End of the World escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Diretamente do Word Online, aqui está o novo capítulo!
Sentimos muito a falta de vocês, tudo culpa da escola. Está sendo legal, mas mudou completamente a nossa rotina, e não sabemos se vai dar pra postar regularmente. Dessa vez, nos empolgamos no número de palavras (para os que estavam achando os capítulos pequenos), mas talvez o próximo não fique tão grande assim. Falando nele, tentaremos postar o 7 semana que vem e, se tudo der certo, vamos fazer isso todas as sextas ou sábados.
Obrigada pelas mais de 1600 visualizações e por todos os comentários! Estamos abertas a mais presentes!
Boa leitura!



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O clima estava ameno na cozinha da casa de campo. O ar frio do inverno ficava do lado de fora, mas não era só isso que aquecia a sala, para Avery, era o calor humano, a boa comida e a conversa que até aquele momento estava muito agradável. Já era seu segundo jantar com a família e, em dois dias de convívio, a garota começava a se soltar, até o gosto do coelho assado que lhe parecera estranho no dia anterior ganhara outro sabor, muito melhor.

Em volta da pequena mesa redonda, Max e Kate comiam calados e Avery os acompanhava enquanto escutava a conversa acalorada protagonizada por Matthew e Joshua. Tio e sobrinho discutiam sobre o fogo que o Harris mais novo havia avistado alguns dias antes, algo até sem muita importância, principalmente para uma adolescente de quatorze anos, porém para os dois era algo de extrema importância, quase como um jogo em que ambos estavam realmente dispostos a vencer.

– Como fogo não pode ser nada de mais? – Josh questionou o tio com um tom indignado na voz.

– Eu já disse que não é nada, pode ter sido um sobrevivente qualquer...

– Justamente, tem alguém perto daqui!

– Pelos meus cálculos, o fogo foi bem longe de nós e há alguns dias, quem fez isso não deve estar mais lá, o lugar deve estar infestado de errantes – em dois pontos Matthew Harris estava certo: o lugar estava repleto de mordedores e os habitantes do Terminus não se encontravam mais lá.

– Que tal falarmos de algo mais importante? Por exemplo, o pequeno grupo de Columbus – Max entrou na conversa um tanto entediado pela discussão sobre o fogo. – O que iremos fazer a respeito?

– Não há nada decidido sobre isso. Josh continua monitorando o rádio à espera de noticias.

– E nós vamos ficar apenas esperando? Tem pessoas lá, Matthew! Sabe há quanto tempo não vemos pessoas normais?

Dois dias na verdade, mas você nem se importa, já que todos aqui preferem falar como se eu não existisse, ou o fato de ser adolescente me torna anormal, Avery observou mentalmente, se segurando para não revirar os olhos. Dois dias foram tempo suficiente para que a loira tivesse se acostumado com as novas pessoas, se tornado amiga delas e tido suas desavenças também, principalmente pelo fato de ser mais jovem, o que gerava o pensamento de fragilidade e ingenuidade. Por esse motivo Avery era tirada de muitas das conversas sérias e importantes que definiam ou podiam definir o futuro e a sobrevivência do grupo.

Nesse meio tempo ela tinha descoberto muito da vida dos habitantes da casa de campo. Matthew, por exemplo, havia sido engenheiro civil e praticamente criara seus sobrinhos, um adolescente liberal e uma criança mimada. A casa de campo não era de nenhum deles, e sim do dono da empresa de engenharia em que o homem de cabelos loiros escuros trabalhara. Harris era o líder, o homem que no final tomava as decisões e que com isso recebia o mérito e a culpa justamente por ser o membro mais velho da família. O fato dele ter criado os garotos também contribuía com sua seriedade e o seu lado protetor. Ele era facilmente visto com o líder, pois tinha mais a perder.

