Família Dixon escrita por Andhromeda


Capítulo 9
As lágrimas de Beth Greene


Notas iniciais do capítulo

Oie gente!
Voltei!
Desculpa pela demora e tal, mas esse cap. é enorme e espero q vc gostem!
Muito obrigado pelos comentários – surtei com tds eles...
Bem, boa leitura!



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Daryl dormiu a noite toda e ate tarde na manhã seguinte.

Estava sozinho quando acordou, ignorando a vontade que tinha de ir ao banheiro – a apreensão por não saber o paradeiro de Beth e Judith colocava tudo mais em segundo plano – pegou a besta, sentou-se e balançou as pernas para fora da cama, delicadamente esticou a perna ferida. As coisas estavam melhores que no dia anterior, pois a única coisa que sentiu foi o enrijecimento e um repuxar suave.

Suas botas estavam ao lado da cama e uma camisa nova estava jogada sobre o encosto da cadeira.

Colocou as botas – com alguma dificuldade – e ignorou totalmente a camisa. Meio inseguro em suas próprias pernas – principalmente depois de ficar tanto tempo deitado – levantou-se e foi mancando em direção a porta.

No final do corredor pode ouvir vozes – não reconheceu nenhuma delas – e teria recuado, se a urgência de encontrá-las não o tivesse impulsionado a continuar.

Apertou o cabo da besta e a manteve ao seu lado – mas não de uma forma ameaçadora – mancou pelo corredor e empurrou uma porta de metal que deu para uma cozinha.

O lugar era imenso, cercado por grandes janelas – que eram traspassadas pelo Sol da manhã e mantinha o lugar todo iluminado – alguém tinha pintado flores coloridas nas portas dos armários, da pia e da geladeira industrial que já não servia mais para nada naquele novo mundo, uma grande mesa de madeira estava posicionada no canto – forrada com uma toalha branca e arrumada com vários copos, pratos e talheres – com o total de 12 cadeiras a sua volta.

A imagem lhe lembrou da prisão com um choque doloroso, não na aparência – esse lugar era mais o tipo familiar, já seu antigo lar era mais um grande refeitório – mas pelo clima aconchegante e intimo.

Parecia uma cena tão malditamente normal.

Uma idosa negra estava à frente do fogão cozinhando algo que cheirava muito bem, uma mulher alta secava alguns pratos na pia, uma menina com os cabelos encaracolados – parecia ter a idade de Carl – terminava de arrumar a mesa e um adolescente estava largado em uma das cadeiras parecendo estar exausto.

Espero que não esteja com esses pés em cima da minha cadeira, Thomas Parks –disse a idosa ainda de costas, seja lá o que estivesse preparando no fogo, estiava enlouquecidamente.

– Eu nunca faria isso, vovó – devolveu o adolescente, cruzou as pernas que estavam em cima da cadeira e trocou um sorriso cúmplice com a menina.

– Menino terrível... – a senhora começou, mas ao se virar viu Daryl na entrada e congelou.

Todos se viraram para encara-lo, o garoto mudou para uma postura defensiva e a menina ficou dividida entre olhar para a idosa e ele. Foi à mulher morena que estava na pia a primeira a cumprimentá-lo.

– Ola, você é o marido da Beth – não era uma pergunta – fiz parte do grupo de resgate.

Ele sentiu um calor no estomago e assentiu em silencio. Odiava ser o centro das atenções.

A idosa pigarreou, apagou o fogo, limpou as mãos no pano de prato que trazia preso a cintura e sorriu para ele.

– Seja bem-vindo, rapaz – ela tinha um jeito calmo e terno de falar, que simplesmente o fazia se sentir como um garoto novamente, considerando a merda que sua infância tinha sido, ele não gostou nada daquilo – me chamo Ivone Parks.

Daryl permaneceu calado, apertou um pouco mais a besta ao seu lado.

