All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 40
The Moth


Notas iniciais do capítulo

Hei!

FINALMENTE ALCANÇAMOS A MARCA DE 40 CAPÍTULOS!

Palmas para All Out War! Lembrando que a fic está prestes a completar um aninho de vida! Não se preocupem, no aniversário de AOW bolarei alguma coisa bem especial.

Bom, tão especial quanto o capítulo de hoje, que além de comemorativo, é também de suma importância para a história!

Depois de 15, isso mesmo, 15 capítulos, finalmente o asiático sobrevivente mais querido desse universo está de volta! Glenn reaparece ganhando um episódio solo, totalmente dedicado a ele! Eu sei que a espera foi grande, mas acho que todos (sim, talvez esteja sendo prepotente, mas tudo bem) irão gostar!

O capítulo narrará a reconstrução do personagem, teremos também como pano de fundo a apresentação de outros integrantes do Hill Top, e o retorno de Susie, minha original que também estava bastante sumida... Enfim, não darei mais informações...

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/602031/chapter/40

— Eu nunca acreditei realmente que isso pudesse ocorrer conosco... Eu sei que na situação em que vivemos, talvez seja até saudável conjecturar esse tipo de coisa, mas... Eu não consigo! Não faz parte de mim, entende?

O rapaz fizera uma pausa, tomando fôlego outra vez.

— Eu fui muito tolo... Acreditei que ainda pudesse existir algo a mais nesse mundo. Sabe... Não era pra ser só morte, dor e destruição... Tinha que haver algo a mais! Hoje eu já nem sei mais o que pensar...

Seu olhar se voltara para as estrelas, que se destacavam no céu sem nuvens.

— Ainda dói muito... Dói tanto que às vezes eu sinto que vou sufocar! Foi tão injusto, tão... – Inevitavelmente as lágrimas começaram a escorrer por sua face – Nós não merecíamos isso, não merecíamos! – Os punhos se cerraram – Eu não sei se vou conseguir sem você... Nada mais parece fazer sentido agora...

— Os gramados não são mais tão verdes... A Barrington House não passa de um emaranhado de madeira velha... As pessoas são todas vazias, frias... Sophia não fala comigo há dias! Eu nem sei onde ela está agora! Tudo está muito mais pesado... E eu não tenho mais você para dividir esse fardo. Não sei se consigo carregar tudo sozinho...

O dorso da mão direita fora utilizado para enxugar as lágrimas.

— Eu convenci você a vir pra cá! Eu pedi que nos mudássemos para o Hill Top! Eu trouxe você para a morte... – A mão direita se encontrara com o gramado, cravando as unhas na terra — Nunca vou coseguir me perdoar pelo que fiz, mas... Droga, eu não tenho mais forças... Preciso tanto de você, Maggie... Preciso tanto de você, meu amor!

De joelhos, Glenn Rhee tomava fôlego, cerrando os olhos enquanto buscava forças para prosseguir. Em meio à escuridão de sua consciência, apenas uma imagem via a tona. Repetindo a frente de seus olhos como um filme de terror, o tracejar do bastão de Negan, descendo violentamente em direção à cabeça de sua esposa, seguido pelo sorriso sádico do líder os Salvadores, comprimia o seu coração contra o peito.

A lápide de madeira cravada no solo, com o nome de Maggie Greene escrito a faca, destacava-se em meio à grama verde e milimetricamente aparada, do grande descampado aos fundos da Barrington House.

Os cabelos haviam crescido consideravelmente, rebelando-se no topo da cabeça. A barba rala já lhe preenchia boa parte do queixo, dando volume também ao bigode, que começava a contornar os lábios. Visivelmente mais magro e abatido, o asiático carregava abaixo dos repuxados olhos negros, grande bolsas de líquido, fruto das inúmeras noites em branco.

Toda às vezes em que pregara os olhos, desde o famigerado encontro com os Salvadores, mesmo que fosse apenas um cochilo rápido, tivera pesadelos horríveis envolvendo o cruel destino de sua esposa. O rapaz que antes apenas sonhava com a paternidade, conjecturando uma vida feliz no Alto do Morro, sentia agora uma escuridão crescer em seu interior, apagando todas as luzes que lá habitavam.

No começo ele culpara Rick. O xerife desafiara um inimigo desconhecido, subestimando o seu poder. Após matarem um bando de motoqueiros na estrada, Grimes realmente acreditou que o problema pudesse ser contornado com facilidade. Fora um alto preço a ser pago, muitas vidas inocentes se foram por conta da soberba do policial de Alexandria.

Mas Rhee também reconhecia sua parcela de culpa. Se tivesse ficado em Alexandria, escolhido sua antiga comunidade ao invés de um sonho utópico em uma terra de bonança, Maggie ainda estaria viva, e seu filho teria tido a chance de nascer para conhecer o novo mundo.

Sentia-se culpado também por Sophia, a garotinha que após assistir o suicídio de Carol na prisão, adotara o jovem casal como seus protetores, fora obrigada a passar por mais um inominável momento de dor. Ela vira sua mãe Maggie ser assassinada, vira sua base, o pilar em que se agarrara na tentativa não só de sobreviver, mas também como um espelho para o seu próprio desenvolvimento, lhe ser arrancado brutalmente.

Sophia se afastara, falando muito pouco com Glenn. O entregador de pizzas sabia que apenas ele poderia trazer sua menininha de volta, poderia fazê-la acreditar que ainda podia haver esperança, e que ela poderá sim conhecer algo além de morte e dor, sentimentos que tanto experimentara.

