Onde os Bravos têm Vez escrita por Goldfield


Capítulo 1
Capítulo Único




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Onde os Bravos têm Vez

Ao pegá-lo em suas mãos, descobriu que o objeto era mais leve do que aparentava externamente. Emitia brilho próprio, oriundo de certo das células de energia em seu interior. Algum tipo de caixa de fusíveis high-tech, assim como tudo que eles haviam encontrado naquele subsolo em contraste à velharia da residência na superfície. Se a sirene de alarme não continuasse martelando seus ouvidos, junto com a redundante voz robótica de mulher anunciando a autodestruição, ele poderia deduzir mais rápido o que fazer com aquela coisa.

- Aqui! – o colega logo à frente exclamou, apontando para um nicho na parede próxima à porta gradeada levando ao suposto elevador. – Coloque isso aqui!

Reconhecendo ser mesmo o slot da arrojada bateria, apressou-se e encaixou-a na abertura. O som de eletricidade sendo suprida através de cabos invisíveis atrás da parede zuniu pelo corredor. As luzes do elevador se acenderam.

Ele limpou o suor da testa com as costas de uma mão, ao mesmo tempo removendo fios ensopados de seu cabelo comprido da frente dos olhos. Era tarde para isso, mas gostaria de tê-lo cortado todo antes de partir naquela missão – caso soubesse o que encontraria nela. Um dos malditos mortos-vivos chegara a tentar puxá-lo pelo cabelo mais cedo, na mansão; levando-o a questionar também quanta inteligência ainda restava naquelas criaturas.

Uma desordem de grunhidos e berros tirou-o de seus devaneios. Vinha pela passagem, no sentido do laboratório. Identificou alguns dos sons como os emitidos pelos insetóides gigantes que tivera de despachar enquanto limpava a sala de força junto com Kenneth. Eles agora estavam em seus calcanhares, aproveitando as trancas todas liberadas devido à evacuação.

- Olhem para todas essas coisas! – bradou Rebecca na dobra do corredor, apontando sua Beretta para os monstros fora do campo de visão de Forest. Na verdade, ele nem queria que elas chegassem a surgir diante de seus olhos. – Estão chegando perto!

Tanto o tom de voz quanto a aparência física de Chambers remetiam a uma criança, mas ela conseguira sobreviver àquelas hordas de mutantes e armadilhas tal como eles – um batismo de fogo, e sangue, inegavelmente capaz de provar valor. A garota era durona, sem contar o gênio precoce que lhe valera um diploma universitário com apenas dezoito anos. Mostrava-se tão capaz quanto o resto do Bravo. E sairia daquele inferno junto com eles.

- Aiken, Dewey e Sullivan, protejam o perímetro! – a voz centrada de Enrico Marini, com seu sotaque latino, conseguia acalmar os nervos de Forest mais do que julgaria possível. – Speyer e Chambers, subam ao heliporto para receber o Dooley. Estaremos logo atrás de vocês!

- Entendido! – Edward replicou tomando posição na curva da passagem, ainda munido da espingarda que encontrara na mansão.

Forest respirou fundo e checou seus recursos. Restava apenas um pente em sua Beretta, felizmente inteiro. Seu lança-granadas ficara sem munição bem cedo, quando derrubara a cobra gigante horas antes – e procurou repelir da memória, mais uma vez, a imagem do réptil cuspindo o cadáver semidigerido de Jill Valentine, do Alpha, para preparar seu estômago ao novo alimento. Os explosivos não caíram bem ao monstro, no entanto. E ao menos a pobre garota foi vingada.

As grades do elevador foram liberadas diante de Forest, enquanto Rebecca, ligeiramente trêmula, unia-se ao seu lado. A porta se fechou atrás deles – e a cacofonia de sirenes, rugidos monstruosos e tiros foi abafada até desaparecer conforme o transporte subiu.

Ele esperava que os companheiros conseguissem e realmente cumprissem a promessa de virem a seguir.

O trajeto pareceu instantâneo, a mente enevoada de Forest impedindo-o de assimilar os segundos transcorridos. Outra grade se abriu diante do elevador, e eles foram saudados pela atmosfera fresca da manhã ao ganharem o amplo espaço do heliporto. O sol surgia tímido em meio ao clima nublado, a temperatura mais baixa do que o comum num dia de verão. Ainda assim, as narinas já acostumadas ao cheiro pútrido dos zumbis nos cômodos fechados da propriedade estavam mais que agradecidas.

Não muito longe, o som das hélices do helicóptero de Kevin rompia a quietude da floresta circundante.

- Ele está vindo... – Chambers constatou num suspiro, permitindo-se liberar toda a tensão aglomerada nos pulmões.