– Bem, de qualquer forma, aquela é a Miranda – apontou para a morena com um gesto de cabeça – esse menino mal educado é o Thomas.

– Tommy – corrigiu o adolescente, com um sorriso brincalhão.

– Ele é meu neto, mas realmente não sei a quem puxou – apesar de suas palavras, passou a mão carinhosamente pelos cabelos do garoto – e essa é a Liza.

– Somos irmãos, mas eu não sou idiota como ele – disse a menina, com todo entusiasmo e imperialismo que apenas uma irmã mais nova poderia ter.

– Pirralha – devolveu o irmão ofendido.

Daryl teria achado a troca de alfinetadas ate engradas, mas algo mais urgente martelava em sua cabeça.

– Onde esta Beth e o bebê? – sua voz estava rouca e grossa por falta de uso.

Felizmente a senhora pareceu reconhecer a serenidade em seus ombros e a mão firme na coronha da besta.

– Ambos estão muito bem, rapaz – respondeu com firmeza, e algo muito parecido com reprovação – foram verificar o novo quarto que Ranger e Jessie limparam pra vocês.

Foda-se se não gosta dos meus malditos modos. Porque ate onde sabia eles eram estranhos e não confiaria a segurança de Beth e Judy a eles, nem mesmo a uma velha bondosa e um bando de crianças.

Não depois do Governador.

– Onde fica isso?

– Não muito longe, na verdade, muito perto – ela deu um sorriso tranqüilizador – tem uma vila de conjugados no lado Leste, nós ficamos lá, achamos mais seguro.

– Não tem que carregar essa coisa, não seria muito racional da nossa parte salvar a sua bunda pra depois matá-lo – disse Miranda, cruzou os braços e o encarou incisivamente.

– Nunca se sabe – Daryl devolveu o olhar da mulher com igual desafio.

– Seu filh... – começou a mulher, dando um passo à frente, seus olhos castanhos pegavam fogo.

– Miranda – repreendeu a Sra. Parks, colocou a mão no ombro da mulher – o Sr. Dixon não nos conhece e tem uma família a zelar.

– Somos os idiotas que arriscaram a vida pra salva-lo! – ela gritou.

– E foi uma boa ação, querida, estou muito orgulhosa de você – sua voz tinha perdido a borda autoritária que havia assumido segundos atrás – mas o mundo não é o mesmo e algumas pessoas demoram mais que outras pra confiar.

– Ou talvez ele seja apenas mais um idiota – jogou um olhar de desprezo para o caçador, sentou-se em um das cadeiras, tirou uma pedra cinza do bolso de trás da calça, uma faca de caça da cintura e começou a amolá-la.

Longe de parecer ofendido, Daryl olhou em volta. Thomas – ou Tommy – chegou sua cadeira mais para perto de Liza, a semelhança entre os irmãos era gritante; ambos eram negros e magros, com cachos selvagens e olhos castanhos.

– Gostaria de comer algo? – perguntou à idosa.

O caçador apenas assentiu com um gesto de cabeça – com cuidado – colocou sua besta contra a cadeira mais próxima à mesa e sentou-se.

A Sra. Parks tinha preparado uma espécie de bolo de frigideira – feito apenas com os ingredientes que tinham a mão – e Daryl quase gemeu de prazer quando deu à primeira mordida, a velha sabia cozinhar e fazia tanto tempo que não sabia como era o gosto de comida de verdade – tirando as coisas que caçava – que teve medo de seus dentes caírem.

Miranda permanecia afiando as facas e só parava ocasionalmente – para lanchar um olhar sanguinário pro caipira, ou para comer. Ela era rápida e eficiente, o movimento com as laminas pareciam fazer parte da sua natureza.

Talvez ela também seja uma caçadora...

Não muito tempo depois ouviram vozes – tranqüilas e estáveis – seguido do som de botas vindos da entrada da cozinha.

– ...foi o primeiro banho decente que tive em muito tempo, a água estava fria como o inferno – dizia Ranger – mas menina, foi como se a mão de Deus estivesse descendo sobre mim.

