All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 55
All Out War – Part Nine: The Reckoning


Notas iniciais do capítulo

Hei!

Aqui estou eu para trazer a vocês o PENÚLTIMO CAPÍTULO DE ALL OUT WAR!

Finalmente, hein? Hehe...

Minha demora (dessa vez ^^) é totalmente justificável! Além de problemas pessoais que não cabem ser citados por aqui, tive alguns problemas durante a produção desse capítulo. Entendam... Esse episódio traz o fechamento da guerra total, por isso precisava ser trabalhado com extremo cuidado. Haveria alguns pontos finais, mortes importantes, e precisava trazer POVs que representassem esse tom de despedida... A princípio ele havia ficado grande demais, e eu até cheguei a pensar em dividi-lo em duas partes, mas achei melhor mantê-lo em sua essência, mesmo estando gigantesco, pois acho que ele deve ser encarado como um capítulo especial mesmo!

Portanto preparem-se para um MEGA EPISÓDIO! São mais de dez mil palavras com muitas tretas, dramas e o grande desfecho da guerra entre Aliança e Salvadores! E então, quem vocês acham que vencerá no final?

Alguns eventos na faculdade me atrapalharam e ainda irão me atrapalhar, portanto a resposta dos comentários também atrasou, mas tentarei até segunda feira quitar com tudo isso! Portanto, a Menta e Sami que comentaram no último episódio, não se preocupem, suas questões serão respondidas com calma... E claro, espero que gostem desse penúltimo capítulo!

Acho que é isso...

Boa leitura!



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Erguera-se da cama com dificuldades, precisara se apoiar na cabeceira para não cair. Estava tonto, o corpo fraco, o intestino totalmente revirado. Mais parecia que suas vísceras haviam sido trituradas e recolocadas em seu abdome. O gosto amargo seguia tomando conta de sua boca. Mas sabia que não podia parar. Sabia que ainda não havia acabado.

Ignorara os protestos, refutando a todos que tentaram impedi-lo de caminhar. Sabia exatamente para onde ir naquele momento, e de certo ninguém teria realmente coragem de suplantar seus instintos. Era mais forte do que ele, maior do que ele. Toda aquela guerra era.

Seguira pelo corredor respirando profundamente, tomando fôlego devagar, pois até mesmo os naturais movimentos respiratórios lhe causavam dores. Ultrapassara todos os olhares surpresos, todas as exclamações de espanto exprimidas por aqueles que atestavam a sua força de vontade, o seu desejo de vencer.

No fim das contas era isso que importava. Vencer ou perder. Simples.

Aquele que tivesse mais gana triunfaria no final.

E que fosse ele ao inimigo, independentemente das consequências. Não havia mais tempo para pensar nas consequências. A partir de agora era traçar uma linha reta e segui-la, e se algum obstáculo surgisse, seria derrubado na marra.

Ouvira todas as conversas a beira de sua cama, conseguira captar toda a gravidade da situação que enfrentavam. Um problema atrás do outro, enquanto que a guerra só se ampliava. Não podia perder tempo, não podia se dar ao luxo de ficar acamado enquanto que o mundo desabava ao seu redor. Principalmente por saber que poderia impedir esse desabamento.

Chegara a frente da porta dupla, e de lá, já podia ouvir a densa conversa que se passava do lado de dentro. Esperara por alguns segundos, controlando a respiração, tentando parecer o mais sadio possível. Não poderia demonstrar fraqueza, pois sabia que acima de tudo, sua imagem era também um grande símbolo, um símbolo que movia todos às últimas consequências.

Abrira a porta de uma só vez, empurrando-a com a mão esquerda. A conversa cessara imediatamente e todos os olhares, totalmente espantados e atônitos, voltaram-se para sua face.

Chegara a hora.

— Já se passaram mais de doze horas e nada de febre... Eu não estou doente.

Rick Grimes tocara o abdome levemente, tentando disfarçar a pontada aguda que sentira sobre o ferimento enfaixado. Dera mais dois passos, fechando a porta e se encaminhando para o centro da sala de reuniões. No local, Andrea, Carl, Michonne, Jesus, Ezekiel, Eloise, Glenn e Eugene, focavam agora todas as suas atenções nas palavras do policial.

— Eu ouvi a discussão de vocês a respeito das armas contaminadas... Pelo tempo de exposição e por tudo o que aconteceu com os outros que foram igualmente feridos, acho que já podemos tirar uma conclusão de todo esse evento... Dwight ainda está do nosso lado. Ele deve ter atirado em mim com uma flecha não infectada, e pelo que soube, também ajudou Eugene e seu pessoal a fugirem do Santuário. Bom, isso basta para mim.

— De qualquer forma, temos uma oportunidade única agora. Negan acha que estou morrendo, ou até mesmo que já morri. Esse é o motivo dele estar esperando tão perto daqui. Provavelmente pensa que iremos nos render assim que eles marcharem outra vez aos nossos portões.

Os rostos estafados dos sobreviventes passavam a lentamente a se iluminar com um pouco mais de esperança, conforte o inquebrável Rick Grimes ia demonstrando em toda a sua retórica que a guerra ainda não havia acabado.

— Jesus. – O barbudo o olhara – Quero que lidere um grupo armado. Saiam sorrateiramente de forma que os Salvadores não os vejam. Assim que eles chegarem aos portões, iremos obrigá-los a lutar em duas frentes, e você os pegará por trás. Se executarmos de forma sincronizada, poderemos causar um dano irreversível em nossos inimigos.

— Enquanto isso, quero snipers nos muros, nos dando cobertura. Eu sei que a plataforma principal tombou, mas acho que podemos usar a secundária. Se não for possível, então todos os atiradores se juntarão a linha de frente. Precisamos pressioná-los o máximo possível, obrigá-los a gastarem toda a munição que ainda resta. Se não pudermos vencê-los na força, então venceremos no cansaço. Não se esqueçam, ainda somos maioria!

Eloise erguera o braço mecanizado, tomando a palavra. Seus olhos estavam tristonhos, avermelhados. Havia sentido como ninguém mais a perda de Hanso.

— Eu vou com Jesus. Não posso ficar aqui parada esperando que eles nos ataquem. Quero fazer parte disso. Quero matar o máximo desses filhos da puta que puder!

— Eu também vou! – Exclamara Carl, dando um passo à frente.

Rick erguera o coto, como se pedisse calma.

— Eloise, sim. Carl, não. – O garoto desviara o olhar, mostrando leve decepção, mas por todo o contexto, preferira permanecer calado – Eloise, Jesus e Michonne, reúnam mais dez pessoas, preferencialmente bons combatentes. Glenn os guiará até uma saída que não esteja sendo vigiada por Negan. Provavelmente todas as atenções deles estão voltadas para o nosso portão principal. – O xerife coçara a testa, retomando – E por falar nisso, como estão os nossos portões?

Eugene se prostrara a responder.

— Nada bem. Colocamos dois ônibus bloqueando as saídas, mas logo os errantes encontrarão uma forma de se esgueirar por baixo deles. Se tivermos uma batalha em frente à entrada, como você está prevendo, a situação ficará bem pior. E ainda precisamos lidar com os cabeças-ocas que estão do lado de dentro...

— Isso eu posso fazer, pai. – Intrometera-se Carl outra vez – Vou juntar um grupo pequeno. Se formos nos espalhando, nos dividindo, conseguiremos eliminar os bichos antes mesmo dos Salvadores chegarem. – Arrumara o chapéu de cowboy sobre os desgrenhados cabelos – Já será de grande ajuda, não acha?

Seu garoto havia crescido, já sabia muito bem cuidar de si. Além disso, o pequeno Grimes havia adquirido um admirável censo de comunidade, algo importantíssimo para o novo mundo tantas vezes falado pelo policial. Ele estava pronto para o que viria, e isso era um fato inegável.

— Bom... Não tenho argumentos contra. – Abrira os braços, exprimindo um leve sorriso – Ezekiel... Verifique todos que ainda podem lutar, organize-os em pelotões... Você sabe muito bem como fazer isso. Precisamos de observadores nos passando informações de minuto em minuto! Não podemos ser pegos de surpresa outra vez. – Enfatizara – Quando Negan e seu bando estiverem marchando para cá, já deveremos estar prontos para a batalha!

— Mas antes disso quero que o grupo do Carl faça uma varredura nos principais pontos por onde iremos passar. Não quero nenhum acidente com mordedores! Seria um desastre se perdêssemos algum combatente para essas criaturas... – Tocara o ombro do filho – Vá e leve mais cinco pessoas com você. – Mirara agora todo o grupo, toda a cúpula da Aliança – Acho que todos já sabem o que fazer. Obrigado.

