Sangue Mestiço escrita por Selenis


Capítulo 15
O Saci; O Homem de Lata




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/578677/chapter/15

O Saci

Bati com força no chão, e Granger caiu sobre mim. Fiquei instantaneamente sem ar e a empurrei para o lado. Minha cabeça estava desorientada, e meu estômago girava. Vomitei de lado, sentindo o ácido amargar minha boca. 

— Ah, Draco... Tudo bem com...? - ela se calou de repente, seus olhos arregalados e espantosos.

— O que foi? - perguntei.

Hermione meneou a cabeça em negação.

— Nada, só não tente se levantar. Você está tonto, e se tentar se levantar rápido, vai acabar...

Me levantei, mas no mesmo instante bambeei e caí. 

— Mas que m...

Senti o frio percorrer meu corpo assim que percebi que uma de minhas pernas, a esquerda, está com a canela faltando. Dei um grito, totalmente desesperado e assustado. 

— MINHA PERNA! MINHA PERNA! AAAHHHH!!! O QUE FOI QUE ACONTECEU? O QUE VOCÊ FEZ, SUA BRUXA?! SUA SANGUE-RUIM! MEU PAI VAI FICAR SABENDO DISSO.

— Shhh! - fez Hermione, pondo o indicador nos lábios. - Faça silencio, Draco. Estamos na Travessa do Tranco. Um lugar muito suspeito.

— Ah, eu já sei porque você quis que eu viesse também. - Apontei um dedo trêmulo para ela. - Você me trouxe aqui para me matar, não foi?

— Deixa de besteira, Malfoy.

— É VERDADE! AH, E AGORA? VAI ME ARRASTAR PARA UM LUGAR ESCURO E ME TORTURAR ENQUANTO ME ESQUARTEJA? 

— Te esquartejar? - disse ela, erguendo uma sobrancelha. - Mas que merda de ideia é essa?

O livro que estava com ela falou:

— Isso não seria uma má ideia. Mas se você for mesmo fazer isso, por favor, tape logo a boca dele.

— Cala a boca, eu não vou fazer isso. - Hermione me ajudou a levantar, me agarrando mesmo recebendo alguns empurrões. - Vamos lá, seu bebezão. Precisamos achar Animais Fantásticos e onde Habitam. 

Caminhamos por algum tempo, vendo bruxos e bruxas passarem por nós. Ali era um lugar estranho. Sinistro. No final do percurso, entramos em uma loja que não ficava longe da Borgins & Burkes. Era esquisita assim como a mesma. Suas janelas com cortinas negras bloqueavam a passagem de raios solares, contribuindo para o ar sombrio do local. Teias de aranha prolongavam-se por todo o estabelecimento, e velharias tinham uma numeração alta, quase infinita assim que era posto o primeiro olhar. Jurava-se que os artefatos encontrados ali, eram mais bizarros e incomuns que a Borgins & Burkes. 

Hermione e eu entramos. Nunca ouvi falar antes daquela loja.

Chamava-se Eristoneles. 

Atrás do balcão, encontrava-se um homem estranho que trajava uma capa escarlate com adornos dourados. Tinha a cabeça calva, com cabelos rareando nas têmporas. As mãos eram descarnadas e macilentas; ossudas, com as unhas amareladas e longas como garras. Ele, ao nos ver, certamente contente por ter clientes, saiu detrás do balcão e veio até nós, sorrindo. Hermione estremeceu ao meu lado, meu braço passando sobre seus ombros para manter o equilibro. 

— Ora, ora. - Disse o homem, juntando os dedos de forma maliciosa acima do nariz adunco. - O que dois jovens querem em  minha humilde loja?

— Humilde pacas. - Disse o livro. 

— Bem, na verdade eu quero saber se aqui por acaso tem o livro Animais Fantásticos e onde Habitam. - Disse Hermione.

— Ah, do famoso Newton Scamander. Era muito aventurado aquele rapaz. E um pouquinho louco, se quer saber. Mas bem, minha jovem. Acho que tenho um exemplar desse livro por aqui... Ah, eu tenho o das primeiras edições. O próprio Newt me deu... Ah, meu jovem. - Disse, dirigindo-se a mim. - Tem alguns livros aí ao seu lado sobre  a vida animal, caso lhe interesse.

Ele saiu, e Hermione o seguiu. 

Eu não me interessava por vida animal. Além do mais, estava tão enfurecido que peguei um dos livros justamente para descontar a raiva nas folhas. Passei com força uma por uma, e me deparei com imagens horríveis de leões caçando antílopes. Em uma imagem animada, vi uma zebra atravessar o vau de um rio perigoso, cheio de crocodilos. Ela, chegando à outra margem, foi puxada bruscamente de volta à água por um réptil gigantesco, cuja boca cobria por completo a perna traseira da zebra - dilacerando a carne e ossos.

