Dazed And Confused escrita por venus


Capítulo 11
Finn


Notas iniciais do capítulo

HOLA INTERNAUTAS
desculpa a demora
muitos rolês e os capítulos do Finn são complicados e tal. MAS ACIMA DE TUDO QUERIA AGRADECER DUAS PESSOINHAS ANTES DE COMEÇAR O CAPÍTULO:
a Saturno e a Tulipares (linda, nem consegui te mandar uma MP antes de colocar essa dedicatória aqui, mas saiba que eu fiquei muito grata e que a sua recomendação me deixou !!!! sideral), que recomendaram DaC e aqueceu meu coração de gótica suave.
eu também tinha umas coisas pra falar mas esqueci.
enfim, desculpa pela demora e pelo capitulo grande e pelos possíveis erros de digitação dos quais eu vou me envergonhar bastante ao reler o capítulo.
esse capítulo não foi tão bom (acho??) porque a minha criatividade está esgotada. começo das aulas e eu estou fazendo um negocinho pra DaC mas não quero revelar nada ainda ‘,:) **carinha do dwayne johnson amo treinando papai



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Finn socou o telefone no gancho. Era a quinta vez consecutiva que tentava ligar para Raven e ninguém em sua casa atendia. Park já teria saído adiantadamente porque era um garoto muito pontual e a sra. Wakahisa às vezes fazia sessões de búzios matinais e não gostava de ser interrompida, mas Raven não possuía desculpas para não pegar uma ligação.

Ele podia sentir sua frustração rasgando o papel de parede brega — cor-de-rosa, com alguns adornos mais claros em formato de lírios. Flagrou-se discando o mesmo número pela sexta vez quando escutou os passos do pai na escada. Repreendeu-se quando ele apareceu em seu blazer de veludo cotelê e em seus sapatos italianos recém engraxados. Seu bigode retangular ficava mais intimidador a cada centímetro que Finn crescia.

— O que a menininha está reclamando à essa hora da manhã? — questionou ele. A Sra. Swanson trouxe seu café suíço no instante em que ouviu a sua voz e o entregou com um sorriso e um aviso para assoprar antes de beber (quando o Sr. Swanson queimava sua língua, sua rabugice matutina duplicava). — Obrigado, querida.

— A Audrey? Mas ela nem desceu...

— Não ela, imbecil. — ele deu um tapa em sua nuca. — Você! Estou querendo usar o telefone faz tempo.

— Querido, por que você não leva o Finn pra escola hoje? O pneu da bicicleta dele murchou. — sugeriu sua mãe, mansa.

— Já estou atrasado mesmo. — bufou e os fios alinhados de seu bigode esvoaçaram quando o ar foi expelido pela fresta de sua boca. — Vem, moleque.

Finn revirou os olhos e seguiu para a sala, onde havia largado sua mochila de qualquer jeito. Ouviu a descarga no andar de cima e supôs que fosse sua irmã preparando-se para mais um dia excepcional na escola, e se pegou pensando no quanto ela era sortuda por ter sido escolhida como favorita pelo seu pai e como não precisava aturar seus resmungos e cascudos nada amistosos.

— Vai ter sorte se chegar na hora para a primeira aula. — rosnou o pai, ultrapassando-o enquanto acabava com o café em uma golada só.

Finn revirou os olhos novamente, mas foi pego pelo pai, que lhe deu um pontapé fraco no fêmur.

— E pare de fazer isso. Parece um delinquente.

E com esse comentário, a visão de Finn clareou e as árvores vicejaram e as nuvens se distinguiram do céu acinzentado e o bigode de seu pai não lhe era tão intimidador. Delinquente, como Beauregard e seus outros heróis — não aqueles que vestiam roupas apertadas e que conseguiam voar, mas aqueles que tinham zeros pintados nas mãos e que arrastavam seus pés ao andar.

A Sra. Swanson acenou para os dois quando entraram no sedã azul-marinho encerado. Os bancos cheiravam a citronela e ainda havia vestígios de fumaça de cigarro presos no ar-condicionado. Finn pôs o cinto de segurança quando o pai ligou o carro. O rádio tocava alguma música ultrapassada que provavelmente pertencia ao ELO.

— Então... O que está havendo entre você e aquela garota, a Wakahisa? — disse o Sr. Swanson, estimulando uma conversa saudável.

— Nada. Ela tá muito ocupada em andar na bicicleta vagabunda do Floyd. — rebateu, surpreso no quão ressentido ele soava.

— Ah. — seu pai fez uma pausa. — Você sabe, eu sempre achei que ela fosse...

— O quê?

— Interessante.

Finn negou com a cabeça. O que havia de interessante em uma adolescente angustiada e metida à ativista por pura influência de celebridades vegetarianas? Passou a se concentrar em outra coisa a não ser Raven, como nas casas que formavam um vulto uniforme quando o sedã estava a noventa quilômetros por hora.

Abriu o porta-luvas para ver a reação do pai quando ele expusesse seu esconderijo para cigarros, mas o Sr. Swanson permanecia com os olhos pregados no asfalto e não havia sequer uma caixa de Old Gold lá dentro. Apenas uma caixa de lenços e uma fotografia amarfanhada, rasgada nas bordas. Dois garotos bronzeados pela glória dos anos 60; um era claramente seu pai — musculoso, exibindo a brancura de sua regata — e o outro era um mero desconhecido, esquecido através de décadas e agendas telefônicas.