- Sim, kiddo – Forest sorriu. – Está terminando. Esta merda toda está no fim.

Dooley mostrara-se apoio mais que bem-vindo desde que eles haviam encontrado o helicóptero caído do Alpha – o corpo destroçado do piloto Brad Vickers sendo mais uma memória a ser dissipada – e sido encurralados pelos cães-zumbi, buscando abrigo na mansão próxima. Kevin lhes dera cobertura o tempo todo, metralhando do helicóptero mortos-vivos nas sacadas e andares superiores da casa e até mesmo contatando o R.P.D. em busca de reforços.

Conforme informara pelo rádio, o chefe Irons colocara mil empecilhos para enviar mais homens – provavelmente outro desgraçado com o rabo cheio de dinheiro da Umbrella – mas uma força-tarefa montada por conta própria por outro Kevin, o Ryman – aquele cara que vivia fracassando no teste para ingressar no S.T.A.R.S. – resolvera ignorar as ordens do delegado e vir por conta própria auxiliar o Bravo. Já deviam estar chegando; e era melhor que se apressassem se não quisessem acabar de fora da ação.

A aeronave chegou mais perto, passando a pairar sobre o heliporto – sua sombra projetada no solo enchendo ainda mais a mente de Forest de alívio. Deviam ter mais uns três minutos até a detonação, tempo suficiente para zarpar em segurança – e um novo estalo metálico do elevador atrás deles somou mais à esperança. Forest e Rebecca viraram-se. Enrico vinha à frente dos demais companheiros, todos intactos e ainda capazes de parar um trem.

- Abram espaço para Dooley pousar – instruiu o comandante fazendo gestos aos subordinados. – Bom trabalho ao acionar a sequência de autodestruição, Chambers. O lugar vai queimar e daqui a pouco estaremos comendo bacon com ovos no Emmy’s.

- Obrigada, senhor! – Rebecca replicou com uma continência de certo muito formal para a situação, mas ao menos era um frescor de inocência à situação que viviam. Tudo voltaria ao normal. O pesadelo chegava aos últimos instantes.

Foi então que, num estrondo, parte do chão do heliporto se abriu, lançando lascas de pedra e concreto ao redor, numa espessa cortina de poeira. Ela se esvaneceu aos poucos, contribuindo para um suspense angustiante enquanto revelava a figura atrás de si. O humanoide de três metros escalou uma das bordas da abertura e colocou-se de pé diante deles como um Titã ressurgido do Tártaro. A pele branca e inumana, a cabeça careca e de expressão férrea, o coração externo pulsando sobre o peito como uma bomba-relógio anunciando o fim dos sobreviventes do Bravo – justamente pelas garras de lâmina em que terminava uma das mãos da aberração.

Tyrant. A principal criação da Umbrella naquele laboratório secreto.

Enrico e Forest a haviam derrubado minutos antes, no subsolo, após ela escapar de sua câmara de hibernação enquanto tentavam matá-la desligando seu suporte de vida – porém bem haviam achado fácil demais. Lá estava de novo o monstro, disposto a fazer daquele heliporto o cemitério dos S.T.A.R.S.; claro, se eles não estivessem dispostos a resistir.

O comandante Marini ergueu a Magnum que antes pertencera a Barry Burton, morto nos túneis subterrâneos por Albert Wesker quando estava prestes a revelar sua traição. O tambor ainda estava cheio, zelosamente poupado para uma ocasião como aquela.

Enrico não deixou para menos. O revólver começou a trovejar na direção da criatura, as balas de grosso calibre cravadas em seus músculos gigantes. Gotas de sangue salpicaram os arredores conforme Tyrant se movimentava, porém os projéteis não foram capazes de pará-lo. O Time Bravo acabou abrindo um círculo em torno da monstruosidade, armas apontadas e atirando para alternar a atenção dela entre seus membros – sem que conseguisse acertá-los com suas investidas devido às rápidas, e sortudas, esquivas destes.

Forest esgotava as balas da Beretta com cautela, temendo que eles ficassem sem munição antes de derrubar o inimigo. Acontecia que nenhum armamento aparentava surtir real efeito contra ele, e já ficavam sem tempo. Sem o heliporto limpo, Dooley não poderia pousar ou sequer atirar uma escada para subirem à aeronave.

O mutante ficava mais e mais irritado por errar seus ataques e ser alvejado pelo Bravo. Logo após falhar em empalar Richard com um golpe de suas garras, a criatura dirigiu-se ao centro do círculo de S.T.A.R.S. e parou, apenas olhando ao redor e detendo-se momentaneamente em cada um, tal qual selecionasse um alvo para a investida decisiva.

