Impressões Enganam, as escrita por MyKanon


Capítulo 9
Ela tem cidadania alemã




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Então por que raios ela comera o chocolate? Por Deus, não deveria nem tê-lo aceitado!

E como eu pude me esquecer desse detalhe tão importante?

 

Precisava ligar pra ela! Saber se estava bem, se ainda estava consciente, se tinha ido ao hospital...

Mas como conseguiria o telefone dela? Ela ao menos tinha um??

Talvez a Elaine do RH tivesse... Mas eu já havia saído com ela algumas vezes, não podia pedir o telefone de outra garota...

O Robinson poderia conseguir isso pra mim, mas pedir esse favor só faria aumentar suas suspeitas.

 

Se ela morresse, eu seria acusado de homicídio doloso, correto? Errado. Aquilo até parecia planejado. Teria sorte se não fosse qualificado como premeditado!

Tudo bem que na realidade, o máximo que aconteceria, era ela passar mal por um tempo, mas mesmo isso já era  muito. Talvez não voltasse a falar comigo nunca mais.

 

Ela devia ter feito a parte dela de recusar.

E claro, eu de me lembrar.

 

*

 

Meu fim de semana não foi grande coisa. Era difícil me divertir pensando no quanto havia feito mal à Veridiana.

Estava ansioso para chegar ao escritório na segunda-feira e me desculpar. E isso fez com que eu chegasse excepcionalmente cedo.

Ela não estava em seu lugar, mas seu casaco rosa estava pendurado na cadeira, e seu micro ligado. Suspirei aliviado, enquanto observava sua cadeira recém-desocupada.

_ Bom dia, Vitor!

Virei-me assustado para ela. De onde havia surgido?

Provavelmente vinha da cozinha, pois trazia um copo de chá.

Vestia uma camisa branca e uma de suas saias floridas. O cabelo estava preso num coque no alto da cabeça, fazendo-a parecer mais formal que me lembrava.

Alguma coisa nela parecia diferente...

Não sei porque foi tão difícil de admitir que estava mais bonita que de costume. Muito bonita.

_ Quer chá? - perguntou, acredito que para me fazer falar.

_ Não, obrigado... E aí, tudo bem com você?

_ Comigo? - perguntou surpresa – Sim, por quê?

_ Como assim? Sexta-feira eu quase te matei!

Senti vergonha ao notar que algumas cabeças ergueram-se de suas baias para tentarem ver o que acontecia.

Pigarreei tentando me recompor.

Com toda calma do mundo, a Veridiana limitou-se a sorrir para mim. Contornou-me até chegar à sua cadeira e disse:

_ Não foi culpa sua. E aquilo não foi nada.

_ Eu me esqueci da sua intolerância do leite, não sei nem como me desculpar! Mas... Por que você comeu o bombom?

Ela ficou me observando atentamente, e demorou para falar:

_ Eu posso ingerir uma pequena quantidade de lactose. E foi tão gentil de sua parte! - em seguida voltou a sorrir despreocupada.

Ela parecia mesmo bem. No fim das contas, eu não tinha levado-a à morte, nem perto disso. Ou ela disfarçava muito bem.

Tinha quase certeza que ela disfarçava muito bem. Estava sempre sorrindo como se o mundo não estivesse desabando de tanto trabalho ao seu redor.

_ Prometo não fazer de novo. - finalizei.

Tive de me obrigar a voltar para o meu lugar e deixá-la trabalhar.

Mal encostei na cadeira, e vi meu chefe caminhando por entre as baias, em nossa direção. Tinha ouvido minha conversa com a Veridiana e estava agora vindo me dar uma bronca pelo escândalo?

Sustentei seu olhar, mesmo que isso fizesse uma ventania atravessar meu estômago.

Mas por sorte ele passou reto. Parou em frente à Veridiana e pediu:

_ Pode me acompanhar um minuto?

_ Claro. - ouvi-a responder delicadamente.

Não pude deixar de acompanhá-los com o olhar até a porta da sala dele ser fechada.

Pronto! Era só o que me faltava! Fazê-la quase perder a vida não era o suficiente, eu tinha que tentar tirar-lhe também o emprego!

Dez minutos se passaram, e nada aconteceu. Observei seu lugar vazio através da fresta entre nossas baias, na esperança que tivesse voltado sem que eu tivesse percebido, mas não tinha.

Então completaram-se vinte minutos.

Depois de meia hora eu já estava impaciente. Estava lhe aplicando uma bronca? Estava preparando sua carta de demissão?

Não entendi porquê, mas já havia forjado uma falsa dúvida para tirar com ele. Imprimi uma folha com um código maluco e me dirigi à sala dele.

Se não pudesse me atender, não atenderia. Simples assim.

Bati levemente na porta. Antes mesmo de perguntar quem era, ele abriu.

_ Olá, sr. Barasal... Será que eu podia te perguntar uma coisa?

Ele olhou para trás, e consegui vê-la sentada  em frente à sua mesa, falando ao telefone.

_ Sim? - perguntou, afastando-se da porta e me dando passagem.

_ Aqui... Eu só queria saber... - eu já tinha esquecido a mentira que havia inventado.

A voz da Veridiana acabou me tirando o pouco de presença de espírito que eu tinha até então. Ela começou a conversar com a pessoa que estava na linha, mas numa língua que não pude entender.

Não era inglês, pois eu conseguia me comunicar razoavelmente bem no idioma. Espanhol menos ainda. Nem nada derivado do latim.

