Inocente Mulher escrita por Dream


Capítulo 8
Cenicienta


Notas iniciais do capítulo

"Que importa o mal que te atormenta, se o sonho te contenta e pode realizar-se?"
— Cinderela



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— O quê? — gritou Emma, assustada. Ela se virou para Raul, olhos arregalados em choque, o rosto sem cor.

— Quem é...? — O lábios de Raul formaram silenciosamente a frase no mesmo momento em que ouviram uma voz no outro lado da porta.

— É o carregador, senhor. Vim pegar sua mala.

Infierno!

O olhar de Raul, ainda sem foco depois da tempestade de paixão que o assaltara, correu para a mala que ele aprontara há poucos minutos. Lá estava ela, ao lado da porta, na sala de estar.

Murmurando xingamentos em espanhol, empurrou as cobertas e levantou-se abruptamente da cama, pegando a camisa e a calça que ele jogara em um canto.

Vesti-las foi uma operação que durou poucos segundos.

Com uma olhada rápida para baixo e para trás, viu o choque e a consternação que estavam escritas nas feições de Emma enquanto ela puxava o edredom para cobrir os seios nus.

— Espere aqui. Vou cuidar disso.

Correndo as mãos pelos cabelos, em uma tentativa de disfarçar que os havia despenteado, ele saiu apressado do quarto, fechando a porta com delicadeza ao passar.

Foi enquanto atravessava a sala de estar que Raul notou que os sapatos de Emma tinham caído no chão em meio ao calor da paixão, e que agora jaziam largados no tapete. Lembrando da expressão de pânico em seu rosto, e sabendo que ela odiaria se alguém percebesse o que havia acontecido, Raul chutou-os para debaixo da poltrona enquanto caminhava até a porta.

Depois de entregar a mala e uma gorjeta, cuja generosidade fez o homem arregalar os olhos, ele dispensou o carregador. Fechando a porta, recostou as costas contra ela, fechou os olhos por um momento e suspirou lentamente. Mas, mesmo com o alívio de ter resolvido uma situação relaxando seus ombros por um momento, a lembrança de outro problema ainda por ser resolvido devolveu toda a tensão.

Que diabos acabara de acontecer?

Raul jurara jamais ver Emma Redfern outra vez, jamais permitir que ela retornasse à sua vida. Mas o destino forçara aquele encontro, e ele agira de forma cega, estúpida e louca, como um adolescente à mercê dos hormônios.

Ele perdera o controle, com toda a certeza. Os acontecimentos desta semana tinham deixado o cérebro anuviado e as emoções expostas, no entanto isto não era desculpa. Um beijo, um toque, e ele ficara sob o poder de sua libido. Era como se todo o tempo que ele passara amadurecendo, aprendendo a ter autocontrole, tornando-se um homem e não um jovem desregrado, lhe houvesse sido arrancado, deixando-o prisioneiro dos instintos mais primitivos.

Por outro lado, Emma sempre fora capaz de fazer isso com ele. Desde o momento em que eles se conheceram, há menos de três anos, Raul não fora capaz de manter as mãos afastadas dela. O corpo de Emma chamava pelo seu de um modo que mulher alguma jamais fizera, nem antes nem depois, e ele jamais se sentira tão fora de controle, como se a vida não fosse sua. Ele não gostara disso antes, e ele gostava menos ainda agora.

Porque nada era o que ele acreditara ser.

Da última vez, ele havia pedido a mão de Emma em casamento.

E Emma rira na sua cara e partira para ficar com outro homem... Ou, pelo menos, foi isso que ela alegara. Mas a mulher que ele levara para a cama há poucos instantes tinha sido uma virgem, tão inocente quanto era há dois anos.

O que significava que há dois dias, quando ele acreditara que ela tentara seduzi-lo para conseguir o que queria dele, na verdade... Na verdade...

Na verdade, o quê?

Ele correu mais uma vez as mãos pelos cabelos, e se virou. Vendo que o celular ainda estava largado na mesa onde ele o jogara, pegou-o e apertou o botão de discagem rápida para o número de Carlos. Quando o chofer atendeu, Raul falou da forma mais rápida e sucinta possível.

Emma estaria esperando por ele, e ele estava impaciente para voltar até ela.

Raul achou que não tivesse demorado muito, mas, quando abriu a porta e entrou no quarto, ficou claro que muito tempo se passara. E, em decorrência disso, o humor de Emma tinha mudado.

