O último ato no Tabuleiro de Copas escrita por Sober, Isobelle


Capítulo 5
No fim das contas


Notas iniciais do capítulo

Stuart e Lucy finalmente iniciam sua jornada até o temeroso castelo da Rainha Vermelha. Porém, perigos começam a surgir e algo atrapalha sua aventura. O que encontraram indica que será um longo caminho, cheio de surpresas e batalhas. Ao fim de tudo, Lucy percebe o valor de uma amizade, e o quão mais forte é um sorriso contra a dor.



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Lucy

Fechei os olhos, respirando fundo e assentindo em seguida. Sabia do que a Rainha Vermelha era capaz. Ela me odiava. Sempre me odiou. Não conseguia manter a tristeza de um lugar enquanto eu estivesse perto. Eu tinha a mesma simpatia de meu pai. A cada momento, eu ficava mais instigada à ajudar Stuart. Ele precisava de companhia. Abri os olhos e sorri fraco.

— Eu sei, Stuart. Iremos salvá-la. — prometi, sorridente. Ele franziu o cenho.

— Iremos? Digo, seu pai não vai reclamar? Talvez seja perigoso — murmurou Stuart, tossindo um pouco devido a fumaça. Dei de ombros.

— Será perigoso se você for sozinho. Afinal, você não conhece o País das Maravilhas, pode se perder, morrer de fome ou até ser morto por alguma criatura. Você nunca sabe o que vai encontrar por aqui — apontei com a cabeça para mais adentro da floresta e então comecei a caminhar vagarosamente. O som secundário de sapato roçando no gramado me fez deduzir que Stuart estava logo atrás de mim. Parei abruptamente, fazendo Stuart, que fora pego de surpresa, esbarrar nas minhas costas. Fiz uma careta e me virei para ele.

— Ai! Por que parou? — balbuciou, massageando o ombro. Virei novamente para frente, erguendo o dedo para o fim da floresta. Entre alguns troncos, era possível enxergar um enorme castelo negro ao longe.

— Ali — murmurei, continuando a caminhar. — É onde mora a cabe... Rainha Vermelha. É um castelo aterrorizante e cheio de surpresas. Quer dizer, eu nunca entrei lá, mas tenho certeza que é o oposto do castelo da Rainha Branca. O caminho é longo e aventuroso. — adverti. Stuart fez um som estranho com a garganta, indicando que estava entendendo.

— Não me importo com os perigos, Lucy. Eu realmente preciso encontrar a minha mãe. Todo esse tempo, eu a julguei louca e... acho que agora entendo ela. Quer dizer, ela é minha mãe. Não importa o quão louca seja. — ele falava baixo e eu assenti, sem parar a caminhada. O sol lutava para esgueirar-se pelas frestas entre as folhas, talvez tentando salvar-nos da escuridão que só piorava. — E a sua mãe?

— Hein? — soltei, fitando-o com o cenho franzido.

— Você tem uma mãe, não tem? Deve ser loira e usar chapéu cor de rosa parecido com o do seu pai. Acertei? — brincou, sorrindo. Forcei um sorriso de canto, dando de ombros.

— Eu não sei. Nunca a conheci, mas nunca precisei. Tenho meu pai e meus amigos, não sinto falta de mais nada. — murmurei, e então nossa conversa morre após um “uhum” do Stuart. Caminhamos em silêncio entre as plantações, vez ou outra batendo com as mãos nos galhos para poder passar. Minha mão pinicava, enfeitada com cortes miúdos de galhos e espinhos. Um barulho ao fundo me faz parar. Novamente, Stuart esbarra em mim.

— Para de fazer isso! — Stuart choramingou, mas ignoro.

— Foi você?

— Eu o quê?

— Você não ouviu? — sussurrei, virando para trás. Stuart permanece calado por alguns segundos, esperando ouvir algo, mas nada se manifesta.

