All Out War escrita por Filho de Kivi


Capítulo 1
The Other 730 Days


Notas iniciais do capítulo

Hei! Vamos lá...Esse é o primeiro capítulo, portanto é apenas uma introdução. O clímax irá se ampliando com o decorrer do tempo... Espero que gostem!



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A noite caía de forma fria e tenebrosa, as estrelas, escondidas entre as nuvens, não eram suficientes para iluminar aquele terreno aparentemente hostil. Os clarões dos relâmpagos cortavam o céu de forma quase ininterrupta, anunciando que uma tempestade se iniciaria em breve. Já deviam passar das nove da noite, mas como seria possível saber? Perde-se a noção do tempo quando a vida não gira mais em torno dele, e tudo ficava ainda mais difícil quando escurecia muito cedo. O forte som de um trovão acaba por assustar a todos que ali se encontravam, mais parecia que uma bomba havia sido jogada naquela região, a ventania começa a balançar a copa das árvores e as negras nuvens quase que invisíveis em meio ao breu dão o tom do que devem ser as próximas horas. É muito provável que o céu desabe.

̶ Tom! – Um assobio é ouvido – Não podemos ficar por aqui... Vai cair uma puta tempestade!

O homem que faz o alerta está de pé sobre o capô de um carro, atrás dele, duas barracas de camping montadas já começam a chacoalhar por conta dos fortes ventos. Algumas gotículas começam a descer dos céus.

̶ Tô sabendo Doc... Sem crise, vamos conseguir... Já sobrevivemos a coisas piores!

̶ Não consigo ter tanta segurança quanto você... Me escuta, essa merda nós não vamos conseguir segurar... Talvez seja até a porra de um furacão, já parou pra pensar nisso? – Questiona de forma veemente aquele que acabara de ser chamado de doutor.

Vincent, ou como era conhecido antes do fim do mundo, Doutor Hall, era um cirurgião geral que trabalhava em um hospital em Jacksonville. Quando tudo ficou feio o suficiente para que as pessoas começassem a deixar suas casas em busca de abrigo e comida, Hall partiu junto a uma comitiva que tinha esperanças de ainda encontrar um braço do governo funcionando. Após a constatação de que tudo nunca mais voltaria a ser como era antes, o grupo do médico se dissolveu após serem emboscados por uma manada de errantes. Sozinho, apavorado e sem comida, Vincent encontrou abrigo novamente quando por acidente conheceu Tom e seu grupo, que para a sua surpresa o receberam e o acolheram. O homem, ainda sobre o capô do carro, observa tenebroso o movimento das nuvens, e os raios ao longe que parecem ser lançados sobre a terra. Suas sobrancelhas negras arqueiam-se sobre os olhos castanhos semicerrados, tentando enxergar algo que não a própria escuridão a sua frente. Seu corpo esguio, recoberto por um casaco negro e calça jeans surrada, tenta se equilibrar sobre o automóvel, dificuldade elencada ainda mais por conta da falta de parte da perna direita, decepada um pouco abaixo do joelho e preenchida agora por uma prótese rústica feita de madeira. Os cabelos castanhos e ondulados, um pouco abaixo dos ombros, rebelam-se ao ritmo do vento, e logo são protegidos pelo capuz de seu casaco. A barba clara que já toma conta de seu rosto, resguarda a face do cirurgião de pouco mais de trinta anos, do frio que começa a despontar com a agora forte chuva.

̶ E se ficarmos todos dentro da van? Talvez a estrutura de metal suporte os ventos! Além do mais nem sabemos com que força essa chuva tá vindo! – Retruca Tom.

̶ Estamos em sete cara! E temos um bebê... – Indigna-se Vincent – Se nos juntarmos todos dentro dessa lata velha, seremos alvos mais fáceis!

̶ Então que tal você parar de choramingar e me dar uma ideia ô Einstein! Eu também não sei que caralho fazer!

As mãos de Tom Price começam a tremer levemente, a sensação, a mesma que anos atrás o fazia sentir-se tão fraco, parecia retornar nesse momento de agonia, a única diferença é que o ex-soldador não podia mais fugir e nem se esconder, esse tempo já passou, e ele agora se vê obrigado a enfrentar os seus temores todos os dias. Sua espessa barba grisalha parece ser o maior sinal de que Tom está envelhecendo, talvez seja a crise dos quarenta anos, ou talvez o peso de lidar com vidas humanas em um mundo tão inóspito esteja começando a reduzi-lo a pó. Sua alma parece ter sido dilacerada, tudo o que ele foi um dia se perdeu, só sobraram poeira e ossos, e são a esses restos que ele ainda se agarra para tentar dar um passo à frente toda manhã. A água fria da chuva que cai, escorre por sua cabeça alva sem cabelos, mesclada ao suor tenso que suas glândulas sudoríparas começavam a produzir. Nem mesmo os fortes músculos, escondidos por baixo das roupas sempre negras e os casacos de motoqueiro, conseguiam manter a imagem forte que ele sempre queria demonstrar. Ora, Tom está diante de algo que não pode lidar, pela primeira vez em muito tempo ele não tem controle sobre os próprios problemas, e em meio a tantos cenários aterradores, a falta de comida e munição e a ausência de um lugar seguro para encarar a madrugada, são o que mais lhe preocupa. Sua garganta embarga, seus canais lacrimais começam a gerar lágrimas que seus olhos pequenos e negros insistem em não deixar escorrer. Tom está perdido, no mais amplo sentido do termo.

