End of the World escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 16
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

Feliz Ano Novo para todos! Esperamos que tenham tido uma boa passagem de ano e um ótimo Natal. Que 2016 seja um ano fantástico!
Esse capítulo (apesar de atrasado) é muito especial. No dia 12/12/2015, End of the World completou um ano! Dá para acreditar que já se passou todo esse tempo? E até um pouco mais, já que estamos em dois mil e dezesseis! Temos ciência de que essa história, assim como algumas outras nossas, ficam largadas por um tempo, e isso é parcialmente culpa nossa. Foi escolha nossa priorizar a vida escolar e por isso ainda estamos no segundo arco da fic. Não gostamos disso, mas tivemos que escolher. Queremos muito avançar e contar essa história, mas isso exige tempo de pesquisa e estudo para construir todo um enredo e ainda tem um Tumblr que incrementa a história.
Bem, já havia um pequeno spoiler no Tumblr, e quem foi lá tem uma noção do que está por vir nesse capítulo.
É isso! Esperamos que esteja digno de um presente de aniversário e boa leitura!



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Quando acordou, Matthew pensou estar morto. E gostou da ideia.

Demorou muito até que seus olhos se acostumassem com o excesso de luminosidade. Quando isso aconteceu, o homem observou todo o ambiente, tentando reconhecê-lo. Por mais que se esforçasse, ele não conseguia encontrar qualquer familiaridade naquela estante de livros, na mesinha retangular de centro ou mesmo na mesa de escritório. Muito menos na mulher sentada logo adiante mexendo distraidamente nas mangas do casaco.

Harris tornou a fechar os olhos, sem saber o que fazer. Ele sentia o corpo quente, coberto de suor e dolorido. Sentia que sua cabeça era martelada repetidamente, enquanto as têmporas latejavam devido à pressão do sangue. Parecia que dezenas de facas eram enfiadas na perna esquerda, que ardia e pulsava devido ao corte profundo. Como se tudo isso não bastasse, Matthew ainda se sentia confuso por não entender o que estava acontecendo. Não se lembrava de como havia parado naquele lugar, nem sequer sabia como havia machucado a perna... Lembrava-se da morte de Josh, da estrada, dos errantes e só. Era como se estivesse sonhando com algo que não era verdade e não fazia sentido. Mas não podia ser um sonho, pois sua dor era real.

– Bom dia! – exclamou uma voz estridente que também era de certa forma receosa.

– Bom dia – disse maquinalmente, tentando ser amistoso mesmo sem entender o que diabos fazia ali e quem era aquela mulher.

– Não é o melhor momento, não é? Volte a dormir, posso voltar outra hora quando estiver mais descansado e disposto. Finja que nunca me viu, Matthew.

Matthew?

As coisas estavam ficando cada vez mais estranhas. O engenheiro acordara passando mal em um lugar desconhecido, acompanhado de uma mulher estranha que sabia seu nome. Àquela altura, sentia que nada mais podia surpreendê-lo. Harris fitou a mulher com atenção, procurando nela alguma resposta. Ela tinha cabelos ruivos e ondulados que passavam dos ombros, emoldurando um rosto alongado e claro, com sardas discretas quase imperceptíveis. A mão esquerda, pequena e delicada, segurava uma xícara que ela tirara de algum lugar. O nariz dela era muito fino, assim como os lábios ao redor dos dentes afiados. Acima dos olhos, a sobrancelha era fina e levemente arqueada, da cor dos cabelos, enquanto os olhos...

Eram azuis da cor de geleiras ou de um dia límpido de verão? O homem tinha certeza de que poderia olhar para eles por toda a sua vida e sem conseguir descrever com exatidão a cor deles, talvez porque não houvesse palavras que pudessem retratá-los, ou porque simplesmente não conseguia pensar em outra coisa a não ser neles. Eram tão dóceis e delicados quanto os de uma criança, os mais azuis que Matt já vira em sua vida. Eram da cor do céu, porém mais transparentes, como o gelo. Ele poderia fitá-los por horas sem se cansar, pois era uma bela visão.

