Olhos de Cobra escrita por Laura Salmon


Capítulo 5
Capítulo 5 - Karina




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Dei uma olhada para os lados. Não havia como me ver livre daquilo. Eu estava enjoada, mesmo com o estômago vazio. O braço de Gael pesava no meu ombro enquanto Dandara gritava para que eu sorrisse para a foto. O flash explodiu nos meus olhos, fazendo meus lábios se arrastarem em um sorriso de dor. Porque era exatamente daquela maneira que eu estava me sentindo.

Eu achei que poderia lutar contra aquilo, mas era difícil. Detonautas detonou os meus planos ao saírem mais cedo da festa e deixar o show para a Galera da Ribalta. Fiquei ali, para no meio de todo mundo, enquanto as pessoas me olhavam discretamente imaginando se eu fosse sair correndo quando Pedro começasse a tocar e Vick começasse a cantar bem perto dele.

Mas antes que a voz dela se enfiasse no meu ouvido e aquela química toda entre eles enevoasse os meus olhos, Cobra apareceu na minha frente colocando um fone em cada um dos meus ouvidos. Arregalei os olhos. Calvin Harris.

I Feel So Close To You Right Now It’s A Force Field.

Os lábios dele acompanhavam o barulho que incendiava meus ouvidos. Sorri me perguntando como ele sabia exatamente em que parte da música estava. Comecei a mexer a cabeça quando as sobrancelhas dele subiram. Estávamos dançando. De uma forma engraçada e desconexa. O que me fazia rir e esquecer de todas as pessoas que estavam disfarçadamente me encarando.

Quando girei, vi que Bianca estava de braços cruzados, me fuzilando com os olhos. Ela não queria Cobra ali. Eu não ligava. Girei novamente para ele. Havia fones nos seus ouvidos também. A trilha estava sincronizada. Cobra Starship comandava a próxima canção. Nome bastante sugestivo.

You make me feel that! La la la la la!

Aquela eu sabia de cor. Estar com fones de ouvido pode ser prejudicial. Você não tem noção nenhuma do quanto a sua voz pode estar alta. Então, no meio da música, quando havíamos encaixado o braço na cintura do outro e estávamos rodando sem motivo algum, notei que todo mundo havia parado de dançar.

Arranquei os fones, endireitando o meu corpo e me afastando consideravelmente de Cobra. Sem contatos físicos, Karina. Tive que lembrar a mim mesma que a única forma de contato que eu queria eram dentro de um ringue.

― Talvez o casal queira cantar aqui no nosso lugar. ― Vick sorriu. Senti o calor subir pelo meu pescoço e pelo meu rosto. Eu estava ficando vermelha.

E então Bianca me puxou para cantar o parabéns. E era por isso que eu estava ali, perdida, ainda ruborizada, tirando fotos e pedindo clemência para poder escapar. Escapar, inclusive, de Cobra. Porque eu não queria sentir aquilo. Aquilo que eu não sabia exatamente o que. Ainda.

Meu pai estava tão distraído com o bolo que Bianca estava cortando que ninguém ia notar se eu desse uma escapadinha. Empurrei João com o ombro. Ele reclamou, mas não parei para ouvir. Estava tentando encontrar uma saída quando um corpo parou diante de mim.

Pedro.

― Ka eu queria...

― Não. Você não quer nada agora. Dá licença.

― Achei que estivesse tudo bem.

― Tá tudo bem, mas não agora.

― Você tá com caganeira?

― A cada cinco conversas que temos quatro envolve problemas gastrointestinais.

― Intestino o que? ― A expressão dele foi impagável. Eu poderia rir se não estivesse começando a ficar com raiva. ― Eu queria que você soubesse que estou feliz que esteja aqui. E que sinto saudades até das suas agressões.

Senti minha testa enrugar. Eu não queria prolongar aquela conversa. Olhando em volta, o melhor a fazer era sair correndo. Bianca estava brincando de sujar o rosto de Duca com bolo. Wallace e Sol ganharam um tempinho romântico. Casal #majefe colocava docinhos um na boca do outro. Vick me olhava do outro lado da pista, acenando, enquanto os outros caras da banda babavam por ela. E Pedro estava ali na minha frente me perguntando sobre o meu intestino e dizendo que gostaria de apanhar.

Mas bem lá no fundo uma pergunta pairou sobre minha cabeça confusa. Onde está o Cobra?

― Esquentadinha? ― Pedro estalou os dedos.

Fitei seus olhos por um momento. Eram olhos bonitos. Ilesos das maldades do mundo. Inteiramente doces e singelos. E quando eu olhava para eles, o sentimento de familiaridade vinha acompanhado de uma vontade assimétrica de rir. Pedro parecia sorrir com os olhos. Com as sobrancelhas, com toda a sua feição. Mesmo que estivesse me encarando preocupado, como naquele momento, o que ele estava dizendo por dentro era leva numa boa, vamos concertar isso, ainda tem jeito, vai dar tudo certo, estou aqui e você também, vamos ficar bem, quer um refrigerante?

Mas não ia ficar tudo bem. Porque os meus olhos diziam aquilo. Mas Pedro era incapaz de entender. Ele seria incapaz de reconhecer que eu havia mudado. Que aquela Esquentadinha não existia mais. Que a Karina de antes lhe daria um pescotapa e se renderia a qualquer carinho. Mas a de agora só queria espaço. Precisa redescobrir quem era ela.

― Pedro. Eu tô meio cansada agora. Eu fiquei dando socos o dia todo. Eu não quero dar socos em você. Isso já foi. Eu vou pra casa. Ninguém vai notar que eu saí. Então curta a festa da minha irmã e se divirta com... ― Ergui a mão na direção de Vick, mas desisti antes que ele percebesse. ― Com o João.

― Vou levar você, então.

― Por favor. ― Respirei fundo, contando mentalmente até dez. ― Não insiste. Preciso ir sozinha.

Ele assentiu, parecendo chateado. Dei dois passos para trás e me virei antes que ele pudesse ousar algum contato físico. Empurrei algumas pessoas que não reconheci até me chocar furiosamente com o paulista.

― Você tá aqui!

Arregalei os olhos.

― Não deveria estar?

― Não deveria estar acompanhada? Cadê aquele bandidinho que...

― Não se se você notou, mas eu não passei super bonder no Cobra. ― Mexi os ombros. ― E bandido é o teu...

Ele refreou as palavras que viriam a seguir para me interromper. Fui em direção à saída. Meus sentidos me dizia que Henrique ainda estava me seguindo. Antes de atingir os degraus iniciais, parei subitamente e me virei, empurrando-o com força.

― Por que você não vai procurar pela Jade?

Os olhos macilentos em cores neutras de Henrique passaram através de mim, alcançando algo mais além. Seu maxilar trincou.

― Porque eu acabei de encontrá-la.

Tive medo de me virar, mas fiz mesmo assim. Eu não sabia se era o som da respiração irritada de Henrique em meu ouvido ou se era o sangue circulando rápido demais que estava me deixando quase surda. A única coisa que eu sabia era que não fora só Henrique que encontrara sua acompanhante perdida.

O meu acompanhante também estava ali.

Com a boca e as mãos ocupadas demais no corpo de Jade.


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