Lentamente os membros da reunião começaram a deixar o grande salão, já sabedores dos próximos passos planejados por Rick. Como um general, Grimes desenvolvera toda a estratégia a ser seguida na inevitável próxima peleja contra o grupo inimigo. Mas estranhamente, dessa vez, todo o peso que comumente lhe caía sobre os ombros não lhe desgastava mais como antes. O policial estava sereno, pleno.

Apenas Andrea não deixara a sala. Caminhara a passos nervosos em direção ao policial, como se estivesse durante todo o tempo da assembleia apenas esperando que as tratativas chegassem ao fim. Abraçara-o fortemente, fazendo com que se desequilibrasse, dando dois passos e recobrando o centro de equilíbrio.

Sentira o corpo da loira prensado contra o seu, as suas respirações e batimentos se misturando como em uma verdadeira simbiose. Sorrira ao sentir o calor de sua amada, já que definitivamente estava mesmo precisando daquilo. A sardenta então erguera o rosto, beijando-o algumas vezes.

— Você está bem? – Seus olhos exprimiam toda a preocupação que sentira durante os momentos de dúvida sobre o estado de saúde de Rick. A angústia que agora se esvaía, ia lentamente dando um toque muito mais jovial ao belo rosto da sniper.

— Só estou com um pouco de dor... – Respondera Rick, tentando parecer o mais ponderado possível.

O beijara mais uma vez.

— Eu fiquei tão preocupada, tão... – Sua voz estava embargada. O alívio era evidente, mas toda a aflição que a loira acumulara, ainda parecia ser descarregada de forma gradativa. Foram realmente momentos muito tensos – Cheguei a pensar que estava tudo acabado, que você não voltaria e que não...

Grimes tocara o seu rosto com carinho.

Hey... – Chamara sua atenção, os olhos se encarando como que atraídos por um ímã – Nós não morremos, se lembra?

A atiradora abrira um vasto sorriso, acolhendo-se ainda mais entre os braços do xerife. Rick a abraçara como se fosse a última vez, sentindo-a como se fosse a última vez e beijando-a como se fosse a última vez. Precisava viver os extremos, pois o preço que a guerra cobrava, uma hora poderia se tornar caro demais.

E era em momentos como aquele, dentro do afago da mulher que amava, que Grimes tinha total certeza de que tudo o que fizera valera a pena.

 

*****

 

Ignorara as duas batidas na porta, não iria parar o que estava fazendo para abri-la. Também não se importava nem um pouco com seja lá quem fosse que estivesse pedindo para entrar. Na verdade, parara de se importar com qualquer coisa que fosse.

James Goodwin havia compreendido o significado da palavra sofrimento em toda a sua plenitude. Toda a sua postura, os seus planos, sua casca, sua esperteza, destreza... Tudo se quebrara no segundo em que se deparara com a perda de sua mulher e de sua criança. Ver Jacob e Susie sem vida, tombados no chão daquele quarto no casebre de madeira, massacrou por completo tudo o que existia dentro de si.

Parecia que o seu interior havia sido atropelado por um daqueles tratores gigantes, utilizados em minas de carvão. Passara por cima do seu coração e de sua alma sem dó e nem piedade, deixando apenas uma poça de restos, um rastro espalhado do que um dia fora. Toda a sua força e vontade de viver lhe foram tirados naquele mesmo instante.

Afinal de contas, tudo o que James fizera durante toda a sua trajetória pela sobrevivência, desde que se juntara ao comboio de Tom Price, fora voltado para a proteção daquela jovem que tanto lhe cativara. E após a gravidez, o caçador se dispusera a seguir em frente, a proteger sua prole, a fazer com que tudo desse certo, sem se importar com os prognósticos negativos. De fato conseguira conduzir Susie com segurança até o momento do parto, executado por Vincent Hall, também protegido por Goodwin, justamente para que pudesse realizar o procedimento.

Depois que o destino lhe deu a chance de reencontrar sua mulher e seu filho, mais uma vez contrariando tudo o que seria considerado normal, James se prostrara a protegê-los, buscando sempre o que seria melhor para as suas seguranças, independentemente das escolhas que precisasse fazer. Matara, enganara e corrompera, tudo isso visando uma comunidade mais segura, um local que após ajustes, pudessem finalmente chamar de lar.

Mas não conseguira. No final, acabara falhando em sua missão.

Qual seria agora então sua grande motivação para viver? Lutar em uma guerra que lhe tirara tudo? Proteger uma comunidade liderada por um homem que jurara matá-lo? Arriscar-se por um futuro que jamais seria pleno, já que as luzes de sua existência já haviam partido?

Pelo quê James Goodwin viveria a partir de agora?

A porta fora aberta após mais cinco batidas sem resposta. Por uma pequena fresta, Leah Fisher olhara para o lado de dentro, cumprimentando-o quase em um sussurro. James não dissera nada, ignorando a adolescente que sem cerimônias, adentrara o quarto, cerrando a porta logo depois.

Goodwin estava no quarto que Susie utilizava de morada na Barrington House. Passara a última noite lá dentro, remoendo as lembranças ainda vivas da mulher que tanto amou. Podia sentir o seu cheiro, sua presença. Em cada móvel, em cada peça de decoração, em cortina... Em cada detalhe, mesmo os menores, James conseguia sentir Susie viva, como se ainda ocupasse aqueles cômodos.

Olhar para o pequeno berço de Jacob enchia o seu coração de tristeza. Remexer suas roupinhas, acompanhando o desenvolvimento da criança, praticamente traçando uma linha do tempo, desde aquelas que utilizara quando ainda era um recém-nascido... Todas as peças espalhadas em cima da cama, com aquele típico perfume gostoso de criança, um aroma doce, que só remetia a boas sensações. Mas que agora massacrava o seu interior.

Estava escolhendo a roupa que vestiria sua criança pela última vez. Nem em seus piores pesadelos imaginou que um dia poderia estar fazendo isso. E mesmo se algo tão horrendo já tivesse passado por sua mente, em hipótese alguma seria tão cruel quanto à realidade lhe mostrava.

Não merecia passar por aquilo, independentemente de todos os erros que tivesse cometido. Ninguém merecia passar por algo assim.

Sem avisar, Leah finalmente se pusera a falar.

— Você ainda se lembra do meu aniversário de quatorze anos? – A garota pausara a fala por alguns segundos, não encontrando nenhuma reação de Goodwin que não fosse a insistência em ignorar sua presença – Tínhamos acabado de entrar em Charlotte, saindo de Monroe... Não fazia nem uma semana daquela invasão ao nosso acampamento, quando ainda estávamos na Carolina do Sul...

Goodwin só queria ficar sozinho, só queria que ela saísse do recinto. Não tinha forças para gritar, para exigir que ela o deixasse com sua dor. Aquela invasão o incomodava, mas sua cabeça doía tanto, que não valeria a pena o esforço para expulsá-la. Agarrara-se então a mais uma peça de roupa de seu filho, tentando transportar sua mente dali.

Leah insistira.

— Meu pai ainda estava muito sentido pela morte da mamãe, e todo mundo tava de luto por todas as perdas que ainda eram muito recentes... Sete ou oito pessoas, se bem me lembro. – James ouvira mais dois passos curtos, a voz de Fisher agora estava ainda mais próxima – Susie e Amanda organizaram tudo. Tinha desde chocolate derretido a latas de refrigerante quente... E ainda assim foi um dos meus melhores aniversários!

— Você nos contou histórias da sua vida, das suas caçadas junto aos membros daquele clube que frequentava... Susie me deu um colar de presente, Vincent... – Ela interrompera a própria fala. Parecia emocionada, Goodwin chegara a pensar que ela desistiria – O meu pai voltou a sorrir naquela noite. Também, com o Mike contando aqueles contos horríveis de terror! – Troçara.

James pressionara o tecido contra os dedos. Estava estafado de todas aquelas palavras, principalmente por remeterem a bons momentos, a momentos em que Susie estava presente e seu garotinho ainda residia o ventre da mulher amada. Por que diabos aquela menina surgira do nada para encher o seu peito com ainda mais angústia?

— Nós cantamos, comemos, brincamos... Nós vivemos, Goodwin. O nosso grupo estava unido, vivo, acreditando que poderíamos encontrar um final feliz... De todas aquelas pessoas, só restaram nós dois! Nós três, no caso. – Corrigira-se, tocando o ventre.

