Survive escrita por Claire Haddock


Capítulo 5
Last One Standing


Notas iniciais do capítulo

E aí, gente? Como tá sendo 2016? Aqui está o primeiro capítulo do ano. Animados? Tomara que sim! Fiquei mega feliz de ver que muitos continuam acompanhando a fic e fiquei mais feliz ainda quando vi leitores novos por aqui! Seus lindos, muito obrigada pela força! Agora, vamos prosseguir com a história, ok? Aqueles que viram a prévia em vídeo já sabem que vai ter uma mega novidade por aqui *que soem os tambores*...
Aproveitem a leitura e a gente se fala mais lá em baixo!



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Ohio

Havia já dois dias desde a fuga. Agora, eles passavam a maior parte do dia caminhando, parando para acampar pouco antes do fim da tarde para que Merida pudesse caçar algo antes de escurecer. Ela e Jack haviam sugerido que fossem com mais calma por causa da perna machucada de Hiccup. No entanto, ele logo dispensou a ideia.

— Eu estou bem. Minha perna está enfaixada, não há mais o que fazer.

Os outros dois acreditaram. Era um pensamento confortável, de qualquer forma. Uma preocupação a menos. Mas todas as mentiras alcançavam os mentirosos, principalmente nos últimos tempos.

No terceiro dia, enquanto caminhavam pela estrada, quando o sol estava a pino no céu, a mentira de Hiccup o derrubou. Literalmente.

— Hiccup! — Merida correu até o garoto caído, ajoelhando-se no asfalto.

Jack largou a mochila do grupo no chão e se juntou a eles.

— O que foi? Ele caiu do nada?

Hiccup arquejou.

— Eu estou bem...

— Coisa nenhuma! — ralhou Merida. — É a sua perna, não é? Perguntamos ontem e você disse que se sentia melhor, não deixou que eu visse o machucado!

Embora Hiccup tenha tentado impedi-la a princípio, Merida conseguiu que ele erguesse a barra da calça para avaliarem a situação do ferimento. Por baixo da bandagem improvisada ensanguentada, estava uma ferida feia e purulenta.

— Droga, cara... — disse Jack quase num sussurro, espantado.

— Não acredito... Seu... Olha só essa infecção! Por que você não nos avisou? Isso está muito pior que dois dias atrás! — falou Merida inconformada.

— Eu achei que encontraríamos álcool ou material de primeiros-socorros antes que... Antes que a situação ficasse fora de controle.

Jack suspirou em exaustão ao mesmo tempo em que Merida beliscava o dorso do nariz em frustração.

— Eu quero matar você! Que vontade, que vontade... — a ruiva disse, a paciência no limite.

— Talvez a infecção faça isso antes — Hiccup retrucou.

— Como é? Acha isso engraçado? Vê se não me testa!

Jack interveio antes que a coisa ficasse pior.

— Ele está ardendo em febre, não está falando coisa com coisa. Precisamos levá-lo para outro lugar... Ele não tem condições de continuar por enquanto.

Merida riu com escárnio.

— Isso está bem claro.

Considerando que andar a esmo com alguém doente seria de pouca ajuda, Jack saiu à procura de um local adequado para se acomodarem. Merida ficou tomando conta de Hiccup, atenta aos arredores, uma mão segurando o arco e a outra pronta para puxar uma flecha da aljava.

— Merida... — iniciou Hiccup após um tempo.

— Eu não estou falando com você — decretou ela, decidida.

Hiccup respirou fundo, cansado demais para argumentar.

Cerca de uma hora depois, Jack retornou com boas notícias. Ele encontrara uma cabana da antiga guarda florestal a menos de um quilômetro dali. Tivera que se livrar do antigo ocupante, já transformado em cadáver ambulante muito antes de sua chegada, mas fora isso, a área parecia bem segura. Foram sem perder tempo.

Ali dentro havia somente uma cama de solteiro, sobre a qual Jack e Merida depositaram Hiccup assim que entraram. Em poucos minutos, ele estava num sono profundo. Merida trocou o curativo precário por um pedaço de pano mais limpo.

— Vamos ver se achamos alguma coisa nessa espelunca — sugeriu ela.

Como era uma cabana de um cômodo só, a busca durou pouco. Jack encontrou uns cobertores e uniformes da guarda florestal no armário. Merida deparou-se com alguns frascos vazios de medicamentos num pequeno gabinete próximo à lareira. Além disso, havia um grande mapa estendido sobre uma das paredes, contendo informações da região.

