Mal abro os olhos e já levo um susto: Primeiro por eu estar num hospital, e segundo por que Miguel estava jogado aos meus pés. Estava dormindo, e num sono profundo, pois me mexe e ele nem acordo. Ao vê-lo dormir, observei com detalhes a beleza que ele fazia questão de exibir: os desarrumados cabelos de fogo, a pele branca delicada, a sarna que da um charme especial e aquela expressão, comovente, de um cachorro abandonado.
Fiz um cafuné nele, e sussurrei um “obrigado”. Tento imaginar por quanto tempo ele estaria ali esperando eu acordar. Deve ter sido difícil tentar se acomodar em uma cadeira. Por quê? Pergunto-me o porquê daquilo, ele poderia simplesmente me deixar aqui, mas ele resolveu ficar ao meu lado. Lembrei-me do Ícaro. Ele também ficaria aqui comigo? Ele cuidaria de mim? Não consigo aguentar quando as lembranças vêm à mente, e caio aos prantos, tentei ser a mais silenciosa possível para não acordar o Miguel. Mas não precisei me esforçar, era assim todas as noites, quando eu pensava no Ícaro e na minha vida, eu sempre acabo chorando. É difícil ter que aguentar tudo sozinha, eu sei, eu tenho amigos, Alex, Richard, Alice e Jennifer, mas não acho que possam me compreender. Não posso me deixar enganar por uma vida falsa só de sonhos, eu quero lutar, desejo alcançar meus sonhos, porém dói, dói demais.
Tento parar de chorar, mas eu não pude parar, eu sei que precisava para aliviar um pouco dessa dor, então me permite chorar mais um pouco, coloco as mãos no rosto, fazendo o possível para não ficar soluçando. Miguel do nada puxa uma das minhas mãos e pergunta:
– Ângela? O que foi?
Levei um susto, mas continuei chorando, apertei a mão dele, levei-a ao meu rosto e disse:
– Nada demais, obrigada por cuidar de mim.
Eu sorri e soltei a mão dele, enquanto enxugava minhas lágrimas, Miguel se aproximou mais de mim, falando:
– Eu realmente fiquei preocupado, você ficou pálida e gélida assim que desmaiou. Sua mãe esta bem preocupada viu? E soube por ela que andas se esforçando demais! Já não te disse pra tentar se divertir mais criatura? Que coisa! Você é uma garota inteligente, só precisa saber onde parar...
Por um momento, Miguel ficou calado, olhou o céu por trás da janela, e me perguntou:
– Por que estava chorando daquele jeito?
– Já disse... Nada demais.
– Eu fiz uma pergunta. Por favor...
No mesmo instante, ele segurou minhas mãos e continuo a frase:
– Confie em mim, conte pra mim o que te tanto faz mal...
– Miguel... Isso é complicado. É que...
Não consigo terminar a frase, já que o médico entra no quarto de hospital, seguido da minha mãe, Miguel se levanta, mas em momento algum largou minhas mãos:
– Então doutor, o que ela tem?
– Foi realmente um susto, mas ela está apenas anêmica, ela desmaiou devido ao cansaço, mas ficará bem, é só se alimentar melhor.
Miguel fez mais algumas perguntas, mas eu não ouvia nada, ainda estava meio abalada por ter lembrado do Ícaro. Minha mãe chama o doutor para um canto e eles logo se despedem e saem da sala, deixando Miguel e eu a sós. Ele é quem quebra o silêncio:
– Então. Pode continuar o que você estava falando?
– Sim.
Eu contei tudo o que me angustiava, com riqueza de detalhes. Na parte em que eu falei sobre a morte do Gabriel, Miguel soltou minhas mãos e se levantou, pareceu-me incomodado. Parei por um instante e o perguntei:
– Eu disse algo errado?
Ele voltou-se para mim, ajoelhou-se ao meu lado, apoiou as mãos em seu rosto, olhou diretamente em meus olhos e disse:
– Talvez você não se lembre de mim, mas, eu sou o irmão do Gabriel.