— Não. Vamos, continue — pediu, fazendo menção de andar, mas o barulho surge novamente. Ergui a mão na altura de seu peito, impedindo Stuart de passar. Ele observa-me pelo canto dos olhos e algo em sua expressão me indica que ele também ouviu. Encontro seus olhos azulados em meio à escuridão e me assusto com a proximidade na qual estamos. Nunca fiquei tão perto assim de um garoto.

Ficamos nos observando por segundos. Eu podia fingir facilmente que estava esperando outra manifestação de o que quer que estivesse ali, quando na verdade, eu já havia me perdido nos olhos do garoto Liddell há tempos. Repentinamente, sinto uma respiração forte e quente no meu pescoço. Não podia ser de Stuart, era absurdamente quente. Se estivesse mais próxima, podia ter me queimado. Fiz uma careta, levando a mão até o pescoço.

— Lucy — Stuart sussurra, de olhos arregalados. Ele agarra meu braço com agilidade e dá um passo longo para trás, me puxando junto.

— O que foi? — sussurro de volta, me virando lentamente. Então esforço-me para não gritar. Era uma ave gigantesca e bruta cor de marrom, com olhos num tom de vermelho berrante, bico dourado e imundo, garras negras e língua de cobra. A criatura soltou um grito agudo e estridente e ao invés de ar, saiu fogo de sua boca. — Stuart?

— Hum? — murmurou, aterrorizado. Agarrei sua mão e pude sentir que tremia.

— Corre! — berrei e Stuart nem esperou. Me puxou bruscamente para o lado esquerdo e então nos embrenhamos nas folhagens, deixando para trás o caminho que levava direto para o castelo. — O que é esse monstro?

— E eu que vou saber?! — berrou de volta, sem cessar a corrida. Soltei uma risada abafada, lembrando-me do que meu pai falara.

— Deve ser uma das aves. Os brutamontes defensores da Rainha. — afirmei, arfando.

— Tá, e como a gente se livra deles? — me puxou novamente, metendo-se entre duas árvores e me fazendo bater a cabeça em uma delas. Soltei um grunhido de raiva, tentando correr mais rápido ao ouvir o grito da criatura logo atrás de nós e passos fortes.

— Não faço a mínima ideia — murmurei, diminuindo os passos. — Stuart, estou cansada. Nunca corri tanto — digo entre arfadas, apoiando as mãos nos joelhos.

— Não podemos parar agora, Lucy. Anda, vamos — falou, preparando-se para agarrar minha mãe e me puxar, quando uma dor excruciante invadiu todo o meu corpo. Ao fundo, pude ouvir um grito agudo e alguém chamando meu nome - o que julguei ser o Stuart.

Apenas quando minhas costas chocaram-se contra um tronco duro que percebi que fui jogada para longe. Lágrimas involuntárias escorriam pelas minhas bochechas e meu braço esquerdo, juntamente com uma parte do rosto e as pernas ardiam e latejavam. O desespero tomou conta de mim quando pude enxergar a ave gigante, ainda que embaçada. Mais desesperada ainda eu fiquei quando vi que ela encarava o Stuart.

— Stuart — tentei gritar, mas minha voz saiu falha. — Corra! Se estiver me ouvindo, corra. — falei com toda força que tinha.

— Você falou que ia me ajudar. Não vou sem você — berrou e correu em minha direção. Mesmo com dor, movimentei a cabeça negativamente, tentando fazer com que ele fugisse.

— Não seja idiota! — berrei, chorosa. — A ave vai vir atrás de nós, fuja — e então um som agoniante de vários metais soou. Stuart agachou-se ao meu lado, murmurando algo que não conseguia entender e fazendo uma careta ao ver meu estado. Provavelmente, estava machucada demais. Atrás dele, vários homens pequeninos lutavam contra a ave, que jorrava fogo sem parar. Meu corpo me forçou a fechar os olhos e então eu apaguei.

•••

— E se ela morrer? — uma voz fininha e baixa falou.

