A Carta Coringa escrita por Laís


Capítulo 1
Feliz Natal!


Notas iniciais do capítulo

Olá :3
Uma one-shot só pra testar se eu ainda sei juntar sílabas.
Espero que gostem!



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A intensidade da neve que caía aumentava gradativamente e, conforme isso acontecia, mais as pessoas se agasalhavam confortavelmente perto de lareiras na companhia de uma xícara de chá. Os ingleses e sua famosa compulsão pela bebida que, quando não misturada ao leite, se assemelhava a água adocicada. Dias como aquele, onde tudo o que você vê é a poeira coberta pela neve, quase gritavam por uma boa xícara de chá quente.

Molly Hooper levantou-se e em movimentos automáticos que nem pareciam pertencer-lhe preparou sua bebida e voltou a se sentar no batente da janela e observar o dia lânguido do lado de fora. O sol estava lá, pálido e lépido, mas sua luz era presente. Algumas crianças brincavam e seus gritos ocasionalmente cortavam a plenitude daquele instante.

Natal é um período onde a convenção social, pela primeira vez sendo útil, dita que precisamos estar com amigos e familiares, rever aqueles cuja presença assídua nos foi privada pelas obrigações do cotidiano, esquecer tudo que não deu certo durante o ano e renovar as esperanças para mais outro. Contudo, Molly nunca se sentira em sintonia com toda aquela festividade. Comparecia a algumas reuniões de amigos tempo o suficiente para entregar presentes e aparecer em algumas fotos, mas depois voltava para sua janela. Sempre se sentira mais confortável assim, nos bastidores, sendo plateia e nunca estando no palco. Entretanto, de forma alguma, via isso como algo ruim: no palco, a iluminação cega e aturde seus sentidos; na plateia, você adquire visão ampla do panorama geral e pode ver tanto as faces iluminadas em destaque quanto as que assistem ao show cobertas pela penumbra. Você ganha o privilégio de assistir o espetáculo inteiro quando decide sair de cena.

Não que Molly fizesse parte do grupo de pessoas muito acomodadas para se impor e participar da encenação da vida. Não, isso não. Ela simplesmente não via sentido no barulho de todas as pessoas e na efemeridade de suas relações. Não, se ela tivesse que criar laços com alguém, essa pessoa teria que valer a pena e nunca ser somente um espaço preenchido levianamente. Na ânsia de nunca ficarem sozinhas, as pessoas lotam suas vidas de outras que nada lhe acrescentam, somente para não encarar a própria presença. Espaços preenchidos que continuam vazios. E era por isso que Molly preferia escolher unicamente as melhores maçãs, não havia motivo para se contentar com que as que caíram ao chão por medo de acabar ficando sem nenhuma.

Isso podia ser algo maravilhoso, a livrava dos amores e amizades tão passageiros dos dias atuais. Mas também a fazia passar o natal sozinha.

Encostou a testa no vidro da janela e acabou por cair no sono. E assim o dia correu, transformou-se em crepúsculo e, depois, noite sem estrelas.

Batidas na porta acabaram por acordá-la. Levantou em um sobressalto imaginando quem poderia ser, aliás, não convidara ninguém. Talvez... Não, isso seria impossível. Repreendeu-se por ser tão tola e, ao abrir uma fresta da porta, sentiu sua animação murchar quando viu seu vizinho do andar de baixo, um senhor de idade avançada que distribuía sorrisos sem economia.

-Aqui está ela! - alardeou.

-Desculpe?

E então alguém terminou de abrir a porta, fazendo com que ela empurrasse Molly de lado.

-Olá, Molly. Espero não ter me atrasado.

Atrasado para o que, exatamente?, pensou, contudo não teve tempo de falar.

O homem foi embora ao passo que Sherlock Holmes entrava no apartamento com um ar de quem fora convidado.

-Por que você pediu ajuda do meu vizinho para chegar até aqui? - perguntou com a testa vincada.

-Essa é sua primeira dúvida? Nada de "o que você está fazendo aqui?"?

-Isso não é o que me preocupa, ficar tentando prever o que passa pela sua cabeça não é meu trabalho.

-Pois bem. Seu sorridente vizinho que adora apertar as mãos e cutucar os outros - disse isso com uma expressão contorcida - tinha algo que eu precisava.

-Não consigo imaginar...

