Lembranças de Uma Mente Instável escrita por MahDants


Capítulo 2
O Dia Em Que Eu Pulei da Ponte


Notas iniciais do capítulo

Ei, pessoal! Me desculpem pela demora, eu acho que início de ano pra mim sempre é complicado. O tempo passa tão rápido, não é? Pisquei e era Abril, e vocês passaram um tempinho sem saber a continuação dessa história. Bem, eu espero que ainda estejam aí, e que gostem.
Beijos!



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– Você não tem fé – disse a Quimera. – Não confia nos deuses. Não posso culpá-lo, pequeno covarde. Melhor que morra agora. Os deuses são infiéis. O veneno está no seu coração.

Ela estava certa: eu estava morrendo. Podia sentir a respiração falhando. Ninguém poderia me salvar, nem mesmo os deuses.

Recuei e olhei para a água lá embaixo. Lembrei-me do calor do sorriso de meu pai quando eu era um bebê. Ele deve ter me visto. Deve ter me visitado quando eu estava no berço.

Lembrei-me do tridente verde que aparecera girando acima da minha cabeça na noite da captura da bandeira, quando Poseidon me reconheceu como seu filho. Mas aquilo não era o mar. Aquilo era o Mississipi, bem no meio dos Estados Unidos. Ali não havia nenhum Deus do mar.

– Morra, infiel – disse a voz rouca de Equidna, e a Quimera mandou uma coluna de fogo na direção de meu rosto.

– Pai, me ajude – implorei.

Virei-me e pulei. Minhas roupas em chamas, o veneno correndo por minhas veias, mergulhei no rio.

– Percy Jackson e o Ladrão de Raios, página 218.

~*~

Quando se está em um hospital, não tem muito a ser feito. Os médicos decidiram que eu precisava ficar em observação por mais um tempo, então duas semanas da minha vida foram resumidas em: comer cereal, assistir televisão, estudar com o Grover, tomar remédios, responder perguntas e dormir.

Eu gostava de dormir e de um programa de comédia que passava todas as manhãs no canal 22; além do mais, Grover era um bom professor, então não reclamei dessa rotina. Não gostava das visitas da minha mãe e do olhar penoso que ela sempre direcionava a mim, como se acreditasse que eu fosse mesmo louco.

Eu ainda estava desconfiado da história que me contaram. Eu não podia simplesmente aceitar jogar fora todas essas memórias que eu havia acumulado. Eu sempre disse que não queria ser um meio-sangue – e era verdade. Não queria a parte dos monstros, dos deuses querendo nos controlar, de pôr em risco minha vida; mas isso não anula os amigos que eu fiz. Ou que imaginei. Minha cabeça estava confusa.

Todos os dias eu sonhava com o rosto bronzeado e bonito de Annabeth. Todos os dias. Era como se eu não conseguisse me livrar daquele sorriso, daquela voz, daquele sentimento. Eu deveria me sentir louco por estar apaixonado por um fruto da minha imaginação, mas eu ainda estava na fase da negação. Não podia ser tudo coisa da minha cabeça.

A única pessoa que não estava me tratando como se eu fosse maluco era Grover. Depois de muito me olhar torto, ele começou a fazer perguntas sobre todo o sonho. Ele não acreditava, mas também não achava que eu tinha parafusos a menos na cabeça. Ele via isso tudo como uma possibilidade.

Já em casa e com uma semana faltando para viajar até o outro lado do mundo, eu tive uma ideia que talvez provasse que toda essa história de coma não passava da névoa confundindo a mente de todos.

– Isso é loucura, Percy – disse Grover, quando contei pra ele. – Quer dizer... Não loucura, mas... Digo...

Foi quando eu descobri que ele não via isso como uma possibilidade. Era psicologia: entrar na história do doido para fazê-lo parar de acreditar. Isso me enfureceu, e eu tive que jogar os livros no chão com força para acalmar minha raiva. Ele me olhava assustado.