A risada de Beth era tímida, mas genuína.

Daryl não gostou nada daquilo, parou de comer e fez um esforço monumental para não rosnar.

Foi Liza e seu sorriso que lhe lembrou o que eles pensavam sobre a relação que tinha com a Greene, por isso, ao invés de transparecer sua irritação tão abertamente, só afundou mais na cadeira e estreitou os olhos, observando a cena.

– Nós nos acostumamos a não ter água na estrada – Beth sorriu para o homem quando ele segurou a porta aberta para que entrasse – realmente devo a você pelas roupas.

O humor do caçador passou de ruim para insuportável.

Por que ela tem que ficar mostrando os dentes pra esse idiota, garota estúpida. Ela disse que não confiaria mais tão facilmente em estranhos depois do Governador, olhando a forma como a adolescente parecia se derreter toda para o vaqueiro desgraçado, Daryl já não tinha tanta certeza assim.

– Não me deve nada, pequena – Ranger colocou a mão no ombro de Beth e deu um aperto reconfortante – você já perdeu muito.

Dessa vez o caçador não pode evitar o rosnado que saiu pela sua boca e reverberou pela cozinha, todos param o que estavam fazendo para encará-lo, mas Daryl não se importou – ou mesmo percebeu – toda a sua atenção estava na loira e o maldito que achava ter o direito de tocá-la.

A Greene lançou um olhar confuso e questionador em sua direção, mas ele apenas deu de ombros. Ranger com um olhar de conhecimento deu um aceno e deixou sua mão escorregar do ombro dela.

– Bem, parece que hoje é o dia de sorte de vocês, a senhora Parks esta fazendo bolo de frigideira – o vaqueiro disse, tentando dissipar um pouco a tensão que dominava o lugar, mas ela era tão espessa que poderia ser cortada com uma faca – é de comer rezando.

– Tem ainda mais sorte de ser o turno do Sean – Tommy foi em seu socorro – ele come como se tivesse dois estômagos, é uma coisa assustadora de se ver.

Todos deram risadas – um som apagado e forçado – mas parecia ter aliviado um pouco a atmosfera. A Sra. Parks gesticulou para a travessa fumegante no meio da mesa. Alem da iguaria também tinha amoras, morangos minúsculos, um pote de pasta de amendoim e o melhor, café – preto e forte.

Daryl encarou Beth, porem, logo desviou o olhar. Ela tinha acabado de sair do banho, o cabelo loiro estava preso em um rabo de cavalo e uma trança solitária descia ate seu ombro, seu rosto estava ruborizado. Usava uma roupa que ele nunca tinha visto antes – uma camisa polo amarela, cardigã branco e jeans velhos, que ficaram um pouco folgado – a única coisa que reconheceu foi suas botas de caubói.

A garota sorriu para ele e o caçador sentiu a sua raiva arrefecer.

Beth Greene exercia um poder assustador sobre ele – mesmo sem saber – em um momento ela o fazia querer arrancar a maldita cabeça de um cara e no outro... Lá estava ele retribuindo o sorriso – nada muito significativo, apenas um repuxar de lábios.

Mantenha sua maldita cabeça longe dessa menina.

Não que Beth fosse ajudar.

Ela deslizou para a cadeira ao seu lado, roubou um pedaço do seu bolo e enfiou na boca – com a maior naturalidade. Costumava fazer isso na prisão – não só com ele – quando se sentava com Judith a mesa.

Ele a encarou e mudou seu prato instintivamente para o seu lado direito – onde ela pudesse ter fácil acesso – seus olhos azuis brilharam e Daryl sentiu-se impotente – e tentado – diante dessa expressão.

Sacudiu a cabeça e afastou-se dela.

Não vá por ai, Dixon.

– Onde esta Bravinha? – ele perguntou, olhando para seu prato em vez da garota.