— Quem é esse? — Finn apontou para o estranho.

— Um velho amigo. — respondeu o pai rapidamente.

— Eu conheço?

— Não. — e acrescentou em uma voz atormentada: — Morreu antes que eu completasse dezessete anos.

— Ah.

Finn ponderou por alguns instantes sobre o porquê de seu pai carregar para todos os lados uma fotografia antiga, uma vez que já estava tão distante do jovem dourado e jubiloso que costumava ser. E a resposta veio tão singela e tão revigorante quanto uma brisa fresca. O Sr. Swanson guardava aquela foto para não se esquecer de quem ele era.


***


Finn despertou com seu próprio ronco.

O bico de Bunsen tremulava à sua frente. Emitia uma chama âmbar frenética, que evaporava o líquido borbulhante dentro do balão de Erlenmeyer e carbonizava partes da tela de amianto. Seus óculos de segurança estavam translúcidos. Raven limpou o vapor grudado nas lentes com a manga do jaleco. Ela sorria. Seus dentes estavam amarelados pela nicotina e pelo açúcar que viera consumindo em excesso nos últimos dias. Os incisivos inferiores eram ligeiramente tortos e as gengivas estavam vermelho-brilhante. No entanto, era um sorriso bonito e Finn estranhou o quanto as pessoas ficavam bonitas quando se tornavam inalcançáveis ou comprometidas.

— Quanto desleixo, sr. Swanson! — o professor de Química, Frank Budakis, bateu a régua de metal no balcão e abaixou a chama do bico até que ficasse quase invisível, num tom azulado.

Assim que o professor passou para outra dupla, Raven imitou seu falso sotaque inglês e disse, em uma voz petulante: ‘‘Quanto desleixo, sr. Swanson. Agora chupe o meu pipi.’’ Finn soltou uma risada contida porque gostava bastante das aulas de Química e já havia almoçado com o professor uma vez — que se demonstrara solitário e sabido.

— Tá marcado o fliperama hoje? — questionou ele.

— Ah. É que você sabe, final de ano e tudo mais. O Park fica puto com tudo, só me deixa sair de casa pra ir pra escola.

— Pena. Posso colar na sua casa, então?

— Não tem nada pra fazer lá. — ela começou a secar um tubo de ensaio com papel toalha.

— A gente pode jogar Atari ou assistir O Retorno Do Jedi de novo. — sugeriu ele, irritado com o hábito de evitar contato visual de Raven.

— O VCR quebrou de novo.

— Eu posso trazer o meu.

— Minha mãe esqueceu de pagar a conta de luz.

— Então eu trago o meu Game Boy.

— Eu tenho que fazer umas coisas.

— Tipo o quê?

— Tipo... Lição de casa, tarefas domésticas, gravar alguns episódios de Seinfeld pra minha mãe...

— Você disse que não tem luz.

— Ah, é. Esqueci. Hoje não vai dar, Finn, desculpa.

Finn deu de ombros e desligou a válvula do bico de Bunsen, após ter provado a reação química do líquido quando era aquecido. Era Raven quem propunha as maratonas de filmes ação empoeirados da locadora, quem o incomodava com telefonemas no meio da noite, quem corria para alcançá-lo no caminho até o ponto de ônibus. Ele não queria que os papéis se invertessem. Não queria demonstrar que dependia de Raven para tudo.

— Pessoal, — o sr. Budakis bateu palmas estridentes. — a Feira de Ciências vai ser sábado que vem, então espero que já tenham escolhido suas duplas e decidido o que vão expôr. Sugiro que tentem experimentos de astronomia (como maquetes) e botânica, porque são mais rápidos, fáceis e mais ‘‘chocantes’’. Quero ver esforço nesses trabalhos.

Finn se voltou imediatamente para Raven, que não demonstrou muito interesse.

— Por que não faz com a Gretel? — ela olhou para o lado oposto da sala, que irradiava uma luz sobrenatural em virtude da beldade que enrolava seus cachos com uma pipeta. — Ela parece meio perdida sem a Daria. Aliás, a Daria já se mudou?

— Não sei. Achava que ela vinha se despedir dos amigos.

Raven secou os últimos instrumentos de vidro com o papel toalha e em seguida, apoiou os cotovelos no balcão e sorriu para ele.

— Como você vai abordar a Gretel?

— Eu não sei. Vou só perguntar. De um a cem, qual é a chance dela dizer ‘‘não’’?

— 50. — hesitou antes de falar.

— Ah, estupendo, muito obrigado, ajudou bastante.

— Relaxa, Finn! — ela o chacoalhou pelos ombros, quase o derrubando do banco de metal. — Você é um gato de dar dor de dente.

— Dor de dente? Isso é bom?

— É, sim. Significa que você é um doce.

— Então... É só chegar lá e perguntar se ela quer fazer o projeto comigo?

— Antes pergunta se ela tem alguém.

— Beleza. Mamão com açúcar.

Finn checou seu relógio de pulso. Faltavam segundos para o sinal bater quando todos no laboratório escutaram pigarreios vindos do auto falante.