O caçador que até então tentava ignorar a presença da falante adolescente no quarto que fora de Susie, totalmente fatigado, virara-se, encarando o seu rosto pela primeira vez. Os olhos vermelhos, tomados por bolsas de líquidos, as rugas ainda mais aparentes, encararam a jovem de loiros cabelos.

— O que você quer, Leah?

Tentara soar rude, tentara utilizar-se de firmeza e rigidez para intimidar a menina. Mas sua voz enfraquecida e as feições machucadas pela dor da perda, não causaram o efeito que ele gostaria. Pelo contrário, assim que as primeiras lágrimas desceram quase que involuntariamente por seus olhos, as mãos ainda segurando a roupa de bebê, Leah Fisher abrira um sorriso.

— Eu quero que a gente não perca o que conseguimos construir naquela noite... – O silêncio do outro lado seguira – O Tom disse uma vez que nós éramos uma família, e que cuidaríamos uns dos outros. Eu sei que aconteceu muita coisa no meio do caminho, mas... Ainda podemos ser essa família, e ainda podemos cuidar uns dos outros.

James desviara o olhar, pela primeira vez em muito tempo era difícil encontrar as palavras. O homem de retórica fácil e manipuladora, estava quebrado.

— Você está vendo da forma errada, menina... Tom está morto, assim como a Amanda, o Vincent, o Mike, a Susie e o... – A garganta embargara completamente. Voltara a dar as costas para a adolescente, remexendo mais uma vez as roupas de Jacob enquanto chorava em silêncio.

Sentira que a garota sentara na cama, tocando o seu ombro.

— É você que está vendo as coisas da forma errada... – Dissera – Amanda morreu nos protegendo dos errantes, Tom morreu lutando, também tentando nos proteger. Eu estou grávida do Vincent, e por mais que ele esteja morto agora, viverá para sempre em nosso filho! Mike também pode estar vivo, vocês se perderam naquela tempestade, não sabemos se ele sobreviveu ou não. E Susie e Jacob podem até ter partido, mas eles nunca serão esquecidos por você. E enquanto você estiver vivo, eles também estarão!

— Eu vim aqui, James, porque não quero que você desista. Não quero que nossa família acabe. E eu sei que no fundo você também não quer... Eu não consigo imaginar a dor que você está sentindo agora e o quanto isso deve estar acabando com você, mas quero que saiba que você não está sozinho!

Erguera-se da cama.

— Eu vou lá para fora agora. Carl está organizando um grupo para acabar com os errantes que estão bloqueando o nosso caminho. Depois que terminarmos, Jesus e Michonne irão levar um grupo maior para emboscar os Salvadores que estão acampando aqui perto. Acho que você deveria se juntar a eles...

Sem mirar a menina, James respirara profundamente, juntando forças para esbravejar.

— Você não sabe de nada, Fisher. Ainda é a mesma menina assustada que precisava de proteção para tudo quando estávamos naquele comboio! E ainda por cima é burra. Você fala de cuidar uns dos outros, de família... Mas vai se arriscar lá fora, matando carniceiros e podendo perder o seu bebê.

A jovem que já se dirigia para a saída, estacionara assim que ouvira as últimas palavras do engenheiro.

— Quando você e Susie escolheram ter o Jacob, também foi burrice? – O caçador permanecera calado – Vincent me contou que estava pronto para o pior quando ela entrou em trabalho de parto. Ela não tinha dilatação suficiente, e se ele não fosse um excelente obstetra, provavelmente ela e o seu filho teriam morrido naquela cabana. Será que decidir ter um filho nessas condições também não foi burrice?

— Eu não estou indo lá fora para morrer, e sim para viver. Só eu posso garantir que o meu filho terá algum tipo de futuro, pois nas atuais condições... Acho que viver é isso, James. Talvez viver hoje é que seja uma grande burrice. Mas eu nunca fui uma garota muito esperta mesmo! – A colocação fora acompanhada por risinho curto – E por sinal... Hoje é meu aniversário.

Fisher deslocara-se até a saída, fechando a porta assim que deixara o cômodo. Sozinho outra vez, James Goodwin jogara-se contra o colchão, deixando-se levar pelo choro preso, pelas emoções suplantadas. As palavras da menina o penetraram como uma faca afiada.

O caçador então desabara.

 

*****

 

— Não saiam de formação! E em hipótese alguma se deixem encurralar! Essas coisas podem parecer burras, mas em grupo são muito perigosas! Deem alguns passos a frente e depois recuem! Tenham cuidado com a retaguarda!

A voz de Carl Grimes chegara aos ouvidos de todos. Com a machadinha de seu pai em mãos, o menino liderava o pequeno grupo que se dispusera a eliminar os errantes que ainda permaneciam no interior do Hill Top.

Fora mais fácil controlar o fluxo depois que os ônibus do Reino foram colocados nos lugares dos portões. Apesar de grande, o número de criaturas que ainda vagavam pela comunidade não seria suficiente para destruí-la, como Negan provavelmente imaginara, mas sem dúvidas atrapalharia bastante as ações da Aliança.

Enquanto o pelotão de Ezekiel e o grupo tático de Jesus, Eloise e Michonne se preparavam, os batedores tentavam ser rápidos, justamente para que nesse meio tempo conseguissem completar sua missão, abrindo espaço para os soldados que de fato confrontariam os Salvadores. Dez pessoas faziam parte dessa equipe, E Lizzy Penn era uma delas.

Com duas facas curtas nas mãos, Penn avançava vorazmente contra os bichos decompostos, perfurando os seus crânios apodrecidos, e obedecendo fielmente as instruções do jovem líder.

Sem beber a algumas semanas, o que lhe causara certo mal-estar a princípio, Elizabeth se vira completamente livre das vozes que atormentavam sua cabeça, que seguiam em silêncio desde que desenvolvera sua amizade com o finado Desmond Wales. É claro que o médico não lhe curara de seus problemas, mas ambos, compreendendo o que se passava um com o outro, de certo modo conseguiram se ajudar. E talvez os dois tenham de fato acertado as contas com pendências do passado.

A palavra que mais cabia naquele momento era recomeço.

Lizzy provara a si mesma que poderia recomeçar, que poderia se reconstruir. Deixara de achar que tudo estava acabado, que o mundo estava condenado e que as pessoas jamais poderiam voltar a ser como eram antes. É claro que ainda sentia medo, um medo tão palpável e real que às vezes a paralisava, mas hoje, o seu medo não se remetia mais ao presente dos fatos, e sim ao futuro.

Não havia como prever o que viria depois que a guerra acabasse, mas havia como escolher um lado. Penn escolhera o lado da Aliança, o lado dos amigos, que se protegiam, e que tentavam assim como ela, acreditar que era possível fazer diferente. Elizabeth jamais conseguiria aceitar que os Salvadores e a forma como Negan comandava as coisas representava o futuro de fato. Sabia que havia uma saída, e que estava participando dela.

A morte de Hanso lhe doera muito, tanto quanto em qualquer um que havia convivido com ele no Garden. Mas a partida do lenhador austríaco também simbolizara, de certo modo, o mundo novo que tanto era citado pelas pessoas. Todos estavam morrendo por esse mundo novo, e mais ainda morreriam. Os Salvadores não fariam isso, não se doariam dessa forma. Não se tratava de ego, de dominação, de sobrevivência... Se tratava de esperança.

E foi justamente ali que Elizabeth Penn compreendeu que não havia mais como perderem. O novo mundo, o futuro, já era uma realidade. Já era o seu presente.

Com gana e afinco exterminara mais dois, três, quatro carniceiros em sequência, deixando apenas os seus corpos tombados no solo. Padre Gabriel, Patricia Peck, Olga, Eduardo, Enid... Todos pareciam compartilhar do mesmo sentimento que agora acendia o peito de Penn. Até mesmo Leah Fisher, apesar da gravidez e todos os riscos que poderia estar correndo, também estava lutando por seu futuro, lutando por sua esperança.

Carl parecia uma máquina. Cada vez mais parecido com o seu pai, o menino não parecia sentir a pressão de ter apenas doze anos em meio a uma guerra entre comunidades. Girava a machadinha no ar, partindo os parietais e dando cabo de todo e qualquer bicho que se aproximasse. Não parecia ter medo. Ou melhor, parecia saber muito bem como usar o seu medo. Usava-o como força para seguir em frente, para proteger aqueles que ama. Sua maturação era clara e admirável.

— Leah, cuidado!

Rápida como o vento, Lizzy golpeara de cima para baixo um carniceiro que tentava alcançar o rosto da garota grávida. Descuidada, a menina quase fora mordida, se não fosse pela providencial intervenção de Penn.

