_ Bom dia, Veri. - cumprimentei passando rapidamente pela mesa de minha colega.
_ Bom dia, Vitor!
Ela o fez com tanto vigor que me chamou a atenção. Parecia diferente. Eu não era muito bom com essas coisas de aparência, então demorei a perceber que ela estava com os cabelos amarelados soltos. Seu rosto também parecia diferente, e achei que talvez fosse alguma maquiagem.
Sorri sem-graça e tomei meu lugar.
Quatro novas mensagens de alguns minutos atrás me chamaram atenção. Uma do peculiar Barasal e três de desconhecidos.
De: Roberto Sanches
Para: Carlos Barasal
Cópia: Marissol B. Correa
Prezados,
O projeto 10.003 está atrasado, não estavam prestes a receber um estagiário para agilizar o serviço?
Att,
Roberto Sanches
Quem era Roberto Sanches? Significava que eu estava ferrado?
De: Carlos Barasal
Para: Roberto Sanches
Cópia: Marissol B. Correa; Vitor Ferreira
O estagiário já está a postos.
Att,
Barasal
“Só não está trabalhando...” Pensei desolado.
De: Roberto Sanches
Para: Carlos Barasal
Cópia: Marissol B. Correa; Vitor Ferreira
E por quê não vejo progresso?
Att,
Roberto Sanches
“Porque o Barasal me mandou fazer outra coisa!” Pensei irritado. Mas isso não era uma postura muito pró-ativa.
De: Marissol B. Correa
Para: Roberto Sanches; Carlos Barasal; Vitor Ferreira
Barasal, oriente seu funcionário. Sanches, não vejo nenhum atraso no cronograma.
Att.
Marissol B. Correa
E depois não tinha mais nada. É, salvo pelo gongo! Ou melhor, pela Marissol, que parecia ter muita influência sobre os outros dois.
Mas e então? Deveria falar com o meu chefe? A Marissol mandou ele falar comigo... Seria melhor aguardar?
_ Bom dia, Vitor.
_ Bom dia. - respondi firmemente.
_ Pode me acompanhar, um minuto?
Levantei-me tentando não mostrar muito nervosismo, e segui meu chefe para sua sala.
Chegando lá ele simplesmente me pediu para sentar e me orientou a respeito do novo projeto, não mencionando nada além disso. Deixei a sala mais aliviado que quando entrei, apesar do maior volume de trabalho.
*
_ E aí? Vamos lá? - chamou Robinson na hora do almoço.
_ Claro. Só um instante.
Terminei de digitar algumas linhas de código e bloqueei o computador. Qual não foi minha surpresa ao encontrar com o semblante risonho da Veridiana me encarando de sua mesa.
“Putz, o almoço!”
Ficamos alguns segundos imóveis.
_ Vamos? - o Robinson teve de chamar de novo.
_ Ahn... Sim, vamos.
Desfiz o contato visual e acompanhei meu colega para o restaurante. Talvez assim, ela ficasse chateada e me deixasse em paz.
_ Meu, você nem acredita... - comecei desolado enquanto esperava a comida ser servida.
_ Qual foi?
_ Essa Veridiana. Ela não me dá sossego...
_ Olha, garanhão! - brincou ele me dando um soco no ombro.
_ Não zoa não que ela tá quase vindo almoçar com a gente.
_ Ow, aí não...
_ Aí não, é? Humpf.
Bufei irritado. Se ela não desgrudasse, teria de começar a ser indelicado.
Quando voltei para o meu lugar, ela não estava. Devia ter ido almoçar. Acabei experimentando uma culpa inesperada quando a vi passando pela porta, mas não me importei muito. Eu só não a chamei para almoçar, não era tão ruim assim!
Procurei não falar com ela, o que não foi difícil, já que eu normalmente não falava, e ela também não falou comigo, o que era estranho.
Ela tinha o serviço dela, talvez só estivesse ocupada.
De certa forma, era tudo que eu queria.
Quando cheguei no dia seguinte, depare-me com a mesma Veridiana de sempre. Pálida e com os cabelos amarelos presos num rabo de cavalo.
_ Bom dia, Veri. - cumprimentei cuidadosamente.
_ Bom dia, Vitor! - incrivelmente ela respondeu de forma empolgada.
Fui para o meu lugar tentar agilizar meu serviço e me livrar daquele olhar insistente. Concentrei-me completamente ao serviço, parando apenas algumas horas mais tarde por causa da sede.
Bloqueei o computador e fui até a copa. Era uma cozinha minúscula, com apenas um bebedouro e uma pia, onde ficavam duas garrafas térmicas, uma de café e uma de água quente para os chás.