Algumas horas mais tarde, Merida foi caçar e voltou com um esquilo gordo, o qual cozinharam no fogão à lenha, que ainda possuía algum combustível. Esperavam que, a essa altura, Hiccup estivesse um tanto melhor e com fome, no entanto, ele mal conseguiu comer.

À noite, Merida se aproximou de Jack, que vigiava através da janela.

— A febre dele não passa. Não podia ter chegado a esse ponto, ele não está nada bem...

— Eu sei... — Ele olhou por cima do ombro para onde Hiccup dormia.

— Vamos precisar de remédios. Ou melhor, antibióticos. O problema é onde conseguir. E dessa vez, não há tempo a perder, Jack.

— Espera um segundo.

Jack se levantou e pegou algo na mesa. Era o mapa que encontraram mais cedo.

— Boa ideia — disse Merida. — Vamos ver... Parece que estamos próximos a Cleveland.

— É uma cidade bem grande, lá com certeza teria alguma coisa.

— O único porém é que não sabemos se a cidade foi desocupada antes de o vírus estourar por lá. Eu sempre desviei de cidades assim, não sei como atravessar.

— Deixa comigo, eu vou. Você fica aqui cuidando dele — falou Jack com firmeza.

— E você por acaso sabe como passar por uma metrópole infestada? — perguntou ela um tanto cética.

Jack deu os ombros.

— Eu tenho meus macetes. E, como você disse antes, não sabemos se ela foi evacuada.

Merida achou melhor não contestar, era a melhor chance que tinham de todo modo.

— Certo, você vai, então. Mas não pode ir sem um plano em mente. Tem algumas coisas que você precisa saber.

— Exemplo?

— Bom, começando pelo básico. Ou seja, procure primeiro em farmácias ou clínicas pequenas. De preferência, evite os hospitais, pois não são nada seguros.

— Sei disso, o hospital era o primeiro lugar em que as pessoas pensavam na época que a doença começou a se espalhar. Devem estar lotados de acéfalos.

— Exatamente.

— Mas... E se eu não tiver opção?

— Se for a única solução, então deve se preparar para lutar. Você viu como o negócio está feio. — Merida espiou Hiccup pelo canto do olho. — Pode ser a única chance dele.

Estava decidido. Se tinham alguma esperança de salvar Hiccup, precisavam adquirir os antibióticos o mais depressa possível. Quando amanheceu, Jack partiu levando consigo sua pistola, o bastão de beisebol e um pouco de água. Seria um longo dia.

—-x—

Do ponto onde estavam até a cidade, levava cerca de uma hora de caminhada, mas apertando o passo, Jack conseguiu fazer o trajeto em quarenta e poucos minutos. Ignorou os raros zumbis que apareceram em seu caminho, deviam ser cadáveres antigos, afinal, eram bem lentos — apenas mortos frescos tinham capacidade de correr. E bem ali diante dele estava Cleveland. Havia vários carros abandonados na estrada, mas nada que impedisse sua passagem. A entrada estava deserta. Com cautela, ele adentrou a cidade, o bastão sendo segurado com força na mão direita.

De início, não teve muita sorte. Tudo parecia ter sido revirado e saqueado. Andou por mais uma hora e achou uma clínica, mas já estava vazia. O mesmo aconteceu nas duas farmácias seguintes. Quando reparou num empório discreto e aparentemente intacto, decidiu dar uma olhada. Era improvável que encontrasse os remédios, mas poderia achar algo de interesse.

Como a porta estava trancada, ele quebrou uma das janelas, destravou-a e passou para o lado de dentro. Atrás do balcão do caixa, havia uma mochila. Ela continha vários itens supérfluos, nada que pudesse aproveitar, mas a mochila em si era boa. Nela, colocou alguns enlatados na validade e quaisquer outras coisas que pensou que viriam a ter uma utilidade. Pelo menos a viagem já tinha valido de algo, mas ainda tinha um objetivo mais importante para cumprir.

Quando deixava a loja, escutou um ruído gutural. Um morto-vivo estava a meio metro dele, sua pele pútrida e cinzenta parecia se desgrudar dos ossos. Num movimento rápido, Jack acertou-o bem na cabeça, estourando seu crânio e fazendo-o cair sobre um carro. Foi nesse momento que um alarme disparou.