— Bobagem. Ela não vai morrer — dessa vez, uma voz mais grave.

— Será que ela vai entrar em goma?

— É coma, seu burro!

— Vejam, ela está acordando — outra voz sussurrou quando me mexi - ou tentei. Abri os olhos com dificuldade e soltei um suspiro aliviado ao ver que a sala estava desprovida de luz. Mesmo assim, pude ver inúmeras carinhas bochechudas me encarando - entre elas, Stuart. Forcei um sorriso fraco, que logo desmanchou-se devido a dor no lado esquerdo do corpo.

— Olá — murmurei, forçando um sorriso educado. Todos sorriem em resposta.

— Boa noite, pequena Lucy. — os anões respondem. Sorrio mais ainda, direcionando meu olhar a Stuart. Ele também sorri.

— Pensei que ia perder minha parceira de aventuras — murmurou.

— É seu namorado? — um dos anões perguntou, sorridente. Franzi o cenho.

— O quê? Não! — digo junto ao Stuart.

— Ah, droga, preciso tocar no verde — Stuart murmura, buscando a cor verde com os olhos.

— Ué, por quê? — pergunto, franzindo o cenho.

— Tudo bem, vamos deixar vocês dois sozinhos. Andem, seus curiosos — Deros, o anão líder, nos interrompeu, empurrando todos os anões para fora do chalé escuro. Gargalhei.

— Então eles que nos salvaram? — perguntei, tentando me levantar. Stuart faz uma cara feia e me empurra delicadamente de volta para a cama. Bufei.

— Não, eu te salvei. Eles foram meus auxiliares — falou, tentando fazer uma cara séria e pose de herói. Gargalhei novamente e Suart me acompanhou. — Eles nos deixaram ficar aqui até o sol nascer. Passaram alguma gosma em você e disseram que você vai melhorar até amanhã, e só então estaremos prontos pra continuar. Claro, se você ainda quiser me acompanhar.

— Parceira de aventuras, lembra? — sorri e Stuart assentiu. — Não conte pro meu pai. Não quero levar broncas, saí pela floresta sabendo que era perigoso.

— Se você não estivesse lá, eu que teria me machucado, e os anões reconheceram sua cabeleira loira, por isso nos salvaram. Talvez eu tivesse virado comida de ave. Então, obrigado, Lucy — murmurou sem graça, fazendo-me alargar o sorriso.

— Então eu sou a heroína aqui? — zombei e nós dois rimos. — Durma. Amanhã, eu melhorando ou não, continuaremos o caminho até o castelo. Dessa vez, vamos levar espadas, craspicho?

— Lucy, é capiche — Stuart falou. Dei de ombros.

— Eu disse capriche, você que ouviu errado.

— Mas é capiche — riu. Revirei os olhos.

— Não foi o que eu disse?

— Você disse capriche.

— E como é?

— Capiche.

Capiche?

— Isso — Stuart falou entre gargalhadas. Sorri.

— Falei capiche desde o início. Procure um coutornete e limpe os ouvidos, porque você está ficando surdo. — fiz bico, erguendo o queixo.

— É cotonete. — falou.

— Droga, essas palavras de Paradise são estranhas.

— Aham, não mais que craspicho e coutornete. — zombou. — Afasta aí que vou deitar.

— Ah, não, de jeito nenhum. Pega um colchão, lençol ou sei lá e dorme no chão.

— Mas não tem colchão, Lucy. Os anões disseram que eu podia dormir aqui. Qual é, essa cama é gigantesca. Cabem dez de mim.

— Então parta ela no meio, ou vá dormir com os anões, não sei. Não vou dormir na mesma cama que você. Estou doente, preciso de espaço. E afinal, te conheci há pouco tempo. Pelo que sei, você pode ser um cereal sucrilhos.