Ela não estava mais na cama, onde ele a deixara. Em vez disso, estava de pé e vestida novamente... Pelo menos, tanto quanto isso era possível, com muitos dos botões — aqueles que ainda estavam intactos — abertos e seu vestido fechado de modo a reduzir as lacunas que revelavam a seda e a renda de seu sutiã, o tom de sua pele.

Mas foi sua expressão que mais o preocupou. Ela estava sentada na beirada da cama, corpo rígido, coluna reta e a expressão congelada e distante, que denotavam um estado de espírito muito diferente daquele da mulher ardente e sensual que estivera em seus braços há poucos minutos.

Amaldiçoando em silêncio o aparecimento inoportuno do carregador, Raul escondeu a frustração por trás de um sorriso.

— Ele já foi embora. Você pode relaxar.

Relaxar parecia a última coisa em sua mente quando ela se levantou da cama, dedos segurando com firmeza a frente do vestido.

— Se você puder providenciar aquele carro para me levar para casa, ficarei muito grata — disse ela, com seu sotaque tipicamente inglês.

Raul suspirou entre os dentes, gerando um som de feroz irritação.

— E eu agradecerei se você parar de frescura e voltar aqui para que eu possa beijá-la novamente...

Olhos verdes colidiram com olhos cor-de-bronze, os de Emma tão desafiadores que Raul teve a impressão de que quase podia ver fagulhas escaparem deles. Ele sentiu vontade de mandar aquele carregador para o inferno! Não poderia ter escolhido uma hora pior para aparecer.

— Eu não acho... Eu não acho que isso seja uma boa ideia.

— Você não acha!? — explodiu Raul. — Você não... Não, veja... — emendou apressado, vendo a forma como ela recuou assustada diante de sua explosão de raiva. —Emma, querida... Pare com este absurdo. Simplesmente não pense. Pensar não vai nos ajudar.

— Não vai nos ajudar no quê?

— Pensar apenas atrapalha. Não precisamos pensar ou raciocinar. Precisamos apenas disto...

Raul estendeu a mão para ela, querendo, com um beijo, levá-la de volta ao estado de excitação e paixão no qual estivera momentos antes. Quando ela havia se agarrado aos seus braços, costas, cabelos, e tudo o que pudesse alcançar para puxá-lo para mais perto, apertá-lo contra si. Mas ela se esquivou de sua mão, recuando para o outro lado do quarto, onde o fitou, silêncio teimoso marcado em cada linha do rosto.

—Isto não vai acontecer novamente — asseverou. Emma bateu o pé no chão para enfatizar suas palavras, mas, como estava descalça e o tapete era suave e espesso, o resultado obviamente não foi o que esperara. O olhar severo que ela lhe dirigiu alertou-o para que não risse.

— Claro que vai acontecer novamente. Não podemos evitar. Não temos nada mais a dizer sobre o assunto.

— Pelo contrário... Eu tenho muito a dizer sobre o assunto, e o que estou dizendo é não.

— Não é isso que você estava dizendo ainda há pouco... Lá.

Inclinando a cabeça, ele apontou para a cama abandonada, onde os cobertores e travesseiros ainda estavam desarrumados.

— Você vai alegar que...?

— Eu não estou alegando nada. Apenas quero voltar para casa. E você tem um avião para pegar. E eu não tenho a menor intenção de ser encaixada na sua agenda neste momento e logo depois você terá de partir. Eu não vou ser um caso passageiro. Então, se me fizer a gentileza de telefonar para seu motorista...

— Eu já telefonei para ele — informou Raul. Se o problema de Emma era que pensava que ele ia lhe dedicar pouco tempo, ela estava redondamente enganada. Ele não tinha a menor intenção de apressar isto. Não havia a menor possibilidade de que ela viesse a ser um "caso passageiro". — E disse a ele para não vir na hora que combinamos, e sim apenas quando eu o mandasse. Mas se você está preocupada com o avião, então...

— Não estou nem aí para o maldito avião! Eu sei muito bem que o todo-poderoso El Duque Raul Marcín dispõe do poder e do dinheiro para requisitar um avião particular. Tudo o que você precisa fazer é estalar os dedos, e terá um piloto e um avião ao seu dispor. Mas você não deve pensar que pode fazer o mesmo comigo.

Raul não conseguiu conter uma risada. Aquilo era simplesmente ridículo.

— Eu não preciso estalar os dedos, Emma. Só preciso tocá-la com eles, e você será minha para fazer tudo o que eu mandar.