Max e Kate passavam a maior parte do tempo juntos , exceto quando ele tinha que realizar alguma tarefa, já ela não fazia exatamente nada, o que rendera o apelido de "imprestável", criado por Josh e utilizado pelos demais na ausência dela. Até Avery entrara na brincadeira, ela sabia que a jovem com quem dividia o quarto não tinha muita função, não sabia nem cozinhar e, mesmo se tentasse, poderia colocar fogo na cozinha. Apesar disso, Kate era quem dava vida ao grupo. A jovem de vinte anos era a mais animada e bem disposta, vivia contente mesmo com toda a adversidade e Dickens adoraria ser como ela, só que sem preocupações com futilidades.

Com a distância dos mais jovens, a loirinha acabara passando boa parte do seu tempo com Josh, um professor de História que tinha um amplo conhecimento em outras áreas por puro hobby. O dia anterior a garota passara ao lado daquele homem na tentativa de aprender o mais rápido possível e se tornar uma sobrevivente útil, não só para o grupo, também para enfrentar qualquer adversidade. Joshua era uma boa companhia, ambos possuíam gostos parecidos e compartilhavam uma paixão por beisebol e pelos Braves. Além disso, o homem tinha se acostumado a chamá-la de "fofinha", apelido que Avery detestava, por deixá-la mais infantil. Na manhã daquele mesmo dia, ele a presenteara com um relógio de pulso antigo encontrado no segundo andar da casa, que Josh tivera a intenção de dar para sua irmã, até perceber que ela não se importava com aquilo.

– Vamos apenas esperar, não conhecemos essas pessoas. Além disso, Columbus é uma cidade de médio porte, não podemos simplesmente fazer uma ronda. Mas o que você sugere, Max? – a pergunta saiu num tom de desafio, deixando claro que Matt não se importava nem um pouco com a sugestão dele.

– É um grupo pequeno. Nós três poderíamos ir até lá, damos conta disso.

– E vamos deixar Avery e Kate sozinhas?

– Kate está aprendendo a se defender e o taco de beisebol da Avery deve servir para alguma coisa. O que vai aparecer aqui? Alguns errantes?

– Acho que eu não sei me defender tão bem... – Dickens comentou num tom baixo, quase sem querer, se arrependendo disso ao notar que todos se voltaram para ela.

– É simples, você só precisa acertar a cabeça. Podemos começar a treinar agora, se quiser.

– Não, obrigada – seus olhos estavam um pouco arregalados, certamente Avery não queria treinar.

– Você está com medo.

– Não estou, não.

– Eu sei que você está com medo dos mordedores.

– Qual é o problema em ter medo? – Josh se manifestou, totalmente contrário à posição de deboche que Maximilian assumira.

– As pessoas não podem mais ter medo, isso atrasa elas.

– "Coragem é a resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo." As pessoas precisam aprender a viver com o medo, não superá-lo. O medo é a barreira que existe para te manter seguro, é autopreservação. Se alguém viver sem medo, não terá mais limites, todos sabemos que o ser humano é cheio de limitações e viver com elas nos mantém vivo.

A cozinha experimentou alguns minutos de silêncio, ninguém disse nada e nem se atreveu depois que Matthew praticamente deu um sermão e citou uma frase de Mark Twain. O clima havia ficado pesado, o líder e Max não paravam de trocar olhares intimidadores, um testando o outro. Avery e Kate não entendiam muito bem, apesar de a novata estar em maior desvantagem, pois até então não entedia por que Wayne e Harris viviam trocando faíscas, mas Josh compreendia muito bem a situação e sabia que alguma coisa deveria ser feita. Se ambos continuassem assim, não demoraria muito para que eles acabassem entrando em combate.

– Caramba! Vocês sabem mesmo como estragar um jantar! – Katherine Christina levantou-se totalmente indignada com o comportamento do namorado e do tio, se dirigindo até a saída e largando seu prato como estava, com a coxa esquerda do coelho inteira. Naquele momento a loira não tinha mais apetência.

Uma das poucas coisas que Avery Dickens havia trago em sua mochila, e que lhe trazia boas lembranças de seu passado era, sem dúvida, seu caderno de músicas. Incialmente, ele era repleto de melodias clássicas, que ela fora aprendendo com o tempo. Entretanto, sua professora tinha deixado páginas brancas lá, para que a garota pudesse anotar suas próprias canções. No momento, a loira escrevia as partituras de um rock, cantarolando as notas para tentar se lembrar. Desde o início do fim, a jovem passara a dedicar seu tempo livre a essa tarefa: transcrever suas músicas favoritas para o caderno antes que pudesse esquecê-las. Avery sabia que as chances de poder tocá-las novamente eram mínimas, todavia ela persistia, afinal, desde que os mortos tomaram conta do país, nenhuma alma viva era capaz de afirmar o que aconteceria no dia seguinte.

