– Haymitch, se arrume um pouco, só hoje, e prometo que nunca mais te pedirei nada – diz Peeta, servindo-me um copo de água – E se conseguir não ficar bêbado ou vomitar no vestido da Katniss, eu agradeceria muito.

Arqueio as sobrancelhas, mas não digo nada.

– Sabe, é um dia importante, as pessoas costumam desejar felicidade ou sorte.

– Vou desejar sorte a você para aguentar aquela chata – digo - Ela é muito irritante.

– Está falando isso só porque ela é que o tem mantido vivo nos útlimos três anos agora que a Ef... – Peeta se cala ao ver o olhar que lanço para ele – Enfim, ela te impediu de entrar num coma alcólico, só isso.

– Fico com o coma.

– Tudo bem, nós o deixaremos aqui para morrer, Haymitch – diz Peeta, e acrescenta ao ver meu olhar esperançoso – Depois que você for ao nosso casamento, que, veja só, é hoje!

Suspiro.

– Então, espero você lá – diz ele me dando uma palmadinha no ombro e saindo da cozinha – Ah, Haymitch, tome um banho, por favor.

– Filho da mãe – murmuro ao me levantar.

Uma hora depois, estava sentado na primeira fileira de cadeiras, seria uma cerimônia simples, no jardim da casa de Katniss e Peeta, e apenas algumas pessoas viriam.

Ouço o barulho de saltos e logo Effie Trinket está sentada ao meu lado.

– Não esperava ver você aqui – digo, sem olhar para ela, mas posso ver pelo reflexo no vidro da janela que Effie também está olhando para frente.

– Eu não perderia o casamento deles – disse ela.

– Fui obrigado a vir.

– Imagino, do jeito que você adora eventos.

– Ainda bem que você me conhece – digo, quase sorrindo.

– Muito bem, para falar a verdade.

Viro-me para encará-la, e nossos olhos se encontram pela primeira vez desde que a deixei na Capital, três anos atrás. Ela está absurdamente natural, e há apenas algumas rugas no canto de seus olhos, mas sem muita maquiagem. Usa uma peruca de um louro quase branco e um vestido azul claro com mangas compridas, apenas seus sapatos chamam um pouco de atenção por (A) ninguém mais usa salto no distrito 12 e (B) o salto e a plataforma é cheio de pedrinhas brilhantes.

Effie estava muito mais simples do que jamais estivera na vida, e de repente eu queria muito beijá-la, mas o início da cerimônia me despertou. Depois disso, veio a primeira dança dos noivos, e alguns casais os acompanharam.

– Quer dançar comigo?- pergunto, estendendo a mão a Effie.

– Haymitch, essa música é lenta – diz ela.

– Eu não me importo – digo. Effie olha para minha mão, suspira e aceita o convite. Ela se levanta, entrelaçando seus dedos aos meus, e isso me lembra dos dias dourados que tivemos na Capital. Daquela antiga e doce Effie, sempre animada e colorida, seguindo qualquer moda da Capital.

Say something I'm giving up on you

(Diga algo, estou desistindo de você)

I'll be the one if you want me to

(Eu serei o único, se você me quiser também)

Anywhere I would've followed you

(Eu teria te seguido para qualquer lugar)

Say something I'm giving up on you

(Diga algo, eu estou desistindo de você)

Eu e Effie ficamos num canto mais afastado dos outros convidados, sem querer atrair muitos olhares. Segurei sua cintura com uma das mãos, e com a outra segurei a mão pequena e delicada de Effie, que não possuia mais unhas pontiagudas, enquanto sentia ela enrolar os cabelos de minha nuca em seus dedos.

