CAPÍTULO XXI

Acordo sentindo o braço de Haymitch ao meu redor. Não evito um pequeno sorriso quando percebo e me viro para acordá-lo.

Haymitch leva um tempo para isso, mas quando o lembro do treinamento ele parece finalmente despertar. Levamos um pouco de tempo para nos arrumarmos. Pego um vestido cor-de-rosa e uma peruca amarela, usando por baixo um conjunto de roupas parecido com o do dia anterior, mas nas cores branca e vermelha.

Tomamos nosso café as pressas enquanto assistíamos aos jogos. Katniss e Peeta agora estavam com mais aliados. Percebo Haymitch não desviar sua atenção da TV, principalmente quando eles recebem algo que parecem biscoitos, ou bolos. "Oito", Haymitch repete após os tributos contarem quantos tem. "Oito horas", ele diz em seguida. Não entendo a princípio, mas acabo deixando a pergunta para depois. Recolhemos um pouco de comida do café da manhã e nos direcionamos ao salão novamente, me sentindo agradecida por, novamente, não esbarrarmos em ninguém no elevador.

Está tudo exatamente como deixamos no dia anterior. Meu estômago revira quando encontro as armas sobre a mesa no centro. "Hoje irei aprender a usá-las, queridinhas", digo para mim mesma. Mesmo sabendo que levarei muito tempo para conseguir fazer algo que seja considerado aceitável.

Haymitch me entrega o revólver e então percebo que havia outro na mesa, que ele pega em suas mãos em seguida, munindo-o com balas. Sinto a arma pesar nas minhas mãos suadas.

– Tem certeza de que isso vai dar certo? - indago. Olho para os bonecos a minha frente.

– Claro, princesa - Haymitch diz ao meu lado. - O pior que pode acontecer é você me matar.

Meu sangue congela. Não quero nem imaginar com a cena de ver Haymitch morrendo. Balanço a cabeça repetidas vezes e a arma continua nas minhas mãos. Seguro-a firmemente agora, torcendo para que nenhum dedo resolva se mover seu o meu consentimento.

Haymitch percebe minha inquietação e ri. Percebo que está parado atrás de mim, então estica um braço até segurar a arma que está na minha mão e me faz largá-la.

– Calma, Effie - murmura no meu ouvido. - Você tem que manter a calma.

Voltando a pousar as armas na mesa, Haymitch vem até mim e me toma em seus braços, assim, de repente, sem prévio aviso. Sua atitude me assusta a princípio, visto que Haymitch me beija com tanta precisão que parece estar receando alguma coisa. Algo que pode estar para acontecer.

"Oito horas", ele disse. Isso acaba ecoando na minha mente, sem parar.

Penso em questioná-lo sobre isso, o que teria a ver com os Jogos, mas seu beijo envolvente me faz querer adiar a pergunta. Ela pode esperar um pouco. Só mais um pouco.

Ele mesmo interrompe o beijo e se afasta um pouco de mim. Encontro seus olhos preocupados me fitando.

– Haymitch - aproveito a deixa. - O que quis dizer com... "oito horas"?

Haymitch leva alguns segundos para me responder.

– Lembra de quando eu disse para não sair de perto de mim, em momento algum?

Balanço a cabeça, assentindo.

– É... - ele hesita e morde o lábio inferior. - Nós vamos embora hoje.

Não sei exatamente que sensação estou tendo agora, mas não é das melhores. Nós vamos embora. Vamos embora daqui. Vou embora da Capital.

Me pergunto se é realmente isso o que eu quero.

Fecho os olhos com força, como se isso me ajudasse a acordar de algum pesadelo. Abaixo a cabeça e tento conter meu nervosismo.

– Não vai desistir agora - ele não está perguntando. Está afirmando. Percebo no seu tom de voz.

– Eu não tenho escolha, tenho?

– Você tem - ele diz. - Ou você vai conosco e fica viva, ou...

– Fico aqui e morro - completo.

Paro e analiso o que ele disse. Faz total sentido para mim. Apesar de ser cidadã da Capital, se eu ficar, serei o primeiro alvo para que descubram o paradeiro de Katniss que, infelizmente, já estou ciente. Levando em consideração a minha extrema fraqueza, iriam arrancar isso de mim com facilidade.