Ele caminhou até ela, mão levantada, dedos abertos, para mostrar-lhe o quanto tudo aquilo era estúpido. Mas ela estava arisca como uma égua selvagem, recuando novamente. Desta vez, Emma chegou a levantar a mão e afastar a dele com um tapa forte, para, em seguida, correr para o outro lado do quarto.

— Não ouse! Eu não quero isso!

— Você não quer...

Sua risada foi fria, dura, sem qualquer resíduo de humor.

— Mentirosa! — disse em tom agressivo. — Você queria tanto há poucos minutos. O que a fez mudar de ideia?

— Eu vou lhe dizer o que me fez mudar de ideia.

Ela empinou o queixo, olhos faiscando ainda mais, e Raul não teve como não se distrair pela forma como a inconstância de sua respiração fez o vestido abrir-se ainda mais, expondo o colo suave de seus seios, subindo e descendo de forma provocativa.

— Por favor...

Você me fez mudar de ideia!

Eu! E como?

— Não é óbvio? Você volta todo convencido, esperando que eu esteja aguardando ansiosa para que termine o que começou! Eu não ficaria surpresa se você achasse que, para poupar tempo, eu já estaria nua e pronta nesta cama! — Um gesto irritado com a mão indicou a cama que agora estava entre eles.

— Eu disse a você...

— Sim, eu sei o que você me disse. Você disse que já tinha telefonado para o seu motorista, que estava tão certo da sua conquista que nem se deu ao trabalho de checar se eu ainda estava... a fim, antes de adiar seus planos de viagem para poder dar uma rapidinha.

— Não diga uma coisa dessas! — gritou Raul, furioso. — Você sabe que não foi assim.

— Eu sei? Sei mesmo? Então me diga, Raul, como foi?

— Você queria tanto quanto eu.

Queria. Nesse ponto, você tem razão, Raul. A palavra é queria. Passado. Eu posso ter querido... Posso ter querido você. Mas isso foi antes. E foi um grande erro. Felizmente, você me deu tempo para pensar. Tempo para pensar uma segunda, uma terceira... E, acredite em mim, uma quarta vez a respeito disto. E eu cheguei à conclusão, a única conclusão sábia e sensata, de que eu não quero mais nada com você. Eu não devia nunca ter vindo até aqui. Nunca teria vindo se não fosse por seu maldito celular, e eu já o devolvi. Então, adeus, e desta vez é para sempre!

Maldição, não! A rejeição de tudo o que ela disse foi como uma névoa na mente de Raul. Não podia acabar assim. Não daquele jeito. Não podia permitir que isso acontecesse de novo. Ela não ia lhe dar as costas e ir embora, não de novo, não quando ele havia acabado de descobrir com ela a mais profunda e perfeita satisfação sexual de sua vida.

Ele tentara encontrar essa satisfação em toda parte durante dois longos e frustrantes anos. E nenhuma mulher chegara nem perto de lhe proporcionar isso. Era capaz de fazer qualquer coisa, pagar qualquer preço, recorrer a qualquer chantagem — qualquer coisa! — apenas para ter aquela mulher no lugar ao qual ela pertencia: a sua cama.

— Você não vai embora.

— Não? — retorquiu, desafiadora. — Então, veja só.

Ela passou marchando por Raul, balançando seus gloriosos cabelos ruivos. Raul soube, pelo rápido olhar que ela lhe deu, que Emma esperava que ele tentasse agarrá-la e detê-la. Assim, ele se concedeu a sádica satisfação de frustrá-la, encostando-se à parede, de braços cruzados, e aguardando o momento certo de abrir a boca.

— Não acha que é melhor fazer isso com alguma coisa nos pés? — perguntou finalmente, bem a tempo de detê-la no meio do quarto.

— O quê?

Emma parou onde estava, virou-se e olhou para os pés descalços, pálidos em relação à cor forte do tapete.

— Onde...? — começou ela, mas Raul a ignorou e interrompeu a pergunta indignada.

— E você estava mesmo planejando sair do hotel e ir até o seu apartamento, vestida, ou devo dizer, despida, desse jeito?

Enquanto falava, Raul desceu o olhar zangado para o corpo de Emma, demorando-se de propósito no lugar onde três botões estavam faltando e onde a frente do vestido estava aberta expondo a renda do sutiã.