— ‘‘Bom dia, alunos. Quem vos fala é o diretor, Quentin Betelgeuse. Não queria que coubesse a mim a tarefa de fazer este anúncio, mas acredito que seja imprescindível notificar a todos que o assassino em série atacou novamente uma de nossas estudantes. Os pais da aluna Daria Dahl, do segundo ano, entraram em contato conosco nesta manhã e disseram que Daria teve o pulmão perfurado por um objeto ainda não identificado, mas que, felizmente, passa bem no hospital. Seus pais nos informaram de que ela permanece desacordada em virtude da cirurgia pulmonar, mas logo poderá dizer quem a injuriou. Por favor, pela sua segurança, esperem pelos seus pais dentro da propriedade da escola e não burlem o toque de recolher.’’ — o diretor fez uma pausa dramática. — ‘‘Por hoje é só, crianças, tenham um ótimo dia.’’

Finn olhou de relance para Gretel. Ela assoava o nariz avermelhado com uma tira de papel toalha enquanto fitava o banco solitário ao seu lado. Enrolava-se na jaqueta jeans — a julgar pelo tamanho três vezes maior do que seus ombros encolhidos, a peça era pertencente ao seu namorado, Teddy — como se fosse um cobertor. Gretel parecia inconsolável, velha e cansada.

— Bom, agora, sem a Daria por perto, você tem 79% de chance de fazer aquele trabalho com ela. — sussurrou Raven, juntando seus lápis de cor dentro do estojo.

— O que você tem hoje? Por que tá me incentivando a me aproximar dela? Você sempre odiou a Gretel. Sempre. — ralhou ele, agitando um tubo de ensaio no ar para demonstrar seu descontentamento.

— Eu não sei. É que nunca dei uma chance pra ela. Ela não deve ser toda ruim. Digo, embaixo daquela cabeleira e aquelas roupas da Jordache deve ter alguém bacana.

O sinal tocou, estridente, anunciando a deixa de Finn. Raven o empurrou na direção de Gretel, despediu-se com um beijo na bochecha e voou pelo corredor, ajeitando as meias três quartos a caminho da saída.

Gretel reunia seu material distraidamente. Presilhas de borboletas cintilantes afastavam alguns fios rebeldes de sua testa. Ela usava um suéter bordô e uma saia plissada preta que a deixavam semelhante à uma universitária intelectual viciada em cafeína. Os lábios estavam faiscantes, lambuzados com um batom pastoso de cor de chocolate.

— Oi. — saudou ele, tentando medir a frieza em sua fala.

— Oi, Finny. — ela não ergueu seu olhar da mochila.

— Sinto muito pela Daria. Sei que são muito próximas. — ele esperou que ela concordasse ou caísse em prantos, mas Gretel sequer lhe deu atenção. — Não quero parecer egoísta, mas... Preciso de alguém para fazer o projeto para a Feira de Ciências comigo.

— E a Raven?

— Ela não vai fazer.

Gretel mordiscou uma unha, descascando-a até o sabugo. Abriu um sorriso felino, exibindo a brancura dos dentes que possuíam algumas manchas amarronzadas do batom. Seus olhos ronronavam, mansos, e os cílios batiam rápidos como as asas de uma borboleta.

— Você gosta de mim?

— Eu? Quem te falou isso? Quero dizer, sim, você... Você... É uma ótima pessoa.

— Tudo bem, então. Você quer vir em casa e fazer esse trabalho de uma vez?

— Claro. Agora?

— É. Agora.

Ela içou a alça da mochila no ombro. Começou a se dirigir até a porta linóleo e o esperou para que caminhassem lado a lado. Gretel agarrou sua polpa glútea direita e Finn, que não estava acostumado a toques travessos, soltou um guincho assustado. Ela riu como uma hiena e ele se surpreendeu com o quanto sua gargalhada era desagradável aos ouvidos.


***


Finn nunca havia adentrado na residência dos Abendroth-Dorothea, apesar de ter visitado seu quintal múltiplas vezes durante aqueles quatro anos de estranha obsessão. A atmosfera cheirava a café e pele, e as fotos de família eram sempre cenários nublados preenchidos com placas ativistas. Ele só pôde ter um vislumbre da sala de estar (móveis em cores amarelo-mostarda e borrões verdes que aparentavam serem trepadeiras) porque Gretel o puxou pelo pulso escada acima, guiando-o até o seu quarto.

A família de Gretel era fã de tapetes, tapeçarias e quadros de Portinari. Deixavam as portas de todos os cômodos abertas e delas emanava um odor de sopa de legumes. Finn imaginou Teddy Turner vagando por aquele mesmo corredor, em noites solitárias, já tendo consumado suas violações carnais, usando somente sua samba-canção e suas meias grossas. E quando entrou no quarto de Gretel, a lembrança de Teddy ficou tão vívida que ele quase conseguiu enxergá-lo descansando na cama dossel, amassando a colcha de seda. Tudo cheirava a ele: o perfume amadeirado no guarda-roupa, o sêmen sob os lençóis e o forte olor de tintura capilar no banheiro.

As paredes do cômodo foram cobertas por pôsteres do Corey Haim e aquele seu sorrisinho presunçoso. Havia uma penteadeira logo embaixo da janela e um espelho grudado atrás da porta, com várias fotos da Christina Applegate recortadas de revistas de fofoca e coladas na moldura de gesso. Gretel havia enfeitado seu teto com estrelinhas de plástico que brilhavam no escuro e que tinham o costume irritante de cair em seu rosto durante o sono.

— Hã, Gretel, você se importa se eu usar o telefone? — ele estava estupefato pela aura feminina daquele quarto, que já lhe era quase familiar por causa de Raven e sua irmã mais velha.

— Não, não. Tem um perto do pé da escada.

