---

 

Era uma manhã de outono, o céu estava azul, o sol brilhava e uma brisa fria esvoaçava o vestido de Angel Black que caminhava solitária na praia. Seus cabelos dourados estavam soltos, suas feições eram belas e dela emanava um brilho e um esplendor. Mas seus olhos âmbar pareciam carregar uma enorme tristeza. Apesar de sentir-se completamente realizada, algo vinha incomodando Angel nos últimos anos. Estranhos sonhos invadiam suas noites e traziam consigo um sentimento de vazio e desespero que Angel sabia não lhe pertencer. "Ivy, quem é você?" Angel pensou antes de voltar à realidade.

_ Hey, professora!

_ Joseph! – Angel chamou, curvando-se para receber o beijo caloroso da criança – O que faz aqui?

_ Estou esperando meu pai. – o menino respondeu timidamente, seus pés descalços cutucando a areia - Lowell e papai saíram hoje cedinho para pescar e devem estar quase chegando agora.

Angel se concentrou no horizonte, e mesmo que ainda distantes demais para que Joseph ou qualquer outro humano normal pudesse enxergar, seus olhos aguçados avistaram três pequenas embarcações se aproximando da costa.

_ Sim. Eles já estão chegando, Joe.

_ A senhora consegue ver?

_ Não. Humm... – Angel hesitou por alguns instantes, depois sorriu carinhosamente para Joseph – Você é um ótimo observador, não Joe? – ele retribuiu o sorriso e balançou a cabeça – Isso é bom!

_ É! – Joseph respondeu, intensificando os movimentos em afirmação – É o que papai sempre diz! Eu já terminei de ler o livro dessa semana, sabia professora?

_ É mesmo? Mas já?

_ Sim, eu gostei muito dele! Mais do que o da semana passada. Qual vai ser o próximo?

_ Joe! Você está de férias, e as aulas só vão começar no mês que vem... por que você não aproveita para brincar um pouco?

Angel e Jake haviam construído um pequeno centro de apoio para os habitantes locais; e nos últimos anos dedicaram-se na melhoria das condições de vida da população carente da região. O trabalho é financiado com recursos próprios e através de doações; mas com a ajuda de Theodore, eles conseguiram fundos para montar uma escola primária para as crianças e um centro tecnológico para a formação dos jovens da região. Angel dava aulas de português e literatura, enquanto Jake ministrava um curso para formação de mecânicos e ferreiros.

_ Mas eu gosto de ler os livros que a senhora traz pra gente!

_ Eu sei, eu sei... – Angel respondeu – Vamos fazer assim, então, eu passo na sua casa amanhã e deixo alguns livros para você ler durante as férias, o que você acha?

_ Posso escolher quantos eu quiser?

_ Quantos você quiser!

_ Jura, professora?

_ Arran.

_ Uhuhhh! – Joseph gritou dando pulos de alegria.

_ Tudo bem, Joe. Agora eu tenho que ir, mas você fique aqui e espere por seu pai e seu irmão, ok?

_ Tá, eu vou ficar sim. Sua irmã branca está chegando? – Joseph perguntou.

_ Sim, Joe. Bella está chegando hoje. – Angel respondeu, enfatizando o nome de Bella. Os habitantes locais sempre se referiam ao resto do Clã Swan como Os Brancos, devido à cor quase translúcida de sua pele. Mas Angel nunca aprovou isso e fazia questão de corrigi-los sempre que podia – Minha irmã Bella, meu cunhado e meus sobrinhos...

_ E Nate e Seth também vem?

_ Ah, sim! Nate chegou ontem e Seth já deve estar em casa agora.

Depois de cursar o ensino médio por duas vezes, Nate finalmente havia se decidido pela faculdade. E para alegria de sua mãe, Angel, ele estava em Johanesburgo, no segundo ano do curso de Letras. Seth Clearwater estava cursando o último ano da faculdade de Direito em Pretória, a capital administrativa da África do Sul. Eles voltavam para casa somente nos feriados.

_ É mesmo? Faz tanto tempo que não vejo eles...

