Premonição Chronicles 2 escrita por PW, VinnieCamargo, MV, Felipe Chemim, Jamie PineTree


Capítulo 23
Capítulo 22: Queime as Páginas


Notas iniciais do capítulo

Escrito por PW, MV, Felipe Chemim, João R.C. e Jamie PineTree.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/568798/chapter/23

O salão onde estavam tinha um formato redondo. Apenas uma saída se mostrava, direcionando ao que parecia ser uma caverna. Tochas se prendiam nas paredes, fornecendo uma iluminação baixa.

Lena se remexia no chão sem parar, tentando se soltar das cordas amarradas em seus braços e pernas .

– Eu tentei isso por algumas horas. - Bella falou - Não tem como se soltar.

A garota estava deitada na mesa, encarando Lena com um olhar apreensivo. Ela sabia o que estava acontecendo.

– Fica calma, vamos conseguir sair daqui. - A voz de Lena saiu tão fraca que nem mesmo ela podia acreditar no que dizia.

– Lena... A Ruth está... - A garota se interrompeu assim que percebeu que Lena parara de se remexer. A loira estava sentada agora, de cabeça baixa.

– Sim... - Respondeu sem nenhuma tristeza. - Ela está morta. Mas isso vai acabar, não vou deixar mais ninguém ser levado.

Os olhos da loira brilhavam, não de coragem, mas de raiva.

Ela se arrastou até a parede do local e começou a se erguer. Quando conseguiu, foi deslizando, encostada na parede, até achar alguma rocha quebrada que pudesse servir para cortar a corda.

Bella percebeu a intenção da loira e sorriu ao ver que a mesma agora estava movendo os braços para cima e para baixo. Ela tinha conseguido.

XXXXX

Após algum esforço, o nó começou a se soltar. Não demorou muito para Lena ficar livre e socorrer Bella. A garota esfregava os pulsos atordoados enquanto a loira ajudava-a a levantar.

– Vamos, Bella. Temos que sair daqui.

As duas dispararam para a saída e correram pelas cavernas. O corredor era extremamente estreito, dificultando um pouco a corrida. A escuridão também não facilitava, era impossível enxergar qualquer coisa.

Lena seguia na frente, com os braços esticados para não se surpreender dando de cara com beco sem saída. Bella seguia atrás com velocidade, chegando a socar o ombro algumas vezes nas paredes, sem reduzir seu rítmo.

XXXXX

Uma luz fraca começou a se mostrar a uma pequena distância. Elas aceleraram o passo se aproximando cada vez mais da luz enquanto seus olhos lutavam para ver além dela.

Então finalmente emergiram... Novamente no salão onde estavam amarradas, só que agora havia uma passagem a mais, a que acabaram de sair.

– Mas que diabos... - Lena disse para si mesma enquanto tentava entender o que poderia ter acontecido.

– Talvez sejam salas idênticas, - Bella disse em resposta ao espanto de Lena - Pra nos confundir.

– Vamos continuar então. Tem de haver uma saída.

XXXXX

Novamente o final do corredor emergiu no salão. Dessa vez havia três saídas.

– MAS QUE DROGA! - Lena gritou, socando uma parede.

Bella caiu de joelhos, desamparada.

– Vamos ficar presas aqui pra sempre.

Lena não tinha a menor ideia do que fazer. A situação só a deixara com mais raiva.

A loira parou e encarou Bella, andando ao redor da sala e dando leves socos nas paredes.

– O que está fazendo?

– Os corredores que apareceram, - Bella começou - Talvez haja pontos ocos das paredes.

– Bella, acho que nossa situação está um pouco além da ló... - Antes que Lena terminasse, a garota soltou um gritinho de felicidade e se virou para Lena.

– Achei!

Surpresa e intrigada, Lena se levantou e correu até a parede para verificar. Bella estava certa. Olhou então pelo chão e avistou uma pedra um pouco grande.

– Vem Bella, me ajuda a levantar.

As duas ergueram a pedra com muito esforço e a arremessaram. A parede não demonstrou o mínimo de resistência e se desfez com o ataque. Porém, o que se encontrava do outro lado era apenas uma névoa que invadiu a sala rapidamente.

Bella tentou gritar, mas a névoa de alguma forma abafou seu grito. Seu corpo estava começando a sentir o frio, enquanto a fumaça finalmente abaixava. Ela parecia estar novamente em um congelador.

Conseguia ver agora sombras tomando forma em sua frente. Pode ver os ganchos pendurados no teto e o que deviam ser carcaças de animais pendurados, mas estava enganada. Eram corpos.

A primeira coisa que viu foi uma mulher com o crânio exposto, pendurada pelo pescoço.

Chocada, a garota tentou recuar, se chocando com outro corpo. Quando se virou, viu Ruth. Suas roupas estavam todas rasgadas e seu corpo coberto de feridas. A ponta do gancho saía pela testa da garota e sangue ainda escorria dela.

A garota se jogou no chão, assustada, tentando fugir de tudo aquilo. O corpo de Thomas estava ao seu lado.

Foi então que uma figura surgiu das sombras e lhe estendeu a mão.

It's a damn cold night

Tryin' to figure out this life

Won't you take me by the hand

Take me somewhere new

I don't know who you are, but I'm

I'm with you

XXXXX

Lena estava de volta no restaurante onde trabalhou. Chovia muito e o lugar estava vazio. Ela andou em direção à porta e encarou o cenário ao redor. Não havia nenhuma iluminação na rua, tão menos pessoas e carros.

Então um rosto surgiu no vidro da porta, assustando Lena e fazendo-a derrubar uma cadeira. A pessoa socava a porta e gritava por ajuda. Um raio atravessou o céu, iluminando tudo, então Lena pode ver a pessoa do outro lado.

– Erick?! - Ela gritou surpresa.

Erick era o filho da mulher que dera um trabalho para Lena e a ajudara com os estudos. Seu meio-irmão.

– Lena! Abre a porta, rápido! - Ele estava um pouco pálido e muito assustado. - Eles estão vindo!

"Quem eram eles?" Ela pensou consigo mesma. Não sabia do que ele estava falando, mas não podia deixá-lo do lado de fora.

Destrancou a porta e Erick entrou rapidamente, empurrando ela e correndo para a mesa mais próxima.

– Precisamos fazer uma barricada! Rápido, me ajuda.

Sem questionar, Lena o ajudou e os dois começaram a empurrar mesas contra a porta. Quando finalmente terminaram e ela ameaçou perguntar o que estava acontecendo, criaturas surgiram do outro lado, socando as janelas e a porta.

Seu senso de sobrevivência entrou em ação na mesma hora. Sabia que a barricada não resistiria e precisava salvar Erick. A loira agarrou uma cadeira e socou ela no chão, quebrando-a e então pegou os pés dela e entregou dois ao garoto.

– Suba as escadas e saia pela janela lá de cima, - Ela ordenou - Do beco você vai ter acesso às escadas de incêndio de outros prédios. Vá o mais longe que puder. Consiga ajuda e se salve.

– Lena... - Ela sabia a intensão dela.

O garoto não pode terminar sua sentença antes das criaturas quebrarem a porta e as janelas. Cacos de vidro voaram sobre Lena, enquanto ela via tudo em câmera lenta. Erick se preparava para atacar e as criaturas se aproximavam cada vez mais.

De repende um grito a puxou de volta a realidade.

Era Bella.

Bella estava presa em algum tipo de câmara, havia apenas uma pequena abertura onde Lena podia ver os olhos apavorados dela. Pareciam estar em outra caverna.

Lena se encontrava no chão, tentando entender o que acontecia, quando viu uma marreta vindo em sua direção.

Conseguiu desviar por uma questão de milímetros e se levantou rapidamente, encarando o agressor. Outro mascarado, um porco.