Levanto a cabeça e volto a olhar para Haymitch. Ele continua me fitando com preocupação.

– Tudo bem - digo. - Vamos continuar.

A preocupação não sai do seu olhar, mas pelo menos dessa vez Haymitch abre um pequeno sorriso com uma ponta de motivação. Ambos sabemos que não temos mais tempo para isso, mas acabo insistindo. Preciso ao menos tentar, mesmo que eu esteja morrendo de medo por dentro.

Pegamos nossos revólvers novamente, dessa vez seguro com firmeza. Há cinco bonecos mais a frente, no fim do salão. Haymitch me induz a me aproximar um pouco mais, para facilitar o trabalho.

– Segure com as duas mãos se estiver nervosa - ele diz e aponta seu revólver para frente. - Mire um pouco mais acima de onde quer acertar, porque o impacto da bala sempre faz sua mão descer um pouco e isso faz muita diferença se quiser acertar um ponto certo.

Vou digerindo cada palavra que ele diz com atenção. Lanço alguns olhares rápidos para os bonecos e volto a olhar para Haymitch.

– E quando tiver certeza, atire - Haymitch termina de dizer e atira, acertando a barriga de um dos bonecos. "Nada mal" digo para mim mesma. Mas sei que não vou acertar. Isso é óbvio.

Haymitch dá dois passos para trás e percebo que está me dando espaço para tentar. Olho com um pouco de receio para ele e volto a me concentrar no boneco do meio, exatamente a minha frente. Seguro a arma com as duas mãos e fecho um olho, me concentrando em mirar. Minhas mãos estão na altura dos meus olhos.

Conto até três. Puxo o gatilho e atiro. O impacto me faz fechar os olhos em seguida e quase me desequilibro.

– Na parede... nada mal - Haymitch debocha e sorri.

– O que esperava? Um acerto de primeira? Acha que sou profissional?

– Ei, ei, calma! - ele diz tentando conter o riso. - Estou só brincando! Pode continuar, queridinha.

Lanço um olhar de reprovação e volto a me concentrar. Conto até três e atiro novamente.

Passam-se, o que acredito, cerca de três horas desde que chegamos aqui. Haymitch parece estar mais preocupado com horários do que eu com a minha agenda. A cada meia hora parávamos e íamos comer o que ele havia colocado na bolsa térmica. Isso se resumia a frutas e suco, o que acabou me aliviando por vê-lo comendo e não bebendo whisky mais uma vez.

Em alguns momentos Haymitch me serve de apoio, se posiciona atrás de mim e segura os meus braços, garantindo-me firmeza para segurar o revólver. Uma ou duas vezes ele me provocava, mas voltava a tomar postura. E depois de inúmeras tentativas, decidi tentar sozinha novamente. A maior parte das balas passavam de raspão.

– Veja pelo lado positivo - Haymitch comenta. - Você pode retardar alguém se a bala passar de raspão. Se a pessoa estiver correndo, vai cair com a dor.

Poderia ser mais uma das suas típicas piadas, mas ele disse para me motivar. Sorrio em resposta e volto a me concentrar.

Vamos, Effie. Você consegue.

Levanto a arma novamente. Minhas mãos na altura dos olhos. Me concentro mais uma vez no boneco do meio. Tento imaginar em quem poderia fazer isso.

Vamos, Effie. Pense.

O rosto dele surge na minha cabeça. Seus olhos verdes transbordando sua raiva. Seus cabelos negros, bagunçados pela agitação. A arma perde um pouco o peso e consigo segurá-la com mais firmeza dessa vez.

"Mire um pouco mais acima."

Levanto mais um pouco as mãos e conto até três. Atiro.

– Ei! - Haymitch grita. - Temos uma atiradora aqui! - sua voz soa tão empolgada que acaba me fazendo rir. Me livro rapidamente da tensão que tomou conta de mim há alguns segundos.

Largo a arma na mesa e olho para o boneco do meio. Acertei bem na cabeça.