– Com Jessie – Beth respondeu.

– Quem diabos é Jessie? – gritou a pergunta.

Daryl sentiu o corte da raiva quando segurou o olhar de Beth. Eles deveriam cuidar de Judith – mesmo que ele mal conseguia cuidar de seu próprio rabo agora – e ela tinha aproveitado a primeira oportunidade para deixar a bebê com alguém que ele não conhecia.

Pior, não confiava.

Beth fraquejou um pouco – de olhos arregalados – abriu e fechou a boca enquanto tentava forçar as palavras a saírem.

Alguém fez um pequeno som e Daryl olhou ao redor, serrou os punhos sob a mesa. O primeiro rosto que viu foi o da Miranda – e ela parecia horrorizada, impotente e furiosa.

Conhecia aquele olhar – a repulsa que sentiu deixou um gosto amargo em sua boca – ele próprio tinha olhado para Carol daquela forma quando Ed ainda era vivo.

– Eu não... – Daryl começou com relutância, sem saber direito o que dizer.

Dois adolescentes escolheram esse momento para entrar na cozinha, o garoto era magro como um bambu e moreno, a garota era ruiva e usava um chapéu John Deere e Judy tagarelava alegremente em seus braços.

A bebê também usava roupas limpas e segurava os cabelos vermelhos da garota entre seus dedinhos, em êxtase.

Daryl levantou da cadeira em um solavanco – sentiu uma pontada nos pontos da cintura, mas o ignorou – e foi em direção aos recém chegados. Beth também havia se levantado e o caçador se encolheu quando as mãos delicadas seguraram o seu braço.

Ele nunca tinha sido fã de toque, principalmente considerando que durante grande parte da sua vida, ser tocado por alguém sempre era sinônimo de dor – primeiro com sua mãe, depois seu velho, os canas quando era lento demais e acabava sendo pego, ate mesmo seu irmão já o tinha dado umas boas surras – mas o toque dela era diferente.

Era sempre calmo, quente e suave, nunca prometia dor, mas conforto.

E sempre o deixava sem saber como reagir.

– Daryl, esta tudo bem – sua voz era baixa, a mesma que um domador usava para tranqüilizar a sua fera – Jessie só cuidou dela por alguns minutos pra que eu pudesse tomar um banho, ela esta bem.

O caçador apenas deu-lhe um olhar afiado e saiu mancando alguns passos em direção a ruiva, que deslizou Judith em seus braços – após um momento de hesitação que fez Daryl cerrar os dentes. Ele puxou a bebê para perto de si, ela veio tranquilamente, como se pudesse sentir seu desconforto. Ranger estava prestes a falar algo, porem, Beth foi mais rápida.

– Não te mataria ter um pouco de fé.

– Daryl cuspiu as palavras com desprezo não fez diferença pra gente – ele sabia que tinha que parar de falar, que se arrependeria de suas palavras, mas a maldita esperança dela ainda os mataria – com certeza não fez nada pelo seu pai!

Tinha razão, assim que disse as palavras e viu o efeito que elas causaram na Greene, ele se arrependeu.

Com o canto do olho, viu Jessie abrir a boca como se para repreende-lo como merecia – o caçador estava quase agradecido por isso – mas algo a parou, porque a garota estalo os lábios juntos para fechá-la.

Foda-se.

Beth respirou fundo – de dor – ainda estava de pé ao lado da mesa parecendo magoada.

– Eu estou cansada – sua voz estava plana e distante, seus olhos azuis estavam secos, mas dolorosamente tristes – se você puder...

– Eu tomo conta dela – o caçador murmurou, não sabia mais o que dizer.

Beth assentiu, deu uma ilusão vacilante de seu sorriso de sempre, acenou para Ranger, suspirou um “obrigado” a Jessie – que era meio um pedido de desculpa – e saiu da cozinha com passos rápidos.