Ele investiu novamente em um ataque, mas Lena foi mais rápida e conseguiu sair do caminho a tempo e avançou contra o mascarado com uma cotovelada nas costelas.

Um pequeno estalo se misturou aos gritos de dor que dava. Ele soltou a marreta na mesma hora, mas se recompôs rapidamente e avançou outra vez, dando uma rasteira em Lena e a derrubando. Logo depois investiu em chutes enquanto a loira protegia o rosto com os braços.

A dor que sentia quase lhe fez ceder, mas ela encontrou forças e revidou com um chute, acertando a canela do Porco. O agressor caiu no chão imediatamente, deixando sua mascara cair na queda.

– Felipe? - Bella sussurrou para si mesma, incrédula. Era seu ex-namorado.

Lena agarrou a marreta jogada no chão e acertou o joelho do rapaz com toda sua força. Ele urrou de dor. A posição de sua perna mostrava claramente que estava quebrada.

– Lena, espera! Eu conheço ele!

A loira se virou rapidamente para Bella, mostrando sua surpresa.

– Não tenha piedade, sua vadia... - Felipe gritou enquanto se contorcia no chão com a dor. - Sua hora esta chegando!

E como se a morte estivesse à espreita, um ruído enorme foi ouvido, e a parede do lado de Bella começou a se mover.

– Seu desgraçado! - Lena berrou e levantou a marreta novamente. - Eu não vou a deixar morrer! - Dessa vez, o golpe foi direto no crânio. Felipe morreu instantaneamente. Sem tempo de reagir, sem sentir a tortura de qualquer dor.

Lena soltou a marreta e correu para Bella. A garota tentava empurrar a parede que se movia, fracassando miseravelmente.

Desesperada, Lena tentava procurar algo que pudesse lhe ajudar. A marreta era forte, mas a parede era muito grossa para ser quebrada. Foi então que viu uma grande pedra presa à parede, ela se movimentava na mesma velocidade que a parede na câmara de Bella.

Rapidamente agarrou a pedra e começou a puxar ela.

– Lena, a parede tá indo mais devagar!

Estava funcionando. Não sabia por quanto tempo poderia aguentar, mas estava funcionando.

O ar na sala ficou mais frio repentinamente e Lena sentiu uma brisa gélida passando por seu rosto.

Ruth então surgiu ao lado de Lena. Seu corpo estava destroçado e sua pele mais pálida do que nunca. Seu olhar vazio e a expressão em seu rosto fez a loira tremer.

A jovem morta agarrou o pescoço de Lena e a jogou no chão.

– Ruth, o que está fazendo? - Disse enquanto se recuperava.

– Ninguém pode impedir o destino. - Ruth respondeu sem nenhuma expressão em sua voz.

Lena se levantou e voltou a segurar a pedra. Ruth a encarou e começou a arranhar seus braços. A loira não deixou que isso a impedisse e a jovem partiu para o seu rosto, arrancando pedaços de sua pele.

Quando percebeu que Lena não pararia, Ruth a soltou e colocou as duas mãos sobre a parede. Rachaduras surgiram e começaram a se espalhar pelo lugar.

A expressão da jovem mudou e então ela se aproximou de Lena novamente.

Lágrimas escorriam de seu rosto.

– Me desculpe. - Foi a única coisa que disse e então desapareceu.

As rachaduras continuaram a se estender e pequenas doses de terra já caiam do teto.

– Lena, você precisa sair daqui! Não quero que morra por minha causa! - Bella não escondia o choro e o medo em sua voz. A garota não queria morrer, mas sabia que tinha que aceitar seu destino. - VAI!

A loira encarou Bella uma última vez. A garota chorava, mas continuava firme, e então soltou a pedra e correu para a saída.

Bella berrou quando a parede a alcançou e começou a prensá-la. Seus ossos estavam sendo esmagados lentamente e a dor explodia em todo seu ser. Lena já estava do lado de fora quando ouviu seu grito aumentar e cessar repentinamente. Então a chuva caiu.

XXXXX

Estava acabado, Bella estava morta. Só restava agora tentar achar os outros. Mas um pensamento terrível lhe veio à mente. Se a vez de Bella chegara novamente, os últimos da lista poderiam já estar mortos.

Estava em uma corrida contra o tempo, precisava ser rápida.

Runnning with the devil instead

Um raio cortou o céu e foi guiado a um para-raios. Lena pode ver uma torre não muito longe e se pôs na direção dela.

XXXXX

O lugar era um antigo posto de observação florestal, que provavelmente fora feito para evitar queimadas e o desmatamento, ou até qualquer outra agressão à vegetação. A torre era erguida por pilastras de madeira e ficava acima das árvores ao redor, se destacando ao máximo possível. Acima, uma caixa de madeira resistente permanecia com vista panorâmica para bons quilômetros de mata, e se estendia até a praia.

Lena tinha esperanças de que houvesse algum equipamento de comunicação, já que era bastante óbvio. Pediu em pensamento para que o equipamento estivesse funcionando. Correu pelas escadas e entrou rapidamente, se encaminhando para a sala de equipamentos.

Conseguiu encontrar um rádio, verificou se ele estava plugado e então o ligou.

– Alguém na escuta? Precisamos de ajuda!

A única resposta que ouvia era estática, mas não desistiu.

– Estamos na Ilha Vermelha, precisamos de ajuda! Tem alguém aí?

XXXXX

O edifício em construção na extensão da praia dava lugar a um cenário melancólico e sombrio, enquanto acima dele, o céu ameaçava desabar num tom de cinza tão escuro, quanto a faixa de pedra originada da erupção vulcânica de um mês atrás. Eva observava o céu lançar sua chuva furioso contra a areia e sua mão, pousada no vidro do instituto de pesquisas da AnimalRescue, sentia o frio que provinha de fora e o borrão de ar, que desfocava seu reflexo, a cada respiração próxima do vidro. Ali mesmo, ela escreveu o nome do filho e do marido, com o dedo indicador, que virem junto com a lembrança distante de que ela poderia construir uma família novamente.

Gil e Artur...

Caminhou lentamente até seu gabinete, dentro de uma sala aconchegante e relativamente grande, onde poderia colocar as ideias no lugar e decidir o que seria da instituição a partir dali. Eva poderia ter o consentimento da população para instalar a filial brasileira do segundo maior grupo de proteção animal do mundo, mas sentia que as coisas pioraram quando todas as negociações apontaram para a Ilha Vermelha. O local foi palco de diversos desastres, e mesmo tendo uma história bela de ser contada e passada de geração em geração, parecia algo mórbido e estranho demais.

Depois que Santa Muerte sucumbiu misteriosamente, devido um acontecimento que não é relatado em nenhum livro ou achados arqueológicos – que a mulher pesquisou –, as desgraças foram liberadas como pragas. Lembrou-se de ter lido uma vez sobre as três pragas da civilização espanhola: Abdução, Enchente e Contaminação; todas previstas na profecia antiga. A erupção e as mortes de civis após ela foram a gota d’água. O ônus do bônus veio em seguida, quando a estrutura do instituto ficou desestabilizada e prejudicada, e isso causou um desequilíbrio naturalmente sócio financeiro que não passaria o prejuízo apenas para os bolsos das empresas bio farmacêuticas que colaboravam com o projeto, mas sim, com toda a cadeia de preservação ambiental das espécies de animais da reserva tropical previstas pelo plano de resgate.

A única solução viável, na qual estavacontida nos papéis que Eva observava sobre a mesa metálica do escritório, era a transferência da filial para a terceira ilha do arquipélago Tríade Atlântica: Ilha dos Milagres ou como é mais conhecida, Ilha dos Náufragos.