– Vocês querem que eu descarte a possibilidade de todos nós estarmos correndo perigo? – perguntei pra ele. – Se você não acredita, ótimo. Eu espero que um ciclope coma sua cabeça.

– Querido, está tudo bem? – minha mãe apareceu no quarto. Pus o rosto entre as mãos.

– Não, mãe, não está. Eu sei que eu vivi tudo o que eu descrevi. Eu contei ao Grover, e sei que ele contou a você. Quais as chances de minha mente ter inventado tudo isso?

– Todas – respondeu minha mãe, sentando ao meu lado e tocando em minhas costas. – Percy, você sabe o que viveu e tem certeza disso. Mas eu também sei o que eu vivi, assim como o Grover.

– A névoa esconde-

– Esconde a verdade, eu sei. Mas isso é mitologia grega, não a realidade. Você fala da caneta-espada...

– Contracorrente – lembrou Grover e eu assenti.

– Se ela sempre aparece no seu bolso, onde ela está? – ela perguntou e eu dei de ombros. – Eu sei que é difícil de aceitar.

– E onde está Gabe Cheiroso?

– Eu me separei dele há quatro anos.

– Não, mãe! Ele virou pedra!

Ela me olhou cansada.

– Slugworth não é escola para retardados, e nem mais um reformatório. É uma escola para jovens perdidos que querem se encontrar.

– Isso é frase de religioso – resmunguei. – Quer me catequizar agora?

– A escola é religiosa, sim, mas não quero impor a você nenhuma religião – explicou minha mãe. – Você está confuso, e ficar longe de Nova Iorque pode ser bom para você, para pôr as ideias no lugar.

Eu suspirei, começando a aceitar.

– Eu posso apenas tentar três coisas? Se elas não derem certo, eu desisto e me convenço de que foi tudo um sonho.

– O quê?

Contei a ela sobre o que se tratava, e ela tentou protestar, mas eu ergui as sobrancelhas e ela assentiu, como se dissesse faça o que quiser. Sorri para ela, beijando sua bochecha, e, antes que eu saísse, ela pediu a Grover para me acompanhar. O caminho foi silencioso, porque ainda estava com raiva dele por ter me enganado, exceto quando eu cheguei ao Empire State Bulding, que abri a boca para resmungar:

– Não preciso de babá.

Entrei no saguão do edifício decidido. Eu já sabia o caminho e, mesmo desconfortável com a perseguição, fui até a mesa da recepção e disse ao guarda:

– Eu quero ir ao seiscentésimo andar.

Ele ergueu uma das sobrancelhas, deu uma mordida em sua rosquinha e saboreou por longos segundos o sabor da sua comida. Eu não gostava muito de rosquinhas, a menos que elas fossem azuis, mas eu acho que estava com fome, porque subitamente tive uma enorme vontade de colocar aquela coisa na boca.

Ele terminou de comer e, dramaticamente, fingiu surpresa ao ainda me ver ali. Mantive a expressão séria, e ele riu.

– Volte para sua turma, garoto – aconselhou, ainda sorrindo. – Esse andar não existe.

– Foi o que me falaram uma vez – sorri. – Mas minha namorada está encarregada de reformar o Olimpo e tal, e eu queria visitar ela.

Ele riu ainda mais, e eu me aproximei para sussurrar:

– Eu sou Percy Jackson.

– E eu sou Stuart McGround. Muito prazer, Percy Jackson.

– Eu ajudei a salvar o Olimpo, cara, já subi aí umas duzentas vezes. Vamos lá, me dê logo o cartão-chave. Estou com minha espada aqui. Não quer que eu a use, quer?

– Não estou vendo nenhuma espada. E que papo é esse de Olimpo? Saia logo, criança, ou serei obrigado a lhe expulsar daqui.

– Vem, Percy, vamos – disse Grover, batendo em minhas costas. Desvencilhei-me do seu toque, mas caminhei para fora do prédio, frustrado.

– Eu tenho uma teoria – falou Percy. – Zeus se sentiu ofendido quando eu recusei a imortalidade, e ele está me castigando. Só pode ser isso. Mas meu pai não é tão duro, eu sei que ele não segue todas as ordens de Zeus.