̶ Precisamos cair fora daqui! – Vocifera Vicent. Tom parece ainda analisar toda a situação em sua mente – Agora! – Complementa o doutor.

̶ Pega a Amanda, a Susie e o bebê e leva pro furgão agora! – Ordena Tom. O cirurgião parece hesitar, ainda crendo que essa não é a melhor opção a ser tomada no momento. Tom retoma – Não discute Doc, vai agora! Vai!

Um novo trovão surge como um arauto, o estrondo que estremece tudo e todos vem apenas um segundo antes da chuva começar a cair de forma torrencial, os ventos começam a deslocar as barracas de lugar e, assustadas, três mulheres abrem o zíper da moradia improvisada, saindo dali como se acabassem de despertar de um pesadelo. A primeira delas, de pele negra, olhos amendoados e cabelos curtos e escuros, cerra os olhos ao entrar em contado com o forte vento e as gotas que mais parecem pedras sendo jogadas das nuvens. A segunda, que ocupava a mesma barraca, ergue o corpo de forma sonolenta, ainda tentando mensurar o que estava ocorrendo, provavelmente despertara agora do sono, ou, como a maioria nesses tempos difíceis, seguia apenas fingindo que um dia poderia voltar a dormir profundamente. A terceira mulher é a mais assustada, abre o zíper da barraca, apenas para fechá-lo logo em seguida, segurando-se de forma inútil na borda plástica, torcendo para que tudo não cedesse e fosse, literalmente, por água abaixo.

̶ Amanda! – Grita Vincent após perceber a movimentação, apoiando-se no capô, antes de saltar para o solo agora enlameado – Sai daí agora, leva a Leah contigo!

A mulher negra olha para o céu e observa atônita o efeito devastador que aquele verdadeiro dilúvio começa a produzir. Árvores ao largo começam a cair, descargas elétricas despontam como se fossem um show de final de ano, os trovões ecoam igualmente a tambores de guerra. Como quem desperta de um transe, Amanda encara o doutor e começa a deixar o lugar, ainda boquiaberta. Ela puxa pelos braços uma menina de aproximadamente quatorze anos, pele branca e grandes olhos azuis que arregalados por conta do espanto, parecem querer sair de suas órbitas, seus cabelos loiros cacheados e amarrados para trás, encharcam-se em poucos segundos ao entrar em contato com a forte tempestade.

̶ Vão pro furgão e fiquem lá! – Ordena Vincent novamente, que apenas recebe como resposta um aceno positivo de cabeça. Ele está de pé, apoia-se agora em um ancinho que fora estrategicamente deixado ao lado do carro em que ele subira, o objeto, usado como uma espécie de cajado, também já se mostrou muito útil no embate contra os mortos-vivos.

Após certificar-se que as duas estariam em segurança, o médico volta-se para Tom e gritando, em uma tentativa de se fazer ser ouvido, expressa-se:

̶ Pega a Susie e o bebê! Levas os dois pro furgão! Você é mais rápido, salva os dois! Eu vou ver se consigo encontrar o Mike e o Goodwin... Eles saíram pela manhã, já deveriam ter voltado!

Tom corre em direção a barraca da mulher que a pouco fechara-se em seu interior, lá dentro, Susie segura nos braços o pequeno Jacob, seu filho que nascera há cerca de três meses. Antes de adentrar o lugar e salvar os dois, Tom vira-se na direção de Vincent e exclama seriamente:

̶ Os dois já devem estar mortos! Você não vai conseguir chegar a lugar algum com a porra dessa perna de pau! Corre pra van Doc, salva a tua vida, precisamos de você!

O cirurgião não consegue raciocinar direito, mal capta as palavras ditas, na verdade, ele nem sabe ao certo se conseguira escutar na íntegra o que o robusto homem pronunciara, ele só sabe de uma coisa, seja lá o que tiver que ser feito, nesse momento sua vida é a prioridade. Rapidamente os pensamentos altruístas deixam sua mente, ele então começa a se deslocar com a velocidade máxima que sua incapacidade permite, em direção ao porto seguro do grupo, o furgão de entregas que Tom conseguira duas semanas atrás. O ex-soldador acompanhado por Susie e o pequeno Jacob, ultrapassam rapidamente o amputado que em meio à tempestade que os castiga, mal consegue enxergar um metro a sua frente.