Mas como fazer isso, quando o próprio asiático não conseguia crer nesses conceitos? Como trazer luz a alguém, quando tudo o que se vê é escuridão?

Ele não tinha forças para conversar com ela, não conseguia encará-la sem que todas aquelas memórias retornassem. Estava vazio por dentro, um vazio que o consumia como um buraco negro, arrancando tudo o que um dia ele fora e não deixando nada para trás.

A noite já estava estabelecida. As estrelas iluminavam o céu em toda a sua plenitude, mas não havia beleza alguma naquele cenário. Na plataforma acima dos grandes muros, guardas portando lanças faziam a segurança do perímetro, caminhando de um lado a outro, tentando impedir o perigo inevitável. Glenn sabia que não importava o quão alto fossem as paredes, ou o quão grande fosse o poder de fogo, o cruel novo mundo daria sempre um jeito de acabar com tudo.

Fechando os olhos mais uma vez, o asiático retirara o boné, recostando-o ao peito, enquanto se concentrava na tentativa de fazer uma oração. Lembrara-se imediatamente de Hershel. O seu sogro saberia o que lhe dizer naquele momento, saberia como trazê-lo de volta, e plantaria uma semente esperançosa em seu interior. Mas ele não estava mais ali. Não havia ninguém que pudesse ajudá-lo.

Sua mente permanecera em branco, e nenhuma palavra fora pronunciada. Após um minuto ter se passado, Rhee abrira os olhos outra vez, sussurrando entre os lábios, enquanto fitava o nome de sua esposa na lápide.

Eu te amo.

— É engraçado, não é?

Glenn virara-se imediatamente.

Um homem de pele morena e enrolados cabelos compridos e negros, aproximava-se do rapaz, caminhando lentamente com as mãos nos bolsos do casaco. Suas roupas eram simples, e as botas que utilizava estavam gastas e sujas de lama. O rosto encontrava-se envelhecido, e apesar dos prováveis cinquenta e tantos anos, as marcas em sua face faziam com que parecesse ainda mais velho. Sinal de que lutara bastante contra o novo mundo.

Seus traços eram árabes, e sua grisalha barba lhe preenchia todo o rosto, das bochechas ao queixo.

— Eu estava ali atrás e vi você... – O homem tinha sotaque em sua pronuncia, sinal de que não era americano – Então me veio imediatamente àquela sensação de quando se está em um funeral, prestes a falar com alguém que está de luto... Bom, um funeral não islâmico, é claro.

Sua voz estava tranquila, e seus gestos eram todos amistosos. Glenn nada dissera, apenas observara o homem prosseguir enquanto tentava se recompor.

— Você entende o que quero dizer? Acho que tem a ver com a forma de como as coisas eram antigamente... Aqueles momentos em que não havia nada a ser dito, pois não era possível compreender a dor da perda que a pessoa estava sentindo.

Rhee recolocara o boné, olhando para os lados como se buscasse sentido para aquela aproximação inesperada. Ele nunca havia visto aquele homem, e trocara pouquíssimas palavras com os veteranos do Hill Top.

— Bom... Esse não é mais o caso, concorda? – O homem estranho o olhara, fitando-o profundamente – Você perdeu sua esposa, se me informaram corretamente. Bom, eu perdi a minha há oito meses. Também perdi os meus pais quando tudo isso começou... Minha irmã e meu irmão...

De repente o homem se fechara, inspirando profundamente e baixando levemente a cabeça.

— Perdi minha filha também.

Glenn engolira a seco. Não esperava por aquilo, principalmente naquela noite. Apesar do vazio que se ampliava em seu interior, conseguira sentir compaixão pelo desconhecido que se dispusera a vir até ele. Ainda de joelhos, os olhos vermelhos pelas lágrimas que pareciam nunca secar, o batedor juntara forças para pronunciar uma frase.

— Sinto muito por suas perdas...

O homem então abrira um meio sorriso, voltando a encarar o asiático.

— Algumas semanas atrás eu perdi a pessoa com quem estava saindo... Nos encontrávamos sempre na biblioteca, estávamos começando um namoro, e ela estava disposta a seguir as tradições... Bom, ela também se foi... – O barbudo abrira os braços, em um gesto de “isso é inevitável” – Não quero parecer que fiquei insensível às perdas, mas... Acho que percebi que sobreviver a tudo isso é como bater com o dedo do pé na porta. Na hora a dor é quase insuportável, mas depois de alguns minutos ela simplesmente passa... E aí parece que nada aconteceu.

Glenn voltara a olhar para os céus, deixando que as palavras tomassem conta de sua mente. A visão dele provavelmente era de alguém que endurecera após passar por tantos momentos de sofrimento. De certo modo era compreensível que alguém assim criasse uma couraça protetora, tentando não enlouquecer com a tristeza proveniente das mortes, mas de qualquer maneira, Rhee não conseguia enxergar nenhum túnel que lhe levasse a uma superação tão imediata.

— Não é fácil pra mim... – O batedor direcionara os olhos para a lápide.

— Eu sei que não. – O homem se aproximara ainda mais – Daqui a um ano, talvez... Bom, me desculpe, não era bem o que eu queria dizer – O homem coçara a barba – Eu só acho que deveríamos conversar sobre essas coisas sem nos sentirmos tão desconfortáveis... Afinal de contas, todos aqui já passaram por isso... E vamos continuar passando. Não há motivos para falar “eu sei como você se sente”, todos sabemos como nos sentimos.