Ofegante a jovem a olhara com um sorriso no rosto, tocando a barriga protuberante quase que instintivamente, como se verificasse se estava tudo bem com sua futura criança. Elizabeth devolvera um sorriso, também se sentindo aliviada por não perder a adolescente que também aparentava ter vivido uma incrível maturação. Era o tipo de pessoa que representava o futuro que tanto buscavam. Uma garota jovem e grávida... Havia simbolismo maior do que esse?

— Ok, pessoal. – Carl arrumara o chapéu de cowboy, limpando o sangue da machadinha – O grupo maior estava concentrado aqui no celeiro. Vamos nos espalhar agora em duplas, precisamos acabar com os desgarrados que ainda estão por aqui!

Apesar da pouca idade, ninguém sequer chegara a cogitar contestá-lo. O pequeno Grimes passava segurança em suas decisões, e sua experiência na estrada, tendo sobrevivido a um verdadeiro inferno antes de aportar a Alexandria, davam o embasamento necessário para que pudesse comandar aquele grupo.

As duplas se dividiram, separando-se a partir daquele momento para executar a parte final da investida, a última limpeza dos famintões que ainda haviam restado. Lizzy começara então a caminhar em direção oeste, retirando o excesso de sangue e bílis de suas facas. Só notara a presença de quem a acompanhara, quando uma voz ressoara próximo ao seu ouvido.

— Obrigado. – Fisher ainda sorria, agradecendo-a por tê-la salvo do errante. Sua testa estava tomada por suor, o rosto sujo de poeira.

— Não precisa agradecer. – Respondera Penn – Estamos no mesmo barco. E jamais deixaria que nada ocorresse com vocês dois. Ou duas. – Lizzy apontara para a barriga da adolescente – Jamais quebraria uma promessa. Pelo menos essa Lizzy não.

A garota loira meneara a cabeça.

— Sabe Elizabeth... – Leah seguira caminhando ao seu lado, tão falante quanto sempre se mostrara – Eu estive pensando... Quando tudo isso acabar, quando esse dia chegar ao fim, tudo vai ser diferente. – Lizzy a olhara, mirando os seus olhos. Havia um brilho especial neles – Acho que eu vou me mudar para o Reino, era o que o Tom faria se ainda estivesse aqui. Eu conheci a médica de lá, doutora Alves... Ela prometeu acompanhar minha gravidez até o fim. – Retirara a pistola da cintura, verificando se estava carregada – Eu gosto do senhor Ezekiel, acho que terei uma vida boa por lá... Será um bom lugar para o meu feijãozinho nascer.

As duas riram após Fisher pronunciar o carinhosos apelido que cunhara para o seu bebê.

— Eu também pensei bastante sobre isso... – Penn olhara para os céus, respirando profundamente – Eu não sei o que vai ser de nós depois que vencermos, mas sei que venceremos! Talvez eu volte para o Garden, talvez eu fique por aqui... Ainda não sei ao certo.

Apesar de acreditar em um destino promissor, Elizabeth ainda não tinha confiança nos próprios passos, ainda não sabia que caminho tomaria depois que tudo se esvaísse, depois que a guerra finalmente cessasse. O Garden ainda lhe trazia muitas lembranças difusas, mas havia sido o seu lar, o lugar que a acolhera e a protegera do mundo cruel.

— Bom... – Leah coçara a nuca brevemente, parecia querer dizer algo, mas estava sem jeito de lançar as palavras – Se eu puder sugerir... Seria ótimo se você se mudasse para o Reino também. Afinal de contas, não é muito recomendável que uma criança fique tão longe da sua madrinha assim. Tipo... O Reino e o Garden ficam quase nos extremos de Washington, nos aniversários dele ou dela...

Lizzy interrompera os próprios passos repentinamente.

— Espera um pouco... – Fisher também estacionara, parecendo bem mais tensa do que sua companheira – Você está me convidando para ser madrinha do seu filho?

A adolescente loira ainda estava sem graça, desviava o olhar de Elizabeth, que agora sorria amplamente.

— Sim... Tipo... Se você aceitar... Eu acho que faz todo o sentido você ser madrinha do meu filhote. Você aceita?

Penn gargalhara, demonstrando uma felicidade verdadeira.

— É claro que eu aceito sua boba! Você ainda pergunta? – Puxara a menina de forma brusca, abraçando-a. Aparentemente aliviada, a grávida respondera ao afago, também rindo expansivamente – Tenho certeza que o filho da mãe do Desmond ficaria muito feliz se estivesse aqui! – Complementara.

As duas voltaram a caminhar. Penn agora se sentia renovada, ainda mais motivada a brigar e moldar o seu futuro. Começava a fazer planos em sua cabeça, começava a ser tomada por uma bonança que sempre sonhou que regressasse. Tudo de repente começava a fazer sentido. Todo o jogo de xadrez do universo parecia se converter a um xeque-mate.

Um jogo terminava para outro recomeçar. Mas dessa vez, ela teria total controle sobre o tabuleiro.

 

*****

 

Após fechar a passagem que levara o grupo liderado por Jesus até o lado de fora dos muros, Glenn retornara ao interior do Alto do Morro, caminhando apressadamente enquanto se assegurava que tudo estava saindo como haviam pensado.

O grupo de Paul, Eloise, Michonne e mais doze combatentes partira pelo lado oeste da cerca, justamente no setor que praticamente se une com o bosque adjacente, o que impediria que fossem vistos por qualquer observador dos Salvadores. Essa opção desconhecida por Negan, seria vital para que os soldados conseguissem tomar de assalto o acampamento dos hostis, atacando-os repentinamente.

Rhee não tinha certeza de que isso daria realmente certo, e no fundo de sua mente sempre passavam os pensamentos mais extremistas, aqueles em que o final era sempre aterrador para a Aliança. Mas não permitia que esses pensamentos reverberassem em sentimentos, ou que se expandissem em demasia. Não havia com ser positivo o tempo inteiro, mas o descendente de coreanos gostava de se esforçar ao máximo para assim fazê-lo.

Já podia ver as primeiras movimentações dos atiradores, que pouco a pouco começavam a se dirigir a parte frontal da comunidade, destinada a defesa dos portões – que agora se resumiam a dois ônibus escolares – e também o pelotão comandado por Ezekiel, que estaria exatamente na linha de frente, os mais expostos dentro todos, arriscando-se para destruir de uma vez por todas esse demônio travestido pelo nome Salvadores.

Sophia estava segura, ela e as demais crianças encontravam-se protegidas na Barrington House, resguardada agora por Carson, Jackie e Alves, os três excelentes médicos da Aliança. Na verdade, ainda haviam recebido um reforço trazido por Eugene. O outro Carson, irmão de Randolph, havia fugido junto às esposas de Negan, e agora se encontrava do mesmo lado que todos ali. Seus conhecimentos médicos e estratégicos seriam vitais para o presente e futuro da rede de comunidades.

KLINK... KLINK... KLINK...

O tinir demorado chamara a atenção dos ouvidos de Glenn, que caminhava solitariamente pelo jardim do Hill Top. Olhara para os lados e vira poucas pessoas se deslocando, a maioria a passos acelerados, ou se dirigindo para um dos postos de combate, ou retornando para suas moradas, apenas tentando esconder-se do sangrento combate que estava por vir. Mas o som estalado prosseguira, fazendo com que o mandatário do Alto do Morro estacionasse por alguns segundos.

O barulho ritmado vinha da cabana da ferraria, a única que ainda se encontrava funcional. Nela, Rhee conseguira identificar duas silhuetas a princípio, trabalhando sem parar. O forno estava funcionando a todo o vapor, assim como o esmeril, afiando todas as facas e lanças produzidas pelo habilidoso ferreiro. Pelo visto, como em todas as guerras pré-apocalípticas, as fábricas armamentistas ainda era o grande diferencial para o lado vencedor.

Mas ao aproximar-se um pouco mais, vira que não era apenas Earl Sutton que trabalhava por ali. Havia mais duas pessoas com ele. Ibrahim, recuperado do tiro de raspão que recebera ao ajudar os snipers no primeiro confronto, e James Goodwin... Surpreendentemente, o marido de Susie também estava lá, martelando duas facas recém-saídas da fornalha. A camisa empapada de suor e a testa suja pelo trabalho duro, só enfatizavam toda a força que James colocava naquele trabalho. Parecia estar descarregando toda a sua fúria, toda a sua dor na produção daquelas ferramentas.

