Percy

O que um bando de adolescentes desocupados fazem num domingo à noite? Eis a resposta: Verdade ou Desafio. Michael Yew e seus companheiros do doze convidaram cerca de uma duzia de campistas, que naquele momento estavam espalhados pelo quarto verde, à procura de algo para matar o tédio. Eu estava no meio deles, jogado numa poltrona.

O chalé doze era todo decorado na temática "floresta". Os tapetes simulavam gramado e as colchas das camas eram estampadas de árvores. Fora isso, o quarto era exatamente igual ao nosso. Quanta criatividade.

– Vamos fazer alguma coisa! - Lee Fletcher quebrou o silêncio. - Uma jogo, talvez.

Lee e Michael eram primos. Isso era visível, já que ambos possuíam o mesmo cabelo loiro e pele bronzeada. Porém, o segundo era mais baixo.

– Que tal a brincadeira do "Charlie, Charlie"? - Nico sugeriu, com um sorriso malicioso e meio sádico estampado no rosto.

Calipso arregalou os olhos e encolheu-se no beliche.

– De jeito nenhum! Não gosto de brincar com essas coisas.

Imediatamente, alguns começaram a se posicionar contra ou a favor, discutindo as possíveis consequências desse brincadeira. Era o único assunto no acampamento, desde o dia em que Quíron explicou a nova modinha da internet (como nós não tínhamos acesso à qualquer informação do mundo lá fora, ele nos atualizava). Sim, Quíron tinha Facebook.

Bati palmas e ergui a voz, para me sobressair ao burburinho.

– Eei! - Quando todos dirigiram a atenção a mim, prossegui. - Vamos jogar Verdade ou Desafio. É mais divertido e não mexe com essas coisas do satã.

Os adolescentes concordaram. Afastamos os móveis, deixando um amplo espaço no centro do quarto, onde nos sentamos em círculo. Luke distribuiu latinhas de cerveja, que sabe-se lá onde conseguiu.

– Para as coisas ficarem mais animadas - Afirmou com um sorriso malicioso.

Levei o líquido aos lábios. Tinha um gosto horrível, mas obriguei-o a descer mesmo assim. Não queria ser chamado de covarde. Outras pessoas fizeram o mesmo.

Estávamos quebrando várias regras, somente pelo fato de estarmos ali, àquela hora da noite. Imagine se soubessem que estávamos bebendo.

Thalia foi a única que não bebeu, surpreendentemente. Ela estava sentada ao meu lado, em posição de índio, com os nossos joelhos se tocando.

– Gosto de coisas mais fortes - A morena torceu o nariz quando lhe ofereci a cerveja.

Depois de alguns goles, já conseguia sentir a bebida fazendo efeito no meu organismo. Uma espécie de calor...

— Taylor Swift - Blank Space —

– Tudo bem, eu começo - Michael pegou uma garrafa vazia e girou-a no centro da roda.

Ela parou voltada para Malcolm. O garoto havia recusado a cerveja, o que não era novidade. Ele só estava jogando porque era daquele chalé e os garotos o obrigaram.

– Okay, Malcolm, verdade ou desafio? - O baixinho perguntou.

– Hm... Desafio, eu acho - Respondeu, meio nervoso.

Michael sorriu, divertindo-se.

– Você terá que ir lá no chalé cor-de-rosa, abrir a porta e falar o seguinte... - Ele aproximou-se do ouvido de Malcolm e cochichou algo.

Uma expressão de pânico tomou o rosto do garoto, e ele ajeitou os óculos com as mãos trêmulas.

– N-não posso fazer isso - Gaguejou.

– Você tem que cumprir, essas são as regras do jogo - O outro retrucou, em tom debochado. - Ou então terá de pagar uma punição. E isso será bem pior...

O loiro dos cabelos encaracolados suspirou, derrotado. Levantou-se lentamente e encaminhou-se para o seu destino, como um condenado caminha para a forca. O restante dos campistas tratou de segui-lo, curiosos.

Ele bateu à porta do chalé onze, numa relutância palpável, enquanto todos aguardavam escondidos nas proximidades. A noite estava estrelada, como naquela em que fugi com Thalia, dias atrás. A lembrança do acontecimento me fez sorrir involuntariamente, e procurei cegamente os dedos da garota para entrelaçar nos meus.