– Aqueles dois são tão cabeças-duras! – Kate exclamou entrando no quarto, o que fez a adolescente que estava debruçada sobre a cama rabiscasse um pouco a folha branca.

Após o primeiro jantar de Avery naquele lar, Matthew decidira que ela ficaria no quarto com sua sobrinha, já que os outros dois da casa eram ocupados, um por Max, enquanto o outro era compartilhado por tio e sobrinho. De início, a mais velha havia discordado totalmente da ideia, não queria de modo algum ter que dividir seu quarto. Entretanto, dera o braço a torcer após muita conversa, sob os argumentos de que ela tivera a ideia de levar Avery para morar com eles; que, antes do apocalipse, ela iria para a Faculdade, e lá teria que compartir seu dormitório com outra pessoa; e, como se tudo isso não bastasse, Katherine passava a maior parte das noites no quarto de seu namorado.

No começo, Dickens também não havia gostado muito da ideia, ela e Kate tinham brigado durante a primeira noite por conta de gostos antagônicos sobre o rock – Harris não possuía nem um pingo de consideração pelas bandas mais antigas e tradicionais –, além de outros comentários que deixaram a loirinha irritada. Apesar disso, Avery resolvera ignorar aquilo, afinal, se ela teria que morar debaixo do mesmo teto que Kate, preferia não tê-la como inimiga, e a coisa certa a se fazer era respeitar a opinião divergente dela.

Outra porta se abriu, dessa vez a do banheiro. Concentrada em seu caderno, Avery não percebera que sua colega de quarto havia entrado lá para se trocar. Ela ficara surpresa, no dia anterior, ao constatar que Katherine ainda usava pijama, ou melhor, uma camisola. Do ponto de vista prático, aquilo era um empecilho em caso de fuga imediata. Mas quem se importava com isso? Com certeza, Kate não.

– Vai dormir com ele de novo? – a mais nova já estava deitada em sua cama, com uma postura preparada para o sono, exceto pelos objetos espelhados pelo colchão.

– Eu não vou dormir, não agora.

– Por favor, me poupe desses assuntos e saia logo daqui! – ela arremessou seu travesseiro na direção da mulher, que o agarrou com um olhar ofendido.

– Pare de agir assim, como se ter um namorado fosse a pior coisa do mundo! Você ainda vai ter um.

– Ah, sim. Até porque eu tenho muitas opções por aqui... – Avery revirou os olhos antes de jogar a cabeça dramaticamente para trás. Sua última preocupação naquele momento era encontrar algum garoto, todos os que ela conhecera que possuíam a mesma idade eram, em sua opinião, chatos.

– Garotos gostam de garotas, e vice-versa. Um dia você vai encontrar um – Kate devolveu o travesseiro, jogando-o sobre o rosto da garota. Logo em seguida, pegou a vela que estava sobre a criado-mudo ao lado da cama e se retirou do quarto.

Com o cômodo às escuras, já que as cortinas cerradas obstruíam a passagem de luz lunar, Avery tentou dormir. Observando o teto, a jovem se dedicou pensar em nada, uma missão impossível para alguém como ela. A loira se sentia muito sortuda por ter encontrado um local aparentemente seguro, já que, caso passassem pela cerca, os mordedores precisariam subir as escadas, e Avery sabia que eles não eram tão ágeis assim para fazer isso rapidamente. No último degrau, havia uma pequena cerca improvisada, outra medida tomada para reforçar a segurança da casa. Como se tudo isso não bastasse, ainda havia a porta do quarto. Em suma, tudo aquilo era bem melhor que ficar vagando pela estrada.