Glenn que achara que o caçador iria se tornar ainda mais recluso após a tragédia monstruosa do dia anterior – que não só causara sequelas nele, mas em todos que viram a horrenda cena de um pai carregando o cadáver do filho –, sobressaltara-se positivamente ao vê-lo ali, ajudando de alguma forma. Talvez tivesse percebido que apesar de toda a negritude, há sempre como encontrar uma luz. E ninguém melhor do que o asiático – que assistira sua esposa grávida ser espancada até a morte por um maníaco, e depois conseguiu se reerguer – para saber não existem pontos definitivos.

Por mais fundo que seja o buraco, há sempre como se encontrar uma saída.

Achegara-se ao trio sem nada dizer, tomando em mãos um martelo que se encontrava sobre um balcão rústico. Aproximara-se de Goodwin, e o cumprimentara com um aceno de cabeça, recebendo outro como resposta. Ao seu lado, passara a martelar uma lâmina, ajudando-o, e acima de tudo, compreendendo-o.

A guerra podia ainda não ter terminado, mas suas cicatrizes, pouco a pouco, começavam a ser curadas com o apoio mútuo que Aliança prestava a seus membros. O que estavam construindo ali, em hipótese alguma daria errado.

Era apenas o princípio de um mundo muito maior.

 

*****

 

Fora a primeira vez que tentara se apoiar sozinha, e logo de cara, tivera sucesso.

Colocara o arco e a carcás nas costas; ainda continha sete flechas dentro dela. Saíra do quarto sem falar com ninguém, e com as feições fechadas, decididas em um olhar semicerrado, ainda dolorido por conta do choro que perdurara por horas incontáveis, dera os seus primeiros passos. Passos que representavam muito mais do que uma simples caminhada em um corredor. Aqueles passos representavam liberdade, independência.

Recomeço.

Seu corpo ainda não havia se adaptado ao novo centro de equilíbrio, portanto, até que se acostumasse a nova condição, tropeçaria bastante, mancaria bastante, e talvez até caísse. Mas Magna sabia que depois de tudo, de tudo o que vira e sentira, de tudo o que presenciara e vivenciara, não havia mais forças naquele mundo que pudesse derrubá-la.

Estava de muletas, presente da doutora Jackie, que as deixara a beira de sua cama, na noite anterior. Fora preciso muita coragem para fazer o que estava fazendo, já que a todo o momento, e até mesmo ali, sua mente rejeitava e em hipótese alguma aceitava as limitações impostas para o resto da vida. Ainda conseguia sentir a perna ausente, latejando, formigando, como um maldito fantasma que jamais a deixaria em paz.

Mas por outro lado, ela estava viva. Sobrevivera à explosão de uma granada, com sequelas é claro, mas ainda assim não deixava de ser algo impressionante. Em contrapartida perdera Yumiko, o amor para uma vida inteira, a companheira que sempre estivera ao seu lado. É claro que era difícil falar para si mesma “vamos lá, garota! Vamos seguir em frente! Tudo dará certo!”, certamente o positivismo por si só não diminuiria o seu pesar. Todavia, ficar jogada na cama, tendo pena de si mesma e imaginando como seria a vida se nada daquilo tivesse ocorrido, também não ajudaria muito.

Queria fazer parte, queira ajudar a destruir aqueles que a destruíram. Na verdade era bem simples. O ódio pelos Salvadores era o combustível maior que a movia no momento. Isso e as lembranças de sua parceira, que de fato fazia com que seu sangue corresse mais rápido pelas veias, e talvez ampliasse ainda mais sua vontade de vingança.

Lentamente conseguira transpassar a porta de saída da Barrington House. Não olhara para trás em nenhum momento. Seguira em frente, a cabeça erguida, o brio renovado. Só parara ao se deparar com Andrea, que naquele momento organizava os homens e mulheres que serviriam no posto dos atiradores. Justamente para onde a mulher de esparsos cabelos castanhos tinha por objetivo chegar.

— Magna? – Interpelara Andrea, tão surpresa quanto todos que se depararam com sua imagem, de pé, parada ante os combatentes. Alguns, com as armas em mãos, interromperam o que estavam fazendo assim que a avistaram – Jackie já liberou você? O que está fazendo aqui fora?

— Me voluntariando. – Respondera de forma seca – Soube que estão montando um time de atiradores para defender os muros. – Apoiara-se mais firmemente nas muletas, virando de lado e mostrando o arco e a fáretra que trazia nas costas.

Andrea esboçara um gesto com uma das mãos, como se estivesse se preparando para falar algo. A loira parecia ter sido pega de surpresa, agia como se tentasse encontrar as palavras mais politicamente corretas no momento, mas estava claro que tentaria impedir a participação de Magna no combate.

Era até compreensível sua atitude, provavelmente, como todos que agora a fitavam de queixo caído, ela não conseguia acreditar que de fato o seu apoio traria efeitos durante o embate. Talvez sua mobilidade acabasse atrapalhando o pelotão, e isso, também era o que devia estar passando pela cabeça de todos que assistiam o diálogo.

— Desculpe Magna... Não posso permitir que se junte aos outros. – Andrea a fitara com pesar, como se estivesse sentindo-se mal por estar falando aquilo – Ainda não está totalmente recuperada... Jackie não me disse nada sobre sua alta, e pode ser perigoso...

A mulher de cabelos castanhos dera um passo a frente. Interrompendo as palavras da mandatária, pronunciara-se com decisão em sua voz.

— Não é por isso que você não quer que eu participe do combate. Vamos lá, Andrea. Se tem alguma coisa para dizer, não rodeie, diga claramente.

A sardenta respirara profundamente. Voltando o olhar para a batedora, dissera sobriamente o que Magna já esperava ouvir.

— Não sabemos o que vai acontecer nesse combate. Os atiradores estarão muito expostos, e dependendo de como as coisas forem ocorrendo... Se precisamos recuar, Magna, você não vai conseguir. Não no estado em que se encontra. – Olhara claramente para o seu coto – Desculpe, mas se você se juntar a nós, talvez acabe nos atrapalhando. Por mais difícil que seja... Você não iria conseguir.

Ouvira todas as palavras firmes da loira, sentindo-as descer pela sua garganta como se engolisse cubos de gelo. O rosto seguia impávido, mas de fato, não fora nada fácil se deparar com aquela verdade, lançada assim, tão claramente. Porém, depois de tudo o que ocorrera, de tudo o que passara, aquele obstáculo parecia minúsculo frente a todos os outros já ultrapassados. Não seria aquelas palavras que a impediriam.

Nunca diga o que eu não posso fazer!— Exclamara, chamando a atenção de todos – Não ignore o fato de que eu sou uma das suas melhores atiradoras, e posso fazer isso tanto com um rifle quanto com esse arco! – Seguira – Eu e Yumiko treinávamos quase todo o dia quando ainda morávamos naquele asilo... Não tínhamos balas, então o arco era a nossa melhor forma de matar os cabeças-ocas à distância...

Seus olhos começaram a marejar. Mas conseguira se segurar, não iria chorar ali.

— Se tivermos que morrer hoje, amanhã, depois... Isso não importa mais! Se eu morrer no fronte, você não precisa se sentir culpada. Agora não me impeça de fazer algo que foi puramente a minha escolha! Eu não vou atrapalhar nenhum de vocês! – Seus olhos se voltaram para os demais combatentes – Eu só quero matar o maior número de Salvadores possível. Quero ajudar à por um fim nessa guerra!

Começara a caminhar, apoiando-se nas muletas e lentamente se dirigindo ao local de posicionamento dos snipers.

— E se quiser realmente me impedir... – Falara diretamente para Andrea, que apenas observava sua movimentação – Então é melhor sacar o seu rifle e atirar em mim!

Seguiria o seu caminho, certa de que não seria parada por ninguém. Iria até o fim.

Por Yumiko... Até a morte...

 

*****

 

Não demoraram muito a alcançar o acampamento dos Salvadores. Mas por obra do destino – e uma sorte tremenda dos inimigos –, o grupo principal já havia partido quando o pelotão de elite chefiado por Michonne, Eloise e Jesus, após embrenharem-se pela mata sem serem percebidos, alcançara o QG provisório dos soldados do Santuário.

Negan e Dwight não estavam lá. Apenas cerca de quinze homens, resguardando o acampamento ou servindo como uma espécie de pelotão de resgate, caso o ataque principal fosse frustrado. Os outros trinta haviam marchado ao lado de seu líder, prontos para o banho de sangue que começava a se desenhar. Banho esse com endereço fixo; os portões do Alto do Morro.

