End of the World escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Nota da Agatha: Olá, mundo! Talvez vocês não se lembrem, mas hoje é um dia muito especial, um dos meus favoritos no ano. Ainda não adivinharam? É o aniversário da pessoa mais maravilhosa que eu conheço, Amélia. Sim, hoje (19/02) faz exatamente 15 anos que ela chegou aqui. Eu queria ter tido mais tempo para escrever isso aqui, só que esse dia foi muito corrido. Esse capítulo aqui é um sobrevivente. Tínhamos escrito tudo ontem e, hoje à tarde, quando eu fui revisar para postar, a maior parte dele tinha sumido! Na pressa pra sair de casa, não lembramos de salvar. Com muito custo, conseguimos superar isso, tudo para que ele fosse postado hoje, em homenagem a ela. Como se tudo isso não fosse o suficiente, hoje a minha irmãzinha passou por um dia difícil, por causa de pessoas idiotas. Mellie, amorzinho, sem você eu nunca teria chegado até aqui, e todo o sacrifício valeu a pena. Muito obrigada por tudo, e espero que tenhamos muito (muito mesmo!) tempo juntas para realizarmos todos os nossos sonhos! Como não posso comprar nada pra você (eu não superaria seus presentes), estou postando esse capítulo divo em sua homenagem, é o mínimo que eu posso fazer. Irmã, te amo. Beijos e um ótimo aniversário. Parabéns!
E, aos leitores, espero que gostem.
Boa leitura!



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Deitada na cama, ela esperava que sua dor de cabeça simplesmente passasse, mas, melhor que ninguém, a mulher sabia que isso não aconteceria por nada. Antigamente, com um longo e exaustivo labor, aquelas dores haviam entrado em sua rotina de vez. Sem o emprego para causar aquilo, a morena começara a procurar os motivos daquilo para tentar se distrair. Poderia muito bem ser o Sol, já que ela passava parte das tardes debaixo dele; ou, o que era mais plausível, o clima, que esfriara bruscamente nos últimos dias. Contudo, eram apenas ideias que sua mãe colocava em sua cabeça para tentar controlar a vida dela, como sempre fizera. Roupas, alimentação, saúde, tudo aquilo era ditado pela mãe, e não haveria problema algum, se Gabriela Hopper não tivesse trinta e cinco anos e fosse uma mulher completamente independente.

Ela não tinha muito o que reclamar, se sentia em dívida com Barbara Hopper, mas a mulher sempre apreciara muito sua liberdade e autonomia, o que não era fácil de se ter naqueles dias. Morando na mesma casa havia dois anos, com a companhia das mesmas pessoas e em uma cidade fantasma, Gabriela tinha adquirido uma rotina pior que a sua antiga. Tendo o papel de sustentáculo desde que trouxera sua mãe para morar lá, a administradora sabia que antes do apocalipse as coisas eram muito mais fáceis, sem ter que se preocupar e viver em função de hordas, busca por suprimentos e procura por outros sobreviventes. Além disso, sempre que surgia algum problema, Gabriela era requisitada imediatamente.

Contudo, ela não tinha o que reclamar deles. Se antes fora uma mulher solitária que viva só naquela grande casa de dois andares, com o fim do mundo a morena tinha ganhado companhia e sabia que aquilo tinha grande valor. Gabriela também não sabia se teria conseguido sobreviver sem eles por perto para manter sua sanidade, talvez tivesse ficado desmotivada, maluca e começasse a conversar consigo mesma, numa tentativa absurda de ouvir vozes. O calor humano era outro ponto positivo, os jantares em que se reuniam eram um dos poucos momentos em que ela se sentia feliz naqueles tempos difíceis.

Hopper tinha mesmo que reclamar da terrível dor de cabeça, que parecia martelar seu crânio até que formasse uma enorme e irreparável fenda, isso sem contar com as pontas que, segundo suas observações, estavam perfurando sua massa cerebral. Desistindo daquela batalha inútil, a mulher se arrastou até o outro lado da cama de casal, abrindo a gaveta do criado-mudo para, em seguida, bagunçá-la com uma das mãos em busca de algo que pudesse acabar com aquilo. Todavia, os únicos medicamentos que encontrou lá eram anticoncepcionais.