Quando as portas de metal se fecharam atrás dela, Daryl balançou Judy levemente e engoliu em seco, evitando os olhares de todos os estranhos que haviam acompanhado seu show de drama com a Greene.

Ele sentia-se mal e claustrofóbico, parado ali, sendo julgado por todos.

– Como o pai dela morreu? – perguntou Miranda, friamente.

Daryl não respondeu de imediato, repassou a cena em sua cabeça; As súplicas de Rick, os movimentos violentos do Governador, a aceitação estóica no rosto de Hershel – que eles puderam ver mesmo a partir de cima do muro – o spray de sangue...

Considerou simplesmente ignorar a pergunta, afinal não era da conta deles, porem, já tinha sido cretino demais por um dia.

– Teve a cabeça cortada por uma espada – respondeu sem rodeios.

Um silencio constrangedor caiu sobre a sala. Achando que já tinha agüentado demais daquela merda, Daryl se virou para voltar ao seu quarto, mas foi parado pela voz da Sra. Parks.

– A menina não comeu nada e nem você terminou seu prato – o tom de reprovação estava em cada palavra – leve algo pra ela e não desperdice a sua refeição.

Tinha algo naquela velha que simplesmente o impedia de agir como um filho da mão, talvez fosse essa aura de autoridade – que diferente de Rick, era pontuada com uma força puramente maternal.

Então ele apenas assentiu, a idosa foi ate a pia, pegou um prato, transferiu o bolo de frigideira do seu prato para ele e colocou mais alguns pedaços, enrolou um pano em volta de tudo e colocou em uma bandeja pequena, junto com uma garrafa de água e algumas daquelas frutas minúsculas.

Daryl nem sabia explicar como tinha conseguido equilibrar tudo, quando a mulher lhe entregar a bandeja. No fim, mancou ate seu quarto com a bebê de um lado e a comida de outro.

Podia ouvir os soluços dela do outro lado da porta, ele parou e mexeu-se desconfortavelmente em suas roupas. Judy o olhou e soltou alguns sons reconfortantes, Daryl encostou a testa na porta e soltou um suspiro resignado.

– Também não estou muito ansioso pra fazer isso – encarou a menina em seu colo, que por sua vez, apenas sorriu e segurou sua barba com aqueles dedinhos rápidos e curiosos.

Demorou mais tempo que o necessário para abrir a porta e quando o fez, sentiu seu coração esfriar.

Beth estava no centro da cama, ainda estava com a blusa amarela, mas o cardigã estava estendido na cabeceira e as botas estavam largadas displicentemente ao lado da porta. Seu pequeno corpo estava todo encolhido; os joelhos recolhidos junto ao peito, com seus braços em volta dele, a cabeça abaixada – escondida – e os cabelos loiros bagunçados.

Dentro do quarto, os soluços eram mais altos – mesmo sendo abafado pelo seu corpo, por causa da sua posição – os tremores dos ombros e os sons desamparados, fizeram algo quebrar dentro dele.

Daryl colocou o prato em cima da mesa e sentou-se na cadeira dobrável – que ficava diretamente de frente para a cama – e esperou.

Judy começou a brincar com os botões do seu colete, e o caçador dividiu a sua atenção entre ela e a adolescente na cama.

Ele deveria confortá-la, seus dedos coçavam por tocá-la e tentar fazer com que a dor passasse, só que não sabia como.

Nunca tinha sido bom com pessoas – nem mesmo crianças – e não era conhecido por se dar bem com as mulheres por suas belas palavras. Porem, era sua culpa Beth estar chorando, não tinha muitas regras em sua vida, mas se fazia uma merda era a porra do seu dever concertá-la.

– Beth – sua voz era baixa e cautelosa.

Judith se remexeu em seu colo e ele se levantou para colocá-la no chão – em cima de um lençol – onde ela ficou alegremente comendo/mordendo a orelha do cão de pelúcia que tinha ganhado.

– Beth – repetiu, um pouco mais alto.