Finn desceu os degraus com pressa. Seu dedo indicador tremeu ao discar o número de sua casa. Torceu para que o pai não atendesse porque os seus diálogos no caminho da escola já bastavam.

— Oi. — era Audrey. Ela ruminava uma goma de mascar barulhenta.

— É o Finn. Presta atenção, eu tô na casa da Gretel...

— Gretel? A Gretel do Teddy? — suas palavras incrédulas foram seguidas pelo estouro de sua bola de chiclete.

— É, ela mesma. A gente vai fazer um projeto pra Feira de Ciências e eu realmente preciso que você avise a mamãe que eu tô aqui.

— Tá, beleza. — outro ruído característico de Audrey indicou que ela estava lixando as unhas também.

— É sério. Não esquece.

— Tá, Finn, não enche. — ele estava prestes a desligar quando ela o impediu com um engasgo. — Antes disso, você poderia procurar uma coisa aí pra mim? É da Gertie, a Gretel roubou na festa do pijama da Millicent. É cilíndrico, parece um pouco com um cogumelo, tá provavelmente escondido nas gavetas do banheiro ou embaixo da cama. Poderia fazer isso por mim?

Gretel desceu as escadas numa velocidade surpreendente e despreocupada, apontando para um compartimento atrás dela e insinuando que ia pegar algo para comer. Finn tampou o bocal do telefone por nenhum motivo aparente e só tornou a responder Audrey quando Gretel havia desaparecido de vista.

— Qual é o nome disso? — questionou ele.

— Vibrador. — houveram risadinhas suspeitosas do outro lado da linha.

— Beleza, vou nessa. Não esquece de... — no entanto, Audrey já havia desligado.

Finn pôs o telefone no gancho e subiu os degraus assobiando alguma música do The Yes Album. Dirigiu-se ao quarto de Gretel e entrou em seu lavabo, úmido e quente, como se alguém tivesse acabado de sair de uma ducha. Precisava encontrar o que Audrey pedira — antes que alguém o pegasse mexendo em ceras depiladoras e desodorantes. As gavetas embaixo da pia estavam entulhadas de escovas de dente reservas, paletas de sombras (que iam do rosa mais suave ao preto mais brilhante), toucas de banho, três tipos de secadores e pentes de madeira com vários cachos loiros emaranhados em alguns dentes quebrados. Forçou a abertura de um armário-espelho — que ele nem tinha certeza se era um armário de fato —, que revelou seu interior rangendo. Havia uma pomada para alergia aberta e seca em uma prateleira. Na debaixo, havia um seringa nojenta, que chegava a deixar Finn aflito com sua mania por limpeza. Lembrava-se de ter achado uma idêntica àquela no armário de Floyd, quando foi entregar uma dissertação de Sociologia pelo qual foi pago (cinco dólares e uma porção de batatas fritas) para fazer.

— Finn, o que você tá aprontando? — ele virou para trás, receoso. Era Gretel, confusa e incomodada, segurando uma bandeja com dois copos de sidra e um balde de metal.

— Nada.

— Você não tá fuçando nas minhas coisas, né?

— Disparate! — exclamou, sentindo partículas de suor brotarem sob seus olhos. Agarrou a seringa fina que encontrou e a chacoalhou diante de Gretel. — O que que é isso?

Os copos de sidra começaram a tremer na bandeja. Ela a largou sobre a cama.

— É só metedrina. Todo mundo tá se injetando com isso. — ela estava desapontada e aquilo quebrou um pouquinho o coração de Finn. — Você não deveria ficar fuçando. Parece o Teddy quando ele tem ciúmes.

— Desculpa. É que eu precisava encontrar o vibrador da Gertie, seja lá o que isso for.

Gretel franziu as sobrancelhas — quase invisíveis de tão claras — e abriu um sorriso compreensivo. Tirou do balde de metal dois picolés coníferos, de uma coloracão roxa-avermelhada, enfiados em espetinhos de churrasco.

— Você sabe o que é um vibrador? — ela continuava sorrindo, mas não de um modo zombeteiro. E quando Finn negou com a cabeça, explicou: — Bom, não é uma coisa que você sai dividindo com todo mundo. Alguém tava te zoando. Enfim, fiz um estoque de picolés de groselha no verão. O Teddy que amava, mas agora ficou tudo de enfeite na geladeira já que tá esfriando. É uma ótima ideia, aliás, pode até congelar água nos moldes que fica bom no calor. — ela soava animada enquanto tagarelava sobre a sua criação inédita.

Finn sentou ao lado dela na cama e deu alguns goles na sidra quente enquanto Gretel discursava sobre os incríveis sabores de picolés e os pitorescos moldes de silicone. Controlou-se para não contorcer seu rosto em uma careta por causa das especiarias suntuosas demais para o seu paladar.

— Como tá a sidra? Dá um trabalhão pra fermentar.

— Tá boa, muito boa. — sua língua estava começando a formigar por causa do álcool e do anis estrelado.

— Ah, obrigada, Finny. — ela o beijou na testa, carimbando sua pele com a impressão de seus lábios finos e melequentos de batom marrom. — Agora eu vou me trocar, se você não se importa.

Gretel recolheu uma blusa e um shorts de algodão de seu guarda-roupa, e desapareceu atrás do biombo verde. Ela arremessou seu suéter e em seguida, sua saia por cima dele. Finn conseguia ouvir a fricção entre os tecidos e a pele de Gretel, e isso fez seu sangue ferver em suas faces.