– Não, fique – ele agarrou o pulso dela, talvez com mais força do que deveria. – Perdão, eu... Você pode me dizer o que está acontecendo?

– Posso, mas... Bem, certamente eu não sou a pessoa indicada para explicar coisas, nunca sei o que é realmente importante... Enfim, vou tentar resumir um pouco – ela fala mais para si mesma do que para os outros, pensou. – Você feriu a perna, não sei como, mas foi um pouco grave, e estamos cuidando de você. Na verdade, não nós, eu só estou só te olhando enquanto Sarah resolve alguns assuntos.

– E os outros? Os que vieram comigo?

Na verdade, ele só queria saber de Kate. Se tivesse perdido a sobrinha também... Ao acordar, Matthew imaginara estar morto e desejara que fosse verdade, apenas por alguns instantes. Tinha perdido Josh, e isso ia quase além do que o engenheiro podia suportar, todavia nem tudo estava perdido. Katherine ainda precisava do tio, embora não soubesse disso, ela era a sua razão de viver. Harris não poderia simplesmente morrer e deixá-la sozinha com Max. Tinha vivido em função dos sobrinhos, nada mudara. Mas se ela também estivesse morta...

– Eles estão bem. Mas não se preocupe com isso agora, você precisa melhorar – subitamente, a ruiva pareceu lembrar-se de algo. Ela começou a passar a mão direita pelo rosto do homem de forma atrapalhada, como se houvesse algo de errado nele. – Graças a Deus a sua febre passou! Você precisa beber alguma coisa, está muito fraco.

– Obrigado – Matt disse antes que a mulher levasse a xícara até seus lábios. Ele bebeu obediente como uma criança, com os olhos fixos nela, até perceber que a bebida estava quente demais. Não soube se era chá ou café, pois o líquido queimou sua língua e desceu com dificuldade pela garganta. Apesar disso, Harris optou por não reclamar.

– Estava quente, seu bobo – ela deu uma pequena risada, contudo seu rosto mudou subitamente. – Estava muito quente, não é? Eu não deveria estar rindo de você...

– Quem é você? – o engenheiro interrompeu, tentando saciar a sua curiosidade e acabar com o constrangimento dela.

– Espera, você não se lembra de nada?

– Não... Nem me lembro de ter machucado a perna – do que eu deveria me lembrar?

– Claro que não se lembra, que ideia! Você estava febril, acho que isso é normal.

– O que aconteceu?

– Sua perna estava sangrando muito, você caiu em cima de mim... E... Não foi nada, você deveria estar delirando...

– O que foi que eu fiz? – certa vez Matthew ficara doente, durante o apocalipse. Josh lhe dissera que ele havia agido como uma criança chamando por sua mãe e dizendo outras coisas sem sentido. Depois daquilo, o sobrinho nunca deixara de rir ao relembrar o fato. Por alguns instantes, o homem teve medo da resposta.

– Você disse que eu era bonita – ela corou ao dizer essas palavras, ficando mais vermelha do que teria ficado se tivesse feito algum tipo de esforço físico pesado. Pelo menos não era uma mentira. – Esqueça isso, já tratei de pacientes muito piores.

– Você tinha dito que não era médica ou algo do tipo.

– Já cuidei de dependentes de drogas em um centro de reabilitação – ela explicou. – Eram pessoas difíceis de lidar, admito, mas Deus sempre foi bom com todos.

– Era perigoso?

– A maioria não era criminosa, só tinha cometido pequenos furtos ou coisas pequenas, não é como visitar um presídio. Não era ruim, de forma alguma. Muitos gostavam de mim, diziam que eu falava muito... – a ruiva se interrompeu, provavelmente percebendo que aquilo era verdade. – Deus, eu estou contando toda a minha vida para um estranho... Vou te deixar em paz, devo estar te importunando.

