Olhos de Cobra escrita por Laura Salmon


Capítulo 23
Capítulo 22 - Cobra




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O transporte mais seguro para Karina naquele momento eram os meus braços. A recomendação da enfermeira era de que ela ficasse por pelo menos cinco dias sem colocar o pé no chão. E naquelas primeiras horas o melhor era manter a perna na horizontal. Por isso, quando eu não estava carregando no colo, estava segurando a perna dela.

Voltamos de barco para o continente. Ela dormiu a maior parte do caminho. E quando acordava, parecia confusa e enjoada. Ao menos ela sabia que era eu quem estava ali com ela, não Pedro.

Levei-a até o estacionamento em que tinha deixado o carro alugado e a acomodei no banco de trás. Novamente, a maior parte do tempo, ficamos em silêncio. Eu a acordava a cada vinte minutos para que ela tomasse água. A recomendação era de que Karina se hidratasse bastante. Ela não reclamava, mas também não me dizia muita coisa.

― Desculpa ter perdido o seu celular. ― Disse em uma das vezes. ― Você pode ficar com o meu até eu comprar outro pra você.

― Não, Cobra. ― A voz dela estava baixa. ― Não precisa. Não tem problema. Está tudo bem. Mas e as fotos?

― Eu vou dar um jeito.

E foi só isso que falamos durante todo o percurso.

A medida que nos aproximávamos da realidade, meu coração ia ficando esmagado, secando minha garganta. Parei o carro em frente à casa de Karina. Era domingo. Não havia muita gente na rua.

― Eu posso ir até lá sozinha.

― Não. ― Peguei-a novamente no colo. ― Só me ajuda com as portas.

― O que vai dizer, Cobra? A verdade?

― Fica tranquila. Eu sei o que estou fazendo.

Karina estava fraca demais para protestar. O veneno parecia tê-la tirado de órbita. Subimos as escadas. Ela tocou a campainha assim que paramos em frente à porta. Bianca nos atendeu. O sorriso dela se dissipou assim que tomou conhecimento da cena.

― Meu Deus, Karina! ― Ela escancarou a porta, deixando-nos entrar. ― O que houve?

A voz aguda de Bianca se espalhou pelo apartamento como um chamado. Dandara e Gael surgiram repentinamente e Duca se levantou do sofá em que estava.

― Posso colocar você aqui?

― Pode. ― Karina sussurrou.

― Mas o que aconteceu aqui? ― O mestre irrompeu, ficando perto demais. ― O que houve com você, meu amor?

Ele tomou Karina em um abraço assim que a coloquei no sofá.

― Espera. ― O mestre me encarou antes de voltar a fitá-la. Karina parecia tão indefesa. Deixá-la longe dos meus braços pareceu errado, mas me contive. ― Você não estava no acampamento? O que aconteceu com o seu pé? Por que o Cobra te trouxe? Por que não ligou para mim?

― Ela perdeu o celular dela. ― Cruzei os braços, mantendo o queixo erguido. ― Karina não teve tempo de chegar ao acampamento de esportes radicais. Eu a sequestrei para o meu próprio acampamento.

Os olhos azuis dela se arregalaram ao mesmo tempo que os do mestre. Ele se levantou, segurando minha camisa e me empurrando e me puxando consecutivas vezes.

― O que você fez com ela?

― Não, pai!

― Não coloca o pé no chão, Ka. ― Tentei encontrar Bianca com os olhos. ― Não a deixe colocar o pé no chão.

― Seu marginal. O que fez com a minha filha?

― Ela foi mordida por uma jararaca. ― Senti os dedos dele fazendo uma força terrível nos ossos da minha clavícula. ― Eu sinto muito, mestre. Eu não queria que isso acontecesse.

― Pai ele salvou a minha vida! ― Gael me soltou, olhando de volta para Karina. ― Se ele não tivesse sugado o veneno...

― Bem apropriado cobrar sugar veneno de cobra.

Fuzilei Duca com o olhar pelo comentário.

― Mas colocou sua vida em risco antes. Onde você tava com a cabeça, Cobra?

― Eu sinto muito. ― Fui me afastando de costas. Dandara abriu a porta para mim com um sorriso acolhedor. Consegui pescar os olhos azuis de Karina. Estavam assustados. ― Nada de pé para baixo, Karina.

― Sai daqui, Cobra. ― O mestre me empurrou. ― Fica longe dela. Você e toda essa gente do Lobão. Fiquem longe da Karina.

A porta se fechou com força contra a minha cara. A parte mais fácil havia acabado. Agora vinha a pior de todas. Atravessei a praça em direção ao Perfeitão. Eu nunca ia até lá. Nunca havia nem imaginado visitar Pedro algum dia. Mas eu devia aquilo à Karina.

A garotinha irmã de Pedro atendeu. Ela pareceu surpresa.

― E aí. ― Tentei parecer simpático, o que definitivamente não estava dando certo.

― Você vai nos roubar?

― Que? ― Franzi o cenho com um sorriso. ― Cadê teu irmão?

― Ele tá aqui sim, para seu governo. ― Então ela o chamou a plenos pulmões. ― E a minha mãe também. E o Nando.

― Eu só preciso falar com Pedro.

Ela o gritou novamente.

― Que foi Tomtom? Não se pode dar uma boa... ― Pedro parou repentinamente, abrindo a boca de forma cômica. ― Cagada!

― Será que a gente pode conversar?

― Não fui eu.

Olhei para o lado, enfiando as mãos nos bolsos da calça.

― É sério.

― Pode falar na frente da Tomtom. ― Ele segurou a própria irmã na frente do seu corpo. ― Qualquer coisa. Menos as com censura dezoito anos.

Suspirei. Não tinha tempo nem paciência para Pedro.

― Bom. Vou ser bem direto. Você ama a Karina?

― Você não veio aqui me falar que vai pegar ela, veio? ― A expressão de medo dele mudou para algo que não consegui entender. ― Porque eu ainda gosto da minha Esquentadinha. Só que cansei de correr atrás dela esse tempo todo. Não tenho mais esperança. Acho que você se deu bem.

― Para de falar besteira, seu mané. A Karina precisa de você. Se não fosse verdade eu não estaria aqui agora.

― Ela te disse isso?

― Houve um pequeno acidente. Ela teve febre. E o nome que ela gritou foi o seu. ― Avancei, enfiando o dedo na cara dele. ― Promete que não vai magoá-la de novo, Pedro. Que vai cuidar bem dela.

Ele balançou a cabeça afirmativamente, arregalando os olhos com medo.

― Eu vou te avisar só essa vez. O coração dela escolheu ficar com você. Se não a fizer feliz vou fazer com que se arrependa de estar respirando. ― Cerrei os dentes. ― Você entendeu?

― Aham. ― A voz dele saiu num fiapo.

Dei as costas, saindo dali antes que eu batesse em Pedro por nada.

Não era por nada.

Era por tudo.

Por Karina.

Eu havia acabado de perder aquela luta. E me sentia como se nunca mais fosse conseguir me levantar.

Fui nocauteado.


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