— Merda! — mesmo numa cidade quase vazia, um barulho daqueles só poderia significar problemas.

E ela não estava tão vazia, afinal. Os zumbis começaram a deixar seus esconderijos, desde prédios abandonados até carros capotados, e invadiam a rua. Ele não ficaria ali para ver a multidão que se aglomeraria, no entanto, não teve tempo de correr. Dois zumbis o surpreenderam pelas costas e derrubaram-no. A mochila mais os corpos faziam peso e dificultavam seus movimentos. Ele esticava uma das mãos para alcançar o revólver no cós da calça, ao mesmo tempo em que usava a outra para dar impulso e tentar virar o corpo para cima. Ele ouvia o bater de dentes a centímetros de seu ouvido, apressando-o. Enfim, pegou a arma e com agora as duas mãos no asfalto, pôde dar a impulsão de que necessitava, jogando os cadáveres para o lado. Assim que se pôs de pé, atirou em cheio nas cabeças dos dois.

Sua queda tinha provocado um atraso inoportuno. Os zumbis vinham de todos os lados e começavam a cercá-lo. Analisou o ambiente rapidamente, pensando numa saída. Acabou correndo para dentro do empório outra vez. Lá dentro, fechou a janela e bloqueou-a com uma prateleira, já que estava frágil. Não era muito, mas iria retardá-los. As outras janelas e a porta aguentariam por um tempo. Aliás, deveria haver uma saída dos fundos, certo? Jack passou pela sala do pessoal e encontrou a saída alternativa. A porta que a vetava era de metal com uma barra de segurança. Ele empurrou a barra para baixo sem hesitar e forçou a porta.

— Mas que... porra! — o beco no qual aquela saída resultava abrigava uma dúzia de acéfalos e mais estavam vindo para se unir a eles. Não teria como passar.

Fechou a porta com raiva.

— Pensa, Jack, pensa! — Ele batia na própria testa como se aquilo fosse estimulá-lo a encontrar uma solução.

Então, escutou um rumor do andar de cima. Eles não poderiam ter entrado por ali, poderiam? Tinha que ser outra coisa. Jack subiu pelas escadas ao lado do banheiro dos funcionários e encontrou um homem morto caído no chão do escritório da administração, alongando-se em sua direção. Ele tinha a mandíbula destroçada e uma abertura na parte superior da cabeça, uma escopeta velha ao seu lado. Aparentemente, tratava-se de um suicídio malsucedido e o homem acabara sucumbindo depois pelo ferimento. O arquivo pesado de metal caíra sobre suas pernas, impossibilitando-o de levantar. Pobre infeliz. Porém, o detalhe que mais chamou a atenção de Jack foi uma discreta escada no canto da sala, que dava numa portinhola metálica no teto. O teto, é isso!, ele se apressou para sua nova chance, apenas para encontrá-la trancada. Frustrou-se somente por um segundo, pois ainda detinha esperanças. Fuçou as gavetas da escrivaninha, encontrando montes de anotações e contas a pagar, mas nenhuma chave.

O zumbi produziu um ruído animalesco, suas unhas arranhando o assoalho e Jack recordou-se de sua presença ali. Sem tempo para sutilezas, Jack esmagou a cabeça meio podre do homem com o bastão e revistou seu corpo. Preso no cinto de couro, havia um molho de chaves.

— Qual delas...? — ele encarou as opções em confusão.

Escutou o som de vidro se estilhaçando no andar de baixo e soube que seu tempo se encurtava. Retornou às escadas e pôs-se a experimentar chave por chave.

— Não... Não... Errada... Droga! Não... Muito pequena...

Seu desespero se multiplicou quando o primeiro cadáver apareceu à porta, sangue escuro e viscoso escorrendo de sua boca, seus braços erguidos e prontos para agarrá-lo.

— Outra... Porcaria, tem que ser essa!

Os zumbis espremiam-se pela passagem para o escritório em desorganização. Jack sentiu um deles agarrar seu tornozelo quando conseguiu finalmente girar a chave e abrir a portinhola. Chutando o morto-vivo com o outro pé, Jack aproveitou o impulso para subir e sair daquele inferno, fechando o estreito acesso logo em seguida.