Gabriela ficou parada observando aquelas cartelas e pensando em outro objeto que pudesse definir tanto a sua vida. Ela não tinha tempo para nada, não importava que sinais seu corpo desse, e tudo isso por uma coisa: trabalho. Havia chegado a um ponto em que sua existência parecia ter dependido daquilo. Pessoas conhecidas eram relacionadas ao trabalho, seus amigos eram colegas na empresa, todos os namorados também pertenciam ao ciclo social executivo, e, em dado momento, seu organismo simplesmente tinha resolvido se recusar a continuar.

Naquela época, sua mãe havia reaparecido. Depois de tanto tempo sendo afastada pela filha, Barbara percebera que não podia mais deixá-la sozinha, aceitando prontamente o convite para morar em sua casa. A mulher idosa tinha passado a cuidar dela depois de sua reação aguda ao estresse, um transtorno transitório que durara poucos dias, o que, de certo modo, servira como uma quebra de rotina benéfica. A partir da vinda de sua mãe, Gabriela começara a perceber o que era de fato importante em sua vida, não o trabalho ou sua aposentadoria precoce, e sim algo realmente duradouro e que poderia ultrapassar a barreira do tempo, o amor. E não era só isso que havia melhorado, sua saúde também, com a mãe regrando sua rotina a administradora tivera melhoras significativas até mesmo no humor.

A partir daquilo, ela tentara recuperar o tempo perdido com Barbara se dedicando menos ao trabalho na administração de uma empresa de eletrônicos na cidade, para não cometer o mesmo erro que fizera com o pai. Aquilo não era muito fácil, já que a mãe era uma pessoa completamente desinibida, ao contrário de Gabriela. Até mesmo a antiga relação próxima com a tia tentara ser reestabelecida, porém Carmen era uma pessoa muito ocupada, se passasse dois dias no mesmo lugar algo grave deveria ter acontecido. Então Gabriela tinha percebido que gostava daquilo, de estar com a família, e passara a desejar que nunca tivesse saído da casa dos pais para começar uma vida sozinha. Se não tivesse tido aquela ideia de que não precisava mais de Barbara e Samuel Hopper, as coisas poderiam ter sido diferentes e, sem dúvida, muito melhores.

Mas não dava para voltar atrás, e tudo o que lhe restava eram lembranças de seu falecido pai, além de alguns objetos dele e fotos, como aquelas que estavam simetricamente distribuídas sobre os móveis do quarto e que ela guardava com tanto carinho. Uma fotografia dos pais antes de casados; outra tirada quando o casal saía do hospital com a filha recém-nascida; algumas de outro casal em lugares distantes do planeta que a morena nunca visitara, e representavam países em que sua tia havia tido o costume de passar alguns dias, sempre convidando a sobrinha para ir junto e obtendo respostas negativas; e a sua favorita, uma tirada em um passado distante, em que Gabriela, ainda criança, abraçava os pais sorrindo.

Após o breve momento de nostalgia, a mulher saiu de seu quarto e desceu as escadas, sabendo que, provavelmente, o café da manhã já estaria na mesa. Era muito difícil encontrar alimentos dentro do prazo de validade no mercado local já saqueado, e aquilo não a agradava muito. A ideia de ingerir comida vencida por alguns dias já não era das melhores, e ela relutava, mesmo que no final sua mãe fazia com que a morena aceitasse os fatos. Mais uma vez, Barbara Hopper conduzia a vida de sua filha, mesmo sem perceber.

– Samuel e eu passamos a nossa lua de mel no litoral da América Central, na casa de praia do cunhado dele. Gabriela nasceu exatamente nove meses depois – Barbara disse sentada ao lado de Scott na mesa.

– Mãe! – a filha repreendeu imediatamente, constrangida pelo assunto compartilhado. A mulher diante dela possuía sessenta e alguns anos e cabelos castanhos, assim como os olhos. Apesar disso, não era muito parecida fisicamente com Gabriela.

– Você acordou...

– Bom dia – o garoto ruivo cumprimentou cobrindo a boca cheia de cereais vencidos com a mão.

– Bom dia – em seguida, ela se voltou para Barbara, desmanchando o pequeno sorriso. – Ele é muito novo para isso.

– O que foi? Eu não falei nada inapropriado. E o Scott está gostando, não é?

– Sim. Ela está contando como conheceu o seu pai.

– Agora chegou a época depois do nascimento da Gabriela – derrotada, a administradora se sentou junto com eles e começou a ouvir sua história.