Eloise decepcionara-se ao atestar com os olhos que havia chegado tarde demais. Queria ela própria enlaçar as mãos em volta do pescoço do maldito Negan, deixando que morresse sem ar, de forma lenta e sôfrega. Queria estar olhando para os olhos dele quando sua vida se esvaísse. Queria que o seu sorriso fosse a última coisa que aquele psicótico assistisse em vida.

O patife podia não estar lá, mas havia uma grande chance do desgraçado ter os seus planos frustrados quase que completamente. Glenn lhes mostrara a melhor saída, enquanto que Jesus os encaminhara pela floresta, levando-os de forma a não caírem em momento algum no campo de visão dos observadores dos Salvadores. Ou seja, eles estavam à beira da end zone, em uma terceira para dez e o center havia acabado de lançar a bola para Eloise.

Só havia uma coisa a se fazer.

Escondida por detrás do tronco forte de uma árvore, a Imperatriz do Garden erguera a lâmina de sua prótese, girando-a duas vezes no ar, em sinalização aos seu soldados, já previamente combinada. Sorrateiramente e silenciosamente, os homens da Aliança começaram a se espalhar, utilizando as árvores e a mata fechada para encobrir toda a movimentação. Ao seu lado, Michonne sacara sua katana, olhando firmemente para McIntyre, meneando a cabeça logo depois.

Estava na hora.

GUERRA!

O bradar de Eloise fora a fagulha para o início dos confrontos. Ou melhor dizendo, o início do massacre. Sem chance de ao menos posicionarem suas armas, os soldados de Negan receberam a primeira saraivada de tiros, encabeçada por Jesus que com sua HK 416, fuzilara cinco milicianos de uma só vez.

Demorara cerca de vinte segundos para que viesse a primeira resposta inimiga, mas a essa altura, a maioria dos homens já havia tombado. Os poucos que ainda tentaram enfrentá-los com armas brancas, foram facilmente subjugados pela katana de Michonne – que em um único movimento cortara ao meio dois Salvadores, e a lâmina engenhada de Eloise, que tratara de despachar dois deles direto para o inferno.

McIntyre estava impiedosa. A Imperatriz parecia querer descontar toda a sua ira naquele combate, como se cada um daqueles peões fossem o próprio Negan. Cada sujeito que enfrentava era derrotado com brutalidade. Sua lâmina se tornara o pesadelo dos hostis; decepara cabeças, amputara membros, cortara gargantas. Até mesmo aqueles que jogavam as armas no chão, rendendo-se, não eram poupados da ira de Eloise.

Banhada pelo sangue de seus inimigos, a Imperatriz só cessara quando todos estavam mortos. E atrás dela só restara uma trilha de vísceras e partes de corpos arrancadas à força por suas próprias mãos. Dispneica, ela olhara para os céus, ouvindo o breve canto dos pássaros, talvez alguns corvos à distância. O tempo estava fechado, assim como o seu cenho. Passara o antebraço sobre o rosto, limpando o excesso do líquido rubro que agora atrapalhava sua visão.

Fitara os demais integrantes da contenda, e vira que todos, até mesmo Michonne e Jesus, a olhavam com um misto de espanto e receio no olhar. Não ligara, sabia muito bem o que estava fazendo, e também sabia o quanto precisava daquilo. Enxugara o sangue que escorria por sua prótese, pisando sobre uma das fogueiras recém-apagadas.

— Eles estão indo para os portões... O plano ainda é o mesmo. Atacaremos Negan por trás... Agora que ele está sem reforços, poderemos estrangular o batalhão, obrigando-os a lutarem em duas frentes... Dessa vez ele não terá como fugir! Nós vamos vencer essa guerra!

Pronuncia entre dentes, o ódio praticamente escorrendo por sua boca. Ninguém dissera mais nada, seguindo os seus passos assim que começara a caminhar pela floresta.

 

*****

 

PKOW!

PKOW!

Os tiros de aviso foram executados pelos observadores da Aliança, o que significava que Negan e seus homens estavam se aproximando do Hill Top. Os atiradores já estavam a postos, em linha, utilizando os ônibus do Reino como camuflagem. Não teriam um campo de visão muito aberto, mas também não estariam tão expostos. Enquanto isso, a linha de frente comandada pelo dono de Shiva já se encontrava pronta, todos de armas em punho e extremamente motivados.

Dava para ver nos olhos daqueles homens que seria muito difícil pará-los. Estavam lutando por suas vidas, pela defesa de suas casas, suas famílias. Era um peso muito grande para que não dessem tudo de si. E mais, estavam lutando pelo sentimento de que suas vidas seriam muito melhores após o fim daquele inferno. E esse era outro diferencial que apenas a Aliança possuía. Isso e o fato de terem Ezekiel, o rei do Reino, o homem da palavra fácil, comandando-os e não os deixando esmorecer.

Rick Grimes ordenara que esperassem, posicionando-se ainda no lado interno da comunidade. Deixaria Negan se aproximar ao máximo, para só aí atacar com toda a força. Estava muito claro que haveria baixas naquele início de tarde, mas isso não parecia estremecer nenhum dos soldados aliados. Moradores do Garden, de Alexandria, do Reino e do Hill Top estavam unidos contra a tirania dos Salvadores. Estavam prontos para vencer aquela guerra total.

Olhara para Andrea, já com o seu rifle sniper em posse, pronta para atirar a qualquer momento. A sardenta lhe dera uma piscadela, recebendo um sorriso do xerife como resposta. Já havia se despedido da mulher, mas a troca de olhares, principalmente em um momento tão tenso quanto o que se sucedia era inevitável. Não poderia lhe dar um beijo, e isso inclusive, seria a primeira coisa que faria depois que tudo terminasse.

E terminaria, pois não havia mais para onde correrem, nenhum dos dois lados, e nem mais para onde a guerra pudesse caminhar. O fim seria diante dos portões do Hill Top. Tudo seria remediado, e todos os que foram injustiçados teriam o seu acerto de contas.

O batalhão Salvador finalmente subira o morro, estacionando a frente dos ônibus que agora serviam de portão para a entrada do Hill Top. Negan, o líder dos milicianos, caminhara a frente de seus subordinados, com o seu taco ornado em mãos, erguendo-o como um símbolo de seu poder. Bradara a plenos pulmões para que todos ouvissem:

— Olá! Alguém em casa? – Não havia visão do lado interno pelo externo, portanto, Rick sinalizara com uma das mãos para que seus homens seguissem aguardando o seu sinal – Bandeira branca! Viemos aqui para aceitar a rendição pacífica de vocês! Eu sei que tecnicamente quem levanta a bandeira branca é que está se rendendo, mas não sejamos idiotas, está na cara que vocês se foderam fodasticamente dessa vez!

Grimes pedira silêncio aos seus combatentes, não queria que o inimigo desconfiasse de nada. Lentamente aproximara-se de um dos ônibus escolares. Aguardaria o exato momento para pôr o seu plano em prática.

Negan seguira vociferando.

— Então vamos conversar! Eu tenho certeza que nenhum de vocês quer mais brigar, não é mesmo? Estão vamos acabar logo com essa merda! Vamos voltar a ser amigos para caralho e acabar de uma vez com toda essa guerra! O que acham? Que tal passarmos de f de fodidos para f de fodasticos? Hein?

Grimes podia vê-lo, apesar de não ser visto pelo portador da Lucille. Ele vira quando Negan erguera o seu taco, apontando em direção à comunidade e prosseguindo com o seu jogo de palavras, sua retórica que nunca parecia ter fim. O psicótico parecia ter prazer em falar, e não media em hipótese alguma nenhuma de suas palavras.

— Eu sei que Rick está morto! Então deixem de putaria e mandem logo seja quem for o novo líder de vocês! Vamos formalizar essa porra. Você receberá a minha palavra de que essa é uma zona neutra, livre de banho de sangue! Lucille já encheu o cu de sangue e não quer mais nenhuma gota!

Rick pensara por alguns segundos, poucos, mas o bastante para encherem sua cabeça com milhares de possibilidades. Não podia esquecer pelo que estava lutando, e não podia esquecer de todo os que dependiam do resultado positivo dos conflitos. Já estava estafado e precisava dar um basta.

— Vamos lá pessoal, não sejam um bando de putos covardes! Vocês sabem que podemos derrubar esses...

O xerife subira no capô de um dos ônibus, surgindo à frente de Negan e interrompendo suas bravatas. Sua visão certamente o espantara, pois nitidamente o psicótico perdera a postura, piscando algumas vezes ante a visão de alguém que tinha total certeza de que já estava morto e enterrado. Perto dele, mas um pouco atrás, juntamente com os demais homens de seu pelotão, Dwight tivera justamente a reação contrária. Diferentemente de seu líder, o homem com a queimadura na face respirara aliviado ao atestar que o policial sobrevivera a sua flechada.