Ofegante como nunca, ele se apoiou nos joelhos e tentou reaver o fôlego. Fora muito, muito perto. Ao erguer a cabeça e ver o que se encontrava a uns quinhentos metros dali, Jack teve vontade de rir.

Era um maldito hospital, é claro.

—-x—

As pálpebras estavam pesadas e a boca, seca. O corpo todo doía, mas sua perna era o que estava pior, ela pulsava e formigava incessantemente. Quando criou coragem para abrir os olhos, identificou Merida sentada numa cadeira do lado de sua cama, talhando um graveto com o corte do punhal.

— Ah, oi — Merida olhou para ele impassível. — Dormiu muito, hein?

— Quanto tempo?

— Umas quinze horas, por aí.

— Quê?!

Merida riu do espanto dele.

— Tenta não ter um troço, o Jack ainda não voltou com os seus remédios.

— Como é? Ele saiu? É muito arriscado, não devia... — Hiccup se erguia para protestar, mas seu corpo tinha outros planos. Caiu como uma pedra de volta na cama.

Merida deixou o que talhava de lado e ajoelhou ao lado da cama.

— Ei, eu falei sério. Não se esforce demais, está bem?

Dado por vencido, ele tentou relaxar um pouco os músculos retesados. Afinal, ficar tenso só pioraria a dor.

— Então, você voltou a falar comigo? — Hiccup a mirou, mais otimista.

Merida deu um sorriso de lado.

— É, por enquanto. Mas foi muito idiota o que você fez, espero que saiba disso.

— Agora sei... O que você estava fazendo?

— Oh, aquilo? — Merida pegou o graveto comprido que esculpia. — Eu estava tentando fazer uma flecha, para o caso das minhas se esgotarem. Não está lá grande coisa, mas se funcionar já serve.

Ele assentiu, compreendendo. Droga, sua cabeça latejava.

— Desculpa de novo, sobre o Toothless — dizia Merida de cabeça baixa. — Eu não queria machucá-lo.

— Eu já disse, Merida, você o salvou. Eu fico agradecido.

— Mas agora ele está lá fora, sem a gente para dar comida ou protegê-lo!

— Ele ainda é um cachorro, os instintos vão falar mais alto. Ele vai conseguir, tenho esperanças de que o veremos de novo.

Merida concordou, mesmo estando menos esperançosa. Ela não gostaria de se iludir, ser realista era mais prudente.

— Merida?

— Fala.

— Eu posso te perguntar uma coisa? Digo, você não vai ficar zangada?

A ruiva franziu o cenho, desconfiada.

— Não tem como eu garantir sem saber do que se trata.

— Bom, er... Ok, vou dizer logo. Merida, por que você está aqui?

Ela piscou algumas vezes sem entender.

— Como assim?

— A questão é que você não tem obrigação nenhuma com a gente. Sabe, quando você apareceu, a primeira coisa que eu pensei foi: Ela sobreviveu esse tempo todo sozinha. Esse é o estilo dela. Mais tarde, na hora que você deixou que te acompanhássemos, eu fiquei surpreso. Mas sei que todos esses contratempos não estavam nos seus planos quando você concordou com essa história. O que eu quero dizer é... Estamos desperdiçando o seu tempo. Eu vou entender se quiser ir embora.

Ao terminar de falar, Hiccup estava sem ar. Aparentemente, até falar muito o cansava agora. Enquanto isso, Merida o fitava estática e reflexiva. Isso começou a preocupá-lo.

— Escuta, não entenda mal, eu quero que você fique. Mas isso tem que ser algo que você queira também.

Merida pigarreou, analisando a flecha caseira na mão.

— Eu... Eu quero ficar. Quer dizer, você me ajudou quando eu me machuquei, o mínimo que posso fazer é cuidar de você quando está doente. — A garota deu um meio sorriso. — Aliás, você deveria comer, vou pegar as sobras de ontem. — Ela ficou de pé e foi até o fogão.

Apesar da explicação, Hiccup sabia que aquele não era o motivo real. Se Merida lhe devia algo, ela o recompensou quando salvou sua vida naquele sítio. A verdade era que talvez ela apenas sentisse falta da companhia de outras pessoas. Talvez não gostasse tanto da solidão como tentava transparecer.