And I

(E eu)

Am feeling so small

(Me sinto tão pequeno)

It was over my head

(Foi demais para minha cabeça)

I know nothing at all

(Eu não sei absolutamente nada)

Say something I'm giving up on you

(Diga algo, eu estou desistindo de você)

I'm sorry that I couldn't get to you

(Eu sinto muito por não ter conseguido chegar até você)

Anywhere I would've followed you

(Eu teria seguido você para qualquer lugar)

Say something I'm giving up on you

(Diga algo, estou desistindo de você)

– Então?- pergunta Effie.

– O que?- pergunto, distraído com o cheiro de seu perfume, que nos últimos anos era real apenas em minha memória.

– Não tem nada a dizer?

– Existem situações em que não precisamos de palavras para dizer o que precisamos – digo, puxando-a mais para perto.

And I

(E eu)

Will swallow my pride

(Irei engolir o meu orgulho)

You're the one that I love

(Você é a pessoa que eu amo)

And I'm saying goodbye

(E eu estou dizendo adeus)

Say something I'm giving up on you

(Diga algo, eu estou desistindo de você)

I'm sorry that I couldn't get to you

(Eu sinto muito por não ter conseguido chegar até você)

Anywhere I would've followed you

(Eu teria seguido você para qualquer lugar)

Say something I'm giving up on you

(Diga algo, estou desistindo de você)

Say something I’m giving up on you

(Diga algo, eu estou desistindo de você)

Say something

(Diga algo)

– Haymitch, não vamos fazer isso de novo, as pessoas estão comentando – diz Effie.

– Eles sempre comentam boneca – digo, girando-a e a puxando novamente para mim – Como foi que você disse? “Não somos o que elas pensam que somos’’.

– Oh, meus queridos, eu desejo a vocês toda a felicidade do mundo, vocês com certeza merecem – disse Effie abraçando Katniss e Peeta juntos após o casamento, ela estava a beira das lágrimas.

– Effie, que bom que você veio!- diz Peeta – Vai passar a noite aqui no doze, espero?

– Eu não tenho onde ficar, querido, vou pegar um trem depois da festa – diz Effie.

– Ficou louca? Não, se hospede lá em casa, se for preciso!

– E atrapalhar a noite de vocês? Nem pensar, não se incomodem, realmente, eu nem trouxe malas...

– Posso lhe emprestar um pijama e algumas roupas, se quiser – ofereceu Katniss e Peeta me lançou um olhar perfurador.

– Fique na casa de Haymitch – disse Peeta enquanto Effie falava que queria que os dois aproveitassem a noite deles sem se incomodar com os hóspedes. Effie se virou para mim, como se só agora reparasse que eu estava ali, e, as suas costas, Katniss e Peeta me lançavam olhares penetrantes.

– Você pode... ficar lá... se quiser – digo.

Effie passa um longo tempo observando-me, como se esperasse que eu mudasse de ideia, mas sustendo seu olhar sem vacilar.

– Tudo bem, tudo bem – diz Effie virando-se para Katniss e Peeta, surpreendendo-os, pois não tiveram tempo de disfarçar os sorrisos de orelha a orelha que havia em seus rostos – Mas não vai acontecer nada demais. Haymitch e eu não...

– Temos absolutamente nada em comum – completei a frase por ela e Effie me olhou por cima do ombro.

A festa acabou cedo, a maioria das pessoas tinha que trabalhar no dia seguinte, então Effie e eu nos despedimos de Katniss e Peeta e fomos para minha casa, ou seja, atravessamos a rua.

– Não há outros quartos mobiliados na casa, então você pode ficar com o meu e eu dormirei no sofá – digo – Eu vou... trocar os lençóis da cama, só um momento.

Enrolo as cobertas junto com o lençol e jogo no chão, procurando por roupas de cama limpa no armário.

– Precisa de ajuda?- perguntou Effie a porta do quarto, suas sobrancelhas quase se perderam na peruca ao ver a quantidade de garrafas espalhadas pelo chão – Uau, me admira que ainda esteja vivo.

– Vaso ruim não quebra, boneca – digo, pegando algumas garrafas e jogando-as numa sacola de lixo.