A cabeça do Tyrant decidiu-se ao se voltar a Rebecca.

- Cuidado! – Forest gritou instintivamente, notando a apreensão dos colegas ao também compreenderem a intenção do monstro.

A jovem já havia percebido o perigo, felizmente estando preparada quando o mutante correu em sua direção, garras estendidas para cortá-la em duas. Ela saltou para o lado ao estar prestes a ser atingida, rolando pelo concreto – e as lâminas do Tyrant encontraram somente o ar. Não apenas isso, na verdade: algo mais se chocou com o monstro, feito um relâmpago, zunindo e gerando clarão que envolveu a criatura durante alguns instantes, fazendo todo o heliporto estremecer com a explosão.

Quando o fogo se dissipou, nada restava do monstro a não ser restos chamuscados de braços e pernas, um torço descolado e com o imenso coração pulverizado... a obra-prima da Umbrella convertida num monte de entulho orgânico e cinzas.

Só então os integrantes do Bravo ergueram o olhar para o segundo helicóptero pairando no céu sobre eles, o emblema do R.P.D. gravado na fuselagem como as divisas de um anjo vingador. De uma das aberturas da cabine pendia Kevin Ryman, o lança-mísseis antitanque ainda apoiado num ombro após ter disparado um foguete contra o Tyrant.

- O reforço chegou... – Kenneth constatou num sorriso, coberto de sujeira e suor.

Forest também sorriu. Estava acabado. Conforme abriam espaço para o transporte de Dooley pousar, lembrou-se da câmera de vídeo acoplada ao colete de Sullivan e de tudo que ela registrara desde que haviam chegado à mansão. Prova mais que incisiva contra a Umbrella e suas experiências ilegais, sem contar todos os arquivos e documentos coletados pelo caminho.

O assento do helicóptero parecia um trono nas nuvens; o girar das hélices, uma canção de ninar. Quando sua nuca tocou o encosto, Forest quase apagou devido à exaustão – porém forçou-se a se manter desperto por tempo bastante para sentir a aeronave decolando. Já perdera a conta de quanto restava até o fim da contagem de autodestruição, limitando-se a olhar para a mansão e suas dependências pela janela, aguardando...

Quando o estrondo veio, ecoando por dezenas de quilômetros, uma imensa bola de fogo consumiu a propriedade e reduziu-a a escombros como se jamais houvesse sequer existido.

Teriam mesmo vivido aquilo tudo? Ou não passava de um pesadelo estranho, para dali a pouco acordar grogue em sua cama?

Duradoura paz tomou o interior do transporte enquanto sobrevoavam a floresta de volta a Raccoon City. O segundo helicóptero os acompanhava logo atrás, feito um vigia – garantindo que agora tudo ficaria bem. Rebecca, sentada diante de Forest, cochilava com a cabeça apoiada numa mão. Aiken estabelecia contato com a delegacia por seu rádio, enquanto Kenneth e Edward dividiam o resto de um spray de primeiros-socorros para aliviar a dor de suas escoriações. O olhar de Speyer acabou encontrando o rosto sisudo de Enrico Marini, ainda com a Magnum em mãos. Nenhuma bala restava no tambor aberto.

- Conseguimos – declarou taciturno, fechando a arma. – Mas agora precisamos ir atrás dos outros filhos da mãe. Aqueles que nos colocaram nessa enrascada... e estão com as mãos sujas com o sangue do Alpha.

Forest assentiu mentalmente. O corpo de Chris Redfield, seu melhor amigo dentro dos S.T.A.R.S. e eterno companheiro de paixão por motos e shows de rock, retorcido pelo veneno e os tentáculos da planta gigante que haviam encontrado na casa dos fundos da mansão, compôs a última memória dos companheiros mortos encontrados enquanto exploravam a propriedade. Tinham de prestar um tributo ao seu sacrifício. Erradicar a Umbrella de uma vez por todas.

Começando finalmente a ceder ao cansaço, Speyer, com os olhos semicerrados, imaginou o que poderia ter acontecido se a secretária do chefe Irons no R.P.D., vinte e quatro horas antes, não houvesse feito confusão com as ordens emitidas pelo delegado e Wesker, enviando o Time Bravo primeiro para investigar as Montanhas Arklay. O plano inicial do comandante traidor fora mandar a equipe deles ao abatedouro, para depois partir com o Alpha no pretexto de encontrá-los e cumprir sua própria agenda na mansão.

Se ao menos as coisas houvessem caminhado de uma maneira que todos, tanto do Alpha quanto do Bravo, pudessem ter saído vivos...

Tornando sua mente mais pesada com tais questionamentos, Forest Speyer foi vencido de vez pelo sono – ganhando seu descanso merecido.


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