Todo o processo deveria ser realizado novamente, desde a inspeção, até confirmação, construção da nova estrutura e a continuidade do projeto. Eles logo fariam um trabalho de implosão do antigo prédio, e os entulhos seriam mandados para aterros sanitários, onde seriam melhores aproveitados. E até para indústrias que fariam um tipo de reaproveitamento, para criar novos tijolos. Eva, junto dos demais responsáveis pela supervisão e execução das obras, queria que tudo fosse o mais ecológico possível. As pesquisas continuariam sendo feitas na Ilha Vermelha, mas todas sendo encaminhadas para a nova filial na Ilha vizinha. Milagres era o novo ponto de partida para o futuro da AnimalRescue.

De repente, o rádio de comunicação do escritório começou a apresentar uma chamada. Para ser mais exato, um pedido de socorro.

—Tem alguém aí? Estou na Ilha Vermelha, preciso de ajuda! — Eva ouviu a voz dizer. Confusa, ela foi até o aparelho e retornou a chamada. Ela podia ouvir o desespero na voz feminina.

—Estou aqui, querida, fique calma. — A bióloga queria mostrar segurança diante da situação.

—PRECISAMOS DE AJUDA! OS MASCARADOS ESTÃO POR TODA PARTE, ELES VÃO ME MATAR, MATAR TODOS MEUS AMIGOS! — O desespero cresceu e tomou proporções tão grandes, que Eva já não podia ouvir mais nada, visto que o choro copioso da garota só aumentava.

—Como é seu nome e o de seus amigos? Vocês são moradores ou turistas?— Mesmo sabendo que não havia tempo para perguntas, ela tinha de fazê-lo.

—Lena. Meu nome é Lena, sou turista, fui raptada, mande ajuda logo, por favor... Meus amigos também foram sequestrados, precisamos sair daqui, eles estão por toda parte... — O choro tornou-se baixo. — Quem está ai?

— Eva Mendel, querida. Irei ajudá-la, só fique calma e me ouça. Onde está?

—Numa torre de observação, parece um posto da guarda florestal. Não sei dizer direito. É alto e de madeira, venha rápido, por favor! — Lena olhava ao redor e tudo que enxergava eram algumas caixas e o equipamento de comunicação que usava.

— No posto de observação? Ótimo. — Disse. — Fique ai até que eu chegue,ok?

A loira assentiu, olhando pela janela e vendo a praia um pouco longe. Falou:

— Não demore, eu e meus amigos estamos dependendo dessa ajuda. — A última lágrima desceu, antes que ela a enxugasse e deslizasse as costas pela parede, sentando.

— Estou a caminho, permaneça onde está. É tudo que peço.

Houve somente a estática, e em seguida, Eva pegou sua jaqueta, pôs sobre a regata branca e prendeu os cabelos em um rabo de cavalo desajeitado, saindo do escritório e passando pelos corredores vazios e sombrios nos quais haviam se transformado, sem os devidos funcionários. A maioria morta no desastre há um mês e os outros refugiados. Muitos preferiram voltar para a cidade, com medo de que a tragédia se repetisse e que o vulcão entrasse novamente em erupção. O que era uma possibilidade cabível, visto que ainda continuava em atividade. Porém, Eva zelava pelo lugar, ela acreditava num local melhor, numa Ilha Vermelha livre do medo. E mais do que tudo, acreditava em si mesmo para realizar tais feitos.

A chave do jipe da bióloga tilintou entre seus dedos. Ela apressou-se em direção da saída. Trancou o portão principal, antes de entrar dentro do veículo e seguir por uma das trilhas que adentravam na mata, que naquela manhã, não tornava-se tão ameaçadora. Quanto a chuva que caía... Dificultaria o trajeto, mas sua nova missão era salvar a vida da garota que pedira socorro.

XXXXX

Lena estava encolhida no posto de observação, vendo a chuva bater no vidro da torre de maneira violenta, quase assustadora. Um trovão retumbou no céu, clareando o lugar e ela teve a impressão de ver uma silhueta atrás das caixas que guardavam sabe-se lá o quê. Ela não se importava com aquilo, tinha mais coisas para pensar, como por exemplo: onde estariam os demais? Eles estariam bem? Gritou de raiva de si mesma por não ter feito mais que correr e largar Bella entre as paredes que a prensaram. Odiou-se ainda mais por não ter conseguido salvar Ruth ou por não ter achado os outros e os ajudado. Sentiu-se uma imprestável, uma inútil, e não havia nada a se fazer, além de agarrar os joelhos e chorar tudo o que podia, até secar totalmente suas caixas lacrimais.

Repentinamente outro trovão cortou o céu de maneira rápida, trazendo outro som que fez sua nuca arrepiar. Os cabelos loiros completamente emaranhados, enquanto a maquiagem preta borrada escorregava pelo rosto. Com o trovão, outro som foi audível, o de um grito. E ele chamava por Lena. A garota olhou pela janela, tocando o vidro gélido e avistou alguém tentando escalar a torre, embaixo da chuva incansável.

— Lena, é você? — A voz soou. Era notório o medo sendo entoado pelo cântico melancólico daquela voz. A loira dentro da estação de observação logo pode reconhecê-lo. Não era o mesmo da chamada, não era Eva Mendel.

— Mônica! Sobe aqui! — Então, Lena abriu a portinhola de madeira da cabine e avistou a estudante de biologia lá em baixo, acenando com os braços.

— Onde estão os outros?

— Eu estava com a Val, mas acabei me perdendo, depois que essa droga de chuva começou a cair. Agora estou tentando subir até ai, mas está escorregadio demais. — Pigarreou e sentiu a chuva encharcá-la. O cabelo castanho já cobria quase que completamente seu rosto. Sentia-o empapado.

O coração de Lena disparou ao ver que um estranho brilho se movia entre as árvores. E com o céu escuro pelo tempo nebuloso e pela chuva torrencial, ela concluiu que alguém possuía uma lanterna ou mantinha uma tocha acesa. Como? Ela não sabia responder, mas sabia que se aproximava depressa.

— Mônica, tem alguma coisa vindo. É melhor se apressar, ai embaixo você vira um alvo fácil. — Disse, com a cabeça na portinhola.

No instante, Mônica olhou para trás, avistando a silhueta com a luz em mãos, aproximando-se cada vez mais. Ela semicerrou os cílios, procurando melhorar o campo de visão. Foi quando avistou. Era um dos mascarados. Um não... DOIS! A jovem tremeu, as pernas ficaram bambas, o coração ameaçou parar. Ela não sabia como reagir.

— Droga, Mônica, vem logo! — Lena procurou gritar e sussurrar ao mesmo tempo.

O movimento da outra foi único. Ela jogou-se para a escada de madeira, colocando o primeiro braço e a primeira perna. Apoiou-se e conseguiu subir três degraus.

Quando escorregou.

XXXXX

Eva dirigia e seu jipe seguia veloz pela estrada de terra. Ela era uma boa motorista, de modo que também pilotava aeroplanos muito bem. As inclinações que surgiam na trilha não eram nada perto de sua experiência dentro da floresta. Pode avistar o posto de observação há alguns metros, talvez um quilômetro, não conseguia distinguir exatamente a distância, mas já poderia vê-lo entre as copas das árvores centenárias. O objetivo era simples: resgataria a garota e lhe levaria para a pista de pouso. Era tudo que tinha a fazer. Por todos que não pode salvar. Por Gil... Seu marido; Por Artur, seu filho... Por si mesma.

XXXXX

Por sorte, Mônica teve êxito em segurar na madeira de cima, sem causar muitos danos, a não ser um pequeno arranhão no joelho. Sobre sua cabeça, a loira de maquiagem borrada chamava-a. A estudante apenas fechou os olhos e passou a subir sem ver o seu redor, sem saber o que a cercava. Era mais fácil assim.

Era mais fácil assim?