A mulher não ia comer, ao contrário dos dois, já que não sentia fome e sua cabeça ainda latejava insistentemente. Havia descido até lá para aproveitar a companhia deles, mesmo que não estivesse gostando muito da conversa. Sua mãe era uma pessoa bastante aberta, talvez fosse herança de sua juventude liberal e, com isso, fazia da sua vida, e por vezes a da filha também, um livro aberto.

Scott Hill, o garotinho de dez anos, havia estado com as mulheres desde o início, praticamente. William Hill, seu pai e amigo próximo de Barbara, morava na casa ao lado, e tinha se estabelecido lá com seu filho nos primeiros meses, até o dia em que saíra de casa para buscar suprimentos, voltando minutos antes de morrer devido a uma mordida na mão. O pequeno ruivo de olhos azuis não tinha mãe desde os quatro anos, quando que esta fugira de casa na época em que o filho ainda era pequeno, sem dar explicações. Dessa forma, Barbara e Gabriela o abrigaram desde então, já que a única parente viva dele era uma freira que, antes da praga, morava no norte da Geórgia, e Scott era a alegria da casa.

A Hopper mais velha, assim como seu amado e falecido marido, sempre tivera o sonho de ser avó, o que contradizia sua filha, já que esta nunca teria filhos. Por isso, o menino era tratado por ela como um verdadeiro neto. Barbara cuidava dele com muito amor e dedicação, estava realmente apegada ao pequeno órfão, tentando fazer com que sua vida fosse melhor, apesar das perdas e dificuldades.

O menino ainda era muito novo e não compreendia muito bem o que o mundo havia se tornado, ele sabia que era o fim, porém não estava totalmente pronto para tudo o que havia passado, muito menos para o que viria no futuro. Ao longo dos anos, sua família, principalmente o pai, o ensinara a ter fé, por isso ele nunca deixara de acreditar em Deus, mesmo com tudo aquilo, sabendo que a salvação viria no momento certo, e tudo ficaria bem no final.

Gabriela Hopper não era assim. Ela respeitava muito a crença de Scott, já que ele era pequeno e precisava ter esperança, já que a mulher de traços latinos e sua mãe não poderiam oferecer algo melhor. No entanto, a família da morena nunca fora muito religiosa, eles costumavam ter fé nas pessoas, afinal, elas eram as responsáveis por construir e destruir o mundo.

– Ela era um bebê muito chato. Você pode ter ouvido pessoas contando histórias sobre crianças manhosas e incansáveis, mas a Gabriela era pior. Não havia nada no mundo que a agradasse, a menos que estivesse escutando uma bela música de rock, The Beatles, porque ela puxou o bom gosto dos pais.

– Então vocês tocavam rock no lugar de canções de ninar? – Scott perguntou cada vez mais interessado.

– Claro! Ela ama rock! – Você não faz ideia, a mulher pensou fazendo uma careta. Se a afirmação de sua mãe estivesse no passado, não haveria problema. Gabriela não costumava ouvir músicas, não tinha tempo para aquilo, porém aquele estilo musical era o que menos a agradava, a batida e agitação da música eram coisas das quais ela realmente não gostava, e aquele era justamente o estilo musical favorito de seus pais. – Estamos conversando há tanto tempo que eu me esqueci de fazer os preparativos para o almoço! O que vocês vão querer?

– Só tem enlatados, acho que não temos muitas opções... – a questão da comida, que minguava rapidamente, era uma das maiores preocupações do grupo.

– Claro que só temos enlatados, mas dá para fazer alguma coisa! – Barbara rebateu a fala da filha, sem perder a animação.

– Eu quero atum – o ruivo disse colocando seu prato sobre a pia.

– Certo, mas o atum sozinho não pode sustentar ninguém. Vou preparar ervilhas também, isso sim vai te deixar de pé.

– Eu vou sair, tenho uma coisa pra fazer. Devo voltar na hora do almoço – Gabriela se levantou da cadeira para pegar as chaves do carro.

– Vai sair de mãos vazias?

– Não, estou levando o machado do papai – aquela era uma das poucas armas da casa, junto com as afiadas facas da cozinha, que só eram utilizadas para sua real função no momento. Entretanto, nunca fora muito necessário usá-las para o abate, apenas quando alguns errantes invadiam o jardim.