A porta foi aberta, deixando escapar um pouco da claridade do quarto iluminado e revelando uma Silena sonolenta, vestindo uma camisola de seda vermelha.

– Malcolm? - Indagou, confusa. - O que faz aqui?

– Eusouogostosãopegadordasnovinhas. - Ele soltou tudo de uma vez, tornando a frase ininteligível.

– Não entendi... - Silena o encarava como se ele portasse uma doença rara e contagiosa.

Mais garotas surgiram atrás dela, atraídas pela cena inusitada. Malcolm parecia que iria infartar. Lançou um olhar suplicante para Michael, que apenas assentiu com a cabeça, o encorajando.

– Eu... Sou o gostosão, pegador das novinhas - Falou timidamente.

Tanto as meninas do doze quanto os espectadores explodiram em gargalhadas. O pobre Malcolm ficou da cor da roupa de Silena.

– Claro que é - A garota balançou a cabeça negativamente, ainda rindo, e tornou a fechar a porta.

– O show acabou! Felizes? - O loiro esbravejou, emburrado.

Voltamos novamente para o chalé verde e foi a vez de Malcolm girar a garrafa. Eu já havia terminado minha primeira lata e estava começando a segunda. O projetil rodopiou algumas vezes no centro da roda, antes de parar com o gargalo voltado para mim.

– Eu escolho verdade - Apressei-me em dizer, para o desapontamento de todos.

O rapaz refletiu um pouco, antes de perguntar.

– Você e Thalia estão mesmo namorando?

Acho que aquela dúvida, ou curiosidade, não era só dele, e sim de todo o acampamento.

Meu olhar encontrou os olhos azuis da garota, em seguida pousou em nossas mãos dadas. Ela apertou a minha com mais força, me encorajando a responder.

– Sim - Respondi, simplesmente. Uma pequena palavra com um enorme significado.

Como se fosse para comprovar, Thalia me puxou pela gola da camisa e deu-me um beijo demorado, que foi aplaudido e aclamado pela galera com um "Êeeee...".

A garrafa foi girada mais algumas vezes, peças de roupas voaram, latas de cerveja foram esvaziadas e o pessoal estava ficando cada vez mais "animado".

– Te desafio a se trancar no banheiro com Katie e ficar lá por... Cinco minutos - Luke provocou Lee Fletcher, com seu típico olhar de criança levada. - Não importa o que vocês vão fazer lá.

– Só isso? - O outro zombou.

Virou uma latinha inteira de cerveja antes de arrastar uma Katie confusa e envergonhada em direção a porta.

– Usem camisinha! - Alguém gritou.

Eles não voltaram depois de cinco minutos.

– Pular no lago sem roupa - Rachel desafiou Luke, com um sorriso mordaz.

E lá fomos nós, de duas da madrugada para a margem do lago, onde o loiro fez strip-tease. Acredite, foi umas das piores visões da minha vida.

– Aqui tá frio pra cacete! - Ele protestou, quando já estava só de cueca box.

E ele estava certo. O verão já estava aos poucos dando lugar ao outono, trazendo consigo ventos gélidos. A lua nova banhava o bosque em escuridão, fazendo da lanterna nas mãos de Annabeth a única fonte de luz. Por falar na loira, ela parecia à beira de um ataque cardíaco, encarando admirada a visão do garoto seminu a sua frente.

Já Nico, ao meu lado tinha cara de alguém prestes a vomitar. Os dois andavam estranhos ultimamente, desde a noite em que desapareceram na floresta. Sabe-se lá o que aconteceu entre eles, mas aquilo pareceu abalar bastante ambos.

Luke já ia livrar-se da ultima peça de roupa, quando Thalia manifestou-se.

– Pelos deuses, não faça isso! - A morena afobou-se. - Assim já é o suficiente.

Ele sorriu maliciosamente, divertindo-se. Eu tinha certeza de que várias pessoas ali concordavam com a menina.

– Que isso, Thalia? Aposto que você tá louquinha para ver - Insinuou. - Só se faz de difícil porque tá na frente do seu namoradinho.

A raiva tomou conta de mim. Minha namorada mostrou-lhe o dedo do meio como resposta. Cerrei os punhos e ameacei avançar para cima do babaca, mas Nico me segurou.