Ela levantou a cabeça como se tivesse levado um banho de água fria, seu rosto estava um desastre; todo vermelho, molhado de lagrimas – e outras coisas – sua pupila estava dilatada e seus lábios tremiam.

No primeiro momento seus olhos azuis pareciam não reconhecê-lo – perdida demais em sua dor – mas quando realmente o viu, serrou os dentes em uma tentativa inútil de parar de chorar e passou a mão pelo rosto, para secá-lo.

Ele rapidamente puxou sua bandana do bolso de trás da calça – ela era preta e estava relativamente limpa – e estendeu para a garota. A Greene o ignorou e encarou fixamente a cadeira que ele estava sentado há poucos minutos atrás. Sem se abalar, o caçador bateu no ombro dela com a bandana e esperou.

De má vontade, a garota pegou o pano e esfregou o rosto.

Satisfeito, o caçador virou de costas e voltou a sentar-se na cadeira, sua atenção focada no bebê – que estava de barria no chão tentando se arrastar como uma tartaruga. Ela soltava uns balbucios doces e litros de baba. Um sorriso involuntário se instalou no rosto de Daryl, ele se perguntou onde estaria a chupeta da menina.

– Eu não disse adeus – disse Beth da cama, seu tom era baixo e frágil.

Daryl desviou seus olhos da menininha para a Greene.

– Não me despedi do Zach porque pensei que se não o fizesse, ele voltaria – derramou mais lagrimas e fungou – mas ele não voltou.

Ele sentiu o tão conhecido sentimento de culpa, deveria ter mantido o garoto seguro.

– Uma vez meu pai me disse que se quiséssemos muito uma coisa, deveríamos ter esperança, então eu desarrumei a minha mochila e nunca mais disse adeus – mais um soluço – mas ele estava errado, pedi por um lugar seguro, pedi pra que as pessoas que amo fossem felizes, mesmo depois da gripe, enquanto as pessoas morriam nas suas próprias camas e eu tive que ficar presa naquele escritório e manter Judy e as outras crianças seguras, mesmo naquele tempo mantive minha fé – passou a bandana no rosno novamente – só que ai veio o Governador e meu pai...

Daryl nunca tinha se arrependido tanto de suas palavras quanto naquele maldito momento.

– Meu pai era um bom homem, Daryl – disse com veemência e dor.

– Sei disso.

Hershel tinha sido o homem mais honesto e honrando que tinha conhecido em toda sua vida.

– Sei que me acha uma menina boba, que vive no mundo da Lua, sonhando com a droga de um mundo melhor – sua tristeza recuou um pouco e deu lugar a raiva, Beth levantou a cabeça em desafio – eu não sou burra ou cega, vejo a merda a minha volta – não tinha mais lagrimas – Céus, tive que matar mais dessas coisas do que posso contar, pra manter Judy segura!

Inacreditavelmente, as palavras dela o fizeram relaxar. Ela estava irritada e isso era bom, era algo que ele sabia como lidar. Não se importava de levar algumas patadas – sua vida o tinha ensinado como sobreviver a elas – desde que a garota engolisse aquelas lagrimas miseráveis.

– E Deus sabe que você não é uma das pessoas mais fáceis pra se juntar no fim do mundo, mas estamos bem – sua voz tinha perdido um pouco da força – preciso da minha fé, Daryl – seus grandes olhos o prenderam, e ele tinha certeza que se afogaria naquela imensidão azul – preciso acreditar que as coisas irão ficar melhores, não importa o quão ferrado estamos, não podemos perder a esperança, porque se não... - ela vacilou.

Mas não precisava terminar a frase, ele entendia.

Se desistisse, todas as pessoas que perderam, todas as coisas que fizeram ate aquele momento não teria a sua importância, se entregasse os pontos a morte do seu pai seria só mais uma perda inútil.

– Desculpe – era tudo que conseguia dizer.

– Você foi um idiota cretino – uma sombra de sorriso suavizou suas feições.