Um espontâneo sorriso surgira na face de Glenn Rhee. Os seus olhos se iluminaram, e de uma maneira estranha, ele conseguira enxergar a si próprio no desconhecido homem árabe. O antigo Glenn, aquele que era capaz de ver bondade até mesmo na desolação, certamente tomaria uma atitude como aquela.

— Até que faz sentido. – Respondera em poucas palavras.

— Não sei, talvez eu seja apenas um velho ranzinza, mas acho que é um bom modo de pensar. – O homem estendera a mão direita, oferecendo-se para ajudá-lo a se levantar – Lembro de quando o meu tio Ra’id morreu... O que mais me irritou foi caminhar no mercado no dia seguinte e olhar para o rosto de todas aquelas pessoas que simplesmente não se importavam com a minha dor, e não compreendiam o fato de eu estar tão arrasado...

— Mas eu não sou mais assim... – Glenn aceitara a ajuda, erguendo-se em um único movimento – Todos estão vendo a sua dor e todos entendem... Pois todos nós já passamos por isso. – Aproveitando o ensejo, o homem árabe apertara a mão de Rhee – Prazer, me chamo Ibrahim.

Glenn mantivera o sorriso, apesar de ainda sentir o coração em pedaços.

— Glenn.

— Bom... – Ibrahim meneara a cabeça – Eu sei tudo sobre você. Todos te conhecem aqui no Hill Top, e graças a você, muitos estão reconsiderando diversos conceitos, principalmente sobre como lidar com os mortos. – Ele fizera uma breve pausa – Os nossos mortos, não os outros mortos.

O asiático não conseguira compreender.

— Decidimos faz um bom tempo, que não enterraríamos mais os nossos mortos – O árabe fechara os olhos – Eu fui contra, obviamente, mas depois acabei cedendo, compreendendo o que queriam com isso... – Ibrahim franzira o cenho – As pessoas não queriam mais ser perseguidas por todas essas lembranças, e então decidiram cremar todos os corpos, até mesmo como uma questão de saúde pública... Restava apenas a esperança de que elas realmente estavam indo para um lugar melhor. Bom, não deve haver nada pior do que isso, não é mesmo? – O homem ameaçara um sorriso, que logo se esvaíra – Abrimos uma exceção para você, por ser novo por aqui.

Glenn não fazia ideia de nada daquilo. Ele se fechara tanto após suas perdas, que não dera espaço para conhecer as peculiaridades de sua nova moradia. O Hill Top havia aberto suas portas para ele, mas até então, Rhee ainda não havia descoberto um modo de girar a maçaneta.

— Acho que o Gregory foi com a sua cara... – Prosseguira Ibrahim – Bom, aquela velha raposa gosta de todo mundo, desde que tenha algo a oferecer para ele... Enfim. Agora as pessoas estão pensando que talvez seja legal visitar um túmulo – O homem meneara a cabeça outra vez, discordando das próprias palavras – É claro que não é legal visitar um túmulo, mas acho que você entendeu o que eu quis dizer... Temos visto você vir aqui todas as noites.

De fato as observações de Ibrahim condiziam com a realidade. Desde que aportara a nova comunidade, Glenn visitara o túmulo de sua esposa no mesmo horário, todos os dias, ininterruptamente. O ritual fazia com que não se sentisse tão só, apesar de não evitar a dor e tristeza que o consumiam pouco a pouco.

O homem começara a se afastar.

— Foi bom te conhecer, Glenn. Mas preciso ir, tenho que buscar alguns ovos e voltar para casa... Meus filhos estão devorando as paredes! – Ele sorrira abertamente, caminhando na direção contrária – Acho que ainda não perceberam que o mundo acabou e que precisamos racionar!

— Quantos anos? – Glenn realmente se interessara.

Ibrahim interrompera os passos, voltando-se outra vez na direção do asiático.

— A’ishah tem quinze, e Ahmed doze... As luzes da minha vida.

Rhee notara o orgulho nas palavras de Ibrahim. Um brilho surgira nos olhos do árabe enquanto falava sobre os seus filhos.

— Minha filha tem dez. – O batedor se espantara com as próprias palavras. Era como se tivesse notado naquele instante, o quanto Sophia era querida, e o quanto a garotinha representava para ele.

Ela também era a luz de sua vida.

O árabe o olhara intrigado. O jovem rapaz sabia do que se tratava, e não tardara em se explicar.

— Ela é meio que adotada... Maggie e eu começamos a cuidar dela depois que sua mãe...

— Entendo – Ibrahim não permitira que ele concluísse – Temos vários casos assim por aqui. – O homem fizera nova pausa, mantendo a mesma face serena – Estou gostando cada vez mais de você, Glenn... Bom, caso queira conversar, é só me procurar na mesquita, ou na biblioteca, estou sempre por lá. – O homem juntara as mãos, cumprimentando-o outra vez – Que Allah o proteja, e que Muhammad, que a paz e a benção estejam com Ele, ilumine os seus caminhos!

Glenn arqueara uma sobrancelha.

— Mesquita? Temos uma mesquita?

— Ora – Respondera prontamente – Se temos uma comunidade islâmica, é claro que temos uma mesquita... Provavelmente é a maior comunidade islâmica na atualidade! Bom, Glenn, nos vemos depois!

O homem então finalmente partira, caminhando em meio à escuridão da noite. Com exceção dos sentinelas, não havia mais ninguém caminhando nas ruas aquela altura. Rapidamente Ibrahim se mesclara as muitas sombras dos trailers e barracos, desaparecendo do campo de visão de Glenn.