– Eu não preciso descansar e você não incomoda, estou muito bem. Desculpe, ainda não sei o seu nome.

– Johanna Hill. Se quiser qualquer coisa, Matthew, pode dizer.

– Eu preciso ver a minha sobrinha, mas acho que vou precisar de ajuda.

Com o auxílio de Johanna, ele saiu do sofá e colocou-se de pé. A dor era insuportável, principalmente quando apoiava o corpo na perna esquerda, entretanto o homem tinha que ver a sua sobrinha, e isso não podia esperar. Ele passou um braço ao redor dos ombros dela para se apoiar e saiu do quarto. Imediatamente Harris percebeu que aquilo era uma igreja, fato comprovado pelos bancos de madeira, pelo altar e pela enorme cruz na parede. Juntos, os dois caminharam até a porta principal, que liberou uma grande quantidade de luz ao ser aberta.

Com o corpo encostado em uma árvore de uma maneira bem relaxada, Gabriela observava seus novos companheiros. Sua única forma de distração era observá-los e tentar prever suas personalidades pelos trejeitos, falas e ações, uma vez que não conseguia ouvir o que eles sussurravam. Tarefa vã, era bem verdade, mas era isso ou ficar revendo cada movimento de seu passado e remoer seus erros. Essa era a pior consequência que uma boa noite de sono com um teto acima de sua cabeça trazia: lembranças.

O grupo parecia muito unido, exceto por algumas exceções, embora a mulher não pudesse afirmar isso com toda a certeza. Também não podia negar que eram pessoas completamente diferentes, isso de certa forma era chocante até mesmo para ela que não sabia o que fazia com Matthew e seus agregados. Havia homens, mulheres e até mesmo crianças, cada um com uma história distinta para contar, e era inegável a força que cada um possuía. Não estariam vivos depois de dois anos sem força de vontade e sede pela vida, e o oposto parecia ocorrer com Hopper. O apocalipse pode ser a pior praga da humanidade, mas ao menos está servindo para unir as pessoas.

Não era um pensamento que a mulher teria, parecia algo típico de Johanna. Gabriela ainda não a conhecia direito, no entanto a freira era visivelmente a mais aberta naquele local. Enquanto todo o grupo era formado por pessoas sérias e cautelosas, a ruiva destoava com sua gentileza e seus sorrisos fáceis, além da estranha capacidade de encontrar o lado bom em algo tão ruim como o fim do mundo. Era definitivamente uma mulher otimista.

Embora observar pessoas desconhecidas fosse algo tedioso, era o melhor que tinha no momento. Talvez isso não fosse muito diferente daquelas maçantes revistas de celebridades do passado: as pessoas desperdiçavam tempo se importando com as vidas de outras pessoas muito provavelmente para esquecer o quão medíocres eram as suas. Hopper sabia que estava muito ácida, especialmente depois de ter tido algumas horas de sono debaixo de um teto. Não que sentisse falta dos dias cansativos de caminhada na estrada e das noites mal dormidas no chão, o problema era que a antiga rotina nunca lhe permitia o luxo de refletir, enquanto a fraca segurança que a Igreja St. Sarah oferecia era o suficiente para fazê-la divagar. A verdade era que a administradora sabia o porquê de estar se sentindo tão mal, apenas não gostava de pensar nisso.

Tudo começava com a tia. Gabriela sempre sonhara em ser como Carmen Andrieux, embora esse fosse o sonho impossível de uma garotinha que, aos poucos, tinha cedido espaço para uma mulher realista. Hopper admirara aquela mulher desde pequena, desejando com todas as suas forças ser como ela. Apesar disso, a morena sempre soubera que não conseguiria; não porque todas as pessoas são diferentes umas das outras, e sim porque Carmen era diferente das outras pessoas. A irmã de seu pai fora resoluta, uma característica marcante em todas as mulheres Hopper, segundo o pai, mas não era só isso. Todos que a conheciam gostavam dela, apesar do humor desbocado e do forte sotaque francês quando falava inglês ou americano quando falava francês. Onde Carmen estivesse sempre haveria gargalhadas. A tia possuíra a incrível capacidade de contagiar as pessoas, talvez isso tivesse levado Jean-Pierre Andrieux a se apaixonar por ela.