_ O que era Vitor? - ele tornou a perguntar.

_ Não, é que... Eu só pensei que... Me desculpe, acabei de me dar conta que me enganei.

_ Certo, então.

Dando-me as costas, voltou a sentar-se no seu lugar, observando o diálogo de minha colega ao telefone.

_ Feche a porta quando sair, por favor. - me pediu, quase que me pedindo por isso.

Estava achando que eu queria bisbilhotar a conversa da Veridiana? Cheguei até a me sentir lisonjeado por acreditar que eu pudesse entender algo...

Bem, pelo menos não a mandara embora.

Mas também... O que estaria acontecendo? A dúvida me remoía por dentro, mas não podia deixar que o ocorrido me tirasse toda a concentração, me fazendo perder toda uma manhã de serviço.

Vi quando ela voltou da sala dele para o seu lugar, mas preferi não lhe fazer perguntas. Era evidente que tinha muito serviço a fazer.

 

*

 

_ Está muito ocupada? - perguntei observando-a por cima da nossa divisória.

Já passava de meio dia e os roncos do meu estômago se faziam ouvir por todo o andar.

_ Não... Nossa, já está na hora de almoçar, não é mesmo?

_ É. Vamos?

Ela consentiu com um aceno e deu uma última mexida em seu computador.

Embarcamos no elevador junto de outras pessoas, por isso acabamos não conversando. Ao deixarmos o prédio, ela ainda perguntou se eu gostaria de comer no restaurante japonês novamente, mas acabei preferindo um lugar mais próximo. Precisava voltar logo e mostrar algum resultado para o meu chefe, antes que começasse a achar que eu realmente era retardado.

_ E então, conseguiu resolver aquele problema? - ela me perguntou enquanto aguardávamos nossos pedidos.

_ Que problema?

_ Aquele que você ia perguntar para o Barasal.

Eu já havia até me esquecido da encenação.

_ Ah, claro. Na verdade foi só uma pequena confusão minha. Já está tudo resolvido.

_ Que bom! - ela sorriu e voltou a olhar o cardápio – Como eu queria um sorvete...

_ E você? Resolveu o que ele te pediu?

Ela inclinou a cabeça de um lado a outro, sinalizando um “mais ou menos”.

_ E o que era aquilo? Alemão?

_ Hum-hum. - confirmou, novamente com a cabeça - O Barasal precisa da minha ajuda, pois não fala alemão. - depois suprimiu uma risada.

Tentei, mas não consegui evitar o riso. Depois de me controlar, comentei:

_ Uau, então você fala com muita fluência!

_ Era o mínimo que eu podia fazer pela minha mãe... Ela é alemã.

_ Sério? Nossa, que legal. Seu pai também?

Dessa vez ela negou com outro aceno. Depois disso, não disse mais nada. Talvez fosse um assunto desagradável, e por isso não dei continuidade.

Pouco depois nossos pratos chegaram e tivemos um motivo real para fazer silêncio.

_ Você sabia que por apenas 3 dias eu não nasci alemã também?

Já que ela tinha começado, não via problema nenhum em continuar:

_ Ah, é mesmo? Que maneiro!

_ É, mas a minha mãe acabou aceitando as condições do meu pai para se casar, e veio pra cá. Mas agora eu tenho dupla cidadania, e isso é muito legal!

Ri da sua perspectiva.

_ Você é mesmo surpreendente. O que mais você esconde, hein? - brinquei.

Ela riu timidamente e continuou comendo sua batata.

Então era esse o motivo de sua pele tão branca, olhos e cabelos tão claros... Sua descendência germânica. Mas falando em alemães, a primeira imagem que me vinha à cabeça era a de pessoas grandes, pesadas... Totalmente o oposto de minha colega.

_ Vamos comer em um restaurante alemão qualquer dia? - sugeri.

Ela me encarou com surpresa. Tudo que eu dizia parecia despertar-lhe esse sensação. Como uma criança deslumbrada com as novas descobertas da vida, apesar de ter muito mais cultura que eu.

_ Por quê?

_ Ué, você não gosta?

_ Ahn... Gosto... Da mesma forma que das comidas nacionais...

_ Bem, se você não quiser, não tem problema.

_ Não, o problema não é esse... Ah, você já deve ter notado que esse tipo de comida não é muito comum... Não conheço nenhum restaurante desse tipo por aqui!

_ No shopping do centro tem.

Depois de pensar por alguns segundos, ela concluiu:

_ É verdade... Mas é muito longe, Vitor... Passaríamos umas duas horas do nosso horário de almoço...

_ Sim, mas talvez a gente pudesse ir outro dia. Em que não estivéssemos trabalhando.

Seus olhos cinzas arregalaram-se ainda mais.

_ Em que não estivéssemos trabalhando? - repetiu.

_ É. Já que é meio longe. É só uma ideia, claro.

Voltei minha atenção para os cubos de carne no meu prato. Pelo canto do olho, vi que ela continuou alguns segundos imóvel, antes de prosseguir:

_ Não, é mesmo uma ideia muito boa. Será que você vai gostar?

Encarei-a novamente.

_ Veri, se tem cerveja, estou dentro.

Um estranho nervosismo me impediu de acompanhá-la no riso.

_ Podíamos fazer isso nesse sábado, não acha? - perguntei esperançoso.

Ela recuou alguns centímetros, recostando-se à sua cadeira. Ainda me encarava de forma confusa, como se não entendesse meu convite. Meu convite para sair.

 

Continua


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