– Não está esquecendo mais nada? – pelo tom de voz de sua mãe, a mulher sabia que não estava se lembrando de algo, mas continuou confusa. – Está muito frio lá fora, e nós não queremos ninguém pegue um resfriado. Leve o seu casaco, caso precise.

– Esse casaco não esquenta.

– Claro que esquenta, eu mesma o costurei – Barbara retrucou estendendo insistentemente a peça para sua filha. – Agora pare de agir como se tivesse sete anos de idade e pegue isso! Quem diria, você nunca me deu trabalho quando era criança, e agora fica desse jeito...

– Tchau! – Scott exclamou enquanto acenava sentando novamente em sua cadeira.

– Tome cuidado. Eu te amo, filha. E use o seu casaco!

– Tchau. E eu não vou usar isso! – a mulher disse por fim, pegando o tecido sem dar muita importância e saindo da casa.

O casaco foi arremessado de qualquer jeito nos bancos de trás do veículo, porém sua vontade sempre fora de defenestrá-lo. Lá se encontravam algumas malas e suprimentos no caso de uma fuga rápida. O mundo estava imprevisível de mais para que eles pudessem contar com a sorte, e a morena nunca fora de contar com ela, costumava ser bastante calculista. Tinha o essencial, o que os três precisariam para passar alguns dias viajando até encontrar outro lugar para viver.

Gabriela simplesmente odiava aquele casaco, principalmente porque sua mãe sabia daquilo e, mesmo assim, continuava insistindo para que ele fosse usado. Barbara tivera o costume de costurar, e a peça complicada havia sido dado como presente para a filha, que, logo de cara, detestara o agasalho de lã com aspecto tribal, que, em sua opinião, era feio. Poderia ser implicância, contudo Hopper pensava que nada mudaria aquilo. Sua mãe sempre costurara muito bem e até tinha feito disso sua segunda profissão, quando ainda trabalhava para ajudar o marido a pagar as despesas da casa. Tempos depois, com a morte de Samuel, a costura havia se tornado um hobby para a viúva, e sua filha tinha certeza que ela perdera a mão com aquele casaco.

Por outro lado, o machado foi deixado cuidadosamente no banco do passageiro, de forma que seu cabo ficou preso acima do porta-luvas. A morte de Samuel Hopper fora um choque para as mulheres, principalmente para a mais nova. Depois de deixar seus pais, julgando não precisar mais deles, Gabriela tinha se mantido afastada, e o fato de não ter aproveitado o tempo com seu pai a atormentava muito, mesmo depois de anos. A administradora sempre vira seus pais como pessoas imortais, parecia que eles sempre estariam em Albany quando ela precisasse. Após o período de luto, se iniciara a época em que a mulher havia mergulhado fundo no trabalho para tentar esquecer.

O homem de família latina fora seu exemplo desde a infância, por isso Gabriela tinha ficado com o machado dele, além de alguns preciosos CDs dos Beatles, que foram escutados uma única vez, semanas após o falecimento de Samuel. Ele era cortador de lenha, principalmente no inverno, e tinha ensinado o ofício à filha. A morena não era tão habilidosa quanto o pai, já que não dispunha da mesma motivação, nem um proposito nobre para aquilo, ela não tinha uma família para aquecer no inverno, todavia Gabriela possuía certa facilidade com a arma.

O carro esportivo quebrou o silêncio das ruas desertas de Columbus, indo em direção à estação de rádio. Ela fazia aquilo todas as manhãs, com o intuito de encontrar outros sobreviventes. No dia anterior, conseguira estabelecer contato com um homem, mas o sinal não era dos melhores. Por isso, Gabriela estava empenhada a fazer outra transmissão, na tentativa de obter alguma informação sobre o desconhecido e tomar uma decisão a respeito.

Ao encontrar seu destino, a mulher entrou na estação de rádio pelos fundos, evitando a praça que costumava ficar repleta de mordedores que pareciam vegetar lá. Todo o cuidado era necessário no prédio mal iluminado e sem trancas nas portas, qualquer caminhante que pudesse eventualmente entrar no local poderia pegá-la de surpresa, pincipalmente nas escadarias escuras. Tentando não fazer muito barulho com suas botas de salto no corredor, Gabriela parou e abriu uma das portas lentamente, a mesma que usara antes, estremecendo ao ouvir o ranger emitido.