-Isso! - concluiu enquanto mostrava os óculos de grau que tinha em mãos. - Estava na costura do bolso do casaco e ele nem percebeu quando peguei. - Molly cruzou os braços e aguardou. - Não vai perguntar o porquê?

-De forma alguma.

-Tudo bem, se você insiste. O motivo pelo qual precisaremos...

-Espera. "Precisaremos"?

-(...) desses óculos... Na verdade, isso é horrível, não vamos usar para nada - reclamou enquanto jogava a armação no chão. - Mas enfim, o que eu queria dizer é que não seria natal sem um homicídio qualificado. Então pegue seu casaco porque lá fora está congelando, o que é muito bom para o cadáver e não para nós que ainda temos circulação.

-Sherlock, se você encontrou um corpo, o que eu duvido muito, o correto a se fazer é chamar a polícia e não bater na minha porta - Molly ditou sua reprimenda quase sem vontade, pois sabia que não levaria a nada.

-Sério, Molly? A polícia? Você diz isso mesmo depois de ter conhecido o Lestrade? Estamos perdendo tempo.

Molly retesou-se e, depois de uns instantes, aquiesceu. Pegou o casaco e um gorro, em seguida, seguiu os passos de Sherlock para a noite lá fora.

-Você não conhece mais ninguém interessado em investigar um assassinato na noite de Natal? - seu hálito formava uma típica fumaça que logo se dissipava.

-Não seja tola. Que tipo de pessoa triste não teria planos para o Natal? - respondeu sem desviar o olhar do caminho que seguia. O sobretudo esvoaçava um pouco conforme andava, os flocos de neve misturavam-se em seu cabelo emaranhado e derretiam, deixando-o salpicado de água.

Molly estava acostumada com as faltas de cortesia de Sherlock Holmes, então somente assentiu e olhou para as pegadas que maculavam a neve.

-Odeio quando você faz isso - afirmou Sherlock.

-Isso o que?

-Abaixa a cabeça e mantém uma expressão imperturbável.

-É quase a mesma coisa que você faz quando cai em um silêncio taciturno, observa as coisas como se todos ao seu redor fossem idiotas...

-E são - interrompeu ele.

-(...) e depois começa a falar o que supostamente todos estão pensando - concluiu.

-Supostamente? - questionou arqueando as sobrancelhas.

-Você nem sempre está correto.

Sherlock deu um sorriso torto.

-O que foi? - insistiu Molly.

-Você deixa os outros te subestimarem, de modo que ninguém lhe dirige um segundo pensamento. Transformou a si própria em uma carta coringa.

-E você se isola dos outros para ser sempre uma louça fina usada para convidados especiais. Um dia vai chamar muita atenção e acabará encontrando um adversário compatível. Cuidado com a queda, Sherlock.

-Que bom que eu tenho uma carta coringa, não? - deu uma piscadela para a legista que abraçava o próprio corpo devido ao frio e sentou-se em um banco encoberto de neve. Molly suspirou e sentou-se ao seu lado.

-Não há nenhum homicídio, não é mesmo?

-Claro que há. Nesse exato momento várias pessoas estão sendo assassinadas.

-Estou falando aqui, em Londres - rebateu.

-Inclusive em Londres. Você será uma das primeiras a saber amanhã pela manhã.

Molly não conseguiu contar uma risada.

-Mas você não tinha nenhum plano para o Natal?

-Não seja ridícula, Molly. Eu já disse, somente pessoas demasiadamente tristes não possuem planos para o Natal. Você não recebeu meu bilhete dizendo que isso era exatamente o que iríamos fazer? Congelar a bunda e esperar que um homicídio misterioso esteja acontecendo nesse exato momento.

Molly sorriu e não notou que Sherlock a olhava de soslaio, também sorrindo.

-Como vai a busca por alguém para dividir o apartamento?

-Eu não estou fazendo busca nenhuma.

-Faria bem para você. Talvez acabasse encontrando um novo amigo.

-Não preciso de amigos.

-Não, claro que não. Precisa de um amigo.

E então, tal qual a neve, o silêncio caiu.

Sherlock Holmes abrira a boca para dizer algo repetidas vezes, mas sempre acabava desistindo, achando todas as suas escolhas de palavras muito vazias. Por fim, contentou-se com as felicitações usuais.

-Feliz Natal, Molly Hooper.

-Feliz Natal, Sherlock. Aposto que você vai ter um novo ano bem agitado. Sorte sua ter ficado com a única carta coringa do baralho.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima o/



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