E fora justamente para ele que Negan voltara os seus olhos após os segundos embasbacado.

— Diwght! Para o seu bem é melhor que isso seja um fantasma!

Grimes saltara do capô, dando dois passos em direção ao chefe do Santuário. Seguro, o policial não demonstrava medo ante a força bélica de seus inimigos, independentemente do fato de estar sozinho, pelo menos aparentemente.

— Surpreso? – Sua cabeça tombara levemente para um dos lados – E não olhe para ele... – Referira-se ao arqueiro – Olhe para mim!

Negan abrira um sorriso, tentando retomar a mesma postura de sempre.

— Sim, claro... Eu estou olhando para você Rick. Vejo que está mancando... Acho que já esteve melhor, não é? Talvez essa seja a última vez que esteja andando. Que tal resolvermos isso logo de uma vez, Rickyzito? Vamos voltar a tudo como era antes. Daí eu vou poder voltar para casa e trepar com mais um ou duas de minhas esposas... Depois que você me devolvê-las, é claro.

Suas palavras não mais causavam efeito em Rick. O policial só parara de andar quando se posicionara frente a frente com o mandatário hostil. Mais baixo que o seu inimigo, Grimes o fitava nos olhos, sentindo como se uma corrente elétrica os envolvesse, atraindo-os e repelindo-os ao mesmo tempo. Ambos sentiam um ódio inenarrável pelo outro, e já estava na hora de resolverem todas as suas questões. Rick estava pronto para vingar todos os amigos tombados.

— Deixe-me falar de uma forma que você melhor compreenda... – Rick coçara a barba antes de prosseguir – Vá tomar no cu!

O Salvador líder gargalhara amplamente.

— Você é mesmo um puto impagável, Rick... – Negan tocara um dos ombros de Rick, fazendo com que se achegasse ainda mais – Deixa eu te contar um segredinho... A verdade é que eu não curto matar. Aquela vadia grávida e o doidão com a cara arrebentada... Claro, foi divertido depois que eu comecei. Mas eu nunca quis fazer aquilo! – Ele tocara com o indicador no peito de Grimes – Você me obrigou! Então... Não me obrigue a fazer isso de novo!

Rick retirara a mão que lhe tocava o ombro.

— Agora eu tenho um segredinho a contar para você... – O xerife estava impassível, usando o jogo de Negan para afrontá-lo, para tirá-lo do pedestal – Você deve ser o filho da puta mais estúpido da face da terra!

Os olhos de Negan arregalaram-se. Pela primeira em muito tempo ele não tivera resposta alguma para rebater uma frase recebida. Rick aproveitara-se do momento.

— Você quer acabar com essa guerra? – Grimes abrira os braços – Então vamos acabar com ela. Baste que você pare de foder com tudo e entenda para onde estamos caminhando! – O mandatário do Santuário seguia sem nada dizer, apenas fitando Rick, as sobrancelhas arqueadas, ainda surpreso com a atitude do policial – Sabe pelo quê estamos lutando, Negan? Estamos lutando por um futuro melhor! Por uma rede de comunidades que possa se ajudar nos mais variados sentidos. Por uma estrutura organizada que possa fazer com que os errantes não sejam mais um problema!

— E vocês, pelo quê estão lutando? – Grimes gesticulara com o coto, como se aguardasse por uma resposta para sua pergunta retórica – Nós queremos um futuro, uma vida plena e sem prazo de validade... Mas principalmente – Rick baixara lentamente, sem se deixar ser notado, sua mão esquerda –, estamos lutando contra todo e qualquer fodido de merda que tente destruir esse nosso futuro!

Rick Grimes sacara sua faca de caça, golpeando o pescoço de Negan, fazendo com que um filete de sangue saltasse no ar, oriundo do ferimento impetrado. O psicótico levara imediatamente as duas mãos à hemorragia, deixando que Lucille caísse no solo gramado.

AGORA! ATAQUEM!— Vociferara Grimes, sinalizando a todos os seus homens que a última batalha havia finalmente se iniciado.

 

*****

 

O pelotão de Ezekiel erguera-se pelo corpo dos dois grandes veículos que protegiam a entrada da comunidade. Munidos de fuzis, submetralhadoras, pistolas e revólveres, a linha de frente investira uma verdadeira chuva de balas contra os inimigos, que passaram a responder, não sem antes utilizarem algumas carcaças de carros, que se encontravam do lado de fora, como proteção.

Alguns Salvadores não tiveram tempo de reagir, tombando assim que os primeiros disparos foram impetrados. O sangue escorria pelos corpos dos fuzilados, que iam um a um modificando a cor do gramado enlameado da parte exterior do Alto do Morro. Um rubro uníssono começava a preencher a paisagem.

Mas o inimigo mor da Aliança também possuía considerável força bélica, e apesar da queda de alguns de seus soldados, ainda mantinha-se de pé em sua plenitude. Conseguira após alguns minutos de combate equilibrar a celeuma, arrojando tiros que começaram a causar baixas também pelo lado dos Sobreviventes.

Todavia, o apoio dos atiradores era o trunfo crucial dos soldados de Rick. Comandados por Andrea, a melhor sniper do novo mundo, a equipe tática utilizava as janelas dos ônibus como apoio para os seus rifles, executando tiros precisos e dando a cobertura necessária para que a Aliança pudesse pouco a pouco avançar, ganhando terreno e conquistando os primeiros metros a frente dos portões.

Sem o seu líder para auxiliá-los, os Salvadores começaram a recuar, pressionados pela investida sem fim de seus adversários. Os hostis pareciam assustados, sem rumo, surpresos com a virada de mesa dada pela Aliança. Talvez não esperassem tantos combatentes dispostos a morrer por essa causa.

NÃO PAREM! NÃO PAREM!

Os gritos de Andrea incentivavam os seus imediatos, que concentravam-se profundamente a cada disparo impetrado, como se suas vidas dependessem de cada cápsula daquelas. Não podiam desperdiçar munição, e não podiam em hipótese alguma errar os seus alvos. Havia muito em jogo.

Mas a própria sardenta parecia dispersa. Enquanto os seus homens atiravam nos soldados que enfrentavam a tropa de Ezekiel, dando-lhes cobertura, Andrea observava com angústia pelo visor de sua arma, algo que acontecia alguns metros ao largo, um tanto distante do fronte. Negan, que recebera um corte horizontal na garganta, impetrado pela faca de Rick, levantara-se após cair de joelhos, com as duas mãos sobre o ferimento, tentando impedir que o sangue jorrasse livremente.

O corpulento homem lançara-se sobre Grimes com tremenda fúria em seus olhos. Não parecia se importar com o abundante sangramento que escorria pelo seu pescoço. As mãos enlaçadas cravaram-se na garganta do policial, que conseguira responder com uma joelhada do plexo do Salvador líder, livrando-se de sua pegada. Rick desferira dois socos em seguida, aproveitando-se da lentidão de Negan, provavelmente oriunda de sua ferida. Puxara a faca outra vez, tentando esfaqueá-lo no abdome, mas fora impedido no exato momento.

Negan segurara fortemente o seu braço direito, apertando-o até que deixasse a faca cair. Um chute nas costelas fizera com que Grimes dobrasse o corpo em dor, e após um potente chute contra os seus pés, o policial fora ao solo, caindo de costas sobre a lama.

Andrea tentava encontrar o melhor posicionamento, mas não tinha visão ampla para acertar Negan. Se errasse o disparo, poderia atingir Grimes e ela jamais conseguiria se perdoar caso fizesse algo assim. Tinha medo de hesitar, mas ao mesmo tempo o seu lado racional lhe dizia para esperar, pois suas emoções só fariam com que as chances de um erro se ampliassem.

De qualquer forma, era terrível assistir àquela briga sem poder fazer nada para ajudar.

ELES CHEGARAM!

Olhara para o lado direito assim que ouvira o grito de Magna, que com um sorriso no rosto e um brilho nos orbes, mirava o campo de batalha. Não demorara muito para que a loira compreendesse a razão da empolgação da mulher de cabelos castanhos.

A tropa de Jesus, Michonne e Eloise haviam acabado de subir o morro, pegando os combatentes Salvadores totalmente desprevenidos. Atirando pelas costas, não fora difícil exterminar a grande maioria dos soldados, que já se encontravam estrangulados enquanto lutavam em apenas uma frente. Obrigados a lutarem contra dois exércitos, os homens de Negan não pareciam mais ter forças para prosseguir em batalha.