Olhando mais uma vez para o túmulo de sua esposa, o asiático sentira-se estranhamente diferente, tocado por algo que não conseguia nomear. Fechando os olhos, lembrara-se de seu casamento, de quando Hershel pronunciara belas palavras, comandando a cerimônia que se dera na prisão.

Lembrara-se também na primeira noite que dormiram juntos, escondidos no quarto de Greene, quando ainda se encontravam na fazenda. Recordara-se do quanto ficara nervoso, e de como se sentira plenamente entregue a mulher que lhe fora destinada. Ali brotara o grande amor que nem mesmo a morte conseguiria arrancar de si.

Lembrara-se então de todos os devaneios, todos os mais malucos planos que bolavam para o futuro. De como seriam suas vidas, os filhos que viriam naturalmente, e como desejavam acima de tudo envelhecer ao lado um do outro.

Nenhuma lembrança ruim brotara. Apenas momentos bons, que acalentaram o seu coração como uma mãe ninando o seu filho querido. Glenn então sentira aquecer-se, e notara que ainda poderia haver alguma chama acessa em seu interior. E mesmo que o fogo estivesse fraco, bastava nutri-lo com lenha, para que toda a dor se transformasse em boas lembranças.

Ele não tinha dúvidas de que Maggie e seu filho estavam em um lugar melhor. E ele sabia também que precisava, por Maggie, pelo amor da sua vida, seguir em frente, cuidar de si mesmo e de Sophia, sem abandonar aquilo que Greene mais amava. O seu jeito de ser. Sua forma sempre esperançosa de enxergar o mundo.

Glenn então abrira os olhos. E agora finalmente conseguia enxergar.

 

[...]

 

O quarto estava vazio, mas ele já esperava por isso. O ar pesado dentro do cômodo, totalmente às escuras, fazia com que o lugar se assemelhasse a uma tumba. A lenha queimada na lareira já se transformara em um emaranhado de cinzas, e em nada aqueciam o lugar.

Seus olhos se voltaram para toda a extremidade do cômodo, observando com pesar as sombras que se formavam ao contato dos objetos com a parca luz que adentrava a janela entreaberta. A lua estava no topo do céu, e seu brilho natural era o único fator que trazia um pouco de vida ao apartamento 81 da Barrington House.

Glenn respirara profundamente, transpassando os dedos sobre a madeira do beliche em que se acomodara. Em cima dormira Sophia, e em baixo, bom, em baixo o asiático se perdia em seus próprios pensamentos, preso dentro de si mesmo, tentando encontrar uma forma de escapar do imponderável.

Mas sua garotinha não estava ali. Rhee sentira-se horrível por negligenciá-la durante tanto tempo. Imaginara agora o quanto sua filha não precisara dele, já que a dor da perda de um, também era a dor da perda do outro. Como Ibrahim lhe dissera, “agora todos entendem o que você está sentindo”.

As palavras do muçulmano inclusive, não paravam de repetir dentro da sua cabeça. O homem que surgira do nada, de forma totalmente inusitada, lhe dera a chave para compreender muitas coisas. Ele sabia que precisava consertar os seus erros, recomeçando do zero, assim como Maggie gostaria. E já sabia por onde começar.

Saindo de seu quarto, tomara o caminho do corredor, àquela hora totalmente vazio. Descera então dois lances de escadas, os passos reverberando na madeira, mostrando a decisão interna que finalmente brotara. Achegara-se então de fronte a porta do 41, e após respirar profundamente, batera duas vezes, aguardando então por uma resposta.

A porta fora aberta.

— Glenn?

Susie surgira, abrindo a porta para o batedor. Visivelmente sobressaltada, a mulher definitivamente parecia não esperar por uma visita em plena madrugada. Os cabelos estavam amarrados em um rabo de cavalo, e ela parecia preparar-se para dormir. Passando uma das mãos sobre o rosto, como que tentando se recompor, Susie aguardara que o asiático se manifestasse.

— Eu... Eu posso entrar?

A mulher o olhara por alguns segundos, antes de abrir espaço, permitindo sua passagem. Após fechar a porta, trancando-a novamente, a jovem mãe sinalizara em um gesto para que o batedor se sentasse em uma das poltronas.

— Obrigado...

Rhee sentara-se, totalmente tenso. Ainda buscava palavras para iniciar a conversa, e definitivamente não conseguia imaginar como ela se daria. Adiantando-se ao nervoso e ansioso asiático, a própria Susie decidira se manifestar inicialmente.

— Ela está lá dentro, no quarto... – A designer sentara-se, um metro e meio a frente de Glenn – Não tem falado muito... Basicamente fica um tempo com o Jacob, brincando. Ele já está engatinhando, sabia? – A mulher abrira um sorriso – Eu gosto de vê-la com ele, me ajuda a cuidar do meu garoto, e também a distrai...

Glenn meneara a cabeça positivamente, juntando as duas mãos a frente do rosto e voltando o olhar para o solo.

— Eu sabia que você precisava de tempo – Susie retomara – Droga, todos nós precisávamos... Acho que ninguém deveria viver para ver algo daquele tipo ocorrendo, mas... Já deu, Glenn. Ela precisa de você... Ela está tão destruída quanto você. Só que ela é só uma garotinha... Ela só tem dez anos, cara.

— Eu não queria me intrometer, pois sabia que era um assunto de família. Mas tenho medo da reação dela, tenho medo de como ela vai crescer, se continuar se fechando tanto assim para o mundo. Glenn, olha pra mim – O asiático erguera o olhar, fitando os orbes de Susie – Você precisa ser pai e mãe agora... Você é o único que pode ajudá-la.