_ "os vejo" – Angel corrigiu – "faz tanto tempo que não os vejo...".

_ Os vejo. – Joseph repetiu.

Angel sorriu.

_ Muito bem, Joe! Vou dizer que você perguntou por eles, e quem sabe eu leve companhia amanhã, quando for fazer sua entrega...

_ Lowell vai ficar feliz também! – Joseph respondeu correndo em direção aos barcos que já começavam a chegar à praia – Tchau, professora! Até amanhã.

_ Até amanhã, Joe!

Angel então, seguiu seu caminho pela trilha íngreme que levava até a cabana Black.

Nesse dia o mar estava calmo. As ondas corriam lentas. Arrastavam algas e mariscos de suas profundezas até a praia. A areia brilhava sob o sol forte e o céu confundia-se com o azul do mar no horizonte...

Antes da mudança dos Black para a África, Alice fez questão de reformar a casa inteira, tornando-a quase uma réplica idêntica a cabana em La Push, com algumas pequenas adições.

"Não existem muitas lojas aqui perto! Precisaremos de muito espaço para guardar as roupas. Afinal de contas, não vou poder vir até aqui toda semana..." dizia Alice em uma de suas várias desculpas para justificar o tamanho da reforma. Angel e Jacob Black nunca foram muito ligados às ostentações que o dinheiro podia trazer-lhes, mas ficaram gratos quando vislumbraram pela primeira vez seu novo lar em meio à paisagem africana. Uma cabana localizada sobre o penhasco, com uma bela vista do Oceano Indico e muito próximo à casa de Theodore e Janet.

_ Nathan Charles Black! – Angel bateu na porta do quarto e aguardou pela resposta. Nada. "Ele só pode estar jogando aquela coisa de novo" – Nate?

_ Peraí, mãe! Tô quase acabando... Ah! Droga! – Nate abriu a porta com o controle do tal Play Station na mão e um sanduíche na outra – O que foi mãe?

"Idêntico ao pai" pensou Angel.

_ Eles estão chegando, Nate! E você ainda nem tomou banho?

_ Ah, é! Tá, tá... já vou. É que... – Nate respondia com os olhos ainda grudados na TV – eu só tô arrumando um novo game para poder jogar com EJ.

_ Ah, não! De novo não! Da última vez, eu quase não pude conversar com EJ... Nate? Quer ao menos olhar para mim? – Angel gritou, exigindo a atenção de seu filho – Você não sabe que é falta de educação conversar com as pessoas desse jeito?

_ Ai! Que que é, mãe?

_ Você está me ouvindo?

_ Arran...

_ Então, o que foi que eu disse agora?

_ Ahnn... banho no EJ e... pessoas com falta de educação.

_ Urrrrrrrrr! Nate!

_ Ah, mãezinha! Calma. – Nate disse jogando um beijo no ar em direção a Angel, depois soltou um sorriso sapeca – Eu já tô indo. Só preciso de mais cinco minutinhos! Prometo.

_ Sem problema, você decide. Eu vou dizer a Sam que você teve que arrumar esse negócio para o EJ e por isso não pôde se arrumar para ela! Ela vai entender, eu tenho certeza!

Pronto. Angel havia atingido o alvo com precisão. Sam sempre foi o grande ponto fraco de Nate.

_ Humm... – Nate fechou a cara - Tá bom! Tô indo... agora se a senhora me der licença vou trocar de roupa.

_ Nate?

_ Humm?

_ Eu tenho cara de boba, é? Onde é que você pensa que vai imundo desse jeito? – Angel perguntou e avançou como um raio em direção à Nate, cobrindo-o de beijos.

_ Mãe! Quer parar com isso? Ah! Tô todo babado! – Nate reclamou enquanto limpava seu rosto – Agora não vai ter jeito, vou ter que tomar um banho mesmo! E eu não sou mais um bebeeeeeeeeeeeeee!

