CAPÍTULO XVI

Estamos no dia das entrevistas no programa do Caesar. Minha ansiedade aumenta cada vez mais e espero sinceramente que ninguém se atrase.

Assim que termino de me arrumar, pego a minha agenda e revejo tudo o que teremos para hoje. Por sorte, não teremos muita coisa, pois a maior parte do tempo está reservada para a tal entrevista.

Cinna está um pouco misterioso nos últimos dias. Deixou até de comentar quando eu e Haymitch estávamos no mesmo local e começávamos a discutir. Seu olhar estava preso num ponto distante e, quando o perguntei o que havia acontecido, ele apenas dizia que estava colocando seu plano em ação e que esses jogos iam ficar marcados para sempre, e que a entrevista também. Isso acabou me dando calafrios. Cinna nunca falara dessa forma, mas ele colocava um pouco de empolgação na voz, o que me fez deduzir que havia alguma surpresa para hoje.

Lembro-me do meu plano e me adianto até a sala de jantar para tomar o café da manhã. Cinna já está sentado à mesa e me cumprimenta com um sorriso quando também me sento.

– Não vai mesmo me contar o que está preparando? - indago e sirvo um pouco de vinho numa taça para mim.

Cinna me estuda por alguns instantes, pensando se deve ou não me contar o que planeja.

– Acho que se eu contar, irei estragar a surpresa - ele diz e toma um gole de vinho. - Acredite em mim: vai gostar mais se esperar até Katniss aparecer no programa.

– Ah, então a surpresa está na roupa da Katniss - deduzo e seu olhar não mente, confirmando meu palpite.

Os demais aparecem para o café da manhã, sendo Haymitch, é claro, o último a surgir no corredor. Sua típica embriaguez matinal o faz companhia e suspiro inconformada quando o vejo.

Prosseguimos com o café da manhã e aguardo até todos terminarem até chamar Peeta para conversarmos a sós. Nos distanciamos dos demais e vamos até a varanda, onde tenho certeza de que ninguém nos ouvirá.

– Algum problema, Effie? - ele pergunta, parecendo preocupado.

– Não, não - me apresso em responder. - Na verdade quero pedir que você faça uma coisa na entrevista com o Caesar.

– Tudo bem - ele diz. - O que quer que eu faça?

– Primeiro preciso saber se já tem algo em mente - digo e o olhar de Peeta se torna pensativo. - Já tem ideia do que pode usar como argumento? Porque dessa vez vocês dois terão que conquistar o público, já que estarão lidando com experientes no assunto.

– Na verdade eu estava tentando pensar em algo, mas não cheguei a lugar algum - Peeta se explica. - E sei que Cinna está preparando mais uma surpresa para Katniss.

– Disso todos já sabem, queridinho - digo. - Mas eu o chamei porque tenho uma ideia para você. Mas preciso saber a sua opinião... - dou uma pausa e ele me olha com atenção, esperando que eu prossiga. - Você precisa causar um impacto em todos. E como cidadã da Capital, posso dizer que a diversão deles é ver os "novatos" morrerem na arena, mas agora a situação é diferente... Eles se encantam com os vencedores e agora eles não querem vê-los morrer. Digo principalmente de vocês dois.

– Então o que eu devo dizer?

Paro por um instante para analisá-lo e penso mais uma vez na minha ideia, no impacto que ela poderá causar.

– Você tem que fazer com que eles queiram vocês vivos... - me aproximo um pouco dele e ponho as mãos nos seus ombros. - Diga que ela está grávida.

~*~

Estamos nos bastidores do programa e já posso ver alguns vitoriosos andando de um lado para o outro. Haymitch chega a cumprimentar alguns rapidamente, por educação. Peeta está entre nós dois e parece apreensivo. Portia se senta numa poltrona para aguardar a vez deles. Peeta mexe no colarinho repetidas vezes e olha para a entrada o tempo todo.

– Ela vira logo - digo, percebendo sua ansiedade em ver Katniss.

Olho por cima do ombro de Peeta e vejo Miri um pouco mais a frente. Peço licença e sigo caminhando até ela, que me cumprimenta de imediato. Seus olhos estão úmidos e concluo que ela irá começar a chorar em pouco tempo.

– Não acredito que vão desperdiçar todos esses vitoriosos assim - ela diz e pega um lenço, passando de leve pelo rosto para impedir as lágrimas de caírem.

– Nem me diga - comento e olho para a TV que está disponível à nossa frente. A sala em que estamos tem várias TVs espalhadas para que possamos acompanhar as entrevistas. No momento os irmãos do Distrito 1 estão sendo entrevistados e começam a dizer que a Capital é a família deles. Isso acaba me emocionando um pouco, mas sei que é estratégia deles. Forço um pouco as lágrimas para que Miri não desconfie e assisto aos próximos entrevistados. Quando Johanna Mason, do Distrito 7 é chamada, percebo que Cinna e Katniss ainda não apareceram e isso me deixa um pouco preocupada. Saio da sala onde estamos e entro num corredor que não sei até onde pode levar. Vou olhando em cada porta até finalmente encontrá-los.