Fiquei vidrado, aquela cena parecendo uma pequena metragem. 

Fechei o livro, me recompondo para que não tornasse a vomitar. 

Momentos depois, Hermione voltou com o velho, trazendo o livro em mãos. 

— Muito abrigada, Sr. Riccio. - Disse ela

— Eu que agradeço, meus jovens. 

Saímos da loja, eu ainda exalando um ar de desconfiança.

— Não acha que o que fez foi errado? - perguntei a Granger.

— Eu sei, eu sei... Mas é que... Para mim, viver sem livros é como deixar de aspirar pelo conhecimento. É a única forma que tenho de me conectar com os mistérios do mundo.

A olhei por alguns instantes, observando atentamente a forma como seu cabelo esvoaça ao sopro do vento. O seu delicioso cheiro bateu em meu rosto e tive que virá-lo para esconder o enrubescimento das bochechas. Me apoiei nela com mais força.

— Vamos embora - disse ela.

— Vou perder o quê, agora? Minha cabeça?

— Ah, não! Não vamos aparatar, Draco. Você está péssimo e algo pior poderia acontecer se fizéssemos isso, 

— E como pretende nos tirar daqui, Srta. Sabe-Tudo? 

Hermione franziu o cenho e pensou. Instantes depois, afirmou:

— Há uma loja de vassouras ali... Bem que poderíamos...

—... Roubá-las? - terminei a frase, incrédulo.

— Eu ia dizer para pedirmos emprestadas. Mas duvido que iriam querer nos ajudar... 

Ouvimos um sininho tocar, e uma voz soou às minhas costas:

— Ei, vocês dois. - Disse o velho da loja Eristoneles. - Se é de vassouras que precisam, eu tenho duas bem aqui. 

***

A volta pra casa não foi nada confortável, uma vez que precisei manter o equilíbrio sobre o cabo. Hermione voou ao meu lado, sempre pondo os olhos vigilantes em mim; caso eu caísse ela estaria pronta para me apanhar.

Em um determinado momento, percebi que não haveria a mínima possibilidade de continuar sobre aquela vassoura. Enquanto sobrevoávamos uma floresta, bati em uma árvore e rodopiei no ar antes de cair sobre os grossos galhos. Gemi de dor, e Hermione pairou à minha frente, estendendo-me uma mão. 

Ela disse: " Suba, eu te ajudo ". 

Eu aceitei o convite com muito receio. 

Me posicionei atrás dela, abrangendo sua fina cintura com meus braços trêmulos, e me permitindo a momentos extasiantes quando meu rosto encontrou o calor de suas costas - o nariz enterrado na maciez de seu cabelo extremamente cheiroso. 

Minha raiva sumiu.

Voar sempre foi uma experiência incrível para mim. Mas naquele momento.... o universo perdeu seu sentido. 

O sol se pondo atrás das montanhas, os raios refletindo na garota em que me apoiava.... Pela primeira vez na vida, escutei as batidas de meu coração. Senti o sangue correr quente por minhas veias, e um torpor se apoderou de mim. 

Foi especial.

Magnífico.

Esplendoroso.

Épico.

Desculpe-me, mas não existem palavras para descrever a sensação daquele momento em que estivesse tão próximo dela.

O Homem de Lata

Demorou uma semana para que minha mãe se acalmasse. 

Ela ficou histérica quando não me viu em casa. E depois que descobriu aonde eu fora, ainda mais que voltara sem uma das pernas, caiu dura no chão. Então fomos nós dois para o Saint Mungus. Meu pai ficou furioso comigo em com Granger.

" Como pode uma Sangue-Ruim fazer isso ao meu filho? " disse ele. " Não posso mais manter uma desgraça dessa em minha casa! Essa trouxa suja o nome de minha família! "

Klein disse a ele que nada poderia ser feito. O único jeito, era esperar que eu melhorasse para que os estudos pudessem ser retomados com o mesmo vigor de antes. 

Fiquei numa maca, recebendo um medicamento de gosto extremamente ruim. Passei mais ou menos dois meses lá... Nesse período de tempo, meu pai veio me visitar uma vez. E ainda veio acompanhado de minha mãe. Narcisa passava um dia sim, e outro não. Mas quem me visitou todos os dias, mesmo em horários diferentes, foi Granger. Ela disse que se sentia culpada por me deixar naquele estado. Mesmo eu me recusando a olhá-la, Hermione Granger sempre esteve ao meu lado.