Contei para ele uma parte do plano que não havia contado para a minha mãe. Uma vez eu estava correndo risco de vida e me joguei de uma ponte, e Poseidon me salvou. Eu sobrevivi. Iria repetir aquilo.

– Você não pode fazer isso.

– Estou indo para a Ponte Williamsburg, venha atrás de mim se quiser.

– Você vai morrer, Percy. Se não morrer afogado, o impacto da água vai te matar. Pense... Olhe, eu sei que acredita que Poseidon vai te salvar, mas pense na possibilidade de ser tudo um sonho... É suicídio. Fora que você omitiu essa parte de Sally.

– Claro – revirei os olhos. – Ela me internaria em um hospício.

A risada que saiu de sua garganta me surpreendeu.

– Vamos fazer o teste em uma piscina. Disse que conseguia respirar embaixo da água, não disse?

A verdade é que eu estava desanimado quanto a isso. Eu havia tentado milhares de vezes controlar as águas da torneira de casa, mas não havia funcionado. No meu interior, eu sabia que era tudo um sonho, só não queria aceitar. Eu precisava fazer algo louco, caso contrário jamais me desprenderia dessa ideia.

– Tem que ser da ponte – falei, decidido.

– Não vou te deixar fazer isso, cara.

– Não pedi permissão.

Saí correndo pela rua e Grover me perdeu de vista por causa das muletas. Agradeci mentalmente por ele ter perdido o movimento das pernas, mesmo que isso fosse algo ruim, e peguei um táxi até a ponte.

Quinze minutos depois, eu estava dando uma bela gorjeta ao taxista barbudo. Ele agradeceu e partiu, deixando-me sozinho na ponte movimentada. Olhei para água abaixo dela e respirei fundo. Uma vez, em sonho ou não, precisei de coragem para pular na água em altura parecida a essa.

– Percy! – era a voz de Grover. Ele estava saindo do táxi.

Escalei as estruturas da ponte, respirei fundo e saltei.

Eu sei. Não havia nem um mês que eu supostamente saí de coma, e eu deveria estar repousando como um bom e maduro adolescente de dezesseis anos. Se jogar de uma ponta era algo imprudente, mas, enquanto eu caía, eu não pensei em nada disso. Eu apenas gritei.

A minha velocidade aumentava a cada segundo e o ar era tomado dos meus pulmões a medida que eu me aproximava da água. Algumas pessoas gritavam lá de cima, provavelmente apontando para o menino louco que pulou da ponte, mas eu só estava concentrado em olhar para a água.

E então eu senti como se todos os meus ossos estivessem quebrados. Enquanto eu afundava e bolhas se formavam ao meu redor, o impacto que eu mais senti não foi o da água, mas o da realidade. Era um sonho. Eu estava molhado, coisa que não acontecia quando eu mergulhava, e sentia meus sentidos indo embora para longe. Eu abri a boca, mas aquilo não me fez respirar embaixo d’água. Ao contrário, eu estava sem ar.

A parte boa é que não fui esmagado com a queda. Eu acho que não, pelo menos. Só estava sem ar. Tentei voltar até a superfície, mas, antes que isso acontecesse, a visão ficou preta. O meu último pensamento foi que Poseidon não havia me salvado.

Talvez Poseidon nem sequer existisse.

Tossi para tirar a água dos meus pulmões e notei que estava em um barco salva-vidas. Grover estava lá, olhando para mim, quando acordei. Ele me abraçou, parecendo feliz por me ver vivo, mas isso só me fez sentir dor.

– Acho que quebrei a coluna – falei, gemendo.

– Você vai usar muletas – disse Grover e o olhei assustado. – Estou brincando. Quero dizer, ainda não sabemos como você sobreviveu. Talvez, mas só talvez-

– Não – eu neguei rapidamente. – Isso não foi um milagre de Poseidon.

Fechei os olhos, sentindo-me perdido.