— É serial killer, e eu não mato ninguém. Você é folgada. Achei que as pessoas aqui fossem mais altruístas. — falou, caminhando até a porta e tentando conter um sorriso. Eu, pelo menos, não tentei conter. Abri um sorriso tão largo que podia me rasgar as bochechas.

— E são. Eu é que sou especial — berrei para que ele pudesse escutar.

— Se você diz — berrou de volta.

No fim das contas, não me importava em ter sido atacada. Nunca duvidei de um ataque, aliás. Topei enfrentar o caminho com Stuart apesar de todos os perigos para que, mais pra frente, eu pudesse dizer às pessoas sobre meus atos de coragem, sobre como aceitei ajudar um estranho a encontrar sua mãe, mesmo que eu nunca tenha encontrado a minha; sobre como enfrentei criaturas horrendas, ou como encarei a Rainha Vermelha quando Stuart recuperou sua mãe.

Eu queria ter algo para contar. Uma aventura. Algo memorável, que todos comentassem e ninguém esquecesse. Queria virar lenda como Alice, a corajosa aventureira. E, oras, meu pai sempre disse para todos que quisessem - e não quisessem - ouvir que sou uma aventureira muito corajosa.

No fim das contas, era ótimo ter um amigo. Conheci Stuart não fazia mais do que algumas horas e já tinha certeza absoluta que podia confiar nele para qualquer coisa. Nunca pensei que os humanos fossem tão legais, afinal. Ou sequer loucos o suficiente para estarem aqui. Prezo bastante os Liddell. Pelo que ouvi sobre Alice, são pessoas legais, insanamente sãs.

No fim das contas, os sorrisos valiam mais do que toda a dor. O companheirismo valia mais do que as batalhas. Os atos de solidariedade valiam mais do que ser atacada no lugar de alguém. Qualquer experimento de dor excruciante perante aquela ave não chega aos pés do que Stuart me causa com suas frases e atos engraçados, suas repreensões e expressão de confusão.

Um humano que conseguia me fazer sorrir sempre que quisesse. Alguém tão louco quanto eu. Digno de estar entre as criaturas do País das Maravilhas. Alguém o qual vale a pena ajudar, machucar-se por e até morrer por. Uma amizade que valeria a pena; eu tenho certeza.

No fim das contas, era ótimo ajudar alguém em uma aventura. Ser uma parceira de aventuras.

No fim das contas, era ótimo ajudar Stuart.


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Notas finais do capítulo

- Banner de capítulo feito pelo Lionheart.
— Capítulo por Maddie.
Cá estou eu de volta! Quero dizer que esse capítulo foi dedicado à linda da Luah Fernàndez que fez a primeira recomendação - muito linda e apaixonante, devo dizer - de OUANTC! Luah, você não sabe o quanto nos deixou feliz, agradeço muito pela recomendação, e o Lionheart agradece também, de coração, SUA LINDA ♥
Enfim, eu - particularmente - amei muito esse capítulo. A ação começou nessa bagaça, hehe. Esse capítulo virou meu xodó. Quero saber o que vocês acharam dele! Sério, deu trabalho pra escrever, mas foi super divertido fazer as falas e montar tudo isso, eu mesma ri quando estava revisando. É muito importante pra mim que vocês digam o que acharam, amorzitos da Maddie. Não custa nada, né? ♥ Ah! Muitos não sabem o que comentar, mas eu vou deixar uma perguntinha pra vocês. Vocês shippam o Stuart com a Lucy? sfdgdsg Porque gente, eu shippo muito. Tenho feels com esses dois. Vocês não? Fala sério, são fofos.
Anyway, deixem suas reviews. Muito obrigada à vocês que comentam sempre e nos incentivam a continuar, obrigada a quem lê, a quem acompanha, a quem favoritou e tudo mais. Amo vocês, são os melhores leitores do mundo *-* Sem mais delongas, até a próxima narração da Lucile, meus amores ♥ xx
PS.: Gente, nunca fiz uma nota tão grande o.o fdsgdgfdhsd



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