O tempo parecera parar por alguns breves instantes. Glenn via tudo em câmera lenta, como em uma daquelas cenas em que o diretor tenta enfatizar alguma informação para que o público possa compreender. No caso do asiático, em mais um de suas epifanias, ele conseguira perceber que ao se afastar de Sophia, não estava se afastando de seu sofrimento, mas sim o ampliando.

E aumentando a dor de um ser tão frágil e inocente.

Ele realmente era o único que poderia ajudá-la. E ajudando-a, estava por tabela ajudando a si mesmo.

— Obrigado, Susie. – Rhee erguera a cabeça, retirando o boné – Eu sei que também não foi nada fácil pra você... Você também perdeu alguém que amava naquela noite, e mesmo assim, ainda está aqui... Acreditando que pode recomeçar. Você é muito forte. Muito mais forte do que qualquer um pode imaginar.

A jovem sorrira com um meio sorriso, aprumando-se na poltrona.

— É diferente... Eu já havia perdido Goodwin há muito tempo. O homem que eu amei se foi uma noite antes de Aaron nos encontrar, na tempestade – Ela hesitara por um momento, mas prosseguira – O James que retornou a Alexandria, que matou Nick e Spencer, e que tentou assassinar a Magna... Aquele não era o meu James Goodwin...

— Há sempre uma chance, não é? – Glenn notara que a conversa fizera Susie esmorecer – Não há como sabermos realmente o que aconteceu. Só o vimos ser levado pelos Salvadores, o que não indica necessariamente que ele esteja morto.

A mulher balançara a cabeça negativamente.

— Não, não... Não quero fomentar uma esperança burra. Prefiro enterrá-lo no meu peito do que tentar cultivar possibilidades... É mais fácil assim. Além do mais, quais seriam as chances?

Agora fora Glenn que sorrira, pela primeira vez na sala.

— Não sei. Talvez as mesmas chances de alguém sobreviver a um apocalipse de errantes. Ou de dar a luz em uma cabana sem nenhum equipamento médico. Ou de sobreviver a uma tempestade e ser acolhida por um grupo não hostil.

— Ok... – Susie também se mostrara mais aprazível – Você ganhou, senhor Rhee, acho que não terei argumentos para rebatê-lo.

Ela então o olhara nos olhos, de uma forma diferente, quase como se estivesse zelando por ele.

Esse é você. Esse é o Glenn gente boa que conheci. Você nos deu apoio quando Amanda morreu, e mal nos conhecíamos... Só estávamos lá a o quê, uma semana? Ainda assim você fez questão de falar conosco, pois sabia que qualquer palavra de conforto seria bem vinda em um momento como aquele...

O asiático abaixara novamente o olhar.

— Eu sempre achei que se não houvesse algo bom em que nos agarrássemos, não valeria mais a pena seguir vivendo... Acreditei tanto em algo intangível, que não percebi como o mundo é de verdade. Ainda não tinha experimentado essa crueldade... Não dessa forma. Foi tão real...

A jovem curvara o corpo, tocando as pontas dos dedos sobre o dorso da mão de Rhee.

— Você sempre esteve certo, sempre. Nós temos por quem viver, nós dois. O mundo de hoje é cruel, mas não significa que tenhamos de ser também... Não é tolice acreditar que um dia as coisas irão melhorar, não é tolice sentir esperanças depois de termos superado tantos obstáculos... Sabe por que não podemos desistir, Glenn? Porque eles— A mulher apontara em direção aos quartos – precisam aprender como viver nesse novo mundo, e somos nós que devemos ensinar isso a eles.

— O mundo acabou e ainda assim ganhamos uma dádiva... Nossos filhos são os nossos maiores presentes. Se enxergarmos as coisas assim, da maneira correta, tudo simplesmente passa a fazer sentido.

O asiático apertara a mão de Susie.

Ele sabia que ela estava certa.

— Agora vem comigo, ela está no meu quarto, provavelmente dormindo.

Glenn então fora levado pelo interior da residência até um dos quartos. A porta estava entreaberta, e um castiçal com três velas acesas era a única fonte de luz do cômodo. O pouco que se podia enxergar revelara um quarto organizado. Uma cama de casal, um criado mudo e um móvel que parecia uma estante, mas Rhee não conseguira identificar.

Os lençóis eram estampados, e sobre eles sua garotinha repousava, já dormindo, ao lado do bebê Jacob. Ela parecia serena, calma, os olhinhos estavam fechados e as mãos em forma de concha serviam como travesseiro abaixo do lado esquerdo de sua face. Com um vestido azul marinho, Sophia encolhia as pernas, dobrando os joelhos e fechando-se em si mesma, protegendo-se do frio da madrugada. Os compridos cabelos loiros reluziam a sombra provocada pelas chamas das velas.

Delicadamente Glenn a tomara nos braços, e de forma inconsciente, ainda totalmente sonolenta, a garota enganchara os braços envolta de seu pescoço, acomodando-se em seu colo. O asiático sentira o seu coração se preencher por uma sensação poucas vezes experimentada, um sopro de vida depositado em seu ser.

Era como se Maggie estivesse ali, era como se o amor que tanto sentira por sua esposa, tivesse sido transferido para sua filha, para sua Sophia. Tudo fazia muito sentido agora, e Rhee conseguira compreender totalmente o sentido das palavras de Susie. Ele recebera um presente, uma segunda chance. As coisas não haviam acabado com a morte de Maggie Greene, apenas recomeçado.