Depois de algum tempo, o sono começou a se aproximar dela. Quando finalmente havia relaxado, uma imagem tomou conta de sua mente. Lá estava ela, Rebecca Dickens, morta. A visão de seu corpo sendo aberto por errantes vinha acompanhada dos gritos desesperados do marido. Tudo exatamente como havia sido na noite anterior. Durantes os dois dias morando na casa nova, Avery fizera de tudo para se distrair e esquecer aquela tragédia. No entanto, ela tinha a sensação de que, apesar dos dias bons, nunca mais passaria uma noite sem pensar em seus pais. Seu jeito alegre e extrovertido era uma válvula de escape, a adolescente não estava nada perto da felicidade. Por outro lado, seu estado não poderia ser definido como uma tristeza profunda. Seu luto parecia não ter passado por fases, ela já aceitara o fato. Avery ainda tinha momentos que ela não sabia definir: às vezes se recusava a acreditar que aquilo tudo era verdade, se imaginava acordando dentro de seu carro; em outros momentos, sentia raiva de algo que não sabia exatamente o que era, talvez de si mesma por ter superado tudo tão rápido.

Ficar acordada também não era uma boa opção, dessa forma Avery começava a refletir de mais, o que a deixava desconfortável e se sentindo um ser humano horrível. De súbito, a discussão do jantar se tornou o centro de suas atenções, provavelmente numa tentativa de parar de pensar em sua perda. Por mais que não quisesse admitir, Max estava certo, ela estava com medo. Não medo dos mordedores, como era de se esperar. Avery temia a sua reação diante de uma ataque. A última coisa que ela queria era ficar paralisada quando isso acontecesse pois, mesmo com toda aquela segurança, a possibilidade de uma invasão não poderia ser descartada. Ela tinha receio do que faria, e a origem desse pavor era justamente o momento da morte do casal Dickens. Por alguns instantes, Avery sentira que não tinha mais controle sobre suas próprias ações.

Explodir era a melhor palavra para descrever o que a jovem acreditava que iria acontecer com sua mente. As informações e os pensamentos pareciam colidir na mente dela, não que sua cabeça estivesse doendo, mas a jovem acreditava que, se continuasse deitada, aquilo poderia acontecer. Aquele quarto escuro e fechado estava começando a deixá-la mais irritada, por isso a garota se levantou rapidamente, calçou seus tênis e saiu. Tomando cuidado para não fazer muito barulho, Avery atravessou o corredor com passos leves, o que não impediu que o piso de madeira rangesse.

Ao abrir a porta lentamente, tomando o mesmo cuidado, a adolescente finalmente se sentiu em paz. Fechando a abertura atrás de si e apoiando as costas na madeira com os olhos fechados, ela teve a sensação de que a nortada varrera todos os pensamentos ruins de seu cérebro. A sensação do vento um tanto gélido em seu rosto era boa e tranquilizante, se ela pudesse ficaria ali eternamente, e a loira agradecia por a casa ter sido construída de maneira inadequada, já que, com um pouco de observação e noções básicas sobre o assunto, Matthew concluíra que a residência deveria estar voltada para o leste, onde o Sol nascia, para que a irradiação matinal incidisse sobre as janelas dos quartos, cujas aberturas se encontravam na mesma direção da porta.

Alguns minutos se passaram antes que o som de algo se arrastando no chão ao seu lado denunciasse a presença de outra pessoa. Assustada, a garota arregalou os olhos e se voltou para a direita, constatando que era apenas Max, e que o jovem parecia estar lá havia mais tempo do que ela imaginava.

Ele tinha saído da casa alguns minutos antes, a fim de passar um tempo sozinho. Já era de seu costume dar uma "relaxada noturna" depois que a exaustão tomava conta do corpo de sua namorada. Aquele era o único momento do dia em que Wayne podia ficar sozinho, por isso se oferecia para vigiar a casa todas as madrugadas. Para o estudante de Ciências Econômicas, era o seu momento, o único que lhe dava a real sensação de que ainda estava vivo, principalmente por ser exatamente o momento em que ele podia fazer algo que fora seu costume desde a era pré-apocalipse, quando sua vida era o Paraíso.

– Oi... – a garota cumprimentou um pouco assustada, ainda sem entender o que o homem fazia lá.