Ela dizia que não tivera sorte por ter se casado com um homem rico, e sim por ter sido o homem certo. Ele fora seu companheiro e juntos eles aproveitaram a vida da melhor maneira possível. No fundo, era isso que Gabriela queria: a felicidade. Carmen fora uma mulher rica, adorada por todos, amada pelo marido e, acima de tudo, feliz. Essa por muitos anos fora a sua motivação.

A sobrinha tentara debilmente repetir isso, dedicando sua vida ao trabalho para que, futuramente, na aposentadoria, pudesse aproveitar a vida como sonhara. Ela não precisava de um marido, podia ser feliz sozinha, por isso nunca se preocupara com os rápidos namoros que tivera. Apesar de tudo isso, os mortos tinham se levantado e destruído todos os seus planos, derrubando anos de esforço com a mesma facilidade que uma criança derrubaria um castelo de cartas. Dessa forma, o sonho havia morrido e as prioridades tiveram que ser mudadas. Durante dois anos, Hopper se esforçara para proteger a mãe e, mais tarde, o filho do vizinho. Também havia falhado nisso, pois os mortos também levaram Barbara e Scott. Tudo que restava para a administradora era a sua própria vida, e isso não tinha importância alguma sem uma motivação. Não que ela pensasse em dar seu corpo para os errantes ou atirar em si mesma, a ideia de suicídio sempre lhe parecera algo ridículo. No momento, o único plano de Gabriela era deixar sua vida ser conduzida por estranhos.

Ela estava decidida a organizar sua vida assim que possuísse tempo, contudo mesmo para uma pessoa formada em administração, isso parecia ser impossível. Como a mulher determinaria o caminho a ser tomado se mal sabia suas próprias prioridades e vontades? Precisava de um abrigo, precisava de comida e de segurança. Fora isso, o que mais queria? O que seu coração queria? Todos seus conhecidos diziam que Gabriela Hopper era uma mulher racional demais, e isso era um grande equívoco, pois no fundo ela só estava seguindo seu coração que clamava por felicidade e, naquele instante, esperava um sinal dele para saber como prosseguir.

–... pretende fazer? – Daryl perguntou para Sarah. Além deles, Michonne e Carol também estava na conversa. De alguma forma, a médica e a freira pareciam destoar do grupo como um todo, e talvez esse fosse o motivo da divergência que enfrentavam. Isso e a presença de cinco novas pessoas...

– Vamos utilizar o celeiro, é a saída mais viável – Sarah respondeu sem fraquejar diante dos olhares intimidadores que recebia. A única que não dizia nada era Carol, que parecia esperar por uma decisão e ter total confiança nos outros. – Padre Gabriel já deu sua permissão.

– Claro que ele deu – Daryl retrucou aborrecido. – Que se foda o padre, ele não importa. Nem precisamos pressionar aquele idiota pra fazer ele dizer o que queremos, o homem tem medo da própria sombra.

– Não temos muitas opções aqui. Eles podem ficar no celeiro, mas a comida... O que temos não vai durar para sempre – Michonne acrescentou.

– Então, o que vamos fazer? – Avery surgiu do nada, sentando-se ao lado dela. – Temos mesmo que esperar enquanto o Conselho Jedi decide o que vão fazer com a gente? – diante da careta que a administradora fez, a garota revirou os olhos e suspirou. – Eu realmente queria que alguém entendesse as minhas referências... Não dá pra para de pensar nisso com aquele cara com a besta que parece um cosplay do Chewbacca!