Assim, Angel desceu as escadas com um sorriso vitorioso em seu rosto, deixando que Nate se arrumasse para sua Sam. Um verdadeiro batalhão estava prestes a chegar, e ela ainda tinha muito trabalho pela frente. A reunião do Clã Swan seria na África esse ano e Angel precisava preparar um imenso banquete para satisfazer o apetite voraz de sua numerosa família.

_ Querida? Cheguei! – Jake entrou gritando como sempre, e deixou escapar um sorriso maroto ao se dar conta que acabara de usar um jargão de um de seus programas de TV favoritos.

_ Aqui na cozinha, Jake. – Angel chamou.

_ E aí, baby? Tudo pronto?

_ Humm... quase. – Angel respondeu enquanto picava alguns legumes – Alcance o sal pra mim, amor?

_ Sal? Sal... sal...

_ Aquele pozinho branco que se usa para temperar as coisas, lembra?

A África é bem conhecida pela vida selvagem das savanas e florestas equatoriais. Existem cerca de cinqüenta espécies de primatas, incluindo os chimpanzés e gorilas. São mais de sessenta espécies de predadores carnívoros como os leões, chitas, leopardos, hienas, cães selvagens, raposas, chacais, hipopótamos e claro, os imensos crocodilos – as presas favoritas da família Black. Obviamente esses animais são vitais para a manutenção do equilíbrio ecológico das áreas em que habitam; e conscientes disso, os Black, sempre tomavam bastante cuidado para não afetar o precioso ecossistema. E mesmo que metade da família ainda necessitasse de alimentos normais em sua dieta, com o passar dos anos, as refeições humanas deixaram de ser tão apreciadas na residência dos Black. Mas Angel, que sempre adorou cozinhar, insistia em preparar elaboradas refeições todos os dias, fazendo questão que Jake, Nate e Seth se mantivessem saudáveis e bem nutridos. Afinal de contas, eles ainda possuem suas "partes humanas". E até mesmo Janet foi convertida. Há alguns anos atrás, Janet se matriculou na famosa escola francesa de culinária, Cordon Bleu, para aperfeiçoar suas habilidades culinárias; enquanto Theodore dava início à sua extensa carreira de filantropo. E foi assim que Theodore acabou como Diretor Geral dos Médicos Sem Fronteiras na África.

_ Sal! Claro, claro! Errr... onde é que ele fica mesmo?

_ Na dispensa, segunda prateleira à direita. – disse Angel balançando a cabeça.

_ Aqui! É isso aqui, não é?

_ Ai, Jake! – Angel suspirou – Isso é açúcar...

_ Ah! E como é que eu ia saber?

_ Lendo, Jake! Está escrito A Ç U C A R bem aqui, tá vendo?

_ Credo, amor! Que stress! Era só falar que estava escrito... – Jake reclamou, fingindo-se magoado.

_ Oh, Jake... desculpa. É que eles estão já desembarcaram e...

_ Humm... Cassoulet! – a voz de Janet interrompeu a conversa – Excelente escolha, Angel!

_ Janet! Que bom que você chegou! – Angel disse, oferecendo uma pequena colher de prova para Janet – Eu não sei se ficou do jeito que deveria. Não consegui achar a gordura de ganso em lugar nenhum!

_ O cheiro está maravilhoso. Consegui senti-lo lá de casa! – ela respondeu antes de provar um pouco do ensopado – Parfait, mon chéri! Parfait!

_ Sûr, maman?- Angel perguntou insegura.

_ Comme une nourriture de Dieux! – Janet exclamou exibindo seu francês fluente – Um verdadeiro manjar dos Deuses... – ela terminou traduzindo para Jake que, por pura preguiça e falta de interesse, ainda não entendia quase nada de francês.

_ Ahnn! – Jake disse, revirando os olhos – Vocês vão começar de novo?

_ Jake? Amor? Aonde você vai? – Angel chamou antes que Jake deixasse o cômodo – E cadê o sal?

_ Fala pra sua maman pegar! Eu vou pra sala!

_ Chiot? – Janet disse séria, dessa vez – Aonde você pensa que vai antes de dar um beijo em sua mãe?