Entro devagar na sala onde Katniss está com Cinna e a visão que tenho é maravilhosa. Katniss está com um vestido de noiva, tomara-que-caia e bem armado. Seus cabelos estão presos e isso acaba deixando espaço para repararmos nos detalhes do busto: prateados. Seu olhar encontra o meu e então percebo que as lágrimas que antes eu estava tentando forçar agora insistem em cair instantaneamente.

– Oh, Katniss - digo ainda me aproximando. Cinna nos dá um pouco mais de espaço. - Você seria, com certeza, a noiva mais linda do mundo... agora vá lá e mostre o que é uma beleza de verdade!

Katniss sorri em agradecimento e eu a acompanho até próximo ao palco. Lhe dou um tapinha de leve nas costas e então ela segue ao encontro de Caesar e eu volto a sala onde estão os demais. Digo para Peeta aguardar atrás do palco e então seguimos até a plateia, mas infelizmente não há lugares próximos e temos que nos separar.

A entrevista segue divertida. Katniss está simpática dessa vez, o que acaba agradando a todos. Mas o impacto vem quando Caesar pede para que ela mostre o vestido. Ela olha rapidamente para a plateia e dá alguns passos para frente, então começa a rodar. Seu vestido começa a pegar fogo, assim como no ano passado, mas a surpresa foi além disso: o que era branco começou a queimar e à medida que ela gira, o fogo vai consumindo ainda mais, até chegar a parte de cima e o vestido se transformar em outro. Cinna, você se superou!, digo para mim mesma. Todos aplaudem e Katniss abre os braços, então duas asas se formam atrás dela. Os aplausos aumentam.

– Você está... - Caesar tenta dizer. - Isso é... é como...

– Como um tordo - Katniss o completa e é ovacionada pela plateia.

– Bom, - diz Caesar, recuperando sua voz. - Tiro o chapéu para o seu estilista. Cinna!

Ele aponta para Cinna, que está no meio da plateia e este se levanta, fazendo uma reverência para agradecer os aplausos. Caesar parece apaixonado pelo feito e em seguida a manda para onde estão os outros vencedores, na parte superior do palco.

É a vez de Peeta.

Ele chega com seu terno branco, como um noivo, e o interrogatório começa.

– Então, Peeta, como foi quando você descobriu sobre o Massacre?

– Foi um choque - ele responde tranquilamente. Está tudo sob controle, Effie, repito para mim mesma. - Em um momento vejo Katniss linda com aqueles vestidos de casamento e em outra... - ele não chega a completar.

– Que pena que não vai haver mais casamento - Caesar comenta com um tom teatral na voz e a plateia suspira tristemente.

– Na verdade nós nos casamos - ele diz e posso ouvir o "ohhh" de todos os presentes. Seguro o riso e me concentro em prestar atenção. - Fizemos um ritual no nosso Distrito, só nós dois. E posso dizer que estamos mais casados do que se tivéssemos feito tudo no papel.

– Bom, pelo menos vocês ainda tiveram alguns meses de felicidade, acredito.

– Sim, tivemos. Mas poderíamos estar mais se... - ele gagueja e olha rapidamente para mim. É agora. - Se não fosse... se não fosse pelo bebê.

Xeque-mate.

Haymitch aponta um dedo para Peeta e este sorri discretamente, olhando novamente para mim; então sorrio satisfeita, enquanto a plateia se revolta. Gritos de "injustiça" são ouvidos de todos os lados. Haymitch parece ter percebido o olhar que Peeta me lança e acaba olhando para mim também, meio questionador. Sorrio rapidamente e ele franze o cenho, ainda desacreditando.

Volto minha atenção ao palco e vejo Peeta caminhar até ficar ao lado de Katniss. Todos os vencedores estão reunidos. A plateia grita cada vez mais revoltada e começo a pensar se foi realmente uma boa ideia, mas agora é tarde. Já está feito. Mas quando olho para os vitoriosos, agora eles estão dando as mãos, todos eles. Isso acaba fazendo os meus pelos se arrepiarem. Ponho a mão na boca e não sei se fico assustada ou encantada com a atitude deles. Logo após as luzes se apagam. Todas as luzes se apagam e as pessoas começam a correr, saindo do estúdio.

Talvez seja pela mesma razão. Obrigados a serem adversários, mas nenhum deles apoia essa ideia. Todos estão contra os jogos. Todos querem que isso acabe.

~*~

Voltamos ao décimo segundo andar do centro de treinamento após o tumulto no programa do Caesar. meus batimentos continuam acelerados e tudo o que quero agora é a minha cama.