— Papai está aqui, meu bem... – Sussurrara Glenn – Papai está aqui...

 

[...]

 

As pancadas eram intermitentes, ritmadas. Subindo e descendo com o machado, os troncos de árvore iam lentamente sendo cortados, divididos em pedaços menores para posteriormente serem utilizados como lenha.

O sol estava fraco, e não devia passar das nove da manhã. O homem que executava o trabalho braçal encontrava-se sozinho, afastado dos trailers e da grande mansão histórica. Seu machado seguia repetindo os mesmos movimentos, sem intervalo.

— Olá...

O homem então parara, girando os calcanhares em direção ao cumprimento. Abrindo um sorriso, apoiara o machado no solo, interrompendo o trabalho momentaneamente.

Salaam Aleikum, Glenn... É bom vê-lo por aqui!

O rosto de Ibrahim estava coberto por suor, e uma mancha bastante aparente já se formava em sua camiseta. Com uma calça camuflada, daquelas utilizadas por militares, o muçulmano ainda vestia as mesmas botas da noite anterior, e prendia os cabelos para trás, evitando que atrapalhassem sua visão.

Glenn aproximara-se lentamente. O rosto encontrava-se coberto pelo capuz de seu casaco vermelho, e as mãos protegiam-se nos bolsos. Sorrindo de volta, o asiático, que já se encontrava claramente menos confuso do que na última conversa entre os dois, manifestara-se enfim.

— Queria agradecer... Você me ajudou a enxergar muitas coisas. Não precisava ter feito aquilo, mas ainda assim fez – Rhee meneara a cabeça enviesando um sorriso – Eu falei com minha filha, a trouxe de volta...

O homem então o interrompera.

— Não... Alaikum As-Salaam. – O asiático o olhara de volta, sem entender a quê ele estava se referindo – A resposta... Quando eu disse a você Salaam Aleikum, você deveria responder Alaikum As-Salaam... – Glenn seguia confuso. Percebendo que ainda não havia sido compreendido, Ibrahim complementara – Eu disse “Que a paz esteja sobre vós”, e você deveria me responder “E sobre vós a paz”. Entendeu agora? – O árabe apontara para o próprio peito – Salaam Aleikum... – Ele agora apontara para Glenn – Alaikum As-Salaam...

— E você não deveria me agradecer... – Prosseguira – Todas as respostas já estavam dentro de você, eu só o ajudei a escolher a porta certa. Às vezes precisamos ser empurrados para dentro do lago, mesmo contra nossa vontade, apenas para que possamos aprender a nadar... O que eu fiz foi apenas empurrá-lo, mas aprender a nadar... Isso você fez sozinho.

O batedor retirara capuz, arrumando os cabelos rebeldes.

— Cara... O que você fazia no mundo real?

Ibrahim gargalhara com vontade.

— Psicólogo.

— Sério? – Rhee arqueara uma sobrancelha.

— Não – O homem tomara o machado novamente em mãos – Eu era supervisor regional em uma companhia de caixas... – Uma forte pancada em um dos troncos fora impetrada – Fabricávamos caixas. – Ibrahim interrompera o trabalho outra vez – Seria ótimo recebê-lo em minha casa essa noite. A’ishah irá preparar o jantar, logo após a Salát Al-Ichá— O árabe gesticulara com a mão esquerda – Logo após nossa quinta oração. Leve sua pequena, será uma honra recebê-los!

— Agora, se quer tanto me agradecer de alguma maneira, me ajude a cortar e carregar toda essa lenha. Precisaremos dela para o jantar.

Ibrahim oferecera o machado para Glenn, estendendo o braço em sua direção. Nos segundos que separaram o movimento do asiático, aceitando a ferramenta em mãos, muita coisa parecera passear por seus pensamentos.

Vendo a forma como fora recebido, tanto por Ibrahim – um estranho que se aproximara dele com a única intenção de ajudá-lo, compartilhando suas próprias experiências – quanto por Susie – a jovem mãe que cuidara de Sophia como se fosse sua filha, nos momentos em que ele ainda se encontrava perdido, e que o fizera entender o quanto Sophia precisava dele, e vice versa –, o batedor recordara-se de seus últimos momentos com Maggie, e de todos os planos que fizeram.

Talvez o Hill Top fosse exatamente à comunidade que Glenn imaginava em seus devaneios. E talvez ele não estivesse tão errado em suas tomadas de decisões. De fato não havia como prever um acontecimento tão horrível quanto a emboscada, e se martirizar por aquilo não traria benefício algum a ninguém.

O importante no momento era que Rhee entendera que se tudo o que fizera fora pelo bem de sua família, não havia pelo que se arrepender. Segurando o machado em mãos e recebendo de volta dois tapinhas de leve nas costas, Glenn chegara a conclusão de que não havia lugar melhor nesse mundo para sua filha crescer.

Era ali que ele tocaria sua vida. O Alto do Morro seria o palco do recomeço de sua trajetória. Da nova fase da sua história.

...

A noite chegara um pouco menos hostil do que de costume. O frio que comumente fazia ao anoitecer havia sido substituído por uma brisa leve, movendo a copa das árvores de um lado a outro, em um balé coreografado sob a abóboda celeste.

Como combinado naquela mesma tarde, durante horas a fio de trabalho duro, Glenn e Sophia caminharam de mãos dadas pelo gramado da comunidade, alcançando a oeste dos trailers, uma grande construção de madeira. Uma cúpula trabalhada ao topo denotava todo o cuidado daqueles que a projetaram. O lugar era diferente de qualquer coisa que o asiático já tivesse se deparado no Hill Top, e por isso mesmo não tivera dúvidas de que estava no lugar certo.

