Set encarava o menino moreno do outro lado da sala, ele conversava com todo mundo e volta e meia lançava um olhar para o ruivo, que se sentia extremamente incomodado, há dias o garoto parecia ter um imã nele e vivia o encarando.

Querendo ou não Set acabou começando a reparar no garoto também, o menino tinha pele morena, olhos âmbar e cabelos cacheados de um tom castanho claro, um corpo bem definido para os doze anos que possuía e uma altura e porte perfeitamente ajustados a idade, lindo.

Lindo, perfeito, atlético e doce, um aluno um tanto irresponsável, mas que sempre dava um jeito de passar de série, Set começou a notar com o tempo, que apesar de sempre ter alguém por perto, o outro sempre parecia carregar um ar solitário, como se lhe faltasse algo.

Set encarou o quadro, respirando lentamente, desde quando reparava tanto assim em outros garotos? “Ridículo”, pensou, tentando se concentrar no livro aberto a sua frente.

Porém por mais que tentasse não conseguia ignorar o garoto, por fim não resistiu e o encarou mais uma vez, por azar, ou quem sabe sorte, o mesmo o encarava também e seus olhares se cruzaram, causando um arrepio em Set, que desviou em questão de segundos.

Set tinha certeza de que não era gay. Ou quase.

Ok, talvez tenha se perdido um pouco do caminho na infância, um beijo ou outro contam? Set não sabia, ou não pensava mais nisso, já que seu medo de ser punido falou um pouco mais alto e ele acabou reprimindo todo o passado e, principalmente, afastado Juan.

O ruivo estava tão absorto em seus pensamentos, que nem ao menos viu quando o moreno parou a sua frente.

— Oi. – Ele disse, sorrindo levemente, Set, de cabeça baixa, percebeu que todos os alunos começaram a sair da sala e se surpreendeu realmente a aula já estava quase no final, mas ele nem ao menos viu os minutos passarem.

— Olá. – Set respondeu por educação, sorrindo minimamente. — Posso ajuda-lo?

O menino engoliu em seco, olhando ao redor. — Meu nome é Cainã, você já deve saber. Estudamos juntos a um bom tempo.

— Sim, me lembro de você sim. Eu sou Set.

— Bem... Set eu queria te falar algo desde o começo dessa semana, imagino que não vá se importar com o que tenho a dizer. Pode me ouvir?

— Claro.

— Mas vamos lá, da parte fácil. – Ele suspirou. — Sabe eu morei aqui por muito tempo, mas essa semana descobri que vou me mudar para um novo país.

Set arregalou os olhos, chocado por algum motivo. — Nossa isso é...

— Meu pai arrumou um emprego na Alemanha, não tem outro jeito, na verdade vou amanhã a tarde, ás duas da tarde para ser exato.

— Mas assim no meio do ano? – O ruivo encarava Cainã com tristeza, por um momento imaginou que pudesse se tornar amigo dele, nem que fosse por pouco tempo, Set só queria entender por que o menino parecia tão solitário.

— Sim, bem já me conformei com isso... Eu acho. Mas esse não é o mais importante. – Ele olhou nos olhos azuis de Set e sorriu, causando uma pequena ruborização no ruivo. — Sabe Set, eu não sei bem como essa coisa funciona, não entendo da vida, mas... Acho que... Meu Deus não sei como dizer isso.

— Fala logo está me deixando nervoso.

— Tá. Eu só, acho que... Gosto de você.

— Ah... – Set permaneceu encarando o menino sem entender. — Tipo...

— Tipo muito, tipo mais do que se gosta de um amigo, tipo mais que tudo, tipo de querer te beijar...

— O QUE? Isso... – Set se afastou, visivelmente chocado.

— Merda, não me odeie eu tinha que dizer. – Cainã se levantou e correu para sua mesa, enfiando o caderno e os livros na mochila apressadamente, com as mãos tremendo e mais derrubando do que arrumando. — Droga! – Resmungou evitando as lagrimas quando um livro caiu.

Set estava estagnado, era óbvio que assim que Cainã saísse daquela sala nunca mais olhasse para trás, era simples não é mesmo? Deixa-lo ir e depois esquecer tudo isso e voltar a viver nos padrões. Era o mais fácil sem dúvidas, era o mais confortável.

Mas Set sentia um enorme desconforto somente em pensar em deixar aquele menino ir embora para sempre com uma dor no coração. O ruivo se levantou quando Cainã começou a andar.