Ele se virou lentamente e retribuiu com um sorriso débil, que foi interpretado como "Colé!", a julgar pela expressão anestesiada do jovem. Avery pôde notar uma leve irritação em seus olhos, quase imperceptível. Porém, isso não foi o que mais a intrigou. Quando seus lábios se abriram, uma pequena coluna de fumaça saiu, deslizando pelo ar até atingir a cobertura da varanda e desaparecer no ar. Aquilo não era ar condensado, não estava frio o suficiente para isso. Ao olhar para a sua mão esquerda, apoiada no braço da cadeira, a loira foi capaz de compreender, pelo menos em parte, o que estava acontecendo. Havia um cigarro lá, branco, fino, um pouco amassado e com a ponta enegrecida, por onde era possível ver outro filete de fumaça.

– Achei que você estaria com a Kate... – ela tornou a falar, tentando esconder o incômodo que o odor do fumo lhe causava.

– Sim, eu estava lá há algum tempo. Sabe como é, pegamos pesado essa noite, ela apagou depois.

– OK... – Avery respondeu um pouco desconcertada, pela fala e pelo sorriso malicioso que Maximillian fez ao terminar a frase. Cruzando os braços, pelo frio repentino provocado por uma rajada de vento e pela sensação estranha deixada no ar, a jovem voltou a se escorar na porta, sem saber exatamente o que fazer. – Vou te deixar... fumar em paz.

– Não tá me incomodando – ele tossiu um pouco após pronunciar tais palavras, dando uma risadinha seca logo em seguida. – Pensou no que eu falei no jantar?

– Sobre o quê? – a loira sabia exatamente qual era o assunto, no entanto tentou evitá-lo, esperando que a condição de Max não permitisse que o homem recordasse aquilo.

– Sei que cê tá assustada. Se ficar escutando tudo o que aquele filósofo diz, vai se ferrar. Platão, Aristóteles, Leónidas, Sócrates... Esses caras já morreram, e não vai demorar muito pra você ir visitar eles se ficar com essa ideia de que medo é bom.

– E o que eu faço? – ela questionou ainda receosa, ignorando o fato de que nem todos os nomes listados anteriormente pertenciam a filósofos de fato, e a forma cruel e direta com que a morte fora tratada.

– Você tem que atropelar o medo, passar por cima dele. Na verdade, você precisa fazer isso agora!

– Agora? Como espera que eu faça isso, gênio?

– Viu só? Está com medo! É tão simples! Tudo o que você precisa é um mordedor e um pouco de coragem. Depois disso, garanto que você não vai ter mais nada a temer, vai voltar a se sentir segura e esquecer que medo existe.

– OK, você tem razão, é fácil. Tão fácil que eu vou esperar o errante chegar aqui – a garota não queria admitir para Max, muito menos para si mesma, que estava tremendo de pavor. A questão era, o que ela deveria fazer exatamente quando encontrasse o caminhante?

– Nada disso. Você já está se cagando de medo só porque disse pra fazer isso agora. Vá e você vai voltar com dois medos superados: o medo de mordedores e o medo do escuro. Pega a bicicleta do Matthew, ela tá escorada na parte de trás da cerca. Se você não voltar até o amanhecer, te dou cobertura. Ninguém vai notar a sua falta – a adolescente inclinou a cabeça para o lado, pensando na proposta e na última frase do jovem, que a fez se sentir insignificante. Parecia muito errado, ela sabia daquilo, mas poderia ser o caminho certo. Se não tentasse, Avery nunca conseguiria superar aquilo. – Vai!

O tom de voz mais alto usado por ele fez com que a menina acordasse do transe provocado por seus pensamentos contraditórios. Saindo apressada da varanda, a órfã se dirigiu até o local mencionado até alcançar a bicicleta azul-claro. Ao subir nela, comprovou a tese de que, uma vez aprendendo, ninguém era capaz de se esquecer como andar de bicicleta. Pedalando freneticamente, a loira saiu da propriedade sem pensar muito no que estava fazendo, apenas se concentrando nas pedaladas. Talvez esse fosse o segredo, não pensar, apenas fazer.

