Tatame escrita por PaolaPS


Capítulo 1
Um


Notas iniciais do capítulo

As lembranças estão em itálico. Boa leitura!



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Um

O homem estava encostado em uma das paredes do hospital tentando controlar as suas lágrimas. Ele, conhecido pelo jeito durão, não conseguia conter as emoções naquele momento.

–O senhor quer conhecer a sua filha? -Uma enfermeira perguntou.

Ele respirou fundo pela décima vez, tentando se recompor. Ele precisava ser forte, pelas meninas.

–Me dá só um segundo, por favor. -O homem pediu.

Enquanto ele buscava forças que pareciam não existir, a sua filha mais velha estava encolhida no corredor ao lado, sem entender o que estava acontecendo. Era pra ser um dia de muita alegria, e encontrar o pai chorando daquele jeito a fez perceber que, de alguma forma, o seu mundo estava desmoronando.

–Vamos conhecer a sua irmãzinha? -Ele disse para a filha, que encarava a parede com um olhar perdido.

A menina deu um sorriso e estendeu os braços pra que o pai a pegasse no colo. O homem a carregou, retribuindo o sorriso, mesmo com os olhos carregados de lágrimas.

–Cadê ela? -A menina perguntou pro pai, assim que eles entraram no quarto vazio.

O homem não sabia se ela estava perguntando pela mãe ou pela irmã, mas preferiu ficar com a segunda opção.

–Ela já está vindo. -Foi o que ele respondeu.

Logo um enfermeira entrou no quarto, trazendo um embrulho. Ela colocou o pacote em um bercinho que estava ali, disse algumas coisas para o pai e logo os deixou à sós.

O homem colocou a filha mais velha sentada na cama e foi pegar a recém nascida no colo. Aquele bebê branquelo e careca conseguiu arrancar o segundo sorriso do homem, desde que tinha recebido a terrível notícia.

–Papai? -A menina chamou o atenção do homem.

Ela estava sentada na cama, balançando as pernas e com os bracinhos estendidos. Ela queria conhecer a irmã.

O homem se aproximou e colocou a recém nascida no colo da irmã, ajudando-a a carregar o embrulho.

–Linda. -Foi o que a menina disse sobre a irmã, fazendo carinho na bochecha dela.

–Filha. -Ele começou com a voz embargada. -Agora somos só nós três.

–E a mamãe? -Ela perguntou confusa.

–A mamãe não está mais conosco. -Ele respondeu. -Ela agora é um anjinho, que vai estar sempre cuidando de nós.

A menina absorveu a informação, não entendendo o que significava as palavras do pai.

–Você vai me ajudar a cuidar da sua irmãzinha, Bi? -Ele perguntou, limpando uma lágrima que escorria.

–Ajudo. -Ela respondeu, ansiosa para fazer o seu pai parar de chorar de alguma forma.

O homem respirou fundo, se sentindo um pouco mais leve. A reação da menina, no auge dos seus três anos, foi um alívio para ele, que ainda não estava preparado para lidar com o sofrimento e os questionamentos da filha.

–Papai, Bi e K. -Ela disse fazendo carinho na irmã que dormia tranquilamente.

Bianca acordou com o coração apertado e os olhos cheios de lágrimas. Ela tinha uma vaga lembrança do dia da morte da mãe, mas no sonho tudo estava tão claro. Aquela época parecia tão nebulosa que a aspirante à atriz preferia ignorar.

Ela ignorava as lágrimas que o pai derramava diariamente, sempre que ia fazer as mamadeiras das filhas ou colocá-las pra dormir. Ela ignorava que no dia do enterro tinha dado um trabalho enorme, por insistir em acordar a mãe. Ela ignorava, inclusive, os pesadelos que ela tinha que fizeram Gael passar quase um ano inteiro dormindo naquele quarto cor de rosa, para garantir a filha mais velha que “o papai não desapareceria de repente”.

Uma das coisas mais incríveis do cérebro humano, é que ele ignora as lembranças dolorosas. A bênção chamada de "memória seletiva".

O que ela se lembrava era do cheiro de flores que a casa tinha, já que a mãe fazia questão de manter a casa decorada. Ela se lembrava das histórias de príncipes e princesas que a mãe contava toda noite. E ela se lembrava, principalmente, do bolo de chocolate recheado de amor materno que era servido nas datas especiais.

–Bom dia, Bi! -Dandara disse entrando no quarto da menina e tirando-a das lembranças do passado.

–Bom dia. -Ela respondeu enxugando as lágrimas rapidamente.