Emma precisou admitir que estava terrivelmente desarrumada, enquanto ele... Bem, suas roupas estavam um pouco amassadas por terem caído no chão, mas, de algum modo, em Raul isso exercia um efeito muito diferente. Ele parecia desgrenhado, relaxado... Real. Anos-luz de distância de seu estado habitual, trajado impecavelmente em roupas executivas. Desarrumado como estava, Raul ficava muito, muito sexy. Era impossível olhar para ele, para o peito largo exposto pela camisa ainda desabotoada, e não pensar que há tão pouco tempo ela estivera com a cabeça deitada naquele peito, enquanto o ouvia respirando baixo, as batidas de seu coração cada vez mais calmas à medida que ele também se recuperava da ferocidade do amor que os dois tinham feito.

Boquiaberta em choque, ela sentiu a face arder ao segurar de novo seu vestido, juntando as peças o máximo que conseguia. Mas, segurando o vestido daquela maneira, não teria como abrir a porta. E ela ainda precisava descobrir...

Onde estão meus sapatos?

Próxima a alguma coisa semelhante ao pânico, ela correu os olhos pela sala, procurando por qualquer sinal dos sapatos claros que usara para ir até ali.

Não os via em parte alguma.

— Raul...

— Emma...

Raul se desencostou da parede e começou a caminhar lentamente até ela.

— Por que você não se senta por um momento para conversarmos sobre isto?

Ele estava falando em um tom tão calmo, tão racional, que ela ficou literalmente de boca aberta enquanto o fitava pasma. O que acontecera ao Sr. "Claro que isto vai acontecer de novo"? Será que ele estava mesmo preparado para ser racional!

Ou ele estava apenas escondendo seu lado mais sombrio por trás daquele súbito verniz de civilidade?

Emma não tinha como saber, e a verdade era que sua própria mente estava longe de ser confiável. Emma tinha a impressão de que estivera no olho do furacão desde que chegara ao quarto de hotel de Raul. Ela fora capturada pelo furacão e girada violentamente, agredida com fúria por sentimentos conflitantes. Mesmo naquele momento, seu corpo ainda doía por causa da paixão faminta que a acometera desde o momento em que Raul a tomara nos braços e a beijara. A mais sincera verdade era que, embora tivesse caído exausta depois do sexo, uma parte fraca e gulosa de seu ser já ansiava por mais alguma coisa.

Se a batida na porta jamais tivesse acontecido, ou se tivesse chegado um ou dois minutos mais tarde, então não teria retorno. Teria se virado para Raul mais uma vez e, caso ele a tivesse tomado em seus braços e a beijado novamente, teria permitido que ele fizesse o que bem quisesse com ela. Teria sido preciso apenas outro beijo, outra carícia de Raul, para acender as chamas que, ela sabia, tinham apenas arrefecido, mas não se apagado. Emma sabia que teria sido incapaz de dizer não.

Mas a batida na porta os surpreendera. E o barulho havia dissipado a névoa ardente que encobrira a mente de Emma, resgatando-a do delírio do desejo e de volta para a dura realidade.

Trêmula, esperara no banheiro enquanto ele falava com o carregador, dava-lhe a mala, fechava a porta. Cada nervo do corpo ainda estava tão vivo, tão pulsante, que, se ele tivesse vindo até ela naquele mesmo instante, ela não teria sido capaz de resistir. Emma sabia que, se ele tivesse passado pela porta naquele momento, ela teria se atirado em seus braços, atraída por ele tal como um ímã. Teria bastado apenas que Raul tivesse aberto os braços e dito "venha", para que Emma se rendesse a ele.

Mas Raul não havia aberto os braços. Raul não tinha dito "venha". Em vez disso, ele parará, pegara o telefone e ligara para Carlos.

E, subitamente, o chão parecera sumir sob os pés de Emma. Seu coração afundara no peito, levando com ele cada resíduo de calor em seu corpo. E ela começara a tremer de um modo muito diferente.

— Eu já telefonei para ele — dissera Raul. — E disse a ele para não vir na hora que combinamos, e sim apenas quando eu o mandasse.

Mas não era preciso que dissesse isso. Ela não se importara com o que ele dissera, ou, melhor, como ele formulara a frase. Ela o ouvira através da porta. Ouvira como, depois que se livrara do carregador, seu primeiro instinto fora telefonar para o motorista. Ela ouvira o nome Carlos, e, embora não tivesse entendido as outras frases ditas em um espanhol veloz e aristocrático, ela compreendera perfeitamente bem o que estava acontecendo.