– Eu estou louco – murmurei, com um nó no pé da barriga. – É só que... Foram os melhores anos da minha vida. Quer dizer, o melhor sonho que eu já tive. É difícil aceitar.

– Você sabe que foi um sonho, não sabe? – questionou Grover, parecendo aliviado. Eu assenti.

– Só não queria isso.

– Se prender a isso não vai levar a lugar nenhum, Percy. Torça para estar tudo bem com seus ossos, e tente recomeçar em Slugworth.

Assenti, com dificuldade. Grover deu duas batidinhas em meu ombro, e, enquanto isso, eu não conseguia deixar a decepção de lado. Eu realmente esperava que Poseidon me salvasse, esperava que não fosse loucura. Sei que sobrevivi, mas foi por pouco, muito pouco. Foi o suficiente para me convencer que era um sonho, e não podia evitar ficar triste.

Por mais real que um sonho possa ser, você consegue separar algo sonhado de algo real com o tempo, e aquilo estava começando a acontecer. Foi um grande sonho, e eu estava triste porque queria que fosse além disso. Queria que a Annabeth pudesse ser encontrada, e queria poder voltar ao Acampamento pelo menos uma última vez. Talvez a minha esperança em pular da ponte fosse altamente suicida.

Ah, qual é, não me julgue. Eu sei que você ficaria triste se descobrisse que grande parte da sua vida foi uma mentira.

As pessoas aplaudiram quando eu saí do barco e, graças a Deus, eu estava conseguindo andar. Tirando os ossos doloridos e a falta de ar, parecia que eu não tinha pulado de uma ponte há poucos minutos. Isso era tipo um milagre.

Eu e Grover voltamos para minha casa, mas não subimos de imediato. Eu queria um tempo para pensar antes de ter que dar explicações para minha mãe, e ele entendeu isso. Acabamos nos sentando na calçada.

Depois de um tempo, falei:

– Você acha que é uma boa ideia ir para um psiquiatra?

– Talvez. Mas você não é doido, Percy, só-

– Eu sei – apoiei o peso do meu corpo em meus braços. – Mas um psiquiatra pode fazer hipnose e apagar esse sonho da minha cabeça.

– Você tem certeza que quer esquecer tudo?

– Não sei – respondi sinceramente e ele assentiu.

Não queria esquecer tudo aquilo, mas também não queria viver com a incerteza se aquilo era a névoa ou não. Eu simplesmente queria ter uma vida normal, algo que eu tanto desejei durante esse sonho, e essa era a oportunidade. Quando contei a minha mãe, seu sorriso não poderia ter sido maior.

– Aos poucos as lembranças vão se tornando vagas e vazias, menos nítidas do que se elas fossem verdade – contei a ela, uma noite antes da viagem, e ela sorriu, beijando o topo da minha cabeça.

– Não acho que você precise de um psiquiatra, querido – ela disse. – É bom que saiba que foi um sonho, e nada mais que isso. Isso basta para mim – eu assenti, vendo-a se levantar da minha cama. – Vai gostar de lá, Percy, eu prometo.

– Assim eu espero – eu falei, com um sorriso amarelo e ela afagou os meus cabelos antes de sair da cama.

No fundo, eu sabia que minha mãe só queria meu bem. Ou o bem dos miolos da minha cabeça. Quem ia querer um filho louco, em?

O dia seguinte amanheceu ensolarado, e pode ter sido impressão, mas eu jurei que minha mãe estava desesperada para se livrar de mim na hora da despedida. No avião, Grover garantiu que não era nada disso, mas notei que nem ele acreditava nas próprias palavras. Isso me impulsionou a ser alguém normal.

Não demorou muito para que o avião pousasse na Califórnia – não mais do que aviões geralmente demoram para pousar – e eu podia ver que o Grover estaria saltitando se não fizesse o uso das muletas.

Ao sair do aeroporto, um carro nos esperava e eu suspirei pesadamente, sabendo que uma nova fase da minha vida começava ali.


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Notas finais do capítulo

E o percabeth já começa no próximo capítulo, eu prometo!



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