— Hã, ei, Gretel. Eu tava pensando sobre o projeto da Feira de Ciências... O que você acha de uma maquete?

Gretel ressurgiu, desta vez em roupas apagadas e meias transparentes. Nunca a havia visto sem brincos pesados ou vestidos de seda ou calças boca de sino ou blusinhas de frente única ou casacos de pele sintética. Ela se sentou diante da penteadeira e iniciou um processo extraordinário, nunca testemunhado por ninguém: Gretel estava tirando sua maquiagem. As maçãs de seu rosto não eram naturalmente avermelhadas, seus cílios eram curtos e claros, e seu lábio superior quase não existia. Ela parecia mais jovem e estranhamente mais etérea. Quando a luz do sol atravessou as janelas, ele viu uma penugem dourada, semelhante àquela que Beau possuía antes de começar a se barbear, só que menos espessa, sob o seu nariz. A testa de Gretel era repleta de espinhas e cravos, e ele refletiu por alguns instantes, perguntando a si mesmo se ela exibia aquelas marcas por tentar arrancar estrelas de seu rosto.

— Legal. Mas não seria ainda melhor se fosse uma coisa mais simples? Tipo um vulcão ou um relógio de batata. — sugeriu ela inocentemente.

— Mas esses são os clichês da Feira de Ciências! Ninguém quer ver isso. — ele notou o breve arregalar de olhos que Gretel deu, de tanto espanto. — Foi mal. O que eu quero dizer é que seria super maneiro se a gente fizesse uma coisa mais diferente... Tipo fazer uns cristais. Isso é legal, né?

— Massa. A gente podia fazer aquela coisa da cebola também. É bem interessante.

— Que coisa com a cebola?

— Clonagem de cebolas.

Finn fechou os olhos com força para não revirá-los. Todavia, após alguns segundos de reflexão, ele entendeu que Gretel não era como Raven, que geralmente aceitava suas ideias por dividirem opiniões iguais.

— Quer saber? Por que a gente não deixa esse lance da Feira de Ciências pra depois? — sugeriu ele, num timbre animado. — Quer colar na minha casa? Aluguei Os Caça-Fantasmas e Sociedade dos Poetas Mortos. Aliás, você já viu Tootsie? É hilário.

— Eu gosto de Sociedade dos Poetas Mortos, mas não sou uma grande fã do Bill Murray. Ele não é engraçado.

Aquilo perfurou os ventrículos de Finn, rebentou suas artérias e espremeu o sangue de seu coração. Em sua mente, as coisas seriam completamente diferentes. A Gretel imaginária seria fanática por Star Wars — ela teria uma coleção secreta de bonecos do Luke Skywalker — e sempre acompanharia Finn em matinês. Seria uma apreciadora genuína de filmes antigos, amaria Os Três Patetas e saberia de cor os nomes de todos os jogos do fliperama. Seria fascinada por Ciência, biografias de físicos famosos, HQs da Marvel e pela inteligência de Finn. Seria tudo isso e muito mais, preservando sua aparência impecável. No entanto, Gretel não gostava do Bill Murray e isso o deixou em frangalhos.

— Posso usar o telefone de novo? — questionou ele, piscando os olhos com incredulidade.

— Tem alguma coisa errada?

— Eu acho que não foi uma ideia boa, sabe? Quero dizer, esse lance da Daria. Você deve tá chocada e eu nem toquei no assunto. Vamo deixar pra outro dia, beleza? — ele se demorou amarrando um cadarço.

— Peraí, você tá indo embora? É por causa do Bill Murray? Ele até que é suportável em Tootsie.

— Mesmo porque ele mal aparece. — resmungou Finn, subitamente mal-humorado.

— O que você disse?

— Nada. — ele ajeitou a língua do tênis e se pôs de pé. — Eu preciso ir de verdade.

Tropeçou na barra de sua própria calça a caminho da porta. Gretel o impediu, segurando sua mão com sutileza. Brilhava na luz dourada do quarto e seu hálito cheirava a maçã. A proximidade entre eles fez com que Finn contraísse todos os músculos de seu corpo e franzisse seus lábios, na espera de que ela os beijasse. No entanto, Gretel apenas segurou seu pescoço com ternura e o abocanhou, apertando a pele sensivel entre os dentes. Sobressaltado, não sabia o que fazer com as mãos, portanto as enfiou nos bolsos — era sua melhor opção. Quando estava começando a ficar encabulado, ela se afastou com um sorriso maroto.

— Isso doeu um pouco. — afirmou ele, coçando a região mastigada por Gretel.

— Vai aparecer uma marca logo logo, se alguém te perguntar quem fez isso, diga que fui eu.

— É algum código de vampiros? Porque pareceu que você tava chupando o meu sangue.

— É mais ou menos esse o conceito.

Finn suspirou.

— Obrigado, de qualquer forma.

— Foi um prazer. — quando ele estava prestes a sair novamente, ela o puxou pela mão. — Você gosta de mim, né?

— Que tipo de pergunta é essa? Você é sideral.

Satisfeita com a resposta, Gretel enganchou seus dedos nos passadores de sua calça e beijou seu queixo.

— Pode ir embora agora. — permitiu, sorridente.

Assim que Finn saiu do cômodo, ela fechou a porta com força. Ele desceu as escadas se sentindo insatisfeito e ainda deslocado daquele lugar — Teddy Turner era onipresente como o canto dos grilos no verão e o julgava por trás dos espelhos ovais e calatéias em vasos de argila. Discou o número da casa dos Wakahisa e aguentou os segundos angustiantes de silêncio.