Porque, a essa altura, Emma já havia compreendido tudo. E junto com a compreensão chegara a triste realidade — o tipo de realidade da qual ela não poderia se esquivar, não poderia evitar, por mais que quisesse.

Enquanto Emma ainda estava lidando com aquele devastador furacão de sentimentos, e com o corpo tremendo em deleite em reação às sensações que havia experimentado, Raul já estava prosseguindo com sua vida, lidando com as praticidades de fazer as malas e dar baixa em seu quarto de hotel, de partir da Inglaterra e voltar para a Espanha.

E deixá-la para trás.

Bem, o que ela esperara, pobre estúpida que era? Ela realmente pensara que havia mais para ela do que isto?

Que ele poderia mesmo querer mais do que acabara de ter — seu desejoso corpo na cama? Como ela poderia acreditar que uma vez que ele tivesse feito amor, ou melhor, sexo ardente e selvagem, com ela, Raul fosse suspender todos os seus planos para ficar com ela, e desejar incluí-la em seu futuro?

Esses sonhos foram dilacerados assim que ela o viu telefonando para o chofer, providenciando a viagem de volta para a Espanha, como se nada tivesse acontecido.

Graças a ele, nada havia acontecido.

Deitada sozinha naquela cama, com sua paixão esfriando tão rapidamente quanto os lençóis que Raul acabara de deixar, Emma tivera que encarar a verdade. Dois anos antes, mesmo se seu valor para ele tivesse sido apenas ser sua noiva virgem e lhe dar os filhos que ele desejava tão ardentemente, Raul sempre havia se controlado, sempre havia contido sua paixão por ela.

Raul dissera que não iria fazer amor com ela até que estivessem casados, e cumprira a promessa por mais difícil que pudesse ter sido para ele. Até aquela noite.

Se precisasse de alguma prova sobre o quanto era pouco importante para ele, então seria o modo como ele a trouxera para lá, para aquela cama, na qual catara suas roupas e da qual fugira em desespero.

Emma havia se entregado a Raul de bandeja, e ele desfrutara de tudo o que ela oferecera.

Raul não queria desejá-la, mas era incapaz de se conter. E, assim que saciara seu desejo, iniciara seus planos para partir. Devia ter presumido que o que acontecera significara muito pouco para ela.

E, então, ele retornara para o quarto, grande como a vida e duas vezes mais arrogante, presumindo que Emma estaria sentada ali — de preferência deitada ali — esperando-o para prosseguir de onde parará.

Assim, Raul poderia lidar com o problema o mais rápido possível e seguir caminho.

E, por mais estúpida que fosse, ela ficou esperando. Permaneceu naquele quarto, em silêncio e — maldição! — em obediência à vontade dele! Não era de admirar que ele pensasse que poderia tomar o que quisesse dela, que ela atenderia a todos seus desejos. Se tivesse algum juízo, teria aproveitado, enquanto Raul estava com o carregador à porta, e saído do banheiro, passado por ele e se retirado antes de ele ter qualquer chance de protestar ou se queixar. E Emma não podia deixar de se divertir pensando em Raul tendo de explicar por que uma mulher seminua e descalça tinha saído correndo de sua suíte.

— Por que você quer que eu me sente? E sobre o que nós poderíamos conversar!

— Tenho uma proposta para fazer a você.

— Uma proposta?

Emma fitou-o com olhos cuidadosos. Ele ainda parecia calmo... Calmo demais. O que acontecera ao amante apaixonado de antes? E ao porco chauvinista que declarara "Eu não preciso estalar os dedos, só tocá-la com eles, e você será minha para fazer tudo o que eu mandar"?

Aparentemente, no espaço de poucos minutos Raul Marcín fora três homens diferentes, se não mais. Houve o amante ardente e apaixonado e o homem bem-humorado e arrogante que taxara seus protestos como desnecessários. E, agora, aparentemente, havia o empresário que tinha uma proposta para lhe fazer. E ela estava começando a se perguntar qual desses três homens seria o verdadeiro Raul.

— Que tipo de proposta?

Por que lhe perguntara isso? Ela não queria passar nem mais um segundo em sua companhia. Estar com ele era perturbador e perigoso demais para sua paz de espírito e seu senso de autopreservação.

Ela queria sair daqui.

Não queria?