A primeira flecha passou pelo seu rosto, formando um filete de sangue pelo raspão. Ela gritou e passou a subir mais rápido, desta vez de olhos abertos. As outras flechas passaram por ela e atingiram a madeira molhada da estrutura. Pela segunda vez, a morena desequilibrou-se, mas novamente conseguiu se segurar e já estava chegando mais próximo.

A loira esticou o braço na direção da amiga.

A quarta flecha do corvo atingiu a mão de Mônica, que neste momento, segurava a escada. Ela gritou de dor e a mesma mão escorregou, ainda com a flecha cravada.

Quando a luz parece se desviar
Nosso sangue carece de um pouco de ar
Não encontramos nada pra segurar
Me resta gritar

Olhou no fundo dos olhos da loira e virou o rosto para avistar a exata distância dentre seu corpo e o chão. Uma distância considerável para que ela morresse. Talvez eu morra antes de atingir o chão, talvez eu não morra quando atingir o chão.

Talvez eu nem atinja o chão.

Uma voz gritou em sua cabeça para que não desistisse; que ela poderia ser maior que seus medos, que suas fraquezas. E Mônica reconheceria aquela voz em cem anos. Eduardo soprava em seu ouvido sua esperança, devolvia o resquício de otimismo. O mesmo otimismo que Nina ensinou-a a cultivar. Que Edu ensinou-a a criar.

— Vamos Mônica, você é maior que as muralhas! — A loira gritou.

A voz insistia. Que as muralhas, mana! Maior que as muralhas! A voz berrava.

Chegou a hora de ser
Maior que as muralhas
Tentarão me prender
Em vão
A gente pode crescer
Perdendo a batalha
Não deixe a vida escorrer das mãos

A jovem agarrou a madeira com uma força descomunal e continuou a subir. Ela subiria, ela não deixaria de ir para o alto, de se erguer. Por que retroceder, se poderia prosseguir? Por que desistir, se poderia superar? As mãos das duas se tocaram e Lena colocou a garota para dentro da cabine. Logo depois, as duas deram um abraço apertado o bastante para durar o resto do dia. Elas só queriam uma companhia. As duas agora tinham algo em comum, além das cicatrizes no coração: a perda.

Dois disparos foram ouvidos. A loira ergueu-se às pressas e foi até a janela, a tempo de avistar uma mulher de cabelo escuros e custos, e apesar da postura agressiva, tornava-se ao mesmo tempo, bastante elegante. Mônica já estava ao lado dela.

— Doutora Mendel!

— Estamos salvas?

Não havia mais sinal de assassinos mascarados.

— Aqui! — Mônica gritou e bateu no vidro. E mesmo que as distante fosse deveras longa, de onde cada uma estava, a mulher lá embaixo pode ouvi-la e olhar diretamente para elas. A chuva continuava a cair.

Eva guardou a arma no suporte no cinto, por baixo da jaqueta de couro verde. Daquela forma, sua aparência tornou-se ainda mais militar. Ela mostrou um positivo e pediu que as garotas descessem. Ambas já estavam lá embaixo, enquanto a chuva continuava a cair insistentemente. Outro trovão clareou o lugar subitamente. Encharcadas, Mônica e Lena abraçaram a mulher. Eva recebeu o abraço como se fossem de sua própria família. Há tempos não recebia um abraço de gratidão tão caloroso.

— E seus amigos? — Indagou a doutora.

— Não temos notícias deles. — A expressão cabisbaixa em Mônica foi evidente.

— Irei tirá-las daqui e prometo voltar para procurá-los, ok? — Prometeu. — Agora vamos para a pista de pouso, meu avião será o bastante para tirá-las daqui. — Pensou um pouco e então perguntou: — Sabem dizer por que aqueles mascarados queriam executá-las?

Ambas ficaram caladas. Não queriam compartilhar no pânico. Eva não precisava saber, não agora. Em seguida, indo em direção ao jipe, sentiram-se aliviadas e entreolharam-se. Finalmente haviam alcançado a redenção e acreditavam que os outros também alcançariam.

Lena e Mônica estavam queimando aquelas páginas de suas vidas.

XXXXX

No momento em que as três chegaram à pista de pouso, avistaram o aeroplano estacionado. Ao seu redor, permanecia tudo vazio, com exceção de um pequeno ponto luminoso que se julgava ser a calda de um helicóptero, já que a pista estava quase neblinada por completa. As inúmeras luzes vermelhas na pista piscavam freneticamente e isso facilitava a visualização.

Eva tratou de ajudar as garotas a entrarem no avião de pequeno porte, e quando ambas já estavam acomodadas e com os cintos apertados, a mulher entrou pela porta da frente e posicionou-se atrás do painel. O rosto plácido e sereno. Lena ficou se perguntando o porquê dela não apresentar nervosismo diante do temporal e da neblina excessiva. Mônica baixou a cabeça e fechou os olhos. Ela entrelaçava os dedos, tentando espantar seu receio de algum perigo iminente. Afinal, ela ainda não estava em casa. Não estava segura, ainda que Eva parecesse uma mulher de armadura.

— Estão prontas, meninas? — Eva perguntou, pondo um grande headphone preto, um apetrecho próprio para pilotagem.

— Vamos pra casa. — Lena sorriu e tocou a mão de Mônica. A universitária tremia.

Entreolharam-se. Então, Mônica retribuiu com um sorriso e respondeu:

— Vamos pra casa.

Eva ligou o bimotor e levantou voo lentamente. Da pequena janela poderiam ver a pista de pouso se distanciando, a mata se distanciando, o vulcão, e então toda a montanha... E toda a Ilha Vermelha. A chuva batia no vidro, seus pingos explodiam com ferocidade. Porém, o alívio fora imediato.

Logo, a ilha sumiu de seus campos de vista. E então, nada era visto além das nuvens. Àquele ponto, elas estavam longe do temporal. Eva monitorava tudo e seguia para a cidade. Lana e Mônica finalmente estavam saindo do inferno e voltando para casa.

— Queimem essas páginas, queridas. No fim da tempestade sempre há o arco-íris. — A bióloga murmurou.

— Clichê, mas uma verdade que se aplica aqui. — Lena riu.

Mônica também sorriu.

XXXXX

Matheus andava pela floresta, despreocupado com qualquer coisa. Já não se vestia mais como um assassino, jogando fora seu manto escuro e mantendo apenas a máscara de lobo. Usava uma calça jeans preta rasgada em algumas partes e uma regata da mesma cor. Guardava na altura da cintura, sua faca dentada.

Havia recebido um recado de que Abigail o esperava na parte leste da floresta para lhe dar novas informações. Assim, o ex-motorista o fez. Chegando lá, a senhora estava em suas vestes velhas de sempre, enquanto cutucava uma árvore com um utensílio pontiagudo.

– Sabia que as árvores têm uma seiva secreta que, se usada do modo correto, serve como remédio para qualquer doença? – Abigail disse depositando um líquido verde em uma vasilha de barro – E utilizada de um jeito melhor ainda, serve como um veneno mortal sem cura, a não ser a própria seiva.

– Hum. – Matheus resmungou sem interesse – E você me chamou para uma aula de botânica?

– Claro que não. – Abigail debochou soltando uma risadinha, se virando para Matheus, encarando-o com seus olhos leitosos – Você precisa vestir sua pele de Lobo e cumprir suas funções.

– Por quê? – Matheus perguntou – Os sacrifícios estão saindo como planejado. Tudo está de acordo com o plano.

– Ah, cordeirinho… - Abigail debochou novamente, com um sorriso banguela no seu rosto – Tem mais pessoas para morrer além dos sobreviventes. No vilarejo, uma jovem está desrespeitando os rituais. Ela está telefonando para fora da ilha, querendo denunciar os sacríficios. Um verdadeiro sacrilégio! Por sorte, ninguém deu atenção ao que ela fala, mas sua boca precisa ser silenciada, se é que me entende.