—-x—

Demorou mais do que ele previa para se aproximar do hospital. Afinal de contas, Jack não podia descer ao solo sem atrair a manada toda. Precisou de muita audácia para pular de um prédio para o outro. No primeiro salto, quase desistiu, mas repeliu a hesitação e foi em frente. O segundo pulo foi mais fácil. Quando já tinha cinco edificações entre ele e os zumbis, voltou ao chão. Não parecia que estava sendo seguido, mas precaução nunca era demais, por isso foi pelo caminho mais longo, pelas ruas mais estreitas e vazias. Tinha que tomar cuidado para não se perder, mas por sorte o hospital era um dos maiores prédios daquele bairro, sendo possível enxergá-lo enquanto andava.

A área do hospital parecia tranquila, entretanto, as portas estavam trancadas e desta vez não aparentava haver por perto um funcionário morto-vivo com um molho de chaves conveniente atado ao cinto. Mas Jack estava longe de desistir. Deu a volta no edifício e encontrou a escadaria de emergência, ou melhor, as rampas. Do térreo ao quinto e último andar, elevava-se uma rampa circular, projetada para comportar cadeiras de rodas. Por alguma razão, as janelas dos primeiros dois andares tinham um grande “x” pintado em tinta azul sobre elas. Aquilo só podia ser ruim, é claro, então Jack evitou os tais pisos. A porta do terceiro não abria de jeito algum, mas as janelas pareciam vulneráveis o bastante. Com toda a calma do mundo, Jack subiu no corrimão da rampa, concentrando-se para se equilibrar. Uma queda dali resultaria no mínimo em uma perna quebrada, e na pior das hipóteses... É, ele preferia não pensar sobre aquilo agora. Precisava em seguida alcançar o peitoril da janela mais próxima.

Posso fazer isso, sei que posso, ele respirou bem fundo e visualizou o movimento em sua cabeça. Só precisava se esticar o suficiente. Um... Dois... Vai! Numa ação abrupta, Jack estendeu seu corpo e agarrou o peitoril com uma das mãos. Seu aperto estava escorregando, porém ele rapidamente utilizou a outra mão para se segurar e, com a força dos braços, conseguiu se erguer e sentar-se no parapeito. Sorriu, um tanto orgulhoso de si. Faltava pouco. A trava da janela não cedeu de primeira, mas com alguma insistência, Jack a abriu e escorregou para o outro lado. Estava dentro.

O cansaço começava a alcançá-lo, sentia Jack. Ele limpou o rosto coberto de suor na manga da camisa e retomou a busca. Já chegara tão longe, não é? Abriu a porta da primeira sala do caminho, contudo, estava muito escuro lá dentro. Notou o interruptor ao lado da porta e o apertou mais por hábito que qualquer outra coisa. Nesse instante, teve uma surpresa: ainda havia energia ali.

— Como é possível...? — sussurrou em assombro.

De repente, escutou o som de um gatilho sendo puxado logo atrás de si. Estava ferrado.

— A-Afaste-se! E por favor, não faça nenhum movimento brusco!

Jack ergueu as mãos na altura da cabeça e se virou devagar para encarar quem o rendia. Era uma garota pouco mais alta que Merida e com longos cabelos loiros e lisos caindo sobre os ombros e rosto. Ela portava um revólver calibre 38 com as duas mãos e tremia como se nunca tivesse segurado uma arma na vida.

— A sua arma, p-passa ela pra cá! — ordenou ela. — O bastão também!

Lentamente, Jack obedeceu às ordens e chutou todo seu armamento na direção dela.

— Ei, será que não podemos conversar? — propôs Jack.

— Quem mais está com você? — a garota ignorou o que ele disse.

— Ninguém, eu vim sozinho. Não quero problemas, só preciso de alguns remédios, meu amigo está doente.

Ela o encarou em dúvida.

— Como posso saber se o que diz é verdade?

— Bem... Olha, eu posso te dar comida em troca, consegui algumas latas agora há pouco. — Ele tirou dos ombros a mochila e fez menção de abri-la.

— Eu disse sem movimentos bruscos! — ela berrou, apertando a arma com mais força.

Jack parou, engolindo em seco. A garota estava muito nervosa, poderia fazer alguma estupidez se não fosse mais cuidadoso. Com calma, ele retirou da mochila uma lata de comida enlatada e ergueu, mostrando a ela.

— Viu só? Estou falando sério.

— A sua cabeça... Está sangrando.