Mas, no mesmo instante em que sua mente fez a pergunta, Emma soube que já havia hesitado demais até para convencer a si mesma. O ímpeto furioso que a levara até a porta, fazendo-a recusar olhar para trás ou até considerar qualquer outra alternativa possível, arrefecera. Seus sentidos já a estavam lembrando do que ela estava abdicando, e a frustração em seu corpo estava quase insuportável.

— Sente-se e eu lhe direi.

Raul fez um gesto na direção do sofá, mas as lembranças do que acontecera ali eram fortes e devastadoras demais para serem confortáveis.

Assim, ela escolheu de propósito outro lugar para sentar: uma das poltronas largas que combinavam com o sofá. Sentou-se com recato, pernas cruzadas, dedos das mãos entrelaçados sobre os joelhos. Estava dolorosamente consciente do grande contraste que havia entre sua postura e o estado de seus cabelos, desgrenhados, além do vestido entreaberto.

— Certo, estou sentada. Diga-me sobre o que você quer falar. Que prop...

Para seu horror, Emma não conseguia encontrar a palavra certa em seus pensamentos. Aquela que sua mente ferida insistia em oferecer era "proposta". Esta proposta.

E ela sabia que lhe propor em casamento era a última coisa na mente de Raul.

Mas o que realmente a assustava era o fato de que, por um instante, ela havia torcido para que fosse uma proposta de casamento. Logo isso, que era a última coisa que ela queria. A última coisa que...

Todos os pensamentos racionais evaporaram, afugentados por uma explosão de descrença quando Raul se ajoelhou diante dela.

— R-Raul... — começou Emma, mas o calor do pânico dentro de sua cabeça secou sua boca. Ela precisou molhar os lábios em uma tentativa de reaver algum controle sobre a voz.

Pânico? Ou seria ansiedade? De qualquer modo, apenas podia ficar grata por não ser capaz de dizer nada quando ele se virou devagar e estendeu a mão para debaixo do sofá, pegando primeiro um e depois o outro sapato cor de creme.

— Seus sapatos, querida — disse, com um tom de ironia. — Um minuto, deixe que eu ajudo...

Quando ele fechou a mão em torno do tornozelo de Emma para levantar seu pé, o toque foi quente e gentil, e ela estremeceu, em reação contraditória ao calor que irradiava do ponto em que ele a segurava. Com cuidado e habilidade, Raul deslizou o pé para dentro do sapato, e, em seguida, pegou o outro para lhe oferecer o mesmo tratamento.

— Pronto, Cenicienta.

Cenicienta... Cinderela. De algum lugar de sua mente, veio a lembrança de Raul cantando para ela uma ópera infantil com esse nome. Mas, quando fez a perigosa ligação entre Raul e o Príncipe Encantado do conto de fadas de Cinderela, Emma tentou apagar aquele pensamento.

— Agora, você pode fugir assim que quiser. Poucas coisas teriam sido capazes de trazê-la de volta à realidade de forma tão abrupta quanto aquele comentário sarcástico, e cada última tentação de imaginá-lo como um príncipe de contos de fadas evaporou em um instante.

— Eu não estava fugindo! Portanto, se você tiver alguma ideia estúpida de ir atrás de mim com um sapato na mão para ver se cabe, esqueça.

Por que a voz não funcionou da forma como ela queria? Por que ia e vinha de forma tão peculiar? Além disso, estava sentindo um desconfortável nó na garganta. Não tinha nada a ver com lágrimas, tinha?

Porém, a ardência em seus olhos contava sua própria história. Assim como a forma embaçada com que estava vendo o rosto de Raul. Contudo, Emma não se entregaria a elas. Engolindo forte, empinou o queixo e firmou a boca. Nenhuma lágrima caiu, mas os olhos começaram a arder, como se estivessem muito ressecados.

— E você, definitivamente, não é nenhum Príncipe Encantado. Afinal, o que você quer? E, por favor, levante-se. Você fica ridículo ajoelhado desse jeito. Afinal de contas, você não está me pedindo em casamento.

— Por que não? — Raul surpreendeu-a dizendo isso. — Pensando bem, casamento pode ser uma boa ideia.


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Notas finais do capítulo

Olá amores, tudo bom com vocês? Depois de 20 dias na correria eu consegui terminar mais um capítulo hahaha... Enfim, me digam do que estão achando, me mandem suas críticas (caso seja construtiva, por favor), qual é a parte que estão gostando mais, se está muito chata rs. Enfim, ficarei no aguardo.
Tenham uma excelente semana!
Beijos amores.



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