Effie entrou no quarto pegou algumas garrafas e roupas jogadas pelo chão e colocou tudo na sacola.

– Ei, tem minhas roupas aí!- digo.

– Elas estavam praticamente gritando para serem jogadas fora, por favor – disse ela me dando as costas e ajuntando o bolo de roupas de cama sujas – Vou levar isso para a lavanderia.

A sacola cai no chão e Effie abraça a si mesma, encolhendo os ombros e fechando os olhos com força. No momento seguinte ela já havia se recomposto e ajuntava a sacola do chão.

– É involuntário, mas eu estava aprendendo a controlar – ela murmura ao sair do quarto – Nada demais, nada...

Um sorriso torto se formou aos meus lábios enquanto eu terminava de arrumar o quarto. Effie voltou, me examinou por alguns minutos, mas ela não sorriu comigo, como sempre fazia, ela desviou o olhar e passou reto.

– Pronto? Acho que não conseguirá melhorar, pode me deixar sozinha agora, por favor?- perguntou ela parada do outro lado da cama.

O modo dela falar é frio, duro, como se ela não se permitisse sentir, mas seus modos ainda estavam ali. Quando vê que não me mexi ela arqueia as sobrancelhas.

– Por favor?- repete ela, inclinando a cabeça para a porta.

Dou de ombros e saio, ela me segue e fecha a porta, sem desejar boa noite.

Eu não estava dormindo, eu nunca durmo a noite, mas acho que estava em um estado de transe, e acordo com ela gritando no meio da noite. Effie.

Subo correndo e abro a porta do quarto com estrondo e Effie para de gritar no mesmo instante, com a respiração acelerada e as mãos tremendo.

– Você está bem?- pergunto.

– Só um... pesadelo – diz ela baixinho, a mão pressionando o peito.

– Quer que eu... – começo a falar, mas ela levanta a mão em um sinal de “pare”, sai da cama e passa reto por mim.

– Eu preciso de uma bebida – diz ela parando no meio do corredor e olhando para mim – Não de você.

Minhas sobrancelhas devem ter se misturado a raiz de meus cabelos de tanto que se ergueram enquanto eu observava Effie, que permaneceu parada me encarando, ela revirou os olhos e bufou.

– Vai me mostrar onde está a bebida dessa casa ou não?- ela perguntou.

Recomponho-me no mesmo instante, se ela decidiu que não vai mais se importar, não sou eu quem irá correr atrás, passo por ela e desço as escadas rapidamente, bato uma garrafa de aguardente na mesa e pegou outra para mim.

– A vontade, madame – digo, jogando-me numa cadeira.

Ela suspira e se senta a minha frente, encarando a garrafa por alguns instantes antes de abri-la e beber direto do gargalo, ela faz uma careta e eu sorrio, seu olhar encontra o meu por alguns segundos, então ela balança negativamente a cabeça e toma outro gole da aguardente.

– Então, como está a vida no 12?- pergunta ela.

– Bem melhor, pelo menos não há ninguém morrendo de fome – digo.

Ela segura uma risada.

– O que foi?- pergunto.

– Não sabia que você se importava com isso.

– Há muitas coisas que você não sabe, Effie.

– Não, não há. Doze anos trabalhando juntos, lembra-se?- diz ela.

– Sim, mas faz três anos desde a última vez que nos vimos, não é?

– Então me conte as novidades, Haymitch.

– Tipo o que?

– Tipo... o que faz desde que deixou de ser mentor?

– Crio gansos.

– Tem alguma...amante?

– Não – o que diabos Effie tem na cabeça? A bebida deve estar afetando-a.

– Oh, a morte da Coin te abalou tanto assim?- ela faz biquinho.

– Nunca teve nada entre Coin e eu – digo.

Outro tremor atravessa seu corpo e ela fecha os olhos com força, abraçando a si mesma.

– Effie? Effie?- ajoelho-me em frente a ela e seguro seus ombros, ela me encara – Você está bem?