– Você leva jeito - ele diz e cruza os braços. - Algum truque, queridinha?

– Pensei no Colin - digo, por fim. O sorriso nos nossos rostos somem por um ou dois segundos.

– Ainda bem que encontrei vocês! - Portia grita na entrada do salão. Me viro rapidamente e a vejo correndo na nossa direção. - O aerodeslizador chegará em pouco menos de uma hora! Melhor nos prepararmos.

Tudo parece confuso ao meu redor. O tempo simplesmente voa enquanto voltamos ao décimo segundo andar para pegarmos o que é preciso levar. Enquanto Haymitch enche uma mochila com diversos materiais, corro para tomar um banho e acabo colocando um vestido cor-de-rosa e uma peruca loira. Minha maquiagem está leve, assim como tenho adotado ultimamente. Então começo a olhar todas as gavetas existentes neste cômodo. Não devo estar esquecendo alguma coisa. Não que eu me lembre.

Mas um impulso me faz ir até o quarto de Cinna, lugar que não ousei entrar desde que ele morreu. Acendo a luz e entro devagar no quarto. Está tudo arrumado, intacto, como se ele ainda estivesse aqui.

Uma lágrima escorre pelo meu rosto quando começo a me lembrar de tudo que passamos até chegarmos aqui. Em como ele sempre esteve ao meu lado quando Haymitch e eu tínhamos nossas típicas brigas e como, às vezes, até ele se irritava com isso. Em como ele tinha a facilidade de me fazer rir.

Sento-me na cama e olho ao redor. Está tudo aqui. Tudo.

Mas algo me chama a atenção: a gaveta da cômoda está entreaberta. Franzo o cenho e me levanto, aproximando-me da gaveta. Seguro-a e a puxo, revelando o que há dentro, então encontro uma pasta preta. Volto a me sentar e a abro, vendo croquis que ele fizera para Katniss. Estão todos aqui. Vou passando as páginas até me deter em um que chama a minha atenção: uma armadura.

– Effie?

Tomo um susto ao ouvir a voz de Portia. Ela está parada à porta, olhando para mim.

– Ah, oi Portia - respondo, tentando esconder as lágrimas.

– Ele sempre fará falta, não é? - sua voz suave me transmite um pouco de tranquilidade.

– Nosso gênio - digo.

– É.

– Effie! Porta! - Haymitch nos chama. Sua voz está distante. - Temos que ir!

Fecho a pasta rapidamente e acompanho Portia até a entrada. Abro a mochila que está com Haymitch e coloco a pasta nela. Haymitch me entrega o revólver e quando o olho tentar questioná-lo, ele apenas diz que é por precaução, pois já há alguns pacificadores atrás de nós. Quando o elevador chega, entramos de imediato e o aguardamos que nos leve até o hangar. Corremos até o aerodeslizador que já nos aguarda. Posso ver Plutarch nos observando.

– Corram! - ele grita. - Temos que sair daqui agora!

A porta atrás de nós se abre num estrondo e posso ver seis pacificadores armados saindo de lá. Meu coração vai a mil.

– Corram! - Plutarch grita mais alto. Estamos no meio do caminho entre eles e Plutarch.

A primeira coisa que me vêm a cabeça é tirar os sapatos e segurá-los. Então o faço e isso me ajuda a correr mais rápido. Haymitch está no meu encalço, gritando para que eu continue correndo e não olhe para trás. E Portia está...

– Portia! - grito e arrisco olhar para trás. Ela está caída no chão. Não consigo ver se há sangue sobre seu corpo e arrisco não olhar mais uma vez. - Portia! - grito mais alto, mas ela não me ouve.

O chão se eleva e percebo que estamos subindo no aerodeslizador. Se fui atingida por alguma bala, pode ter passado perto, mas a mochila de Haymitch foi atingida. Por sorte, não o afetou.

Entramos e a primeira coisa que faço é cair sentada no chão, tendo a visão do corpo de Portia sendo carregado pelos pacificadores, agora ficando cada vez mais distante, até que não consiga ver mais nada.

Minha visão embaça. Estou chorando novamente.

Portia se foi.