— Espera. – Conseguiu dizer se aproximando, o outro parou e o encarou com um rosto impassível. — Você é lindo, pode ter a garota que quiser, por que eu?

— Porque você é especial. Tem algo em você que reluz acima de qualquer menino ou menina que já conheci. Você é lindo, por fora e por dentro.

Set fechou os olhos, deixando uma lágrima sair, lindo? Set era um covarde, afastou Juan, seu melhor amigo e primo quase irmão, por este lembra-lhe de um desejo que tentava ocultar de si mesmo. — Não sou lindo, sou covarde, tenho medo de viver, tenho mais duvidas do que certezas, eu só quero fazer o que é certo.

— O certo e o errado são meras convenções Set. Não tenha medo de duvidar de sua veracidade, é a duvida que move o mundo. Obrigado por me ouvir. Adeus. – Cainã se virou, mas o ruivo foi mais rápido, o puxou pelo braço e o puxou para mais perto.

— Pois se é assim estou criando meu novo certo. – Set sorriu, certo e errado? Bobagem, o que é a razão frente a emoção? Sem pensar duas vezes o ruivinho buscou a única coisa que sua emoção desejava de fato, os lábios do moreno a sua frente.

~ ~ # ~ ~

Set secava o cabelo bagunçado do pequenino, que ria enquanto jogava um joguinho bobo no celular, depois que a casa se esvaziou o silencio voltou a reinar, e Lucas não pôde escapar de um bom banho para tirar tanta areia do cabelo e do corpo, por causa de sua pirraça mais cedo quando a areia entrou em seu olho, Lucas acabou rolando mais e se sujando mais na areia o que tornou a ideia do banho bem agradável. Cris vestiu o pequeno com uma calça verde confortável, blusa branca e um moletom de dálmatas que Harry deixou, as meias do menino já não estavam tão brancas já que ele insistia em correr de um lado para o outro sem chinelo.

— Ei Lucas. - O ruivo recebeu o olhar atento do menino e sorriu gentilmente enquanto decidia se perguntava ou não, mas era um assunto que o preocupava e não podia ignorar. — Naquela hora com a Julia, por que você chorou?

Ele pareceu pensar um pouco, mas depois sorriu de um jeito fofo.

— Por nada demais Set, eu só pensei na mamãe, é que... Eu não me lembro de como ela me abraçava.

— Sente a falta dela não é mesmo?

Lucas parou o jogo, deixando o celular de lado e desviando o olhar para o ursinho cinza a sua frente.

— Papai prometeu que ia cuidar de mim... Ele disse que a mamãe foi pra longe e que ia cuidar de mim... Eu pensei... Que ele ia me abraçar como a mamãe abraçava, mas... Um dia, ele saiu e só voltou a noite, e não me abraçou... - Lucas levou a mãozinha ao rosto, encarando Set com uma expressão triste que incomodou o ruivo, Cris estava parado na porta, mas pareceu prever o rumo da conversa e saiu sem dizer nada. — Ele me bateu. - Set olhou nos pequenos olhinhos de Lucas, imaginando se ele tinha ideia do peso de cada palavra que dizia. O ruivo abraçou o pequeno com força, acariciando os fios de seu cabelo úmido. — Gosto do seu abraço.

— Eu também gosto do seu. - Lucas sorriu. Um sorriso que alegrou o coração de Set. — Uma vez você disse... Que queria ficar com a gente, você ainda quer?

Lucas olhou nos olhos de Set, com carinha de duvida. — Para sempre?

— Ate onde der.

— E o papai?

— O papai vai para um lugar onde vai melhorar do vicio em bebidas más. – Set explicou, ajeitando o cabelo do pequeno que o encarava com fixação. — Lá ele vai deixar de querer beber cerveja e coisas parecidas o tempo todo, vai ser bom não vai? - Lucas permaneceu em silencio, pensativo e receoso. — Acredita que o papai pode mudar Lucas? - Silencio novamente, Set suspirou cansado, o que queria afinal? Que uma criança entendesse algo assim tão fácil? — Lucas, você tem que acreditar que o papai vai mudar, você não quer que ele se torne melhor?

— Sim. – O menino respondeu por fim.

— Então tem que acreditar. Promete que vai tentar?

— Prometo. Posso dormir com vocês hoje? - Set sorriu, dando um beijinho na testa de Lucas.