“Essa garota está me trazendo muita má sorte...” Foi o que me veio à mente imediatamente após adentrar o recinto.
Ela estava preparando alguma das bebidas, de costas para mim. Estava usando uma saia florida na altura das canelas, revelando as pernas brancas e finas.
“Para duas velas só faltam os pavios...” Imaginei, mas sacudi a cabeça na tentativa de afastar os pensamentos desnecessários e tratar de sair de mansinho dali antes que ela me notasse.
_ Também quer chá?
Abaixei-me mexendo no sapato como pretexto para a minha posição de fuga.
_ Não, obrigado. Só vim tomar uma água.
_ Hum-hum. - ela murmurou arregalando os olhos.
Desviou sua atenção para o pote de açúcar e iniciou a despejar algumas colheradas no copo. Contornei-a para pegar um copo descartável e fui para o filtro de água.
Podia sentir o peso do olhar dela na minha nuca. Lancei-lhe um sorriso sem graça enquanto enchia o copo.
_ Chá mate? - perguntei.
_ Não... Camomila.
_ Cuidado para não dormir. - desliguei a torneira do filtro.
_ Eu não durmo há 52 horas... - ela disse com o olhar perdido em algum lugar além de mim.
Cinquenta e duas horas? Era um pouco mais que dois dias...
_ Problemas de insônia? - perguntei.
_ É... De certa forma.
_ Que ruim.
_ Não faz mal... Tem dias que durmo por 24 horas seguidas...
Tomei o copo d'água em grandes goles e joguei o copo numa lixeira próxima a ela para não levar a conversa mais adiante. Qualquer papo com ela era muito bizarro para que eu pudesse acompanhar.
_ Por que você fez isso? - ela perguntou parecendo muito chateada.
Meu coração deu um salto nessa hora. Do que ela estaria falando? Do almoço? De evitá-la? De falar mal dela?
_ Isso... O quê? - perguntei inseguro.
_ Jogar o copo fora... - apontou para a lixeira.
_ Ah... Bem... Porque o copo era descartável... E jogamos fora tudo que é descartável...
_ Você sabia que o plástico pode levar até 450 anos para se decompor?
E o que eu podia fazer? Guardá-lo comigo todo esse tempo?
_ Uau... Mas... O que posso fazer?
Ela tomou o chá sem pressa. Virou-se e lavou o pequeno copo de plástico.
_ Você pode utilizar seu copo durante todo o dia. E depois jogá-lo numa lixeira de coleta seletiva. Tem uma bem perto da estação...
Hein?
_ Claro. Vou tomar mais cuidado da próxima vez.
Não faltava mais nada. No meu conceito, a Veridiana era totalmente e irremediavelmente doida.
*
_ E aí, grande? Vamos? - chamou o Robinson.
_ Opa.
_ Aí, essa é a Dani, e vai almoçar com a gente.
_ Oi Dani.
_ Dani, esse mané aí é o Vítor.
_ Aprendi com o mestre. - me defendi.
Cumprimentei a moça que ele apresentou. Parecia uma mestiça, realmente muito bonita. Uma pena não podermos falar dela durante o almoço.
Assim que levantei, mais uma vez me deparei com o sentimento de culpa ao encontrar com a Veridiana nos encarando curiosamente. Quando percebeu que eu a encarava, voltou-se para seu monitor. Como se eu não a tivesse visto...
_ Bora? - meu colega tornou a me chamar.
Se ele estava levando uma garota que eu não conhecia, qual o problema em levar uma que ele não conhecia? Tá certo que seria covardia compará-las... A Dani era uma morena vistosa, cheia de curvas, longos cabelos negros e lisos, enquanto a Veridiana... Enfim.
_ E aí Veri? Vamos com a gente?
Instantaneamente me tornei o centro das atenções. O Robinson me encarou surpreso, enquanto a Dani me encarava contrariada. A Veridiana me olhava meio avoada como sempre.
_ Eu? Almoçar com vocês? - repetiu.
Deu uma olhada para os meus outros dois colegas e começou:
_ Ah, melhor não... Não é?
_ Que nada. Vamos aí. Hoje é sexta. Dia de confraternizar. Não é, Robinson?
_ Isso aí. Vamos, Veri. - ele confirmou ainda incerto.
_ Ah... Então tá.
Então ela sorriu satisfeita e bloqueou seu computador.
Definitivamente não era uma boa ideia... Mas como meu dia já não tinha começado muito bom, então, não ia mudar muita coisa.
Continua