Apesar do machado em posição de ataque, a sala do segundo andar estava vazia, como costumava ficar. No início, tivera muita dificuldade para usar todos aqueles aparelhos completamente desconhecidos. O êxito só viera depois que ela havia lido um manual encontrado na sala, ensinando como operar o rádio. O cômodo era quadrado, rodeado por uma mesa repleta de instrumentos cujos nomes ainda eram desconhecidos para Gabriela, e a mulher não fazia questão de aprendê-los. Ela costumava usar sempre a mesma frequência, e assim tinha conseguido estabelecer contato com um sobrevivente depois de meses, recompensando aquela labuta diária.

– Tem alguém na escuta? – por alguns segundos, os chiados foram o único som emitido.

Será que você pode repetir? – uma voz masculina repleta de interferência se propagou pelo estúdio, fazendo com que a morena sorrisse.

– Eu tenho um pequeno grupo sobrevivendo aqui em Columbus. Será que você pode passar a sua localização?

Não estou acreditando! Eu pensei que nunca mais conseguiria falar com você! Meu grupo está se abrigando em... – o enunciado foi interrompido por um forte som de estática, que pareceu tirar Gabriela das nuvens. Nos instantes seguintes, ela tentou, de todas as formas, reencontrar a pessoa misteriosa, que parecia não ser muito boa em ser direta. Tudo foi em vão, pois, depois de certo tempo, o sinal do homem se perdeu de vez.

– Droga! – a morena enterrou o rosto nas mãos, ficando desse jeito até recuperar a calma. Refletindo sobre aquilo, ela decidiu que voltaria no dia seguinte, um pouco mais cedo, para tentar estabelecer contato novamente. A futura tentativa poderia ser mais bem sucedida que aquela, assim como esta fora melhor que a do dia anterior.

Descendo as escadas com a mesma cautela inicial, todavia sem prestar muita atenção naquilo, Gabriela seguiu até seu carro, sem se dar ao trabalho de olhar para a praça. Ao colocar os pés para fora do prédio, a mulher sentiu frio, muito frio, e se repreendeu por isso. Por mais que argumentasse, sua mãe sempre estaria certa , e aquilo era péssimo. Ela dirigiu lentamente pela cidade fantasma, sem motivos para ter pressa, apesar da fome que começava a sentir. Talvez Barbara já estivesse preocupada, afinal, sua filha demorara mais que o habitual.

Fazendo a curva para ingressar na rua em que morava, talvez Gabriela não estivesse preparada para ver aquilo. Sua casa costumava ter uma cerca, que não era efetiva na segurança, apenas servia como um item decorativo, já que nunca impedira assaltantes da vizinhança de invadir sua casa. Aquela cerquinha branca e inútil costumava atrasar os mordedores que tentavam entrar no jardim, no entanto ela não fora de muita utilidade naquela ocasião. Quando a mulher olhou naquela direção, não a viu mais.

O fato era que o local fora penetrado, não por cinco ou sete caminhantes, como de praxe. A propriedade estava completamente infestada, dezenas de mordedores haviam passado por lá em poucos minutos, derrubando a cerca, pisoteando a grama alta e escancarando a porta. Naquele momento, apenas os retardatários entravam, porque a maioria já estava lá dentro, na sala de estar, na cozinha, nos quartos. Todos perambulando sem rumo, pois o que os atraíra não existia mais.

Naquele momento, Hopper percebeu duas coisas: os mordedores da praça deveriam ter caminhado até lá; e sua dor de cabeça tinha sumido de repente.

Desesperada, Gabriela não saíra do lugar, seu carro estava parado no meio da rua, metros de distância daquele cenário que fora alvo de tanto temor por parte dela. Barbara e Scott estavam lá, ou pelo menos deveriam ter estado em algum momento. A mulher sabia que não deveria ter deixado aquilo acontecer, era obrigação dela protegê-los. Com o que ela estava na cabeça quando tivera a brilhante ideia de sair todas as manhãs, deixando uma idosa e uma criança sozinhos em casa vulnerável? Era óbvio que eles nunca teriam chances de se defender, não com apenas algumas facas de cozinha à disposição, e sem preparação alguma.