Sophia vestira sua melhor roupa, uma das que recebera ainda nos tempos de Alexandria. Um pouco menos introspectiva do que nos últimos dias, a menininha também parecia começar a entender que sua nova realidade não necessariamente precisaria estar afundada em um mar de tristeza. Glenn provara que estaria ali para o que ela precisasse, e pouco a pouco os dois se ajudariam a entender e superar a morte de sua mãe postiça.

Ao lado deles, também em um total sinal de gratidão, Susie carregava Jacob nos braços. O garoto estava crescendo rápido e logo, logo já estaria correndo pelos campos da comunidade. Os cabelos loiros eram do pai, mas o olhar, esse não havia dúvidas de que saíra exatamente aos da mãe. A jovem inclusive aceitara o convite de Glenn sem pestanejar.

Os novos moradores ainda não haviam tido a oportunidade de se integrar com o restante do Alto do Morro, muito por conta da forma como aportaram. Talvez aquela fosse a oportunidade mais clara de mostrar que todos ali estavam no mesmo barco.

Viver junto. Morrer junto.

Salaam Aleikum! – Exclamara Ibrahim, abrindo a porta de sua morada para os visitantes.

Glenn estendera a mão, cumprimentando-o firmemente.

Alaikum As-Salaam! – Respondera o asiático, tentando pronunciar o termo em árabe da melhor maneira possível – Não resisti e convidei a Susie para vir comigo, espero que não se importe...

O homem afastara-se da entrada, permitindo que os demais adentrassem.

— É claro que não! Os árabes não são reconhecidos como bons anfitriões à toa! Entrem, por favor! – Glenn passara por ele, trazendo Sophia consigo, que calada, apenas arregalava os olhos enquanto observava todos os elementos da até então desconhecida cultura – Então essa é sua pequena Sophia? – Ibrahim acariciara os cabelos dourados da criança – Você vai adorar minha filha Ai’shah! Venham, venham comigo!

O chão de terra batida era recoberto por tapetes, e o primeiro cômodo nada mais era do que um grande espaço vazio. Havia uma espécie de púlpito na parede mais ao sul, onde um livro, provavelmente o corão, encontrava-se repousado sobre uma almofada. Do lado direito havia um corredor, que levava até uma grande sala. Uma mesa para pelo menos dez pessoas estava posta, milimetricamente organizada.

Os pratos e talhares pareciam novos, de tão bem cuidados. O lugar era erguido com base em materiais parecidos com os dos muros, e alguns remendos e improvisos estavam visíveis. Ainda assim Glenn sentira-se muito bem, totalmente confortável. A simplicidade do barracão, carregado de uma cultura que tentava sobreviver em meio a tanta destruição, era o ponto que trazia maior beleza para o lugar.

Não havia nenhum sentimento de desconfiança, e a felicidade em recebê-los ali era não só fidedigna como recíproca. O clima familiar daquela comunidade islâmica fazia com que os problemas simplesmente deixassem de existir, mesmo que fosse durante um mero jantar.

Durante sua estadia em Alexandria, Glenn sempre batera na tecla de que sobreviver não poderia ser o único foco dos moradores, ou então todos acabariam enlouquecendo. O que vira ali, de uma forma prática e real, era justamente o que tanto buscara. As pessoas ali estavam vivendo, recomeçando de verdade. Acreditando na nova sociedade, e fomentando sua nova forma de vida.

— Esse é Tareef – Ibrahim apontara para um homem que vestia-se de branco, um pouco mais novo do que ele. A barba negra também preenchia o seu rosto, e sua descendência também era árabe – E essa é sua esposa Sabirah – A mulher que cobria os cabelos com um véu, cumprimentara Glenn a distância, apenas com um sorriso e um aceno de cabeça – Aqueles são Hamid – O anfitrião apontara para um garoto de no máximo oito anos, ao lado do casal – E Azzam, filhos de Tareef e Sabirah.

Outro garoto, com talvez dez anos de idade, caminhara até Rhee, pronunciando algumas palavras em árabe e apertando sua mão.

— Já esta aqui é a Doutora Abrams, a melhor médica de todo o Hill Top, além de ser uma grande amiga!

Levantando-se da cadeira, uma jovem mulher de não mais do que trinta e tantos anos, dirigira-se até Glenn, apertando sua mão enquanto sorria após a apresentação de Ibrahim. Loira com os cabelos trançados para trás, a médica, apesar de ocidental, estava totalmente integrada as duas famílias muçulmanas. Ela não usava véu sobre os cabelos, mas parecia respeitar totalmente os costumes dos amigos.

— Que o Randolph não o ouça dizer isso, Ibrahim... – Troçara a médica – Muito prazer, Glenn! Mas por favor, sem formalidades aqui, estamos entre amigos e eu já entreguei o meu plantão. Me chame apenas de Jackie!

O grupo sentara-se a mesa, aproveitando o jantar que durara a noite inteira. Por horas conversaram sobre os mais banais assuntos, excluindo da pauta qualquer menção aos Salvadores, aos errantes, ou a morte certa em meio ao apocalipse.