À medida que seguia pela estrada de terra, que era usada pelos antigos moradores da região para alcançar a estrada principal, ela tomava consciência do que fazia. Uma parte dela queria frear o veículo, dar meia-volta e fingir que nada tinha acontecido. Por outro lado, se desistisse, provaria que estava com medo, e talvez nunca mais tomaria coragem para tentar, era o que a outra parte de sua mente dizia. Entre fazer e não fazer, a resposta mais irresponsável venceu. Tudo o que Avery precisava fazer era encontrar um errante, chegar perto o bastante para saber exatamente o que estava fazendo, se acostumar com a presença daquela criatura, e depois poderia voltar, se sentir bem. A garota só torcia para conseguir fugir do caminhante.

Não demorou muito para que o odor fétido de mortos tomasse conta do ar à sua volta, e ela detectasse a presença de um daqueles desafortunados. O farfalhar das folhas foi o único som audível por alguns instantes enquanto a jovem esperava a sua aproximação. Os perigos ainda não tinham passado por sua cabeça, o fato de que sua visão estava péssima naquele breu e, o pior, ela não possuía nenhuma arma. É só um, vamos lá, era tudo o que ia à sua mente. A adrenalina em seu corpo, o suor que se formava em seu rosto, as batidas aceleradas do seu coração. Esse conjunto fazia Avery se sentir mais viva.

Não demorou muito para que o aguardado andarilho surgisse. Seus passos tortos indicavam algum problema na perna direita, seu corpo estava em um estágio avançado de decomposição, seus cabelos longos eram ralos, o rosto era da cor da madeira das árvores, e seus olhos tinham uma coloração azul mórbida. O ser maltrapilho esticou os braços, ou pelo menos o que restara deles. O esquerdo só existia até a região do cotovelo, dali para baixo não havia nada. Era disso que eu estava com medo? À medida que ele se aproximava, Avery se achava muito idiota por ter temido tanto aquilo. De súbito, aquele gemido rouco e sem vida foi acompanhado por outros.

Ao identificar o som de mais passos, a jovem se sentiu muito mais idiota, e percebeu que Matthew estivera certo o tempo todo. Ela não poderia dar conta de tudo aquilo. Os vultos se tornaram visíveis, eles estavam por todos os lados, indo em sua direção. A garota colocou os pés nos pedais novamente e começou a pedalar o mais rápido que podia. O mordedor que chegou pelo lado e se jogou sobre ela acabou caindo no chão com a força da investida, o que deixou a menina mais apavorada. A dúvida entre voltar para o chalé ou seguir até a estrada a atingiu. Em poucos segundos, a decisão foi de continuar seguindo, não tinha mais como voltar. Se antes ela estivera com medo, essa palavra parecia uma piada perto do que sentia naquele momento.

Conforme as aberrações se aproximavam, ela se abaixava, na tentativa de esquivar deles. Em certo momento, Avery não pôde mais ver a estrada de terra, já estava fora da pista. Tudo era capaz de apavorá-la àquela altura. As árvores, que no escuro não poderiam ser diferenciadas dos caminhantes, eram outro obstáculo em seu caminho. Em alguns minutos, que pareceram ser horas, os gemidos se tornaram inaudíveis, e a adolescente caiu no silêncio da noite outra vez. Todavia, seu corpo não deu trégua, ela só parou quando encontrou a estrada de asfalto.

Mas a rodovia não estava deserta.

Aquilo não era exatamente o que a loira esperava encontrar. Se o local estivesse completamente vazio, a pequena Ave poderia parar e descansar um pouco antes de buscar o caminho de volta, arrependida por tudo aquilo. Entretanto, sua curiosidade falava mais alto. Porque lá, no meio da estrada, havia um carro capotado. Ele estava com o lado esquerdo junto ao asfalto, enquanto as rodas pendiam na lateral e a lataria completamente amassada.