– E por quê eu mataria alguém que não está na nossa lista, só porque você está sendo uma… Uma velha apavorada? – Matheus perguntou sorrindo ironicamente.

– Bom, - Abigail disse, se aproximando do rapaz – talvez porque se não fosse essa velha apavorada aqui, seu corpo de garotinho indefeso estaria ao pó na margem daquele rio, onde você matou seus pais…

– Cala essa boca! – Matheus gritou, retirando a máscara de lobo e empurrando Abigail contra a árvore mais próxima.

O moreno sacou sua faca dentada, pressionando seu antebraço no pescoço de Abigail, começando a sufocá-la. A lâmina estava perto de sua jugular, mas a senhora não estava com medo. Para provar, começou a dar uma risada maquiavélica, que ecoou pela floresta, afastando alguns pássaros.

– O que foi, cordeirinho dos olhos claros? – Abigail perguntou sorrindo – A verdade ainda te perturba? Você sabe muito bem que seus desiquilíbrios psicológicos e seus ataques de loucura te fizeram provocar um acidente de carro. O veículo perdeu o equilíbrio e então capotou em um barranco, em direção a um rio. Seus pais morreram, enquanto você fugia assustado, ficando ao lado do corpo do casal, como se um trágico acidente do destino...

– Foi um acidente! – Matheus gritou com os olhos marejados – O carro estava descontrolado, eu tentei salvá-los, mas falhei!

– E não falhará mais, querido. – Abigail disse, tentando abaixar o braço do homem, que continuava em seu pescoço – Não vai querer agredir uma frágil senhora indefesa, não é?

Aos poucos, Matheus foi baixando o braço, enquanto Abigail continuava a falar.

– Lembre-se de como te encontrei e cuidei de você… - Abigail disse com um tom gentil, porém perigoso – Às vezes te tratava melhor que meus próprios filhos. Te treinei como um bom soldado deve ser. E se envolver mais diretamente com os sobreviventes do que planejado foi um verdadeiro golpe de mestre. Você foi ótimo, Matheus.

Agora, Abigail já estava totalmente livre da lâmina dentada do rapaz, que se afastou um pouco da senhora, que por sua vez, se aproximou, tocando-lhe o rosto.

– Silence a ruivinha da fita verde, querido. – a senhora ordenou, dando-lhe leves tapinhas no rosto.

Abigail saiu da floresta, enquanto pisava em galhos e folhas secas. Matheus ficou ali, encarando a saída da velha. Depois de alguns minutos, recolocou sua máscara de lobo e se encaminhou para o vilarejo. Se tinha que fazer algo, faria o mais rápido possível. Caminhou alguns minutos em volta das casas, procurando uma jovem que batesse com a descrição dada.

Os moradores não se importavam com um cara usando uma máscara de lobo e uma faca empunhada nas mãos. Algumas mulheres até sorriam e piscavam para o ex-motorista. Menos uma, que observou a chegada do homem perto de sua casa e correu para dentro de sua casa, com expressão de pavor no rosto.

A mulher em questão não era ruiva nem usava fita verde, mas tinha atitude suspeita. Matheus se aproximou de sua casa e recebeu a porta fechada. Com força, depositou um chute na mesma, que foi facilmente arrebentada.Um grito de um cômodo no interior foi ouvido. O Lobo adentrou no interior da moradia, procurando pela mulher. A encontrou na cozinha, perto de uma pia.

– Ah… Como posso ajudá-lo? – a mulher perguntou com sorriso gentil.

– Estou procurando uma garotinha… - Matheus respondeu.

– Não irá achar nada aqui. Só eu moro aqui. – a mulher respondeu com nervosismo – Pode verificar todos os cômodos.

E assim, Matheus o fez. A casa era pequena, tinha no máximo dois quartos, um banheiro pequeno e a cozinha. E como a mulher disse, não havia ninguém além dela. O Lobo voltou para a cozinha e encarou a mulher, que suava frio.

– Tem razão, vou embora. – Matheus virou-se para a saída, quando ouviu um barulho em um armário de baixo da pia, então voltou-se para a mulher – O que foi isso?

– Ah, devem ter sido ratos. – ela respondeu tirando uma mecha de cabelo do seu rosto – Nessa época do ano esse malditos roedores parecem brotar do chão.

– Deixe que eu verifico para você. – Matheus disse se aproximando.

– Não precisa! – a mulher se aproximou em dizer – Agradeço pela boa vontade, mas não precisa! Não precisa mesmo!

– Saia.

– Por favor, ela não fez nada de errado e tamb…

Matheus agarrou a mulher pelos ombros e a empurrou para o lado. Ela caiu de joelhos no chão. O Lobo abriu o armário e avistou uma garota ruiva agachada dentro dele, com uma fita verde amarrada na cabeça. O homem puxou-a pelos fios avermelhados e a jogou contra a parede.

– Por favor, deixe-a em paz! – a mulher suplicou com lágrimas no rosto – Ela não falará mais nada!

A faca já estava em punho e preparada para ser banhada de sangue, quando a garota se virou. Aparentava ter doze anos, com feições infantis e sardas no rosto. Os olhos verdes brilhavam como esmeraldas, contrastando com o vermelho dos cabelos. Matheus paralisou. Por mais inacreditável que fosse, ele enxergava Vanessa na garota. Não totalmente, claro. Mas conseguia sentir sua essencia rebelde, excêntrica e marcante.

– Está brincando de estátua, queridinho? – uma voz ecoou em sua cabeça. E ele a reconhecia muito bem.

– Cadê você? – ele girou pelo cômodo, procurando Vanessa.

Saiu da casa, apavorado. Estaria ficando louco? Várias pessoas estavam do lado de fora da casa, na expectativa de ouvir gritos de um brutal assassinato. Arregalaram os olhos ao ver Matheus na situação em que estava. O Lobo então fugiu em meio ao bosque, correndo sem destino exato, apenas com a ideia de fugir em sua cabeça.

Sua mente rebobinava sua vida, desde o momento do maldito acidente. Ainda sentia a dor ao se debater dentro do carro quando o mesmo capotou. Ainda tinha vislumbres dos corpos de seus pais, como se tivessem tatuado essa cena em seu cérebro. Ainda lembrava a armagura das lágrimas descendo pelo seu rosto de menino angelical. Ainda se lembrava de Abigail chegando, dando-lhe apoio e oferecendo uma vida nova.

O bosque em sua frente se transformou em um campo aberto e acima do solo, com grama esverdeada, céu limpo e um mar lindo no horizonte. Matheus se aproximou da borda do rochedo de pedra que se encontrava abaixo e abaixou a cabeça. Caiu de joelho na grama, retirando sua máscara de lobo. Lágrimas escorriam pelo seu rosto.

– Por quê você matou o meu pai? – a voz de Vanessa ecoava em sua cabeça – Por quê me deixou morrer? Achei que me amasse. Se sabia disso tudo, poderia ter me avisado e teria salvo a minha vida! Mas preferiu se acovardar na cadeia. Deveria ter apodrecido lá, onde é o lugar de monstros como você!

– Me desculpa… - ele gritou o mais alto que pôde.

Agora todo em sua vida se misturava, como se estivesse em um liquidificador na velocidade máxima. Vanessa, Roberto, o acidente na infância, seus pais… Teria mesmo provocado o acidente ou tentado evitá-lo? Jamais saberia. Talvez fosse a hora de acabar com tudo isso e pagar seus pecados no inferno, se ele existe mesmo. Talvez aquele rochedo fosse a solução de seus problemas e seu próprio fim. Talvez…

– Vai ficar ajoelhado e se lamentando aí para sempre? – uma voz doce e sensual ao mesmo tempo disse atrás dele.

