaraçado, extraiu uma carta e a entregou. A Sra. Wakahisa comprimiu os lábios, franziu o cenho e o encarou, com aqueles olhinhos furantes e perspicazes. Questionou:

— Do que está fugindo?

Mostrou-lhe a carta. Ilustrava um homem, de aparência fatigada e ao mesmo tempo assertiva, montado em um cavalo e empunhando um bastão. Parecia estar de partida. Era o Cavaleiro de Bastões.

Ele alargou o sorriso, tentando esconder o nervosismo.

— Da escola, eu acho.

A Sra. Wakahisa deu uma piscadela cúmplice. Em seguida, afastou-se na direção da cozinha. Floyd sentiu o suor em suas mãos e o pedaço de papel que carregava pesou em seu bolso. Subiu as escadas, evitando o quinto degrau que estava partido ao meio.

O quarto de Raven parecia solitário e triste sem a sua presença. O móbile do sistema solar pendurado no teto permanecia inerte no ar. Ao pé da cama, viu um vidro de esmalte verde-perolado aberto. Ela havia grudado um novo pôster em sua parede. ‘‘Veludo Azul’’; uma mulher de pele leitosa sendo segurada por Kyle MacLachlan (Floyd havia assistido ao filme quando fora lançado três anos atrás e saíra do cinema bastante perturbado). Havia algo na vulnerabilidade daquela moça que o deixava sem graça. Havia algo no filme que o deixava nervoso (jacintos e prímulas adornando os quintais, sob eles minhocas se revirando na terra, representando a podridão latente na vizinhança), talvez fosse sua familiaridade com a vida real.

Desejou se derreter em seus lençóis, adormecer aspirando a olência cítrica de Teen Spirit e sonhar os sonhos de Raven (‘‘Eu sonho com charcos, com o Muro de Berlim, com framboesas e... tinha mais alguma coisa, deixa eu tentar me lembrar... Ah, é claro, com o meu pai’’, dissera ela uma vez). Lembrou-se da última vez que estiveram íntimos sob aqueles lençóis, dos quadris sedosos de Raven e das confissões que sussurrara em seus ouvidos (‘‘Eu não acho os Beatles grande coisa’’, ‘‘Eu tô usando o mesmo sutiã há duas semanas’’, ‘‘A Alli Foster vai ser mandada prum manicômio, mas não fala isso pra ninguém’’, ‘‘Eu acho que o Beau tá deprimido’’). Quando Floyd fechava seus olhos, ainda conseguia ver sua boca debochada, suas sobrancelhas franzidas e seu rosto em formato de coração. Mas ele precisava ser breve e interrompeu seus devaneios. Deixou o pedaço de papel sobre o travesseiro e rumou à porta.

Antes de partir, deu uma última olhada no aposento. De uma das extremidades, o Sr. Wakahisa, emoldurado pelo porta-retrato de prata, fitou-o com uma expressão austera. Quase como se ralhasse: ‘‘Não fode, Floyd. Não fode.’’

 


***

 


Raven e Floyd se desencontraram aquele dia.

Quando deixou Beauregard afundado em seu Corvair vermelho, inebriado pela fumaça de erva, ela andou por inúmeros quarteirões. O cenário nunca parecia mudar e as casas de tons pastéis estavam-na deixando paranoica. Até que se deparou em frente da Pink's Grocery e seu aspecto decrépito nunca lhe foi tão confortador. A mercearia nunca estava aberta àquela hora da manhã e Raven se surpreendeu ao ver seu interior iluminado, embora os caixas estivessem vazios.

Ela ligou o rádio e sentou-se no chão. Os azulejos, que outrora foram de um vermelho vibrante e de um branco perolado, após serem pisoteados, cuspidos, varridos e polidos, luziam com um vermelho-tijolo e um amarelo pastel. A música soava remota e ecoava pela loja desértica. As árvores outonais projetavam sombras no piso que a deixaram assustada. O medo de sua alma deixar seu corpo tornou-se real. A distorção no tempo ficou mais evidente.

— Pense em alguma coisa legal, Rae. — sussurrou ela para si mesma.

‘‘Seu pai.’’

‘‘Mas ele está morto.’’

‘‘Park.’’