– Estou – diz ela afastando minhas mãos e tateando a mesa a procura da aguardente.

– Não, não vai tomar mais essa coisa – digo – Não irá te fazer bem.

– Ah, falou o cara que bebeu isso metade da vida – diz Effie – Você não manda em mim, Haymitch.

– Você está na minha casa, e eu não vou deixar – eu tomo a garrafa de sua mão e a largo longe do alcance dela.

Effie me encara por alguns segundos e então se levanta e volta para o quarto.

*

– Effie, você não vai ficar?- pergunta Katniss na manhã seguinte.

– Você e Haymitch não...?- começa Peeta e eu me viro furiosamente.

– Não. Eu e Haymitch não estamos juntos. E acho que vocês deviam para de se meter no que não é da conta dos dois – digo, tendo consciência da minha grosseria – Eu e Haymitch jamais poderemos ser um casal.

Todos parecem surpresos com minha reação, mas porque todos podem mudar e ser grosseiros e eu tenho que continuar a mesma Effie Trinket, escolta do Distrito 12? Os distritos não existiam mais mesmo, a Capital havia caído, as coisas tinham que mudar.

– Só porque eu e Haymitch pensamos quase da mesma maneira, não quer dizer que combinamos, passamos muito tempo um com o outro para saber a forma que o outro pensa, não quer dizer que fomos feitos para ser um casal. Como todos dizem, somos o completo oposto, e isso não há amor que possa ajudar, nós não somos, e nunca seremos um casal.

Viro-me para Haymitch.

– Eu amo você, sempre amei e sempre irei amar, mas eu não posso continuar aqui, continuar ao seu lado suportando tudo isso, é simplesmente ridículo. E acho que tudo que precisamos agora é tempo um do outro. Procure outra pessoa, Haymitch, eu espero sinceramente que você encontre alguém que te ame como eu amei ou até mais, e, quando encontrar essa pessoa, case-se com ela. Sério mesmo, seja feliz.

Paro e respiro, e então me viro para Katniss e Peeta novamente.

– Vocês podem ir me visitar sempre que quiserem, sabem o endereço, eu irei adorar. Sei que odeiam a Capital, mas acho que as coisas vão mudar daqui pra frente e, bom, talvez vocês gostem.

Puxo Katniss e Peeta para um abraço.

– Estou muito feliz por vocês. Katniss, você estava linda ontem. Peeta, cuide bem dela – me afasto para poder olhar os dois – Vocês merecem toda a felicidade do mundo.

Paro em frente a Haymitch.

– Eu não ganho abraço?- brinca ele.

– Olhe, me desculpe por ontem a noite, eu fui muito má com você, é só que... – não, não é isso que eu tenho que dizer, balanço negativamente a cabeça – Acho que você sabe, bem no fundo, que nunca dariamos certo, Haymitch. Somos perfeitos do jeito errado.

Ele olha para baixo e sorri.

– Parece que estamos sempre indo contra o que os outros esperam de nós – diz ele.

Levanto minha mão e acaricio sua bochecha.

– Prometa que vai parar de beber – peço – E vai se livrar daqueles gansos ridículos. E arrumar sua casa. E dar um jeito na sua vida. As coisas mudaram agora, você pode tentar mudar também. Promete?

– Só se você prometer que nos veremos em breve.

– Mais cedo do que você imagina.

– Então, até breve, Effie Trinket.

– Até breve, Haymitch Albernathy.

Suspiro e baixo minha mão, entrando no trem, onde asceno para todos da janela. Respiro aliviada e sorrio para Haymitch, que está acenando e fazendo chifre em Katniss. Sorrio porque sei que não o perdi, mas o libertei.

Depois de quinze anos eu finalmente conseguia admitir que Haymitch e eu jamais ficariamos juntos. Havíamos sido feitos para nos amarmos, mas jamais sermos um casal. Mas isso não era mais um problema.