Matheus se levantou e virou, observando a chegada de uma mulher. Era linda, isso era óbvio. Óculos escuros escondiam seus olhos. Usava vestido branco na altura do joelho, que balançava com a chegada de uma leve brisa. Um decote chamava a atenção, acompanhado de um colar de ouro. Pulseiras enfeitavam seus braços e ela possuía um belo andar, mesmo de salto alto e na grama. Os cabelos lisos, loiros e repicados não chegavam a altura do ombro, e também serpenteavam com o vento.

– Quem é você? – Matheus perguntou.

– Pode me chamar de “sua nova chance de vida boa”. – ela respondeu fazendo aspas com os dedos – Ou de Lídia.

– E o que faz aqui? – Matheus interrogou.

– Nossa, não sabia que você era policial investigativo. – a mulher riu, e ora, tinha um sorriso encantador – Você não quer passar o resto da sua vida nessa ilha igual um assassino de You’re Next, quer?

Matheus não sabia o que responder. Aquela mulher seria um delírio também?

– Veja bem. Estou de olho em você faz tempo. – Lídia disse – Antes mesmo do assassinato na Festa do Branco no Ano Novo. Você tem um brilho especial e merece uma vida melhor.

– E como eu poderia ter isso? – Matheus perguntou, curioso.

– Me acompanhe, deixe essa vida para trás. – a loira respondeu – Quer ser um assassino? Seja um assassino de classe, não um pé rapado qualquer que fica caçando loiras burras pela floresta. Se vier comigo, fará a melhor escolha de sua vida. Será um homem rico. Vai deixar todo o seu passado obscuro para trás.

Matheus a encarou, pensando na proposta. Mesmo que fosse estranha, ainda era uma boa chance de sair da ilha. Qualquer deslize que acontecesse, meteria a faca no pescoço da loira e saíria correndo.

– E então, o que me diz? – Lídia perguntou, tirando os óculos e exibindos lindos olhos verdes.

– Digo que… - ele mordeu o lábio inferior, pensativo – Digo que Matheus morreu. Mostre-me o que você tem.

Lídia sorriu, dessa vez parecendo feliz, mas sádica.

– Ótimo. Gosto de pessoas decididas. – ela disse e se virou – Meu helicóptero nos espera. Se prepare, pois sua vida vai mudar completamente.

Matheus já havia feito sua escolha, então seguiu Lídia. Antes de ir completamente, jogou sua máscara de lobo no rochedo. O rosto animalesco rebateu entre as pedras, até cair no mar e ser levado pelas ondas.

XXXXX

Quando Ruth morreu, levou consigo uma parte de Lena. Uma morte que Lena não irá superar.

Ruth era uma garota comum, tinha o mundo a sua frente, milhões de possibilidades, chances e a capacidade de poder fazer tudo que queria. Mas ela foi arrastada para uma tragédia da qual não poderia estar preparada.

Uma garota que nunca passara por um grande sofrimento, que nunca sofrera uma perda verdadeira. Foi jogada em um jogo onde veria todos ao seu redor sucumbirem e ao final perder a própria vida.

Lena tremia ao imaginar pelo o que a garota passou. E sente angústia de não poder ter estado ao seu lado para ajudar. Mas precisava seguir em frente. Precisava juntar tudo isso pelo que passou, todas as perdas, todo o sofrimento e emergir do outro lado.

Uma experiência. É o que isso foi.

Quando resolveu dar um tempo aos estudos, seu plano era viver. Conhecer lugares novos, pessoas novas... O que conseguiu foi definitivamente diferente, mas ainda assim uma experiência.

Ela amou, ela perdeu. Ela lutou por aqueles com quem se importava e aprendeu que o mundo vai muito mais além do que conhece. Existem forças das quais desconhecemos que atuam sobre nossas vidas. Existe poder maior do que conseguiria imaginar no passado.

E ao final de tudo, sofreu esta derrota. Não conseguiu salvar ninguém. E ainda não sabe se seria capaz de tal ato. Ela poderia encarar isso como uma certeza de que há coisas na vida que não se pode mudar, que não se pode impedir... Mas prefere se agarrar a esperança do que se sentir impotente.

Nunca poderá se esquecer. É uma cicatriz que já mais irá se curar. O trauma deixado vai a assombrar todos os dias, porém é dele que vai tirar forças. Vai se erguer para tentar novamente e não deixar que a história se repita.

E agora vai aproveitar das pequenas coisas. Passar um tempo com as pessoas que lhe acolheram. Aproveitar a chance que tem de chegar a algum lugar com seus estudos.

Seems like I've been here before

I know the way

Feels like I've been on my own

So long... So long...

O avião levantou e começou a se mover, enquanto Lena apenas encarava as linhas brancas na pista.

White lines will bring me home

XXXXX

Mônica finalmente abriu a porta do apartamento, e suspirou, caindo em cima do sofá. Levou as mãos ao rosto, o esfregando repetidamente. Não podia acreditar que tinha voltado. Voltado de onde nunca deveria ter saído...

Ela ainda não conseguia assimilar tudo o que acontecia em sua mente. Um turbilhão de pensamentos deixava a garota cada vez mais confusa, mais insegura de si. E pensar que tudo começara com uma simples viagem a trabalho da faculdade... Ela nunca pensara em quebrar sua pacata vida e viver intensamente todos os momentos como os momentos que vivera naqueles últimos meses.

– Pelo menos, tudo chegou no seu fim... – Mônica disse para si mesma. – Só falta a Val retornar também, salva...

A garota então passou a mão na tatuagem que havia feito em homenagem a Eduardo, e suspirou. Já fazia tempo que o irmão tinha se ido, mas ela realmente ainda sentia a falta daquela presença reconfortante.

Pensando em tudo isso, acabou dormindo ali mesmo, naquele sofá.

XXXXX

Era um dia ensolarado.

Mônica mexia o garfo, ainda meio desinteressada com o que seus pais conversavam na mesa de jantar. Tinha acabado de almoçar na casa dos seus pais, e estaria em breve retornado para a faculdade, retornar para a origem de tudo...

– Mônica, minha filha... – A mãe dos irmãos sorriu. – Você ficou sabendo, não?

– Do que?

– Filha, você tem outra... – O pai da moça começou a falar, mas foi cortado por ela.

– A Valentina? Sim, eu já estou sabendo... Eu já conhecia ela faz um tempo, sabe? Sem ao menos imaginar que ela poderia...

– Olha, para nós a Valentina também será como uma filha, viu? Pode dizer a ela que sempre estaremos disponíveis para o que ela precisar. – A mãe de Mônica respondeu.

– Tudo bem, falarei com ela... Quando conseguir vê-la novamente.

– Como assim, filha? – O pai dela perguntou. – Não me diga que ela também foi para aquela ilha... Que falou.

– Ela estava lá também. E ainda está, mas tenho certeza que ela voltará em segurança.

A mãe de Mônica abaixou a cabeça, meio emocionada. O pai continuou pensativo. Mônica olhou para o lado e viu acima de uma cômoda, uma foto da família reunida, datada de novembro do ano passado.

Ah, Eduardo...

O rapaz estava abraçando a irmã, e ambos sorriam, como se nada fosse acontecer nos meses seguintes, como aconteceu. Ninguém que estava naquela ilha imaginaria o destino que teriam.

– Tudo bem. – A mãe de Mônica disse por fim. – Mas quando ela voltar... Peça para ela que nunca me lembre dessa ilha, por favor. Não preciso explicar o porquê.

– É estranho. – O pai concluiu. – Estranho quando você pensa que seguindo a ordem natural das coisas, você deveria ir primeiro que seu filho e quando vê...

Mônica passou a mão sobre os olhos.

– Mas não vamos falar sobre isso. – O pai falou. – Isso é passado.

– Que infelizmente nunca será revertido... – A mãe concluiu. – Mônica, quando vai voltar?