— Ok hoje eu deixo, vá lá pegar seu travesseiro e arrumar seu cantinho.

— Eba! – Lucas desceu da cama rapidamente e correu ao outro quarto, Set se levantou, rindo do pequeno arteiro e caminhando em direção a escada, onde Cris estava sentado no topo dos degraus.

— Dez da noite, bem tarde, hoje foi um dia cansativo até. – Comentou, recebendo o sorriso acolhedor de Cris, que se levantou e segurou sua mão. — Que tal vermos um filme?

— Está a fim de me agradar? – O loiro brincou, rindo e Set bagunçou o cabelo dele.

— Sim, não posso mimar meu noivo mais é? Além disso o Lucas quer dormir com a gente, estou preocupado, se ele talvez esteja se sentindo sozinho, acho que um momento juntos pode ser bom para todos.

— Claro amor. Mesmo que ele vá dormir no meio do filme vai ser ótimo. – Cris concluiu com um sorriso.

— Pare de ser tão irónico, parece que retrocede aos dezesseis anos assim. – Set resmungou, causando risadas no loiro.

— Tá, vai fazer uma pipoca que eu vou tomar um banho para me livrar do stress.

— Claro senhor Collins, deseja algo mais desse humilde servo?

— Depois eu que sou irónico. Agora anda servo e seja rápido.

# # #

O ruivo pegou Lucas no colo, sentando o pequeno em cima da cama e deixando o pote azul de pipoca em seu colo.

— Já decidiu qual? - Perguntou a Cris, que apenas sinalizou para que o noivo esperasse, estando ainda vidrado na coleção de DVDs que tanto amou a vida toda.

Set se sentou ao lado de Lucas, suspirando e encarando o pequeno ajeitar o ursinho ao seu lado na cama.

— Seu amiguinho tem nome? - Ele perguntou ao menino, que sorriu e assentiu rapidamente.

— Mai.

— Mai?

— É.

— Achei! - Cris gritou, empurrando as caixas com os filmes para dentro da gaveta, com cuidado claro.

— Até que enfim, não bastava pegar qualquer um?

O loiro lançou um olhar de indignação, como sempre fazia quando Set ironizava algo que ele amava.

Um pequeno detalhe sobre Cris, ele fez faculdade de pedagogia por pressão da família, mas seu maior sonho sempre foi estudar cinema. Set nunca viu muita graça em passar anos estudando sobre filmes, sempre preferiu a literatura.

Cris colocou o DVD e logo correu com o controle remoto para a cama, deitando no outro lado de Lucas e Mai (o ursinho).

— Como tá a pipoca? – Perguntou, se ajeitando de maneira confortável.

— Ótima ó. – Lucas pegou uma pipoca e ergueu a Cris, como se faz com uma criança que não sabe comer sozinha.

— Meu Deus que delicia. Tem um gosto especial. – O loiro lançou um olhar confuso ao noivo, que apenas se divertia com a cena.

— Juan me deu umas dicas de preparo a moda de cinema. – Set piscou, sorrindo do encanto do loirinho, que sorria admirado. — Agora ao filme?

— Sim claro.

Como Cris previu, mesmo que ironicamente, acabou se cumprindo, Lucas dormiu no meio do filme, agarrado ao seu ursinho de pelúcia.

— Já pode virar cartomante. – Set brincou, enquanto cobria melhor o moreninho, Cris estava vidrado na tela, certamente tentando achar algo para elogiar ou falar mal pelo resto da vida.

— Sim, servo.

O ruivo riu, encarando o celular com uma nova mensagem:

“ Recebi seu recado, seu caso não vai possuir tanta complicação, amanhã nos vemos na empresa de seu pai assim que tiver tempo livre”.

— É o que? – Cris perguntou, sem tirar o olho da TV.

— A advogada do meu pai, para avaliar a proposta do Harry, de nos passar a guarda de Lucas.

— Vai falar com ela quando?

— Amanhã. Quero resolver isso logo, dar uma resposta estável ao pequeno. Harry já deixou claro que não consegue dar conta, o que é uma pena.

— Podemos mesmo fazer isso? Tenho medo e dúvidas. – Cris dessa vez encarava Set, segurando a mão do noivo, que sorriu docemente.

— Amor, as dúvidas movem o mundo. O segredo é confiar em si mesmo.