– Bem, agora tenho tempo para as minhas aulas de “cultura nerd”.

– Sim, mas você não pode querer isso só para distrair a mente. Esse conhecimento exige anos de prática assistindo a filmes que você nunca ouviu falar na sua vida, além de total concentração e dedicação... Você não está querendo só ocupar a mente, certo? – pelo olhar de Dickens, ela nem precisava responder.

– Como você percebeu?

– Você está aqui há, tipo, séculos, olhando para o nada ou escutando a conversa dos outros. Deu pra notar. Quer falar sobre isso? – talvez Avery a conhecesse melhor do que ela esperava.

– Acho que não preciso. Eu só estava pensando no que vamos fazer depois.

– Pensar no futuro não deveria ser algo tão depressivo. Hoje em dia, poucos têm a chance de ter um futuro. Você tem notícias do Matthew? – a loira mudou de assunto drasticamente, daquele jeito que só ela conseguia.

– Ainda não, mas Johanna está com ele – o diálogo parou e as duas voltaram suas atenções para Daryl, Sarah, Michonne e Carol.

Os quatro estavam perto o suficiente para serem escutados, e longe o bastante para não perceberem isso. Kate e Max também estavam pelas redondezas. Por mais que não quisessem ser vistos, Wayne já tinha deixado clara a intenção de ajudar no que fosse preciso e que, enquanto os outros discutiam a situação, ele estaria com sua namorada. A solução tão esperada parecia próxima do fim. Com Carol tomando as rédeas da discussão, os dois lados tinham se acalmado e escutado sua ideia, que realmente era muito boa, aparentemente.

Gabriela entendeu que os novatos poderiam ficar com o celeiro e utilizá-lo como moradia e, assim que possível, todos iriam trabalhar para conquistar mais alimento. Aparentemente faltavam aproximadamente dois meses para o fim do inverno e logo os estoques iriam melhorar. Por alguns instantes, Gabriela sentiu que a ideia de se instalar na igreja não era muito boa, uma vez que estavam invadindo o que seria a propriedade privada deles. Por outro lado, mais pessoas trabalhando juntas para sobreviver parecia ter mais lados positivos do que negativos.

– Parece que temos uma decisão – Avery respondeu num misto de empolgação e alívio pelo término da espera. A jovem era visivelmente inquieta.

– Vamos ter que invadir o celeiro – não gostava nada daquilo. Nem mesmo o padre sabia direito o que tinha dentro daquele lugar. Segundo Michonne, teriam que abrir as portas armados e bem preparados para enfrentar qualquer tipo de coisa. Fora isso, havia o fato de que “seu grupo” teria que fazer isso sozinho, ela, Max e talvez Avery. Hopper não gostava nem um pouco dessa ideia. Por mais que a loira aparentasse ser uma adolescente ativa e esperta, era só uma criança e não deveria ter que passar por isso. – Max e eu.

– Eu também! – a administradora já esperava por isso. Conhecia Avery o suficiente para saber que ela não gostava de ser deixada de fora de assuntos importantes. Gabriela precisava encontrar uma maneira de dizer sem que parecesse estar tratando-a como uma criança. Dickens era nova demais para decidir por si própria e, na ausência de pais ou algo do tipo, Hopper se sentia responsável por ela.

– Você pode se juntar a nós, desde que se sinta pronta...

– Sério? Eu já estava preparando meus argumentos para provar que eu podia e... Valeu! – Avery estava tão animada que a abraçou rapidamente.

– Mas você tem que ter consciência das suas ações, precisa saber que não tem o direito de errar nessa situação. Eu não gosto disso, mas sei que precisamos da sua ajuda.

– Não se preocupe, eu tenho um bom pressentimento em relação a esse celeiro.