– Provavelmente amanhã, ou depois. Não tenho absoluta certeza de quando conseguirei voltar para a faculdade. Devo ter perdido um semestre inteiro depois dessas idas e vindas. Mas vamos lá, né?

O pai de Mônica sorriu.

– Assim que se fala, minha menina. Nunca desista do que está buscando.

– Pai, não sou mais sua menina.

– Pra ele, você sempre vai ser a garotinha dele. - A mãe de Mônica completou o pensamento.

XXXXX

Mônica carregava um buquê de lindas flores nas mãos, em pleno cemitério. O clima fúnebre do local não ajudava, mas ela estava forte.

Antes de mesmo de chegar no seu destino, o local onde Eduardo repousava para sempre, viu uma figura imponente bem a sua frente. Mônica aproximou-se até o momento em que viu a face da negra, com óculos escuros cobrindo os seus olhos marejados.

A mulher se virou e viu a moça olhando para ela, e logo tirou seus óculos escuros.

– Heloisa.

– Mônica. – A negra abaixou o rosto, trazendo um lenço aos olhos. – Faz tempo que não te vejo.

– Pois é. – Mônica soltou uma risada nervosa.

– Não precisa ficar preocupada, Mônica. Não farei nada com você a respeito daquilo que ocorreu. É bobagem ficar relembrando o que se passou.

– Ah... Sei... Obrigada por compreender.

– O mínimo que deveria fazer. Não guardo rancor das pessoas... Muito menos quando são pessoas que eu considero muito.

– Obrigada... Nem sei o que falar... Você é uma ótima pessoa, Heloísa.

– Que isso, imagine... Soube que o Murilo também morreu, né?

– Como assim? – Mônica se mostrou espantada. – Eu não fiquei sabendo.

– Então, ele foi morto invadindo uma casa... É meio triste de se falar, sabe... O Murilo não tinha que seguir por esse caminho, mas a influência do pai dele era muita. Ele o chantageava o tempo todo...

– Mas ás vezes ele pode ter feito por merecer... Bem, não posso julgar o Murilo. Mas nunca fui com a cara dele, sabe?

– Te entendo, Mônica. O Murilo sempre foi uma pessoa difícil de conviver. Eu tinha esperança de que ele mudasse algum dia, mas... O destino veio primeiro, assim como no caso do Eduardo...

– Sente falta dele, né?

– Acho que todos nós morremos um pouco junto com o Eduardo, sabe? O que aconteceu foi muito trágico... Não gosto de lembrar do que ocorreu, e acredito que você também não. Mas teremos que conviver com isso para sempre... Pessoas morrem todos os dias, não é?

Subitamente, Mônica lembrou-se de Valentina, e ainda não tinha tido notícias da sua irmã. Torcia para que a lista tivesse finalmente acabado e tanto ela como Nina estivessem salvas. Soubera da morte de Kris, Greg e Anna Clara, assim como testemunhara a de Bella. Todos eles mortos, assim como Eduardo e Murilo. A desgraça parecia rondar a vida de todos ali.

– No que está pensando, Mônica?

– Se eu contasse, você não iria acreditar.

– Conte... Veremos se não acredito ou não.

– Acho que na frente do túmulo do Edu não é o local mais adequado, não Heloísa?

– Tem razão, Mônica. Estarei esperando na capela.

Heloísa deixou Mônica sozinha com Eduardo ou o que restara dele. Mônica colocou o buquê sobre a lápide do irmão.

Eduardo Santiago Torres da Costa

05/07/1990 - 31/12/2014

“Mas há a vida que é para ser intensamente vivida. Há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata.”

Clarice Lispector.

Ele realmente tinha cumprido á risca tudo o que estava escrito ali.

XXXXX

Eva estava na cidade há duas semanas. Desde que salvara a vida das duas garotas na Ilha Vermelha, tentara de todas as formas achar seus amigos, de modo que as equipes de resgate enviadas para lá tiveram seus esforços em vão, por não encontrarem praticamente nada. Nenhum sinal de qualquer turista. A comunidade do vilarejo em nada ajudou, por alegarem não terem contato com os mesmos desde o acidente com o vulcão. A bióloga não conseguiu associar o desaparecimento dos turistas relatados por Mônica e Lena com nenhum morador, e mesmo assim, não deixou de lembrar o sumiço da civilização espanhola há anos.

Acabou conformando-se com o fato de não poder dar uma boa notícia para ambas as jovens, e ficou triste pelo acontecido, mas simplesmente teve que virar essa página.

Neste momento, o sol batia em seus óculos escuros, que protegiam seus olhos da forte claridade. A regata marrom e os shorts curtos, sob o cinto e acompanhado do tênis evidenciava seu conforto (ou desconforto) diante daquela manhã ensolarada e extremamente quente.

— O que temos, Marcos? — Indagou para o homem alto, negro e forte bem ao seu lado. Ele também vestia-se com uma camiseta, bermuda e tênis. Em seu peito esquerdo, o emblema da Animal Rescue em vermelho.

O homem arrumou o boné, também com um emblema da instituição e respondeu:

— Animais abandonados. Um vizinho afirmou que ouviu muito choro canino, e quando foi verificar, descobriu que a porta estava trancada e que os donos do apartamento não deram nenhum tipo de sinal de presença. Os animais devem estar com fome e bastante debilitados.

Eva prontamente assentiu.

— Vamos entrar, eles precisam da gente.

A equipe de bombeiros preparados da Animal Rescue entrou. Antes de arrombarem a porta, eles poderiam sentir o odor de fezes. Eva imaginou como estaria a situação de cada bichinho ai dentro. Sentiu um nó subir e inchar em sua garganta. Então, sem esperar, acenou para o companheiro que liderava a operação e ele mostrou o polegar. Positivo.

Com apenas um único movimento brusco, a porta caiu do lado de dentro. As cenas seguintes passaram em câmera lenta. Eva entrou ao lado de Marcos e observou o estado em que se encontrava o apartamento. As fezes e as poças de urinas espalhadas. O sofá sujo com os travesseiros jogados pelo piso; os móveis empoeirados e o mais importante avistou em seguida...

Os bichos acuados em um canto da sala. Dois cães, macho e fêmea. E um terceiro animal, uma chinchila com seu pelo completamente sujo de lama. O temporal que caiu na cidade, somado às patas no piso e a bagunça deles causou aquilo. O abandono era evidente, e Eva não soube deduzir o motivo por trás do ato covarde.

Talvez ela estivesse sendo covarde em julgá-los sem saber. Mas nada justificaria tamanha crueldade.

Nem os mistérios de uma ilha.

A mulher pegou a chinchila no colo, enquanto avistava Marcos e outro bombeiro colocarem os cães no braço e levando-os para fora do cômodo. Eva encarou bem o roedor e viu a fitinha branca, agora encardida, em uma das orelhas no bicho. De qualquer maneira, o dono ou a dona daquela chinchila deveria ter muito zelo por ela. Só de pensar no que poderia ter acontecido, já deixava seu coração batendo acelerado.

Subitamente o pequeno laço se desfez e a fita caiu.

Eva decidiu levar a chinchila para fora, falando:

— Você irá ser tratada como uma rainha e em seguida, ganhará um novo lar, fofura. Você e seus amiguinhos lá fora. — Logo, abraçou o roedor e andou até a porta, sentindo a lágrima quente descer pelo rosto. — Estão em boas mãos.

A bióloga chorava de felicidade, por mais um salvamento realizado. Era aquele seu propósito, sua satisfação. Ver aqueles animais a salvo era sua recompensa. E sabia que eles teriam uma vida nova, uma vida melhor. O que quer que tenha acontecido com seus donos, e onde quer que estivessem, saberiam o quão bem eles ficariam. A chinchila não parava de olhar para Eva, com seus olhos brilhantes, e a mulher deduziu que se a bola de pelos sorrisse, era isso que estaria fazendo naquele instante.