Luke me lançou um sorriso desafiador e fez uma mesura exagerada, antes de se jogar na água com um grito de entusiasmo. Fez uma careta ao submergir, tremendo de frio.

– Acho que alguém acabou de congelar as bolas. - Cochichei para Nico, em tom de deboche.

***

Eu já havia perdido a conta das cervejas que tomei. Uma áurea de "alegria" pairava a nossa volta. Luke já estava seco, sentado ao lado de Annabeth com a mão casualmente apoiada na perna dela.

Thalia girou a garrafa e ela parou voltada para Michael Yew. Ele escolheu desafio.

– Beije a garota mais bonita daqui. - Ela disse, depois de pensar um pouco.

Os olhos do garoto pousaram em Rachel. A ruivinha do nariz salpicado de sardas ruborizou furiosamente.

– Beija! Beija! - Os outros incitaram em coro.

Michael aproximou-se com relutância. Pela primeira vez, o garoto extrovertido havia ficado tímido. Eles trocaram um selinho, meio sem jeito. A platéia protestou.

– Ahh, isso nem sequer é um beijo - Thalia reclamou.

Rachel revirou os olhos e, num gesto inesperado, puxou o loiro para um intenso beijo de língua.

– Agora sim! - Minha namorada comemorou, com um sorriso triunfante.

A garrafa foi rodada mais algumas vezes. Travis desafiou Connor para ver quem bebia mais. No final, ambos caíram jogados num canto, ao redor de centenas de latas, e foi considerado empate técnico.

– Vejamos... - Calipso falou, enquanto pensava num desafio para dar a Nico. - Faça uma loucura. Algo que você tem muita vontade de fazer, mas tem medo. Talvez pelo julgamento das pessoas, medo de rejeição... Sei lá.

Não sabia se era devido ao álcool, mas notei Calipso olhando fixamente para mim enquanto pronunciava aquelas palavras, com um toque de mágoa na voz. É, deveriam ser os efeitos das muitas latas de cerveja.

Nico estava diferente. Mais confiante. Quando a garota terminou de lançar o desafio, ele não hesitou antes de atravessar o círculo e dar um grande beijo em Annabeth. A garota ficou surpresa, e tentou afastá-lo com as mãos.

Todos ficaram em estado de choque. Aconteceu tudo muito rápido. Luke agarrou Nico pela camisa e o jogou para longe. O olhar de Annabeth era uma mistura de medo e surpresa, desviando-se entre os dois garotos. Thalia agarrou meu braço com força.

– Mas que porra é essa?? - Luke gritava enfurecido. - Quem te deu autorização para beijar minha namorada, hein seu viado?!

Não entendi o motivo de tanto ódio. Se eu me lembrava bem, aquele cara só estava com Annie por causa de uma aposta. A não ser que ele fosse um ator muito bom.

– Namorada? - Annabeth recuperou a voz.

– Viado? - Nico indagou, incrédulo. Não havia um pingo de medo em sua voz. Ele levantou-se, ficando de frente para o outro. - Viado é o cara que brinca com os sentimentos de uma garota por causa da porra de uma aposta! Esse não merece nem ser chamado de homem!

Ele apontou o dedo para Luke, com cara de nojo.

– Isso vai dar merda... - Resmunguei.

No meio daquele rebuliço, todos já estavam de pé, observando a treta em silêncio.

– Do que ele tá falando, Luke? - Annabeth perguntou, confusa.

– Nada, minha linda - Ele afirmou, no cúmulo da falsidade. - Mas depois que perder os dentes, vai aprender a não falar merda.

Dito isso, avançou para cima de Nico, de punhos cerrados. As garotas soltaram um grito agudo de medo. Corri para ajudar o meu amigo, mas não foi necessário.

Toda aquela gritaria acabou chamando atenção. E logo de quem?

O sr. D abriu a porta de supetão, usando um hobby roxo com estampa de uvas. Seu pouco cabelo estava bagunçado, como se ele tivesse acordado naquele momento. E o velho não parecia nem um pouco feliz com isso.

– Posso saber o que diabos está acontecendo aqui? - Perguntou, em tom autoritário e ríspido.