— Hã? — Jack levou a mão à testa e notou que ela estava certa, havia um corte ali. A manga que usara para esfregar o suor também estava manchada. — Droga, eu não percebi. Deve ter sido quando aqueles dois acéfalos me derrubaram.

— Você foi mordido? — Ela arregalou os olhos.

— Não, isso não. Eu consegui me defender.

A garota ficou estática por um tempo, pensando. Depois, agachou-se para recolher as armas de Jack. Quando acabou, pôs-se de pé e baixou um pouco o revólver.

— Anda, vem comigo. Eu vou fazer um curativo em você. Mas se tentar alguma coisa, eu... Eu... Bom, você não vai gostar do que farei.

Sendo essa a opção mais razoável, Jack a seguiu até outra sala naquele mesmo andar. Era uma salinha pequena outrora de pediatria — um papel de parede temático cobria os quatro lados — e estava limpa, contendo uma mesa, três cadeiras e uma maca.

— Pode sentar — disse ela, indo até um armário ao lado da maca. — Como eu disse, sem nenhuma gracinha.

Jack se acomodou na cadeira verde estofada e largou a mochila sobre a mesa. A garota retornou com esparadrapo, algodão e álcool, e olhou feio para a mochila dele.

— Que foi? — ele não entendeu a princípio. — Ah, saquei. Pouco educado da minha parte.

— Eu acho que, mais do que isso, é pouco higiênico. Essa mochila está imunda.

Jack riu daquela reclamação. Naqueles tempos, era incomum que se reclamasse de higiene, afinal, era um luxo do qual poucos podiam dispor. Ela sentou na cadeira ao lado e começou a trabalhar no machucado.

Ela está tão exposta, pensou Jack, olhando para as feições concentradas da loira. Se ele realmente quisesse, poderia imobilizá-la com facilidade e pegar suas coisas de volta, ela estava com a guarda muito baixa. Mas não queria fazer aquilo. Era extremamente raro encontrar alguém como aquela garota hoje em dia. E também muita sorte.

— Qual o seu nome? — Jack perguntou por curiosidade.

Ela o olhou incerta.

— Por quê?

— Nenhuma razão, eu só queria saber.

— Me diga o seu, então — replicou ela, como se precisasse estar sempre um passo à frente.

Ele teve vontade de rir de novo. Se realmente quisesse atacá-la, a última coisa que gostaria de fazer antes disso era descobrir o nome de sua vítima. Mas iria jogar com as regras dela.

— Jack Frost.

— Meu nome é... Rapunzel — falou ela. — Rapunzel Corona.

— Você mora aqui, não mora?

Rapunzel parecia se inquietar com o rumo que a conversa tomava e ele se tocou disso.

— Escute — recomeçou Jack. — Eu só quero um antibiótico, tenho um amigo fora da cidade e ele está bem doente. Você tem algo assim por aqui?

Ao terminar de fazer o curativo, Rapunzel foi guardar as coisas no armário. Ao fechar a portilha branca, ela ficou ali sem se mexer como fizera uns minutos antes. Devia estar ponderando outra vez.

— Tenho, sim — disse enfim. — Mas você sabe que antibióticos não funcionam contra mordidas dessas... coisas, certo?

— É claro, mas é outro tipo de ferida. Ele está com febre alta por causa da infecção.

Rapunzel fechou os olhos e respirou profundamente.

— Eu acredito em você. Sei que não dei a melhor das boas-vindas quando você apareceu, mas acho que compreende, né? Eu não sou desse jeito, e...

— Tudo bem. — Jack deu um sorriso calmo. — Você fez bem em não confiar em mim de primeira, seria muito idiota se o fizesse. Quando foi a última vez que viu outra pessoa?

— Vários meses atrás, acho que no outono passado. Foi no dia que todos foram embora.

— E por que ficou?

— Eu... Eu não podia ir. De qualquer forma, há muitos mantimentos neste hospital, o sistema hidráulico está intacto e tenho um gerador de energia que ainda funciona.

Jack ergueu uma sobrancelha.

— Com certeza, isso soa muito bem.

— Não é mesmo? Imaginei que minhas chances seriam melhores aqui. É meio solitário às vezes, mas não é tão ruim assim.