Michonne e Eloise utilizavam suas habilidades com lâminas para eliminarem os poucos que ainda tentavam algum tipo de reação. Jesus fazia o mesmo, encarando às vezes três ao mesmo tempo, e subjugando-os com enorme facilidade, tendo apenas as mãos e os pés como arma. A tropa avançara, e em poucos segundos não havia mais luta. Atestando a derrota certa, os soldados de Negan começaram a jogar suas armas, rendendo-se na tentativa de terem suas vidas poupadas.

Havia dezenas de corpos no chão, mortos tanto de um lado quanto de outro, mas sem dúvida, as baixas haviam sido muito maiores para o lado do Santuário. O coração de Andrea aliviara-se momentaneamente. Poucos tiros ainda ecoavam, e na insistência do combate, os parcos soldados que ainda resistiam, iam sendo exterminados pela fúria da Imperatriz do Garden, ou pela espada katana de Michonne. Os que não desistiam e nem lutavam, tentavam fugir, recuando e correndo em direção a floresta.

Mas apesar de tudo isso, ainda não havia terminado.

A loira voltara o olhar para o visor do seu rifle de assalto, e pudera ver que a luta entre Rick e Negan seguia, apesar da derrocada do líder dos Salvadores já estar decretada. Era apenas questão de tempo.

Engatilhara o seu rifle e respirara profundamente, tentando acalmar os nervos. Não podia se deixar levar pelas emoções, não naquele momento. A vida do homem que tanto amava dependia de suas habilidade. Não podia hesitar, e não podia errar.

Os dois praticamente rolavam em meio à lama, brigando por cada pegada, desferindo fortes socos um contra o outro. Apesar de ser bem mais forte, Negan não conseguia ter vantagem no embate, já que o profuso sangramento já havia retirado boa parte de suas forças. O rosto pálido e os movimentos lentos indicavam que ele não suportaria muito mais.

O mesmo poderia se aplicar a Rick, que mal havia se recuperado da flechada de Dwight, e longe de estar cem por cento, também parecia extremamente estafado com a luta que já perdurava bastante. Por baixo, utilizava a mão boa para tentar ampliar o rasgo que fizera na garganta de Negan, fazendo com que o sangue do psicótico molhasse o seu rosto e torso, banhando-o.

Ainda não tinha ângulo suficiente. Precisava ficar calma e controlar a respiração. Qualquer trepidação a faria errar o tiro.

Mas tudo parecera perder sentido quando vira que o Salvador, em um rápido movimento, conseguira tomar posse da faca de Rick, que estava caída ao lado dos dois. Segurando-a pelo cabo, fortemente envolta por sua parruda mão, o mandatário do Santuário a cravara com toda a força contra a barriga de Grimes, um pouco abaixo das costelas. Dera para ouvir o grito de dor do xerife, contorcendo as costas assim que a lâmina adentrara totalmente o seu corpo.

NÃO!

Andrea gritara. Suas mãos tremiam, sua cabeça girava e seus olhos não mais conseguiam se focar. Seu coração acelerara a ponto de parecer que iria romper sua caixa torácica. O dedo estava no gatilho, mas o cano agora se encontrava totalmente fora de posição. Vira Negan erguer-se com dificuldade, cambaleante. Tiros ainda ecoavam ao fundo, reflexo da batalha que se seguia. A mão direita tomara Lucille, erguendo-a acima da cabeça, caminhando em direção a Rick e preparando-a para o golpe final.

PKOW!

Andrea disparara apenas uma vez, e o tiro perfurara o crânio de Negan, atravessando a lateral de sua cabeça e fazendo jorrar sangue e massa encefálica. Suas mãos esmoreceram, e seu taco caíra no chão. O corpo sem vida do líder dos Salvadores tivera o mesmo destino, tombando de lado sobre a lama. Os olhos abertos e vítreos agora se focavam para o nada.

Negan havia morrido.

A guerra acabara.

 

*****

 

Estava difícil respirar.

Rick Grimes puxava o ar para os pulmões, mas tudo o que conseguia era ouvir um chiado. Pelo nariz, expirava fortemente, buscando também controlar a dor que agora se localizava em seu abdome. Erguera a cabeça e vira que a faca ainda estava cravada contra sua barriga. Um ardor lhe subira pela espinha, alcançando sua cabeça que latejava tão forte que parecia que explodiria a qualquer momento.

Mas nada disso importava mais. O xerife assistira Negan ser morto a sua frente, vira a guerra chegar ao fim. Vira a vitória da Aliança. Uma vitória que a princípio parecia distante, até mesmo impossível, e que agora estava diante de todos. Palpável, totalmente fora do campo abstrato. As portas haviam sido abertas para um futuro totalmente novo. Um futuro melhor.

Um mundo melhor.

Conseguira de onde estava ver Dwight, que sobrevivera ao embate contra os Sobreviventes, aproximando-se do corpo de Negan e, sob os olhares de todos, tomando Lucille em mãos e erguendo-a, como um troféu, para que todos ali pudessem ver. E a plenos pulmões bradara, como um verdadeiro líder:

— A guerra acabou! – Seus olhos se voltaram para os membros da Aliança que mantinham os Salvadores sob sua posse – Eu sempre estive do lado de vocês! Não faz mais sentido continuarmos com isso agora! Soltem os meus homens e partiremos imediatamente! – O taco seguia erguido, utilizado com um símbolo, quase um cetro – Negan está morto! – Seu discurso se voltava agora aos Salvadores – Se querem sobreviver então me sigam assim como o seguiram!

O novo mandatário do Santuário voltara-se em direção a Ezekiel, Michonne, Jesus e Eloise, em seguida, olhara também para Rick, que sorrira em sua direção.

— Temos um acordo! Nos deixem ir e poderemos trabalhar juntos! Os dias de se ajoelhar acabaram! Os dias do sistema de pontos acabaram! Podemos agora estabelecer uma rede entre as comunidades, sem que ninguém precise mais matar! Não precisamos mais seguir as regras de Negan... As coisas serão melhores a partir de agora! Só peço que me deem a chance de provar isso a vocês!

O rei Ezekiel sinalizara para que os Salvadores, já desarmados, fossem liberados, assim como Dwight pedira. O arqueiro então finalizara o seu discurso.

— Vamos desmontar o acampamento e retornar para o Santuário! – Olhara então para o cadáver de Negan – Somos livres agora! Nosso vida acaba de recomeçar... Venham homens, teremos um longo caminho de volta!

Quase que simultaneamente a partida de Dwight, Andrea chegara até onde Rick se encontrava. Grimes ainda sorria pelo desfecho da guerra, pela postura do homem com a queimadura no rosto, e pelo espelho dos novos dias que já se mostraram magnânimos. Toda a dor que sentia, todo o ar que não percorria por seus pulmões... Nada disso tinha mais importância. Apenas o rosto de Andrea e de Carl, que com lágrimas nos olhos, ajoelharam-se ao seu lado.

Sua mulher tocara o seu rosto, enquanto que o seu filho segurara fortemente em um das suas mãos. Beijara os lábios da sardenta, e seu coração fora totalmente preenchido por uma sensação plena, por uma bonança inenarrável.

— Doutor Carson! Jackie! Alves! – Andrea gritara com todas as suas forças, enquanto que as lágrimas desciam livremente por seus olhos.

Rick, ainda tomado por grande alegria por ter cumprido sua missão, e por estar vendo que as duas pessoas mais importantes de sua vida haviam sobrevivido, sabia que nada que pudesse ocorrer, impediria que os seus sonhos se realizassem. Que a visão que um dia tivera se tornasse real.

Hey... – Ele tocara o rosto da amada, mirando profundamente em seus olhos claros. Fizera o mesmo com Carl, que ainda segurava em sua mão – Nós não morremos, esqueceram?

A guerra acabara.

Rick Grimes e a Aliança haviam vencido enfim.

Um novo começo viria a partir de agora.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?

RIP Negan... Finalmente o líder desse bando de maníacos encontrou o seu fim! O que acham que será do Santuário agora que está sob o domínio de Dwight? E nos lados da Aliança, como será o futuro a partir de agora?

Acho que algumas dúvidas ainda ficaram no ar... Mas de qualquer forma, todas as pontas soltas serão complementadas no próximo capítulo, que será O ÚLTIMO CAPÍTULO DE ALL OUT WAR! Isso mesmo, depois de mais de um ano, essa fic chegará ao fim! Juro que já estou triste, pois esse projeto representa muito para mim!

Quero saber o que esperam desse episódio final...

Nos vemos nos comentários então!

Abraços a todos!

Moi moi.



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