Jake caminhou sem vontade em direção à Janet, deixou um beijo estalado em sua bochecha e disse:

_ Ai, mãe, pelo amor de Deus! Não vai me chamar de cachorrinho na frente dos cara, hein? Edward vai me atormentar por um século ou mais se souber disso!

_ Mon bébé chaton...

_ Chato, eu?

_ Querido, Jake... – Angel interveio - chaton significa querido...

_ Ahn... é? Mas, qual o problema do bom e velho português, hein? – ele perguntou emburrado, antes de se virar e seguir para a sala, murmurando palavras em seu péssimo francês.

Angel e Janet soltaram um riso abafado, temendo irritar Jake ainda mais, e seguiram na empreitada culinária.

_ E Theodore, Janet? Será que ele chegará a tempo?

_ Ele ainda está na Cidade do Cabo, providenciando a documentação para a cirurgia do menino Philip... – Janet respondeu - Mas ele estará aqui antes do anoitecer.

_ Humm... já encontraram um cirurgião plástico?

_ Bem, na verdade, ainda não foi oficializado. Mas parece que Carlisle encontrou um médico brasileiro que está disposto a nos ajudar.

_ Carlisle?

_ Sim, Theodore o contatou depois que o último médico desistiu da cirurgia. A Cranioestenose é uma doença muito rara e é difícil achar alguém disposto a operar uma criança tão frágil e debilitada como Philip.

_ Eu sei, mas ainda existem pessoas boas nesse mundo. Vamos encontrar alguém para ajudar essa família, Janet, não se preocupe.

_ Oh, mon chéri! Eu espero que sim...

_ Angie? – Jake gritou da sala, interrompendo a conversa. E com a boca cheia de amendoins, ele continuou – Você já...

_ Oh, Jake! Quantas vezes eu tenho que pedir para você não falar com a boca cheia? – Janet criticou – O que Esme vai pensar de mim? Venha cá, chiot – ela puxou seu filho adotivo - deixe-me limpar esse seu rostinho lindo.

_ Humm... mãe! – Jake havia perdido sua mãe biológica quando ainda era um bebê, e Janet havia assumido esse papel em sua vida desde a primeira vez em que se viram – Já inventaram um negócio chamado "lenço umedecido", sabia? A senhora não precisa mais usar saliva pra limpar meu rosto! Pára, mãe!

_ Prêt, prêt! – Janet exclamou ignorando os protestos de Jake - Já acabou!

_ Hein, Angie? – Jake chamou novamente, se desvencilhando dos braços apertados de Janet – Que horas eles chegam?

_ Me deixe ver... – Angel fechou os olhos e ponderou por um minuto – Humm... saímos de Johanesburgo há duas horas – então sua voz assumiu um tom diferente, como se repetisse as palavras que lhe eram ditas somente em sua mente – e nessa velocidade, estaremos aí em três horas. Você sabe como Edward adora correr na estrada. – Angel abriu os olhos e sorriu meneando a cabeça – Esse meu cunhado...

Depois de terminar a limpeza da cozinha, Angel passou pelos quartos de visita para checar se estava tudo certo e viu sua foto com Bella, tirada há dez anos atrás. Elas estavam caçando quando Jake as surpreendeu detrás de uma árvore disparando o flash. "Jake bobo" foram os últimos pensamentos de Angel antes de entrar no banho. Ela se despiu e, apesar da ansiedade por encontrar sua irmã e família, Angel sentiu os músculos de seu corpo relaxando aos poucos com o contato da água quente e forte da ducha.

Por fim, ela acabou adormecendo e sonhando.

Em seus sonhos, Angel sempre se via com cabelos vermelhos e belos olhos verdes. Um sentimento de melancolia e solidão sempre estavam presentes em suas noites. Este era um sonho recorrente e Angel já estava acostumada com essas estranhas visões, mas para sua surpresa e temor, eles vinham se intensificando nos últimos anos.

Ao acordar, uma tristeza arrebatadora invadiu sua alma como se alguma ameaça estivesse muito próxima de ser concluída.