Por um momento, Jack avaliou o rosto bonito e corado de Rapunzel. Nele não havia as marcas deixadas pelos horrores da realidade atual, do sofrimento cotidiano. Ela estava saudável, bem alimentada, suas roupas estavam limpas como se fossem recém-lavadas. Seu longo cabelo loiro estava brilhante e penteado. Ela não parecia real. Era como se ele tivesse voltado no tempo ou estivesse sonhando.

— Essa sua expressão... — dizia Rapunzel. — Eu sei o que você está pensando. Está preocupado com seu amigo, certo? Precisa voltar logo.

Ele desviou o olhar e tossiu de leve.

— Er, isso mesmo.

— Eu tenho uma coisa que vai te ajudar. Digo, além do remédio. Por favor, espere aqui.

Enquanto esperava, Jack ficou dando voltas na sala, olhando tudo com minúcia. Ao passar em frente a um espelho, examinou o curativo que Rapunzel fizera nele. Estava muito bem feito, ela decerto tinha prática naquilo, o que o levou a pensar no que ela fazia antes do fim do mundo. Era jovem demais para ser médica, mas apostava que tinha contato com a área. Quem sabe aprendera com seus pais? Tinha tantas possibilidades... A segunda coisa que notou no reflexo do espelho foi sua aparência. Meu Deus, havia quanto tempo que não se via? Estava muito diferente. O rosto estava tão magro, sujo, além daquele cabelo branco estranho com o qual provavelmente nunca se acostumaria. Parecia que o antigo Jack nunca existira, quase nada sobrara dele. E as chances eram de que, um dia, seu velho eu desaparecia por completo.

Receava um pouco sobre o tipo de pessoa que poderia vir a se tornar.

— Prontinho, aqui está — Rapunzel retornou com uma surpresa: uma bicicleta verde. — Eu estava guardando ela lá em cima no depósito do telhado, para o caso de uma emergência, mas creio que você está mais necessitado que eu. E eu coloquei aqui na cestinha da frente o remédio com uma seringa limpa, além de mais alguns suprimentos. — Indicou no cesto duas sacolas de papel, uma bem pequena e uma grande e farta.

— Nossa. — Ele estava um pouco atônito. — Isso é muito, caramba, eu... Obrigado.

Ela o acompanhou até a porta antes travada da saída de emergência.

— Boa sorte, Jack Frost — ela falou e deu um sorriso sincero e bondoso.

— Muito obrigado por... — Jack apontou para o curativo, depois segurou o guidão da bicicleta, não sabendo pelo que agradecia. — Bom, por tudo.

Ele já começava a descer a rampa, mas Rapunzel falou novamente.

— Jack, deixe-me dizer só mais uma coisa antes que vá.

—-x—

A bicicleta lhe dava uma vantagem óbvia, podia despistar sem dificuldade os zumbis e ainda tinha velocidade. Pedalando o mais rápido que podia, Jack tinha a sensação de dever cumprido enquanto sentia o vento batendo contra o rosto. Hiccup ficaria bem, estava certo disso, Merida teria cuidado bem dele durante todo aquele tempo. Além disso, conhecera talvez a última pessoa pura naquele país despedaçado. Por alguma razão, aquele encontro lhe dera esperanças. Ele podia não ser mais o mesmo, mas aquela garota ainda era. Nem tudo estava perdido.

Quando se afastou da cidade e percebeu que se aproximava de seu destino, Jack começou a ficar agitado. Estava tão perto. Dentro da floresta, a bicicleta já não era mais tão útil, por isso, Jack a escondeu no meio de um arbusto antes de entrar nela. Quando viu a cabana com fumaça saindo da chaminé, não se conteve e correu até lá.

— Pessoal, eu consegui! — chegou anunciando. — Eu trouxe... o...

No entanto, ninguém o escutou. Ele estava sozinho ali.


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Notas finais do capítulo

Oh oh. Agora, ferrou. E o que acharam da aparição da Rapunzel? Calma que a presença dela na história não para por aqui não, mas como cada coisa tem seu momento, primeiro vamos descobrir o que aconteceu com a Merida e o Hiccup. Logo quando o Jack pensou que as coisas começavam a se acertar...E eu dei mais alguns detalhes sobre os zumbis desse universo, repararam? Ah, e aqui está a próxima prévia:

https://www.youtube.com/watch?v=paK3hueNWvg

Gente, comentem o que tão achando, afinal, esse é o combustível do autor ;D

Hasta el próximo capítulo, chicos y chicas!