Largando a bicicleta de Matthew onde estava, ela se aproximou lentamente do veículo destruído, um modelo atual e um pouco maior que os carros comuns. Com a expressão ainda em estado de choque, a jovem se agachou na parte traseira do carro, onde o vidro do porta-malas se havia se quebrado. A garota passou pelo local com cuidado, desviando dos cacos de vidro espalhados pelo interior do automóvel. Na região dos bancos traseiros, encontrou roupas de criança e de mulher, alguns alimentos e outros utensílios. O que chamou sua atenção foi uma das peças, um casaco comprido, com aparência de poncho, que possuía estampa tribal, mangas compridas e uma abertura na frente. Pela avaliação leiga de Avery, parecia ser composto por lã ou algo do tipo.

– Que lindo! Até parece que é feito à mão...

– Porque é – a voz fraca e cansada veio do banco do motorista. Antes que a adolescente pudesse se recuperar do susto, a mulher voltou a falar, como se ambas fossem conhecidas. – E esse casaco não é nada bonito.

Se Dickens estivesse na presença de um abantesma, sua reação não poderia ser diferente. A pele, que aos poucos tomara cor, voltou à palidez de antes. Rapidamente, ela colocou a cabeça sobre o banco da frente para procurar a origem da voz, já que a possibilidade de ser um espectro estava descartada.

A mulher tinha uma aparência extremamente cansada e sofrida, a face era mais pálida que a de um fantasma, sua cabeça estava em contato com o asfalto, já que a janela lateral estava estilhaçada, e, se olhasse por aquele lado, Avery notaria um corte na região de sua têmpora. O que a jovem viu foi outra ferida, acima do lábio superior, do lado direito. O airbag havia sido acionado, isso podia ser comprovado pelo balão já esvaziado que pendia no volante.

– Você está bem? – apesar de tentar manter um tom de voz controlado para tranquilizar aquela desconhecida, a garota percebeu que as palavras saíram de forma que deixava seu pavor claro.

– Sim, eu só preciso dormir...

– Não! – o grito moderado fez com que a mulher despertasse novamente. Avery não se lembrava muito das aulas de Ciências, todavia teve a impressão de ter ouvido, em algum lugar, que manter vítimas de acidentes acordadas era essencial para a sua sobrevivência. – Meu nome é Avery... Você vem sempre aqui? – por mais ridícula que fosse a indagação, a garota só se importava em entreter a mulher, e pareceu funcionar, pela risada dolorida que Dickens estucou.

– Não, eu não venho. E você?

– Primeira vez – sem saber o que fazer, a loira deixou que a ausência de som tomasse conta do interior deteriorado do carro por alguns instantes antes de perceber que precisava tomar a iniciativa. De repente, ela esticou os braços até o painel, revirando os objetos que haviam caído do porta-luvas. – Você tem um monte de CDs legais! Que incrível! Beatles, Guns N' Roses, Rolling Stones... Ai meu Deus! Queen! Você tem um CD do Queen!

– Não são meus... E você gosta de bandas antigas? Que tipo de adolescente gosta de bandas antigas?

– Claro, eu curto Queen. Eles eram fabulosos!

– Pensei que você fosse um pouco nova para isso...

– Desde quando CDs têm classificação indicativa?

– Você faz perguntas de mais. Eu realmente estou com sono...

– Nossa! Eu estou tentando te ajudar e você fica sendo hostil! Vamos conversar enquanto eu penso num jeito de nos tirar daqui.


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Notas finais do capítulo

Curiosidade: A mão do gif é da Chloë Grace (atriz da Avery) mesmo, foi tirado do filme "Se eu ficar".
Como ainda não temos data de postagem, estamos pensando em um jeito de recompensar vocês. Tivemos a ideia de postar curiosidades ou, o melhor, spoilers no Tumblr. O que vocês gostariam de saber? Mandem sugestões! Até agora só temos algumas ideias de spoilers, mas esses são pra depois. Fiquem de olho no Tumblr, ele pode ser atualizado a qualquer momento! Além disso, estamos publicando as fanarts lá, pra quem quiser conferir!
Então, sobre o final, o que estão achando? Palpites? O que estão achando do Max e do Matthew?
Pra quem estava ansioso pelo retorno do grupo do Rick, o próximo será da Sarah e da Johanna novamente.
Até mais!