Olhos de Cobra escrita por Laura Salmon


Capítulo 8
Capítulo 8 - Cobra




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― Quero ir até aquela boate ver o show das drags. ― Arregalei os olhos, deixando um peso cair.

Já fazia uma semana desde o aniversário na Ribalta e desde aquela noite em que eu deixara Karina em casa e a convencera a ficar calma. Desde então ela não havia aparecido no QG e o máximo que eu havia conseguido dela fora um aceno dois dias antes. Por isso, quando ela entrou ali, empurrando Tawik e ignorando o nosso explorado novo contratado, achei que ela estivesse armando alguma brincadeira.

― E aí, Diva Velvet. ― Ela recuou quando toquei a maçã esquerda de seu rosto. ― Veludo.

― Não brinca.

― Você que tá brincando. ― Empurrei uma luva sobre ela. ― Tô indo treinar. ― Apontei para Celso. ― Fica de olho no mascote.

― Pode deixar. ― Tawik bateu continência. ― Se quiser fico de olho em você também, Karina.

― Teu olho fica roxo antes de você tentar. ― Ela ergueu uma das sobrancelhas, empurrando o queixo para frente antes de voltar a me encarar. ― Então, Cobra.

― Então o que?

― Você vai me levar lá?

― Não! ― Abri os braços. ― Nós numa boate gay. As definições de amizade não foram atualizadas. ― Os lábios dela se uniram ao mesmo tempo em que ela mudava a posição das sobrancelhas. A sobrancelha do desafio caiu e a que subiu torta foi a sobrancelha da clemência. ― Não faz essa cara.

― Minha cara de Diva Velvet.

― Sua cara de piedade. Você não pode fazer isso.

― Aprendi vendo Bianca insistir com meu pai. Tô testando pra ver se funciona com você.

― Tá me achando com cara de pai? ― Sai do QG, sendo seguido por ela. ― Por que você está com essa ideia fixa?

― Porque preciso de grana.

Parei, franzindo a testa e encarando-a.

― Não consigo entrar em lutas ilegais. Não consigo um trabalho porque sou muito jovem para isso. Mas se eu for uma drag queen que luta vou ganhar...

― Uma o que? ― Comecei a rir. Porque era engraçado, sem dúvida. ― Quem foi que colocou isso na sua cabeça?

― Tô parecendo o João. ― Karina bufou. ― Cobra. Não posso morar ali. Com toda aquela gente. O João é maluco. E o Gael fica o dia todo paparicando a Dandara. E quando a Dandara finalmente sai ele paparica a Bianca. E ás vezes o Pedro fica lá, fingindo que está visitando o João. E eu tenho que fingir que estou bem com isso. E todos ficam me perguntando toda hora como eu estou. Eu preciso ir embora. Morar em outro lugar. Não consigo superar isso ficando no mesmo ambiente que todos eles. Me arruma uma luta ou me ajude a ser uma Drag Queen que quebra o pau. Literalmente.

― Não vou te enfiar em lutas ilegais, Karina. ― Baixei o tom. ― Além do mais, eu não estou mais mexendo com isso. Estou dependendo dos campeonatos que a Khan vai disputar. O seu pai não disse que você poderia competir quando voltasse? Não foi essa uma das razões para você estar de volta na academia dele?

― Campeonato feminino não dá dinheiro, Cobra. ― Balancei a cabeça. ― Olha só pra Nat. Ela tá lá presa. Tentando encontrar uma maneira de ferrar com o Lobão.

― Não se mete nisso.

― E eu vou me meter no que? ― As mãos dela pararam desafiadoramente em sua cintura. ― Vou me meter na sua vida. ― Karina se aproximou. ― Quem é você, Cobreloa? De onde você vem? Por que você parece uma fera machucada e com raiva? O que os seus olhos escondem além de uma nuvem de tristeza e cansaço?

Meus músculos se retesaram. Senti minha expressão endurecer como pedra. Não conseguia esboçar nenhuma reação. Os lábios de Karina foram se separando meio abismados diante da minha conduta. Dentro de mim eu lutava contra uma força inexplicável que queria empurrá-la e apertar seu pescoço enquanto dizia para ela nunca mais tentar encontrar algo sobre mim ou sobre o meu passado.

― Olha só o casal testosterona. ― A voz de Jade me salvou. ― Que bonitinho. Você não se sente meio gay quando fica com ela, Cobra?

― Você não tinha ficado boazinha? ― Voltei meu rosto para ela.

― Digamos que a minha promessa está chegando ao fim. ― Aquele sorriso sádico foi direcionado para Karina.

― Eu não tô nem aí pra você, Jade. Eu já passei da fase de achar que a minha vida seria destruída pelas coisas que você diz sem pensar.

― Uh. ― Jade ergueu as mãos.

Não podia deixar aquelas duas continuarem.

― Você quer ir até a Khan? ― Virei-me para Karina.

― Você vai me ajudar naquela parada?

― Você vai parar de fazer perguntas sobre aquela outra coisa?

― Gente! ― Jade riu. ― SinceriJade, aqui. Não querendo me intrometer, mas já me intrometendo. Essa parada que vocês estão falando é aquilo que eu tô pensando?

― Só uma cabeça cheia de maldade pra pensar mais maldade. ― Karina jogou a luva que tava com ela em mim. ― Não vou na Khan. Não acho que o Lobão vai ficar feliz depois que eu dei um pé nele e naquelas mentiras e chantagens. Mas essa conversa ainda não acabou.

― Vou pensar no seu caso.

Ela se virou antes de concordar, correndo em direção à academia de Gael. Jade ergueu as sobrancelhas, sorrindo. O carro do advogado parou logo atrás.

― Sabia que estou indo para São Paulo?

― Quer que eu deseje boa viagem?

― Não preciso do seu cinismo, Cobra.

Prendi o ar nos pulmões.

― Jade. ― Soltei bem devagar, mantendo a paciência. ― Não vamos jogar mais, ok? O nosso jogo acabou. E eu perdi. Não tem revanche. Para com isso. Segue em frente. Em breve eu nem estarei mais aqui.

Os lábios dela se mexeram de um lado para o outro. Ela parecia irritada. Henrique buzinou no carro do pai dele. Dei as costas. E por incrível que pareça não estava pensando neles indo para São Paulo juntos com a benção orgulhosa de Lucrécia Gardel.

Minha cabeça maquinava uma maneira de manter Karina ocupada e longe de do meu passado. O que significava mantê-la diretamente longe de mim.

E talvez eu já soubesse exatamente o que tinha que fazer.


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