Em comparação com o dia da morte de Samuel Hopper, ao menos dessa vez não havia tanto remorso, ela sabia que tinha aproveitado bem o tempo com a mãe, entretanto isso não era consolo. A lembrança dos minutos finais que havia tido com eles invadiram sua mente conturbada, piorando sua situação. Gabriela havia sido tão rude e fria com a mulher, que teve uma sensação estranha, como se não fosse digna de Barbara Hopper. A única coisa que ela queria no momento era ter tido mais tempo para poder dizer à sua mãe o quanto a amava, agradecer por tudo que ela tinha feito e se desculpar pelos erros do passado. Mas não tinha como voltar no tempo, Gabriela sabia disso melhor que ninguém. Assim como sabia que nunca mais ouviria as histórias de sua mãe, ou a risada fofa de Scott. Porque eles estavam mortos.

Qualquer um que os conhecesse superficialmente seria capaz de afirmar que eles não mereciam ter morrido, não daquele jeito. A morena esperava que não tivessem sentido muita dor, que tivesse sido rápido. De qualquer forma, aquilo não ajudava muito. O único pensamento que chegou ao seu cérebro foi simples, ela queria ter morrido no lugar deles. Por que Barbara Hopper e Scott Hill eram pessoas muito melhores e benevolentes que ela, do tipo que faziam a diferença, positivamente, na vida dos outros. Eles eram pessoas boas. Eles mereciam ter vivido.

Então tudo o que Gabriela conseguiu fazer foi chorar. De início, não foram muitas lágrimas, elas eram insuficientes para definir sua dor, assim como as palavras. Dor, tristeza, remorso, solidão, culpa, sofrimento. Tudo isso parecia piada perto daquilo que apertava seu peito, fechava sua garganta e a impedia de sair dali, todavia era o que chegava mais perto de descrever o luto dela. Fazer qualquer movimento não passou pela mente da mulher.

Isso só aconteceu quando os primeiros errantes, desistindo daquela casa desabitada, notaram a presença daquele veículo. Os cinco primeiros não a incomodaram muito, até que um deles começou a forçar seu rosto contra o vidro da janela, manchando-a com sua pele grudenta. Desesperada, Gabriela gritou, talvez para ele ou si mesma, mesmo sabendo que era inútil. Apenas no momento em que os demais mordedores resolveram fazer o mesmo a morena percebeu que devia sair antes que sua situação piorasse. O som do carro arrancando superou os gemidos insistentes que, até então, só haviam concorrido com seus soluços. Passando por cima de três caminhantes, Hopper deixou a rua e, minutos depois, a cidade.

O automóvel andava em alta velocidade, e Gabriela não parou para pensar no que estava fazendo, seus pensamentos acompanhavam o ritmo de seu carro. Não se importava em estar deixando a cidade, e, dessa forma, sua única maneira de usar o rádio, não ligava nem um pouco para as casas vazias que abandonava, sendo que poderiam ser sua única fonte de abrigo. Ela só queria sair de lá, se afastar das terríveis lembranças. Não sabia o que faria no futuro, quem se preocupava com aquilo? A morena estava no piloto automático.

A rodovia possuía algumas rachaduras em suas extremidades, nada que atrapalhasse o percurso. As lágrimas pareciam jorrar pelos olhos da mulher, obstruindo parcialmente sua visão, e ela não se preocupou em limpá-las. Os mordedores tinham sido deixados para trás, e, além dos ruídos provocados por seu choro, Gabriela escutava outra coisa.

"Eu te amo, filha."

Sem aviso nenhum, uma árvore tombada surgiu no horizonte. Ela ocupava metade da pista e, apesar dos galhos longos e chamativos, a motorista só foi capaz de distingui-los dos borrões quando estava bem próxima. Sem tempo de reação, a única coisa que lhe restava era virar o volante bruscamente enquanto pisava no freio, saindo completamente do transe.

Sim, o carro desviou da árvore. Porém não escapou do que veio a seguir. Com a curva brusca, ele derrapou por alguns metros sobre a fina camada de neve antes de virar e começar a girar. A série de capotamentos seguiu por um tempo que pareceu longo de mais, até que parou, com as rodas de lado e a extremidade do motorista em contato com o asfalto. No ato, Gabriela batera a cabeça contra a pista, perdendo a consciência.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam do capítulo? Maior que os outros? Ficou bom?
Não colocamos fotos da Barbara, do Scott e da Carmen porque não sabíamos se vocês iam querer. Precisamos colocar? É só avisar!
Esperamos que tenham gostado. Até mais, o próximo não tem previsão de postagem. O Tumblr será atualizado logo.
Beijos!