— Alô? — era a sra. Wakahisa e ela falava naquele tom de voz sábio, que só usava quando se dirigia a seus clientes.

— Oi, sra. Wakahisa, é o Finn. — e ele usou o seu tom de voz meigo, que só usava quando se dirigia a mães e professoras.

— Oh, olá, Finn! — ela sempre parecia feliz quando conversava com ele. — A Rae e o Park saíram, então não posso te ajudar em nada a não ser que queira uma consulta via telefone.

— Ah. Isso seria ótimo, mas eu estou com um pouco de pressa.

— Mas — disse a sra. Wakahisa, quase vociferando. — eu acho que você já sabe onde procurá-la.

Finn sentiu um calor repentino na nuca, um formigamento nas orelhas, um embrulho no estômago. Não gostava quando a mãe de Raven incorporava a cigana charlatã, especialmente porque aquela persona lhe sussurrava coisas como ‘‘Isso é inusual; tem Urano metido nisso’’.

— Só pra checar, — ele fez uma pausa. — o VCR tá quebrado?

— Está funcionando perfeitamente.

— Tendi.

— Tudo bem?

— Tudo azul. Tchau tchau.


***


Finn entrou pelas portas de vaivém e o barulho tilintante do sino ecoou pela loja. Sombras de galhos se esparramavam pelo piso branco amarelado. Os corredores de comida e os caixas estavam vazios, e partículas de poeira dançavam no ar, alheias e difusas. Ele atravessou a mercearia até a porta que dava acesso aos quartos de cima. A maçaneta lustrosa refletia seu semblante apreensivo. Finn a girou vagarosamente e tomou cuidado para que as dobradiças enferrujadas não rangessem.

O quarto do sr. Dolovan era o que disseminava o fedor de transpiração, vômito e gordura pelo corredor. Um único ruído preenchia o ambiente: gargalhadas incontroláveis vindas do último cômodo. Nunca estivera lá sozinho, normalmente era acompanhado por Beau quando este queria pegar alguma coisa que esquecera nos aposentos de Floyd. A última memória que tinha do quarto era cinzenta, asquerosa e intoxicante. Poças pretas como petróleo de aspecto gosmento. Um único colchão rasgado sobre o chão de cimento. Tudo era tão escuro, que Beauregard tivera que acender seu isqueiro para encontrar as chaves de seu Corvair.

Finn abriu a porta, ansioso. Surpreendeu-se quando foi recebido por uma lufada de vento que cheirava a alfazema. Enquanto caminhava impacientemente até a mercearia, incomodado por pequenos cascalhos em seus tênis, via-se aflito com o pensamento de que quando entrasse no quarto de Floyd, encontraria-o fazendo algo sórdido com Raven em seu colchão puído sem lençóis. Porém, eles estavam ali, tranquilos, os dedos dele emaranhados no cabelo dela, tentando trançá-lo. E Raven, agachada no chão com a cabeça apoiada no ventre de Floyd, observando o nada atentamente.

— Finn? O que você tá fazendo aqui, cara? — ele não soava irritado, e sim, alegre por vê-lo.

— Ei, Finn. — disse Raven, distraída. — Saca só, a barriga do Floyd faz uns barulhos sinistros.

Ele olhou para as paredes. Continuavam exibindo algumas rachaduras horrendas, mas agora, os ‘‘Ensaios Inflamatórios’’ de Jenny Holzer ocultavam a maioria com seus ensinamentos em letras maiúsculas. Finn se aproximou, tomando cuidado para não pisar ou derrubar alguma das velas perfumadas sobre o chão. Suas chamas deixavam tudo ao redor alaranjado e sombreado. Alguém havia posicionado uma tela anti-mosquitos na janela e enganchado um carrilhão retininte na grade. Floyd e Raven estavam enrolados em um lençol com estampa de borboletas azuis, verdes e vermelhas, e  rodeados por travesseiros enormes com fronhas listradas. Ele até vislumbrou num canto, um teremim antigo e detonado, decorado com adesivos brilhantes de flores e anjos. Finn já havia visto aquele instrumento antes, porém não se lembrava onde.

A camiseta e a saia de Raven estavam perigosamente perto de uma vela, amarfanhadas e desbotadas. Ela havia se apropriado da camiseta favorita de Floyd, do álbum Houses Of Holy, com vários traseiros cor-de-rosa destacados em meio de pedras cinzentas. Os fios de cabelo estavam entrelaçados nos dedos dele como teias de aranha. Ele usava apenas uma bermuda cor vinho do futebol e meias esportivas coloridas.

— Eu sei que você deve tá puto comigo por ter furado o fliperama hoje, mas eu quis ajudar o Floyd com algumas coisas. — justificou Raven, com as sobrancelhas erguidas de arrependimento. — Trouxe umas coisas do sótão pra cá.

— Ah. — ‘‘Ah, então você deu as suas coisas pra ele como se fosse caridade?’’.

— Parece muito mais alegre agora, né? — completou Floyd, sem se dirigir diretamente a Finn. — Ela é a minha tchutchuca.

Floyd lambeu o rosto de Raven, deixando sua boca e seu nariz cintilantes de saliva. Finn sentiu calafrios percorrendo sua coluna, uma onda de nojo sufocando seu esôfago, como se estivesse assistindo a dois irmãos se beijarem.