‘‘Mas ele te odeia.’’

‘‘Beau.’’

‘‘Mas ele vai morrer.’’

‘‘Floyd.’’

‘‘Mas ele vai te deixar.’’

‘‘Finn.’’

Finn. Olhos azul-miosótis. Verões desperdiçados na piscina pública do bairro. Refrescos de tangerina. Piadas sobre flatulência. Irmãos mais velhos malvados. Notas azuis. Band-aids ensanguentados. Um afago na cabeça, um beijo na bochecha. Cócegas. Correndo até uma loja de conveniência às três da manhã. A sensação de estar sem fôlego. A sensação de conforto por ter sua mão segurada por alguém muito querido. Grama alta na casa abandonada. Crowded House tocando incessantemente na casa da árvore. A casa da árvore, retentora de segredos, templo de uma infância quase obsoleta, relíquia de uma adolescência desabrochada. Finn, passeios de bicicleta no crepúsculo. Finn, manhãs monótonas na escola. Finn, ligações telefônicas noturnas. Consolador, narcisista, silencioso. Seu melhor amigo.

E somente assim, chapada e deprimida, que Raven percebeu que sentia falta de Finn. Seu amor por ele era tão leve, que às vezes ela se esquecia de que estava lá, amornando seu coração, e só o notava quando acordava de um pesadelo terrível ou quando se metia em alguma encrenca. Mas ela sentia sua falta e de toda a frescura que exalava.

Ainda ligeiramente tonta, alcançou o telefone sobre o caixa e discou o número dos Swanson. A Sra. Swanson fazia pilates àquela hora do dia, o Sr. Swanson já devia estar em seu escritório na cidade e seus filhos, aplicados como eram, estavam derretendo seus cérebros na escola. Quando a secretária eletrônica apitou, Raven hesitou em falar. Cinco segundos de indecisão depois, disse:

— Finn, é a Rae. Temo que nós precisemos conversar. Ligue quando puder, tchau tchau.

Raven devolveu o telefone ao gancho e suspirou. Um peso invisível, que passou despercebido por ela há semanas, foi finalmente tirado de suas costas. Ela quis rolar nos azulejos e dormir até que Floyd chegasse, mas temeu que o Sr. Dolovan a visse pelas câmeras de segurança. Encaminhou-se até a porta e o sininho retiniu, anunciando sua saída.

Quando chegou em casa, após uma hora de caminhada sem propósito, reclamou para sua mãe de uma dor de cabeça inexistente. Ela lhe preparou um chá de louro e lhe informou que Floyd esteve em seu quarto. Raven, tentando conter sua excitação e curiosidade, sorveu o chá fervente de uma vez e ziguezagueou o caminho até seu quarto. Sobre o travesseiro, encontrou um pedaço de papel amassado.

Lia-se:

‘‘tem um coração em forma de hematoma
não, tem um hematoma em forma de coração
na minha bochecha direita.
perdoa a minha confusão,
minhas artérias tão obstruídas com pensamentos sórdidos sobre você
e meu cérebro precisa de oxigênio
e eu sei que você tem muito.
foge comigo, por favor.
casa comigo e eu compro um apartamento em laguna beach, um com muitas janelas e luz. a gente adota um gato e chama ele de senhor david bowie. esse lugar e essas pessoas são tóxicas, e eu sei que você não é. eu acho que a gente precisa respirar um pouco, só isso.
foge comigo, rae.
você é a única coisa boa da minha vida.’’

Ela pensou em Finn e em como o amor que sentia por ele era leve, como uma pétala roçando brandamente em seu peito.

Ela pensou em Floyd e percebeu que o amor que sentia por ele era pesado, como girassóis graciosos brotando em seus pulmões. Eram belos, de fato, mas ela não conseguia respirar.


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Notas finais do capítulo

coisas a se acrescentar: a Raven ama o Finn como um irmão, por isso que é um amor leve. o amor que o Floyd tem pela Rae e vice-versa é pesado e chega a ser sufocante, porque acho que é assim mesmo, esse último parágrafo não significa que há um problema na relação or smth.
enfim.... um feliz restinho de 2016 procês (essa porra não acaba nunca) e natal, e ano-novo também!!!!