A cantora não precisou pensar antes de dar um abraço forte na menina. Ela não disse nada, apenas colocou todo o amor que tinha, naquele abraço.

–Vamos tomar café? -A mulher sugeriu e a menina concordou. -O seu pai foi cedo pra academia.

–Não acho que ele tenha ido pra academia. O Mestre Gael tem um ritual pra o dia de hoje. -Bianca disse limpando o resto das lágrimas. -A K está no banho?

–Não, ela já foi pra academia. -Dandara respondeu com um sorriso triste.

–E de lá ela vai direto pro colégio. -A atriz completou chateada.

–Talvez hoje seja diferente.

–Hoje vai ser diferente, ela deve ficar socando aqueles sacos mais que o normal. -Foi o que a irmã disse. -A K odeia fazer aniversário.

Dandara não disse nada. Ela podia não ser a mãe daquelas meninas, mas odiava assistir o sofrimento delas.

A verdade é que a casa dos Duarte estava vivendo os seus piores dias. Karina tinha descoberto o acordo entre Bianca e Pedro acidentalmente e, desde então, tudo estava fora do lugar.

–Cunhadinha, eu preciso falar com você. -Pedro disse.

Ele tinha ido até a casa da namorada, aproveitando que ela estaria no Colégio, para tratar de um assunto inacabado.

–Claro. -Bianca concordou. -Aconteceu alguma coisa?

–Eu quero devolver o dinheiro da demo.

O lançamento do clipe "Esse seu jeito" tinha sido um sucesso, e desde então a Galera da Ribalta estava fazendo shows sempre. Pedro aproveitou o dinheiro que estava ganhando pra quitar uma dívida moral.

–Ah Pê, não se preocupa com isso. -Bianca disse indo até a cozinha, sendo seguida pelo guitarrista. -Foram os dois mil reais mais bem gastos da minha vida.

–Mas eu estou me sentindo mal com tudo isso. -O guitarrista insistiu.

–Pedro, eu adorei patrocinar a Galera da Ribalta. Vocês são muito talentosos e precisavam de um empurrãozinho, foi um prazer ajudar.

E foi então que Karina chegou. Ainda na porta, ela estranhou que o namorado estivesse ali com a sua irmã. Em seguida, ela ficou surpresa ao descobrir que Bianca era a patrocinadora secreta da Galera da Ribalta.

–Bom, mas o que você patrocinou não foi exatamente a nossa banda. -Pedro continuou. Tanto ele, quanto Bianca, não notaram a chegada da esquentadinha. -E é por isso que eu preciso devolver o seu dinheiro.

O guitarrista colocou um bolo de notas no balcão.

–Esquece isso, Pedro. A banda ta fazendo sucesso, a Karina está super feliz, tudo deu certo. Sendo sincera, eu nunca vi a minha irmã tão feliz.

–Esse é o problema. -O guitarrista disse desesperado. -Eu estou feliz de um jeito que nem imaginava ser possível, Bi! Eu amo a Karina, de verdade.

A esquentadinha estava surpresa. Ele nunca tinha dito a ela que a amava.

–Eu sei! Eu sempre soube que você gostava dela e que ela também gostava de você. -Bianca disse sorridente. -A K é a minha irmãzinha e eu nunca insistiria que ela namorasse alguém que não gostasse dela de verdade.

–Eu nunca devia ter feito aquela proposta, mesmo que de brincadeira. -Pedro disse desesperado. -O que eu estava pensando? Pedir dois mil reais pra namorar com a minha esquentadinha! Qual o meu problema?!

–Ei, fica calmo, Pê. -A atriz disse entregando um copo de água pro cunhado. -Eu sei que o que a gente fez foi horrível e, se eu pudesse, voltaria no tempo e tentaria aproximar vocês de uma outra forma.

–Eu fico me perguntando se nós deveríamos contar pra ela. -Pedro disse pensativo, deixando o copo vazio de lado.

–Eu me pergunto a mesma coisa. -Bianca concordou desanimada.

O que eles não tinham percebido é que, indiretamente, eles haviam contado sobre o acordo para a lutadora.

–Vocês não precisam se preocupar mais com isso. -Karina disse, estranhamente calma.

–K? O que você está fazendo aqui? -A pergunta idiota escapou da boca de Pedro, que estava quase catatônico.

–Uma professora faltou. -Ela respondeu dando os ombros. -Então, você é a patrocinadora misteriosa, Bianca?

Os olhos das duas irmãs, mesmo que tão diferentes, estavam iguais: ambos carregados de lágrimas.