— Então... Vocês tão de rolo agora? — perguntou ele, num tom diligente.

Floyd tinha a resposta na ponta da língua, todavia Raven o interrompeu:

— Como que foi com a Gretel? Nós ficamos sabendo pelo rádio, como é que ela tá?

— Eu não sei... Ela parecia bem. Não mencionou a Daria muitas vezes. — respondeu, hesitante.

— E o Teddy? Ela falou do Teddy? — Raven parecia apreensiva e Floyd afrouxou os dedos de seu cabelo, mostrando uma centelha de interesse pela conversa.

— Não. Por quê? Ele traiu ela de novo?

— Jesus, vocês não ligaram a TV? Não receberam alguma ligação? A polícia não apareceu na casa dela? — Floyd o bombardeou com perguntas.

— Não! Por quê? Aconteceu alguma coisa? Vocês tão me assustando.

Floyd e Raven se entreolharam, olhos tristes, sobrancelhas franzidas. Ele apertou o ombro dela como se quisesse esquentá-lo. Finn se sentiu como um filho único que estava prestes a ouvir dos pais que eles se divorciariam.

— O Teddy foi preso. A Daria acordou pouco depois que a gente saiu da escola e disse que foi ele que tentou matar ela. — confessou Raven, pesarosa. — A gente achava que você sabia.

— O Teddy? O Teddy foi quem matou o resto também?

— Eles ainda tão interrogando ele, eu acho. Mas sim, provavelmente.

Os joelhos de Finn começaram a tremelicar. Teddy era intimidador e imprudente, mas não era cruel. Não o bastante para perfurar corações de melhores amigos e criancinhas. Ele não conseguia imaginá-lo arrastando o corpo de Peggy Ryan para o jardim dos Keely, mas fingiu acreditar porque era a única coisa a se fazer. E porque era aliviador.

— Ele matou o Gary? O Gary? — perguntou ele, sem entender ainda.

— É o que dizem. Nós deveríamos ligar pro Beau. Ele deve tá arrasado.

Finn cruzava com o assassino nas escadarias da escola toda semana. Finn matara aula com o assassino e sua vítima em uma segunda-feira. Finn tinha uma queda pela namorada do assassino. E secretamente, Finn idolatrava o assassino. Naquele tempo todo, ele estivera dançando com o demônio sob a luz do luar.

—Vocês acham que foi o Teddy que fez isso? — questionou.

— Honestamente? Não. — respondeu Raven.

Finn matutou por alguns instantes, batendo o pé contra o piso. Ela lhe ofereceu um copo d'água. Floyd lhe ofereceu um cigarro. Ele negou com a cabeça para os dois.

— Eu acho que nós deveríamos fazer algo sobre essa situação. — concluiu.

— Não tô te entendendo, campeão. — protestou Raven. — Você sempre odiou o Teddy.

— Eu não sei. Digo, embaixo daquela cabeleira e daquele ego inflado deve ter alguém bacana. — Finn se encaminhou lentamente até a porta. — E ele vai fazer dezoito anos. E você sabe o que acontece quando você tá na Califórnia, tem dezoito anos e tá em cana por causa de assassinatos que ninguém tem certeza que você cometeu? Você morre na cadeira elétrica, Rae.

Repentinamente, as velas aumentaram a temperatura do quarto e gotículas de suor brotaram nos rostos encerados de Raven e Floyd. Quando Finn deixou o cômodo e andou pelo corredor banhado por lâmpadas fluorescentes, as gargalhadas incontroláveis haviam cessado.


***

 

Finn se assombrou quando percebeu que a mesma cúmulos nimbos escura havia revestido sua casa também. Audrey estava assistindo o noticiário, roendo as unhas e parecendo exausta. Não o importunou com brincadeirinhas infames e sequer mencionou a palavra ‘‘vibrador’’ quando ele apareceu na porta da frente. A Sra. Swanson já havia se juntado ao aglomerado de mães preocupadas na casa dos McAllister. No entanto, a pessoa que reagiu de maneira mais esquisita em relação à prisão de Teddy foi o Sr. Swanson. Sentado na poltrona reclinável vermelha, fitava o abajur amarelo sobre a mesa de centro. Mesmo se uma mosca pousasse em seu globo ocular, ele não piscaria.

— Eu fiz um misto quente pra ele. — afirmou Audrey. — Você sabe como o papai ama misto quente.

O prato de misto quente continuava intocado no colo do Sr. Swanson.

— Você já tentou tocar um LP do T-Rex pra ver se ele sai do transe? — sugeriu Finn.

— Não. Ele só ligou o rádio, ficou sabendo da prisão e tá assim há uma hora e pouco.

Finn se sentou ao lado da irmã no sofá. Ele se deitou em suas pernas e permitiu que os dedos de Audrey acariciassem sua cabeça — por mais que tivesse aflição do arranhar de suas unhas em seu couro cabeludo. Sua meia-calça rosa-choque exibia um único furo no joelho. Ele fechou os olhos. O rosa ainda queimava em suas pálpebras cerradas. Um pernilongo zumbiu em seu ouvido. As notícias insignificantes do dia se passaram em câmera lenta, como se soubessem que não eram o que importava ao telespectador e queriam vê-lo sofrer de ansiedade. A voz de Lorna Harper, a repórter favorita do bairro, parecia-se com o zumbido do pernilongo que fazia o lóbulo de sua orelha inchar com tantas mordidas. Finn estava gradativamente adormecendo e só não afundou em seu subconsciente porque Audrey pôs-se de pé sem aviso prévio e derrubou a cabeça do irmão na almofada dura do sofá.