Certa vez, eu lembro que estava tendo um sono leve e acordei quando uma parte do colchão afundou. Abri os olhos e encontrei o sorriso sincero de Hermione. Ela estava sentada ao meu lado, fitando-me.

— Ah, você de novo.

— É, eu queria saber se você está melhor.

— Sim, as poções estão funcionando. Tipo, já consigo ver meu tornozelo.... - falei com sarcasmo. 

Ela deu de ombros. Ergueu um velho volume surrado que manteve sobre o colo, e disse:

— Eu trouxe algo para você.

— O quê? Mais livros?!

— É, mas esse aqui é do mundo trouxa. Muito conhecido, por sinal. 

— Não importa se é famoso, ou não. - Falei. - Se é do mundo trouxa, não tenho interesse algum em lê-lo. 

— Então tudo bem. Eu vou ler para você.

— QUÊ?

— Silêncio, Draco. Isso é um hospital. - Ela sorriu, e quando abriu o livro pude ver o título:

O Mágico de Oz

Sem delongas, Hermione deu início a sua leitura. No começo, me irritei. Não queria ouvir nada sobre uma garota cuja casa foi pega por um redemoinho, e foi para em outro mundo. Mas, confesso que meu interesse foi despertado assim que comecei a ouvir as frases do espantalho, do leão, e, sobretudo do homem de lata. 

Me vi tão lançado àquela história, que permiti Granger continuar a ler até a metade do livro. De noite, ela fechou-o e disse:

— Já é tarde. Eu volto amanhã, Draco. 

Eu não disse nada. Ela saiu, e me virei de lado para dormir. Sonhei com o furacão, uma trilha de tijolos amarelos... Uma bruxa esmagada por uma casa e com um coração pulsando sob um peito de lata.

Depois do café da manhã, fiquei o tempo todo olhando para a porta para ver se Hermione aparecia para terminar de ler o livro para mim. Contudo, ela não voltou até o dia em que recebi alta. 

***

Quando voltei para casa, precisei do auxílio das muletas para chegar ao meu quarto. Deitei na cama, e soltei um longo suspiro. Olhei para cima, imaginando Granger estudando em seu quarto. Minha mãe deixou que eu ficasse só, e fechou a porta atrás de si assim que saiu. Momentos depois, alguém tornou a abri-la

Era Hermione. Ela deu duas batidinhas, e entrou; seu cabelo cobrindo a face.

— Oi! - ela sorriu. - Ainda bem que você melhorou.

— É... 

— Olha, eu trouxe o livro. - Ela foi até o criado-mudo e o colocou em cima dele. - Vou deixar aqui, se quiser ler. 

— Eu não vou querer ler isso. - Afirmei.

Hermione soltou um suspiro, recolheu o livro e assim que fez menção de sair do quarto, agarrei a barra de sua blusa e falei:

— Eu disse que não iria querer ler, mas não disse que não queria que você lesse para mim.

Ela sorriu novamente, e se sentou a meu lado. Abriu o volume na página marcada, e retomou a leitura que ganhava um ar poético ao som de sua doce voz. Fiquei admirando seu semblante enquanto seus lábios pronunciavam as palavras do livro, e seus olhos rolavam pelas linhas. 

Ela chegou numa parte do livro que dizia a seguinte frase:

" E você, meu amigo galvanizado, você quer um coração. Você não sabe o quão sortudo és por não ter um. Corações nunca serão práticos enquanto não forem feitos para não se partirem... "

Percebi naquele momento a verdadeira magia de um livro. Ela consegue despertar em você segredos que jamais pensou que pudessem existir. Ler era uma nova forma de amar.

Quando terminou de ler o livro, ela disse:

— As pessoas às vezes pedem por coisas que não sabem que possuem. Elas não se dão conta de que podem conseguir tudo aquilo que querem sozinhas. 

Aquela frase me atingiu de forma impactante. Sempre fui esse garoto ranzinza, mimado e odiado pela maioria das pessoas. Mas mal percebi que estava criando uma falsa realidade de fantasias que simulassem a felicidade. A realidade, era que não havia nenhuma. Eu não tinha nenhuma lembrança feliz... Mas então depois que conheci Granger um pouco melhor, uma pequena possibilidade de conhecer a beleza das coisas tornou-se possível.

Eu necessitava de uma chance para provar que eu também sabia amar. Mas para isso,  alguém teria que me doar um coração.

Esse alguém era Hermione Granger.

E eu era o Homem de Lata.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sangue Mestiço" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.