Relembraram sobre as vidas anteriores ao domínio dos mortos, contando histórias dos mais variados tipos. Tareef, de sotaque ainda mais carregado do que seu amigo Ibrahim, narrara com inúmeros detalhes diversas de suas mais bizarras experiências enquanto comerciante em Tartus, quando ainda morava na Síria. Arrancara risadas de todos ao relatar sobre as gafes que os estrangeiros comumente cometiam ao visitar um país de tradições islâmicas.

Todos pareceram interessados quando Glenn resolvera falar de si mesmo. Suas histórias como entregador de pizzas e todas as dificuldades que enfrentara em sua vida em Atlanta, pulando de galho em galho e sempre com a grana curta, ganharam outro peso quando descritas em um ambiente tão leve e sereno.

Susie também parecia totalmente relaxada. Ela que, assim como o batedor, também ficara totalmente sem rumo após tantos acontecimentos, parecia ter encontrado o seu lugar. Todos ali puderam conhecê-la melhor, e Rhee notara que em todo o tempo que haviam passado na antiga comunidade, jamais havia tido a oportunidade de saber tanto sobre ela.

Enturmando-se pouco a pouco com as outras crianças, Sophia aproximara-se de A’ishah, a filha mais velha do anfitrião, primordialmente para sanar suas curiosidades a respeito do lenço que utilizava sobre a cabeça e os ombros. A adolescente então lhe dissera que se tratava de um hijab, e que aquele véu estava intrinsecamente ligado a sua religiosidade.

Glenn vira as duas conversando ao fundo, e notara que sua filha também parecia ter esquecido de todo o peso que vinha carregando nas costas. Sorrindo um sorriso que há muito ele não via, e que rezara tanto para que retornasse, Rhee suspirara em alívio, agradecendo aos céus, a Maggie, por estar guiando os seus passos no duro e tortuoso caminho que precisaria percorrer.

Mas pelo visto ele havia encontrado um atalho.

O garoto Ahmed viera discretamente em direção a Glenn. Após chamar sua atenção, o asiático levantara da mesa, onde a amistosa conversa prosseguira sem interrupção. O menino apontara para a porta, sinalizando que alguém esperava pelo batedor. Rhee agradeceu, e após verificar que Sophia estava no quarto com as outras crianças, dirigira-se até onde fora chamado.

Do lado de fora, de pé ante a porta de entrada da casa de Ibrahim, Jesus aguardava por Glenn. Pela expressão em seu rosto, parecia que o barbudo tinha algo de muito importante para lhe contar. Evitando que alguém mais escutasse a conversa, Rhee fechara a porta, isolando-se dos demais que mal haviam percebido sua saída.

— Jesus, o que está fazendo aqui?

O diplomata estava sem o sue gorro, os logos cabelos castanhos soltos ao vento. Com o rosto cansado, fruto de sua longa viagem, Paul diminuíra o tom de voz ao se dirigir a Glenn.

— Rick me mandou até aqui... – Dissera, com tensão na voz – Precisamos que nos ajude, e é melhor que ninguém saiba que eu vim te ver, por segurança.

— O que está acontecendo? – Questionara.

— Negan... – Aquele nome pronunciado por Jesus causara um reboliço no estômago do asiático – Estamos montando um contra-ataque. Rick queria que eu te avisasse que estamos indo para cima daquele filho da puta!

Glenn cerrara um dos punhos, fechando os olhos e controlando a própria respiração. Jesus então prosseguira.

— Falarei em seguida com Gregory. Preciso da permissão dele para levar pessoas para fora daqui... Um grupo grande, para treinamento. Definitivamente não confiamos nele.

As feições de Rhee se fecharam.

Ok, Jesus, mas o que quer comigo?

O barbudo prontamente respondera.

— Estamos com outras pessoas fazendo o levantamento e é melhor que vocês não se conheçam. Por enquanto gostaria que você ficasse de olho em todos, principalmente no Gregory. Não podemos permitir que nenhuma informação chegue aos ouvidos dos Salvadores. Tudo o que você descobrir passe para o Kal, ele é de confiança e passará para mim!

— Kal? Quem é Kal? – Indagara.

— Havaiano... Um dos lanceiros dos muros. – Respondera Jesus – Há pouco eu falei com Earl Sutton, o ferreiro do Hill Top, procure-o amanhã e diga que eu o enviei para receber minha encomenda, ele sabe do que se trata!

Glenn passara as mãos sobre os cabelos, todas aquelas informações demorariam a ser processadas. Ele ainda tentava se encontrar, e receber uma bomba de maneira tão inesperada não parecia que iria ajudá-lo nesse processo. Ele pensara em Sophia, e em seguida pensara em Maggie. Suas mãos passearam até sua nuca. Seria necessário pensar bastante antes de tomar qualquer decisão.

— Jesus, eu não sei...

— Nós formamos uma aliança, Glenn... – Jesus voltara a falar – Hill Top, Alexandria, Garden e o Reino, todos unidos para acabar com o Negan de uma vez por todas! – Paul o segurara pelos ombros, fazendo com que o asiático o olhasse diretamente nos olhos – Nos ajude a destruir esse monstro, nos ajude a vingar todas as mortes inocentes causadas por ele! Nos ajude a vingar a morte de Maggie!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?

Depois de tanto tempo, estou bastante curioso para saber suas opiniões a respeito da volta de Glenn... Não se acanhem, críticas também são bem-vindas nos comentários, obviamente com todo o respeito que o espaço pede...

Eu gostei de escrever esse capítulo, foi mais voltado para o emocional, mas também houve a introdução de um fato bastante importante nesse final... Bom, escrevam tudo o que acharam nos comentários, estarei por lá aguardando vocês!

Moi moi.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "All Out War" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.