O local descampado nos arredores de Washington já fora um grande estacionamento para trailers, que acomodavam centenas de pessoas que vinham de todas as partes para os mais variados eventos, fossem eles corridas automobilísticas, haves, ou festivais de rock. Porém, os tempos gloriosos de outrora já ficaram para trás, fazendo hoje do lugar um mero matagal esquecido por Deus, onde carros velhos e sem combustível apodrecem junto ao cadáver de seus antigos proprietários. O lado bom que aquele pequeno grupo de sobreviventes descobrira, é que os errantes não costumam se aglomerar por ali, pelo menos foi o que puderam atestar nos últimos dois dias, quando foram praticamente obrigados a acampar nesse local após o motor da van que ocupavam ter estourado. O lado ruim, é que em uma região tão inóspita assim, cercada por um bosque e longe de qualquer área residencial ou comercial, fica praticamente impossível conseguir comida que não seja proveniente da caça, e com o estoque baixo o grupo encontrava-se em sua pior situação desde que o mundo mudou. Bom, pelo menos essa era a pior situação até esse momento. Com o forte vento oriundo da tempestade, as barracas foram logo arremessadas a uma longa distância, sorte não ter ninguém lá dentro, mas azar por conta de que a pouca comida e água que ainda lhes restava estavam armazenadas em seu interior.

Vincent está lá, de pé, tentando lutar por sua vida, rotina essa que vem se repetindo cada vez mais. Nesses tempos difíceis, o ditado “viva hoje como se fosse o último dia de sua vida” precisa ler levado muito a sério, se não for encarado ao pé da letra, bom, talvez não haja o amanhã para uma eventual segunda chance. A prótese de carvalho que agora substitui parte de sua tíbia e fíbula direita tenta manter aquele corpo magricela equilibrado enquanto que todas as leis da física, unidas como em um motim, parecem tentar lançá-lo ao chão. O vento, a água que parece uma cachoeira e a lama que agora traveste todo o solo outrora arenoso, se mostram obstáculos que nas atuais circunstâncias parecem impossíveis de serem ultrapassados pelo cirurgião. Ele se esforça para enxergar minimamente a sua frente, mas a visão está embaçada, mal consegue ver o chão, o que no momento só faz ampliar sua lamúria. Não é mais possível ouvir Tom, nem Susie e Jacob, apenas o barulho das árvores se partindo em seu próprio eixo, e as gotas d’água perfurando o chão, Vincent não consegue saber nem para onde deve correr.

Uma rajada mais forte somada a um passo em falso faz com que o médico caia ao chão de lado, batendo com a cabeça e espalhando água e lama por seu rosto e corpo. Não há mais forças unidas o suficiente para que ele se erga, resta agora apenas esperar para que o destino, comum a tantos de seus pacientes e conhecidos, venha executar sua sentença. Um sorriso de canto de boca toma conta de seu rosto, chega a ser engraçado, após passar por tantas coisas nessa longa jornada, sendo obrigado a decapitar desmortos e decepar a própria perna, a morte chega para Vincent na forma de chuva, a mesma chuva que por conta da falta de água, ele chegou a clamar para que viesse dias atrás. É, parece que o universo tem um senso de humor bem peculiar.

̶ Ei! Vem comigo! Levanta daí!

Seus olhos estavam fechados, além de não poder, ele não queria ver o que estava reservado para o seu fim, queria apenas agarrar-se aos bons momentos na esperança de que essa sensação passasse a ser contínua e eterna. Porém, o mundo parecia ainda não ter acabado com a raça de Vincent o suficiente para deixá-lo partir naquele instante, havia estrada a ser percorrida e por isso ele acabara recebendo uma visita inesperada, de alguém que a muito não se fazia presente, a esperança. E ela veio na forma de uma desconhecida voz masculina, que parecia estar disposto a tirá-lo da lama, literalmente. Não fora nem preciso enxergar o seu salvador, o cirurgião apenas esticara o seu braço direito para o alto, como se quisesse gritar, mesmo sem emitir som algum que “a porra da sua vida ainda não havia acabado”, ele não havia perdido aquela guerra, mesmo quase tendo sucumbido nas últimas batalhas. Uma mão agarra fortemente o seu pulso, seguida de outra que após um esforço consegue erguê-lo. Mais uma vez o universo demonstrara o quanto é sacana.

̶ Vem comigo, eu tenho um abrigo! Vamos salvar o seu pessoal!

Não havia tempo para mais nada, apoiado em ombros desconhecidos ele apenas seguiu caminhando, como um bote a deriva sendo levado pela maré. Agora ele apenas desejava que essas ondas o fizessem ver o sol raiar no dia seguinte, se isso ocorresse, já seria uma vitória e tanto.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Se gostaram, comentem e se não gostaram comentem assim mesmo, estou sempre disposto a receber críticas construtivas. Quero a ajuda de vocês para escrever sempre melhor e entregar uma fic de qualidade!O segundo capítulo saíra logo logo... Lembrando que o começo da história é a preparação para algo maior que virá mais a frente.Talvez alguns de vocês já conheçam pelo codinome de GUERRA TOTAL!Qualquer dúvida ou baboseiras diversas não se acanhem em me enviar por MP, responderei sem problema algum...Kiitos, nos vemos nos comentários!