A atriz não conseguiu se pronunciar.

–Esquentadinha, por favor, deixa eu me explicar? -Pedro implorou, com a voz embargada.

–Eu não acho que você tenha o que explicar. Tudo parece tão claro. -Karina disse sem conseguir olhar para o namorado. -Agora eu entendo porque a patrocinadora não se revelou. Afinal, ela não estava patrocinando a música de vocês, não é?!

–K, me perdoa. Você não sabe o quanto eu me arrependo de ter feito esse maldito acordo! -O guitarrista estava completamente desesperado. -Eu tentei te contar várias vezes, mas eu nunca consegui, porque você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Karina, eu não consigo imaginar o meu mundo sem você.

–Você precisa trabalhar nisso, então. -A esquentadinha disse, simplismente, dando as costas pro rapaz. Ela limpou as lágrimas que escorriam, tentando encontrar uma força que não existia.

–Eu te amo. -Pedro disse baixinho.

A mão de Karina se fechou em punho. Mais lágrimas escorreram pelo rosto dela.

–Eu te amo. -Ele repetiu, mas dessa vez mais alto e mais firme. -Eu te amo, esquentadinha!

–Cala a boca! -A lutadora gritou enfurecida, mas ainda de costas.

–Esquentadinha, eu te amo como eu nunca imaginei que fosse possível amar alguém. Você é a primeira coisa que eu penso quando eu acordo, e a última coisa que me vem a cabeça antes de dormir. Eu sei que parece clichê, mas eu sou perdidamente apaixonado por você.

–Eu mandei você calar a merda da boca! -Ela gritou, se virando para ele.

Os dois se encararam. Karina respirava pesadamente, com o rosto molhado pelas lágrimas e uma expressão irada. Pedro suplicava de corpo e alma, tão devastado quanto ela.

–Olhinho bem fechado, sorriso assim de lado… -O guitarrista cantarolou, mais desafinado que o normal, graças ao choro. -Eu te amo, esquentadinha.

Antes que Pedro pudesse reagir, Karina já estava na sua frente. O punho dela atingiu o nariz do rapaz com força, jogando-o no chão.

–Eu quero que você saia da minha casa agora. -A lutadora disse, tentando se controlar.

Pedro se levantou com dificuldade, atordoado com o que tinha acontecido. Ele até pensou em insistir, mas estava claro que a esquentadinha não queria ouvir as explicações dele.

–Agora. -Ela repetiu.

Segurando o nariz que sangrava, ele decidiu que era hora de ir embora. Pedro caminhou até a porta, garantindo a si mesmo que quando as coisas se acalmassem, a esquentadinha o perdoaria.

–Pedro. -A voz de Karina o fez parar.

Naquele instante, o coração do guitarrista ousou ter esperança.

–Nunca mais me chame de “esquentadinha”. -A garota encerrou a conversa.

Cabisbaixo, o rapaz saiu pela porta, sentindo que o seu mundo estava perdido.

Karina se sentou no sofá limpando as lágrimas que insistiam em escorrer. Cada movimento era assistido pela irmã, que estava calada.

Depois de alguns minutos em silêncio, a lutadora se pronunciou.

–Se você vai tentar se justificar, aproveita que o meu punho está dolorido.

Bianca encarou a irmã, vendo a mágoa nos olhos azuis. Ela respirou fundo e limpou algumas lágrimas que marcavam o seu rosto.

–Eu sei que o que eu fiz foi errado e que não existe uma justificativa pra isso, mas eu quero que você saiba que eu me arrependo muito. -A atriz se pronunciou, com a voz tremula. -Eu só espero que um dia você possa me perdoar.

Karina se levantou e caminhou em direção ao quarto que dividia com a irmã.

–Esse dia não é hoje. -Foi tudo o que ela disse.

(...)


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Notas finais do capítulo

Oi, tudo bem?Essa é a minha primeira fic, então espero que perdoem os meus erros. "Tatame" é uma história curta, de dois ou três capítulos. Inicialmente eu pensei em um capítulo único, mas estava ficando longo demais.E por fim, essa fic é quase um desabafo meu. Pode parecer bobagem, mas depois de ver tantas histórias aqui tratando a Bianca como a grande vilã, eu me vi na obrigação de expor um pouco mais sobre o que é um relacionamento entre irmãs. Enfim, não consigo ver a Karina e Bianca como outra coisa, senão irmãs - no significado mais profundo da palavra.Espero que quem esteja lendo isso, entenda os meus objetivos. Obrigada pela atenção.



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