Naquele momento, posta do outro lado, Sarah começava a compreender o que tinha passado pela cabeça dos outros no momento em que ela e Johanna entraram na igreja. Dessa vez, a médica deixava de ser a intrusa, passando a fazer parte do grupo que recebia os intrusos. Apesar de se odiar por isso, uma parte dela queria não ajudar o novo grupo. Morris sabia que precisava ajudar da mesma forma que fora ajudada, e queria muito fazer isso. Vendo pelos dois pontos de vida, decidir ficava cada vez mais difícil.

Embora fosse a coisa certa, abrigar os estranhos fora, de certa forma, uma coisa errada. Aquela igreja não lhe pertencia, assim como as provisões que o local possuía. Que direito ela tinha de escolher partilhar tudo aquilo com outras pessoas? Apesar de Johanna ter sido a responsável por abrir as portas, Sarah era responsável pela freira e por ter decidido abrigar os cinco estranhos. Fora dela a iniciativa de levar Matthew para o quarto e cuidar do ferimento dele. Além disso, durante todo o período de discussões, a médica se posicionara ao lado daquelas pessoas, embora a dúvida permanecesse em sua cabeça. Talvez tivesse feito isso ao notar que não havia ninguém para defendê-los.

Sem saber exatamente se estava certa ou errada depois que Carol resolvera o assunto, Sarah tinha voltado para o interior da igreja, passando rapidamente por Johanna e Matthew e preferindo não fazer muitas perguntas. Se o homem estava de pé era um bom sinal, mas sua cabeça a levava a Rick Grimes. Ela tinha que falar com a pessoa que possuía autoridade naquele lugar. Decisões foram tomadas sem o consentimento dele, e isso era culpa dela.

Desde que entrara oficialmente para o grupo, Sarah Morris tinha observado algumas faces daquele homem: havia o pai, o líder e até mesmo o amigo Rick. Ela o vira em momentos ternos com a pequena filha e até mesmo com Carl, com o tom paciente que qualquer homem teria ao transmitir ensinamentos para o filho; ao lado de Daryl e Michonne de uma maneira casual demais para sua fachada nada amistosa e barbada; e também o vira com Carol, dessa vez mais sério, escutando o que a senhora tinha a dizer sobre o inverno que enfrentavam. A médica não sabia qual Rick encontraria, e era isso que mais a assustava.

A mulher procurou por muito tempo até encontrá-lo na cozinha. Grimes estava escorado na porta dos fundos, com os braços cruzados, observando atentamente o lado de fora. Aquela porta costumava permanecer fechada, por isso Sarah deduziu que o homem fitava algo em especial. Ela se aproximou lentamente, até encontrar aquilo que o líder olhava: o celeiro. Diante da enorme construção de madeira, Gabriela, Max e Avery se preparavam para abri-lo. Como Michonne ressaltara minutos antes, não podiam descartar a possibilidade de haver errantes no local, por isso os três novatos estavam armados e prontos para o que estivesse do lado de dentro.

– Rick.

Aquele chamado soou estranho para seus ouvidos. Não era o tom de sua voz, e sim a palavra dita, simplesmente porque dizer o nome de Rick tornava tudo mais causal, como se os dois tivessem algum relacionamento. Era pessoal demais, seria muito mais fácil chamá-lo pelo cargo ou por qualquer outra coisa, chefe, Grimes... Sarah nunca tivera um relacionamento pessoal com seus supervisores no hospital, cargos mais altos que deveriam ser tratados com o seu devido respeito. Se estava indo pedir desculpas e reconhecer a autoridade dele, deveria tê-lo tratado de uma maneira melhor. Foi um mau começo.

– O que foi? – ele apenas deu um olhar de relance, sem tirar as atenções do celeiro.

– Eu queria falar sobre o que aconteceu ontem... Sobre as pessoas novas.

– Eu não estava lá, e a gora eles estão aqui – as palavras atingiram a médica como um tapa. Por trás do tom indiferente de Rick, havia algo que não a agradava, algo parecido com uma acusação. Era como se o líder dissesse que não teria sequer permitido a entrada dos outros.