– Eu sei.

E ele descobriu que aquela garota frágil e gentil, que sempre tinha um sorriso no rosto, tinha mais força do que poderia imaginar.

*

Algumas horas depois Beth acabou dormindo – cansada demais depois do seu arrombo emocional – Judith esta ao seu lado, bem aconchegada, sua pequena cabeça repousava em cima do braço da Greene, que a cercava protetoramente.

Daryl estava sentado na cadeira dobrável, concentrado em derramar um pouco de anti-séptico em sua ferida no braço – já tinha cuidado da cintura e depois de alguns palavrões frustrados aceitou o fato de que o da coxa estava acima da sua capacidade. A coisa queimou como o inferno e ele apertou os dentes para não xingar em voz alta.

Parou quando ouviu uma batida fraca na porta. O caçador levantou, vestiu o colete que estava jogado na beirada da cama – não sem algumas respirações fundas quando sentiu a pontada no machucado recém limpo – e posicionou a besta ao alcance de suas mãos, antes de abrir a porta.

A ruiva – Jessie – estava do outro lado, tinha suas mãos metidas no bolso da calça e trocava o peso de uma perna para outra, desconfortável.

Daryl a encarou desconfiado e quando a garota não disse uma palavra, ele estreitou os olhos interrogativamente.

– O que você quer? – perguntou de forma brusca.

– Ah... eu vim... sabe...

– Desembucha, menina – a inquietação dela o estava irritando.

– Vim pegar a bandeja – disse rapidamente, como se tivesse se lembrado do motivo naquele exato momento.

Sem dizer nada, Daryl foi ate a mesa e pegou a bandeja com os pratos vazios, quando voltou percebeu que a ruiva tinha aberto mais a porta e encarava Beth e Judy na cama com olhos muito interessados.

– Procurando alguma coisa? – a garota pulou ao som da sua voz, o que fez sua irritação aumentar.

– Não... só... só.

– Só o que?

– Nada.

– Bom, então vá fazer nada em outro lugar – entregou a bandeja a ela e viu seus olhos verdes brilharem com incerteza, poderia quase ouvir a guerra interna que ela estava travando, mas não tinha saco para aquela merda.

– Já bateu nela? – a garota guinchou, antes que ele pudesse fechar a porta.

Daryl estacou, sentiu a raiva correr por sua corrente sanguínea.

Que tipo de homem essa menina achava que ele fosse? Mas a resposta veio com um tom zombeteiro, imagem do show que tinha dado mais cedo da cozinha, em anexo.

O tipo de homem que grita com a esposa por qualquer merda e esfrega a morte do pai assassinado na sua cara, na frente de estranhos.

– Nunca coloquei minhas mãos sobre ela – não tinha que se explicar para ela ou qualquer outra pessoa, mas mesmo assim – não sou um idiota covarde – completou com veemência e raiva – não faria isso com a Beth, ou a Bravinha – acrescentou a menina tardiamente, lembrando-se que a bebê era sua filha agora.

Jessie aparentemente acreditou nele, porque concordou com um aceno.

– Desculpa por perguntar, não queria se intrometida – pediu a ruiva, arrastando os pés.

– Não esquenta – rosnou.

– Vou fazer um kit com algumas ataduras, material pra curativos e antibióticos, pra você – ela tentou, Daryl aceitou sua oferta graciosamente como só ele sabia fazer, com um aceno de cabeça e um grunhido – Beth vai saber como usá-los.

Mais um pouco de silencio constrangedor entre os dois.

– Então... tchau – Jessie deu um sorriso sem graça e foi embora.

O caçador fechou a porta e se perguntou se teria feito muita diferença para ele se na sua infância as assistentes sociais tivessem sido um pouco mais... intrometidas.


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Notas finais do capítulo

Antes q me perguntem: Ranger+Beth = amor puramente fraternal >>> Daryl+Ranger = louco ciumento!
O que acharam?