— Papai, papai, você tá bem? — perguntava Audrey, obtendo respostas em forma de soluços. Lágrimas lavavam o rosto redondo do Sr. Swanson, umedecendo e frisando seu bigode impecável.

— ‘‘O adolescente de dezessete anos, Edward Allan Turner, já havia prestado serviços comunitários como punição por furto de medicamentos proibidos para venda sem prescrição médica.’’ — a televisão dizia, em seu tom monótono.

— Esse garoto vai morrer que nem o Chucky. Os policiais vão matar ele. — sentenciou com a voz embargada.

— Quem é Chucky, pai? — questionou Finn, botando o prato de misto quente gelado no chão.

— ‘‘O moleque é um criminoso, isso é evidente. É de dar medo, o tom que ele usa pra responder as perguntas. É calmo, quase indiferente. O engraçado é que quando enviamos viaturas para sua casa, descobrimos que tinha andado até a delegacia previamente e dito para lhe prenderem, antes mesmo daquela garota dedurá-lo. É como se ele soubesse o que estava por vir.’’

— Ele era o meu melhor amigo.

— ‘‘A Justiça está, sim, considerando a possibilidade de uma pena de morte.’’

— Ele era o meu melhor amigo.

O Sr. Swanson se curvou e enterrou sua fronte chorosa nas mãos.

— ‘‘Entre as vítimas, Garrett Austin, de dezessete anos, seu melhor amigo.’’

— Pai, se acalma, você quer alguma coisa pra beber? Um copinho de uísque escocês? — sugeriu Finn, amedrontado. Nunca havia visto seu pai chorar.

— ‘‘As crianças de hoje são horríveis. A juventude está perdida. Eles têm que achar Deus em seus corações. Ou se não, vão continuar se marginalizando, que nem aqueles astros do rock que eles tanto veneram. Também acho que esse tipo de música deve ser abolida. Quero dizer, quantos palavrões cabem naqueles versos odiosos?’’

A porta abriu de supetão. A Sra. Swanson usava uma camisa de botões florida e saltos envernizados gastos. Seu cabelo castanho em forma de capacete emoldurava suas maçãs do rosto joviais. Ela olhou para a TV. O noticiário agora passava fotos antigas de Teddy; sua foto do anuário (fios de cabelo rosa escapando pela touca, casaco do brechó da Sra. Gilligan, dentes tortos. Ele não olhava diretamente para a câmera.), uma foto desbotada de um bebê sorridente, um Teddy de doze anos flagrado fazendo alguma de suas malandragens na piscina dos fundos.

— Isso é por causa do Chucky? — indagou a Sra. Swanson.

— Ele era o melhor amigo do papai. — explicou Audrey.

— Vocês dois, pro quarto! Agora! — ordenou sua mãe, autoritária e assustadora.

Os irmãos subiram as escadas com desespero, agarrados ao corrimão de madeira. Eles se reuniram no guarda-roupa de Audrey, onde se escondiam quando seus pais brigavam ou quando recebiam visitas de tias indesejadas. As roupas, frouxas nos cabides, faziam cócegas nas bochechas de Finn. Sua irmã estava encolhida na outra extremidade, mordendo sua pulseira de prata.

— O que você acha que deixou o pai assim? — perguntou Finn.

— Eu não sei. Acho que ele não gosta de lembrar algumas coisas. Mas quando ele lembra, vem tudo de uma vez. Sabe, as memórias, o choro.

— Você acha que a gente vai ficar assim? Pessoas de meia-idade com crises existenciais todo domingo de manhã e que sentem que o melhor ficou pra trás?

— Ah, Finn. Eu acho que todo mundo vai ficar assim.

E nisso, o guarda-roupa ficou silencioso.

— Lembra de quando a gente era pequeno e saía no meio da noite pra brincar no jardim dos Keely junto do Paulie e do Ralph Spalding?

— É, e os irrigadores ligavam e a gente voltava ensopado pra casa.

— Daí a mamãe ficava puta da vida e mandava a gente pra cama mesmo assim.

— E ficava um frio de congelar as bolas.

— É. Bons tempos.

— É.

 


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Notas finais do capítulo

* ‘‘Beauregard e seus outros heróis — não aqueles que vestiam roupas apertadas e que conseguiam voar, mas aqueles que tinham zeros pintados nas mãos e que arrastavam seus pés ao andar.’’ zeros pintados nas mãos por causa de Teenage Riot blé é basic? sim é super basic mas eu gosto
** ‘‘A testa de Gretel era repleta de espinhas e cravos, e ele refletiu por alguns instantes, perguntando a si mesmo se ela exibia aquelas marcas por tentar arrancar estrelas de seu rosto.’’ referência à música do capítulo ‘‘All The Young Dudes’’ QUE POR ACASO FOI ESCRITA PELO DAVID BOWIE AMOR DA MINHA VIDA MINHA MINA DE OURO DE VELUDO
GALERAR PRESTA ATENÇÃO AQUI
o Teddy é o assassino? e se não é, então é quem? vocês acham que ele vai morrer? pra entenderem mais sobre o Chucky, leiam Playground Love porque DaC é um tipo de crossover de todas as coisinhas que eu postei aqui.