– Isso é minha culpa, deveríamos ter te consultado antes.

– Não acho que Johanna perderia tempo me consultando – ele falou e em seguida analisou seu rosto, os olhos azuis concentrados. – Por que se sente tão desconfortável com isso?

– Desrespeitei suas ordens.

– Nunca dei ordens sobre isso – Rick realmente estava tentando deixar a conversa menos tensa, porém para Sarah suas tentativas não tinham efeito algum, não com aqueles olhos azuis postos sobre ela. – Johanna não me consultou, isso é verdade. Você se sente responsável por ela, embora eu nunca tivesse percebido isso se Carol não me dissesse.

– Então está tudo bem? Você realmente queria isso? – ignorou completamente o falto de que Carol passara um bom tempo observando a médica e a freira sem que Morris notasse isso. De qualquer forma, nada mudaria o sentimento de responsabilidade que ela tinha por Hill.

– Havia uma pessoa ferida do lado de fora – não era a resposta desejada.

– E agora, com o ferimento devidamente tratado, você ainda os quer aqui? – Sarah finalmente chegou aonde queria.

– Não posso confiar em estranhos – não era como se ele quisesse que a médica compreendesse, mas ela compreendia. A segurança das crianças Grimes sempre seria a prioridade daquele homem. Estou falando com o pai. – Mas, como vocês já disponibilizaram o celeiro, tudo que me resta é fazer com que essas pessoas não sejam mais estranhas.

– É por isso que está observando – observar era quase um eufemismo, todavia ela não diria que Rick Grimes estava espionando. Surpreendentemente ele sorriu.

– Sim. Você confia neles?

– Não parecem pessoas ruins – resposta errada, pensou. James nunca lhe parecera um mentiroso, mesmo assim... – Eles têm uma criança.

– Pessoas ruins podem ter crianças – voltou-se novamente para o celeiro, e Morris fez o mesmo. – Mesmo assim, não me parecem tão ruins. Além disso, pessoas sempre foram a melhor defesa contra os mortos – por alguns instantes ficou pensativo e fitou as árvores mais ao fundo. – Eles se parecem conosco, no começo. Éramos mais esperançosos e ingênuos, ainda não sabíamos como seria difícil.

– Em dias como esses, é melhor manter os pés no chão. Ter esperança só serve para criar decepções...

– Parece que diz isso por experiência própria – ele observou.

– Sim – tentou dar a entender que não queria falar sobre isso. Acabou cedendo à própria tentação de contar. – Pode ser que eu tenha passado por isso.

– Quando isso tudo começou, o apocalipse, eu estava em coma. Acordei no hospital, sozinho e sem entender nada. Tudo que eu queria era encontrar minha esposa e meu filho. Passei por momentos muito difíceis, mas foi necessário. De certa forma, deixei que as coisas acontecessem e, quando eu menos esperava, eles apareceram. Não acho que tenha sido por acaso. O tempo todo eu mantive a fé, embora soubesse como seria difícil.

Primeiro vieram os longos segundos de silêncio entre os dois, em seguida Sarah se retirou dando alguma desculpa e saindo do recinto, completamente abalada. Talvez devesse ter agradecido... Mas pelo quê? Por ter a feito reconsiderar o caso de procurar Fred? Como poderia fazer isso? O irmão poderia estar em qualquer lugar, qualquer um. Poderia estar morto... Por outro lado, dera certo com Rick. Por que não?


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo terá o ponto de vista de outras pessoas que não foram mostradas ainda.
Como sempre, ressaltamos para darem uma passada no Tumblr.
Não sabemos quando o próximo sai, pois agora estamos trabalhando em três fics ao mesmo tempo.
Como esse é o aniversário atrasado de EOTW, esperamos que os leitores que ainda leem comentem, nem que seja um comentário pequeno.
Até mais!