Parabenizo Cinna pelo vestido de Katniss e o digo que a surpresa valei muito a pena. Não chegamos a puxar mais algum assunto, pois todos estão exaustos por causa da grande noite que tivemos. Peeta me agradece pela ideia então cada um segue para o seu quarto.

Não demoro a pegar no sono. Quando deito na cama, minha cabeça começa a latejar e o sono me consome.

Estou mais uma vez na floresta. Na mesma floresta. Corro apressadamente com os meus saltos numa mão e uma faca na outra.

Desta vez estou mais distante dos troncos mais grossos. Uma luz mais a frente me indica que estou próxima a orla da floresta e isso me incentiva a correr ainda mais. Quando alcanço a orla, reconheço de imediato a cornucópia, bem no centro da arena. Olho para os lados e vejo que ninguém está vindo, então arrisco correr até lá, em busca de comida e alguma outra arma só por precaução.

Minhas pernas estão fracas e preciso parar em algum lugar para descansar, mas parece impossível.

Continuo correndo e então ouço passos atrás de mim, no mesmo ritmo. É quando arrisco olhar para trás e, quando dou por mim, Haymitch atira uma faca na minha direção.

– Effie! - ele me chama, mas está tudo escuro. Sinto sua mão tocar a minha cabeça, mas um impulso me faz afastá-la. - Effie, acorda!

Abro os olhos rapidamente e vejo Haymitch muito próximo a mim, o que acaba me assustando. Passo a mão na testa e estranho não vir sangue, apenas suor. Foi só um pesadelo... mais uma vez.

– Está tudo bem agora - ele diz suavemente, passando a mão nos meus cabelos, afastando-os do meu rosto. Ao perceber que abri os olhos, Haymitch se senta no chão e eu me recomponho na cama, sentando também.

– Eu estava gritando muito alto? - pergunto, passando o lençol no rosto para enxugar o suor.

– Não muito, na verdade - diz Haymitch. - Eu estava passando quando você começou a gritar.

– Passando? - indago, confusa. - Você não...? - não chego a completar a pergunta. Quando olho para sua mão, vejo que ele está segurando uma garrafa. Encolho os ombros. - Bebendo a essa hora, Haymitch?

Ele me lança um olhar de culpa e se encolhe também. Respiro fundo e estendo uma mão.

– Me dá isso - peço. Vejo que ele ainda pensa antes de me dar. Ele não queria. Pego a garrafa e me levanto, indo até o banheiro, onde despejo todo o líquido na pia, percebendo que ela estava quase totalmente cheia. Após fazer isso, noto que Haymitch está na porta, olhando para mim.

– A surpresa que você disse que ia envolver Peeta na entrevista com o Caesar... era a gravidez?

– Exatamente, Abernathy - digo com um sorriso orgulhoso. Ponho a garrafa no chão e me volto para ele.

– Foi um... golpe de mestre - ele comenta, parecendo satisfeito.

Agradeço e me direciono de volta para o meu quarto, passando por ele na porta. Sinto-o segurar minha mão e me puxar para perto de si, começando a balançar o corpo de um lado para o outro, lentamente.

– Por que estamos dançando se não tem música? - indago enquanto acompanho seus movimentos.

– Não precisamos de música - Haymitch diz e encosto a cabeça no seu ombro. Continuamos nos movendo lentamente, abraçados. - Só precisa me acompanhar - acrescenta.

Fecho os olhos e aproveito a sensação reconfortante que ele me passa. Sinto-me estranha ao perceber que ele consegue fazê-lo com tanta facilidade. Nesses momentos Haymitch não parece, nem de longe, aquele que ele é na frente dos outros. Aquele bêbado que só sabe reclamar da vida, que não vê empolgação em nada. Parece outra pessoa.

– Está me deixando com sono - comento e ele ri rapidamente.

– A intenção foi essa - ele diz e se afasta um pouco. - Agora vai dormir.

– Nossa... que delicadeza - resmungo e me sento na cama. Olho para Haymitch e ele continua parado no mesmo lugar. - Não precisa ficar se não quiser - digo contra a minha vontade. Não quero que ele vá.

Nos olhamos por alguns instantes até ele ceder e resolver ficar. Não consigo evitar um sorriso vitorioso quando ele deita ao meu lado. Me sinto mais tranquila com ele aqui. Não quero que ele vá. Na verdade, acho que não me importo se acordarmos depois dos garotos. Não me importo em ter que dar satisfação a eles, se pedirem para saber o que há entre nós, mesmo que eu não saiba exatamente. Um caso? Namoro, talvez? O fato é que eu não quero que isso acabe.

Percebo Haymitch se mexer até se aninhar a mim, causando-me um arrepio rapidamente. Ele passa um braço ao meu redor e entrelaça os nossos dedos. A sensação de tê-lo por perto me reconforta e me tranquiliza.

Que maravilha, Effie. Digo para mim mesma. Está se apaixonando por ele.