— Natsu, Happy, o que acham de tomar um sorvete? — chamou Lucy, encostando as costas contra o banco de pedra no qual ambos estavam acomodados.

Estavam num parque semi destruído de Magnólia. Algumas das maravilhosas cerejeiras com pétalas de arco-íris ainda se encontravam de pé, contrastando com partes do terreno com terra revirada e pedaços de madeira que provavelmente voaram vários metros desde as casas abaixo da pequena colina.

Pelos últimos instantes em que observou, ao longe, enquanto se aproximava, Happy parecia preocupado, encarando Natsu, que fitava o cenário exatamente como no outro dia. Embora Lucy tivesse dito para que ouvisse seus verdadeiros sentimentos, tudo o que o garoto conseguia fazer era ficar silencioso e chorar de vez em quando. Não parecia que estava verdadeiramente se abrindo, mas não era como se ela pudesse forçá-lo a sair.

Por outro lado, tinha vontade de dar a ele um motivo para sorrir, e era exatamente o que faria.

— Lucy! — Happy exclamou, a expressão se iluminando imediatamente. Pulou de seu lugar, parando mais perto da maga estelar do que de Natsu. — Você acha que eles têm sorvete com sabor de peixe?

— P-peixe? — A garota fez uma pequena careta. Claro, os gostos excêntricos de Happy nunca acabariam, de qualquer jeito, ainda mais de uma hora para outra. — A-acho que não, mas porque não perguntamos? Qualquer coisa sempre tem de chocolate.

— Natsu, vamos tomar sorvete! — incentivou o gato, virando-se em seguida para encarar o amigo. Parecia apenas inocentemente animado, mas Lucy podia perceber sob seu tom a preocupação silenciosa pelo companheiro. Ela não era a única que se importava com ele, afinal de contas.

O rosado se mexeu um pouco, trocando de posição e colocando os braços para trás, cruzando as mãos na nuca, fechou os olhos e respirou fundo. Após alguns instantes, relaxou e abriu os olhos novamente, virando-se para os dois e sorrindo de orelha a orelha.

— Claro, por que não?

Era claramente um sorriso falso.

Se fosse o Natsu de sempre, já teria levantado e saído correndo sem nem esperar qualquer resposta. Provavelmente riria alto também, para completar. Lucy franziu um pouco as sobrancelhas, mas não disse nada, e se algum dos dois percebeu sua angústia, não deixou transparecer. Logo os três se levantaram e foram até a sorveteria mais próxima — incrivelmente um dos prédios que se manteve de pé após o desastre em Magnólia foi a sorveteria próxima à casa de Lucy.

Meia-hora mais tarde, os três estavam acomodados em um novo banco, cada um com seu respectivo potinho de sorvete e uma colherzinha para comer. Lucy escolheu os mesmos sabores de sempre, Happy se contentou com chocolate depois de fazer uma novela sobre o fato de que realmente não havia sorvete de peixe e Natsu pediu a primeira coisa que viu.

A prova máxima de seu desânimo foi quando aceitou a calda de caramelo. Natsu odiava caramelo, absolutamente nunca chegava perto. Agora estava brincando com a pazinha no potinho de sorvete e deixando o conteúdo derreter de modo lento. Parecia bem desinteressado, na verdade.

Ah, ele não estava nem sequer tentando melhorar o humor. Lucy suspirou, decidindo que teria de recorrer a algumas medidas mais drásticas.

Quando Happy pediu licença para ir ao banheiro, escorregou para o lado do rosado e colocou sua colherzinha cerimoniosamente dentro do pote, tirando um pedaço considerável de sua bola de morango — com uma generosa cobertura de chocolate. Virou-se para o garoto, estendendo a pazinha para ele.

Absorto em seus pensamentos, Natsu demorou alguns instantes para perceber o projétil pairando perto de sua bochecha — e a proximidade com sua pele era suficiente para acelerar o processo de derretimento do doce. Ele piscou surpreso, virando para olhar a garota e fazendo sem querer com que o sorvete batesse em seu rosto, sujando sua bochecha de cor de rosa. Ao empurrar a mão de Lucy, o restante do sorvete caiu da colherzinha, terminando seu trajeto sobre a saia azul dela.

A repentina sensação gélida fez a loira estremecer, e demorou menos que um segundo para que levantasse pulando.

— Gelado, gelado, gelado! — exclamou, balançando as pernas e os braços, em desespero. Segundos depois, antes que pudesse assimilar, havia uma mão grande sobre sua saia (diga-se de passagem, sua coxa), e outra em seu pulso, tentando fazê-la parar.

No susto, Lucy jogou o braço para cima, acertando o peito de Natsu com seu potinho de sorvete e terminando de decorá-lo com agradáveis manchas de rosa e marrom artificiais. Observou boquiaberta enquanto ele a encarava parecendo surpreso e parcialmente curioso.

A mão em sua perna era quente, assim como aquela em seu braço, e Lucy deixou o potinho — agora vazio — cair no chão, um pouco confusa. Como seu pequeno plano de animá-lo obrigando-o a comer o sorvete de morango acabara com os dois cobertos de doce?

Falando nisso, desde que Natsu tocou sua coxa...

— Não está mais gelado — murmurou.

— Ah, eu esquentei o sorvete — explicou ele simplesmente. O mesmo processo acontecia rapidamente com os restos de doce em sua bochecha e peito, que rapidamente iam perdendo o brilho úmido.

A garota não deixou de notar que embora ele tivesse afirmado que havia esquentado o sorvete para ela, a mão masculina não deixou a curva de sua coxa, e poxa, estava muito perto de outros lugares para o gosto dela!

— N-Natsu... Sua mão — pontuou, a voz baixa, tentando não pensar muito sobre o assunto, caso contrário coraria flagrantemente.

— Ah, ok. — E adivinhe? Ele tirou a outra mão, deixando o braço da garota livre. Lucy estreitou os olhos, tentando ignorar como a ingenuidade do rosado a estava incomodando, e usou os dedos do braço livre para dar um pequeno tapa na palma de Natsu, retirando-a efetivamente de sua saia azul.

— Oh, calma — resmungou, puxando sua mão de volta. Olhou para ela por alguns instantes, então usou a mesma mão para pegar um pouco de sorvete de sua bochecha, acomodando-a entre os lábios em seguida.

Sua expressão se iluminou tão logo reconheceu o sabor de morango, que até onde Lucy sabia, era um de seus favoritos — e não o flocos e o limão em seu potinho, agora esquecido sobre o banco de pedra.

Natsu tirou a mão da boca, passando-a em sua bochecha novamente e então estendendo os dedos e os escorregando pelo nariz de uma Lucy distraída, o que a fez pular de novo, focando no rosto masculino.

E lá estava ele. O sorriso verdadeiro.

— Tá muito bom, hein, Luce — cantarolou o apelido sem parecer nem sequer pensar ao fazê-lo e a Heartfillia sabia que não podia ser encenação, como seus sorrisos anteriores.

Aquela risada era tão linda. O modo como seus cabelos rosados emolduravam o rosto levemente corado o tornava extremamente adorável. Ok, Lucy podia esquecer que por culpa dele, sua saia agora parecia ter tomado um tiro de morango e seu rosto precisaria de uma passadinha no banheiro.

Pois é, embora o mundo parecesse relativamente destruído, o mesmo para suas vidas, e o coração de Natsu também, aquele havia sido de fato um belo dia, e esperava ter outros assim pela frente.