Sidney sentiria saudades da dona, mais do que tudo, mais do que qualquer humano. Pussy e Dick também chorariam por Greg e por Lana, tanto quanto a roedora sofreria por Nina. Afinal, eles continuariam sendo uma parte deles.

XXXXX

Heloísa olhava para a imponente cruz da capela do cemitério, sentada em um dos bancos do local, que estava mal iluminado. As pequenas lâmpadas não davam conta de clarear totalmente o ambiente.

Logo Mônica apareceu e sentou-se ao seu lado. Heloísa se virou e finalmente perguntou:

– O que tinha para me contar, Mônica?

– Já ouviu falar em maldições, Heloísa? Eu... Não sei se vai acreditar no que irei contar, mas é algo que envolve a todos nós. Você acabou por se livrar disso, mas eu e o Murilo, não sei...

– Do que está falando?

– Santa Muerte, Heloísa. Santa Muerte e seus sacrifícios.

Para a surpresa de Mônica, Heloísa disse:

– Conheço essa história. Os quatorze cavaleiros não? Harpista, Guerreiro, Atleta, Inocente, Flautista, Guardiã, Prostituta, Erudita, Donzela, Tolo, Virgem, Curandeiro, Mensageiro...

– E o Oráculo.

– Sim, o Oráculo. Já conhecia essa lenda de Santa Muerte, em relação aos sacrifícios... Mas o que queria me contar?

– Não sei se terá algum valor mas... Essa história se repetiu mais uma vez. E foi com a erupção... 14 pessoas na mira dos sacrifícios.

– E o Eduardo era uma delas, suponho. Nunca imaginei isso, mas... Tem um fundo de verdade. Só não entendi porque está me contando isso.

– Sabe o que acho? As pessoas que entram em contato com os 14 escolhidos também acabam se prejudicando... De certo modo. A maldição também deve recair sobre eles, tenho certeza. – Mônica disse, lembrando-se de Lena, Lana, Shinji e Anna Bella.

– O Murilo... E você?

– Aconteceram mais coisas do que você pode imaginar, Heloísa. Mas bem, não sei porque estou te alertando... Mas acho que... As coisas simplesmente não tem um fim imediato.

– Seu raciocínio é bom, Mônica. Mas acredito que essa suposta maldição adjacente não recaiu sobre mim... Mas entendo perfeitamente.

– Tudo bem, só foi um comentário. – Ela falou, passando a mão no seu cabelo curto.

– A propósito, antes que eu vá, adorei o seu cabelo curto.

– Obrigada né... – Mônica sorriu.

– Nos vemos então por aí, Mônica. Vou ficar alguns meses fora da cidade, estou planejando ir para outra cidade, ajudar algumas pessoas carentes, de rua, sabe? Acredito que todos nós temos condições de vivermos na dignidade, não? Muitas dessas pessoas não tem culpa de viverem assim, foi o meio que jogou elas ali. Tem desde órfãos até pessoas... Com distúrbios. É terrível.

– Concordo, mas... E suas ações? Seu dinheiro? O que fará com isso? – Mônica perguntou. – Desculpe, não quis soar mesquinha.

– Tudo bem, Mônica, tudo bem. Estou deixando em mãos seguras. Inclusive uma boa parte em minhas mãos. Não se sabe o que pode acontecer, não é mesmo?

– Sim, sim...

– Bem, acho que é isso, Mônica. – Heloísa se levantou, ainda com sua pose de majestade, característica marcante da mulher. – Foi um prazer te reencontrar mesmo em circunstâncias não muito agradáveis, sabe.

– Eu sei. Mas também foi ótimo te reencontrar, Heloísa. Espero que dê tudo certo com o projeto que vai se dedicar.

– Se Deus quiser, vai dar! – Heloísa falou. – Vai me causar alguns problemas, talvez, mas... Temos que ver, né?

Alguns instantes depois, Heloísa saía do cemitério e entrava no majestoso carro postado em frente ao mesmo. Mônica apenas ficou olhando na escada da capela, que dava de frente para a entrada do cemitério, o carro de Heloísa se afastar, cada vez mais...

Eduardo, Murilo e agora Heloísa. Ela realmente estava sozinha no mundo. Cada um seguiu uma direção diferente, e Mônica precisava seguir a sua própria direção.

Voltaria para a faculdade no dia seguinte.

XXXXX

E foi isso que Mônica fez.

Todos os seus colegas e pessoas ao redor perguntaram sobre ela e para ela, sobre o período que estivera fora da faculdade. Supostamente ela tinha sumido misteriosamente, e muitos já davam ela como morta, principalmente por conta da ruína que se tornara sua vida depois da morte do irmão. Então foi recebida com alegria e certo espanto o seu retorno.

Mônica carregava alguns livros no mão, junto que outra garota com quem conversava animadamente, chamada Rafaela. As duas conversavam de forma simpática, até o instante em que Mônica foi chamada novamente de volta ao maldito passado.

– Mô... Não precisa esconder. – Rafaela disse. – O que aconteceu durante esse período que esteve fora?

– Rafa, não é uma boa contar.

– Pode falar, estou te escutando. E não direi nada a ninguém.

– Você vai é custar a acreditar no que aconteceu comigo.

– Mônica, para com isso. Conta logo, estou curiosa.

– Tá bom, eu conto. – Mônica falou, se sentindo rendida. - Rafa, digamos que fui sequestrada...

– Oh, meu Deus! Por quem? O que aconteceu?

– Calma amiga... Eu e mais um bom grupo de pessoas, todos nós juntos. Quando todos acordamos, estávamos na Ilha Vermelha de novo.

– A Ilha...

– Sim, a Ilha. E lá aconteceram coisas muito bizarras, que até eu duvidava. Hoje não duvido mais do sobrenatural... Fui perseguida, tinham mascarados para todo lugar... Ouvi falar de lendas...

– Lendas do que, Mônica? Isso tá bagunçando a minha cabeça.

– Esse é o preço que se paga por querer saber mais do que o necessário, Rafa. Mas vou contar. Existe uma lenda dizendo que para o sacrifício de uma divindade, 14 pessoas seriam sacrificadas, e essas 14 pessoas seriam escolhidas a partir de um determinado acidente. No caso, foi a erupção do vulcão. Essas 14 pessoas foram marcadas para sempre, não deveriam ter sobrevivido. Mas agora eram sacrifícios, e um por um todos morreriam. E foi o que aconteceu com a maioria deles.

– Mônica...

– Eu sei que você vai dizer que estou louca.

– Exatamente isso... Eu hein.

– Você queria uma história, aí está. E então nessa ilha... Eu fui perseguida, estava junto desse grupo. Vários morreram, sendo todos alguns sacrifícios.

– E você foi perseguida só porque estava naquela ilha?

– Eduardo era um dos sacrifícios. – Ela disse, firmemente.

– Mônica, deveria escrever um livro... Tem potencial, porque essa história renderia muito dinheiro... Saiu tudo da sua cabeça?

– Já disse que isso foi real. Mas você decide no que acreditar.

As duas entraram em um grande refeitório, com uma fila quilométrica. Ocuparam seu tempo conversando, e Mônica citou Valentina mais de uma vez. Após finalmente conseguirem se servir, sentaram em bancos próximos a área, música tocava no volume máximo. Algumas pessoas se sentaram ali também, e todas conversavam animadamente. Mônica finalmente se sentia fora de todo aquele pesadelo, toda aquela tensão que tomara conta do seu ser naqueles terríveis dias.

Ela se sentia bem.

Subitamente, a música do local mudou, e ninguém ligou para isso, exceto Mônica, que se sentiu pega de surpresa.

So what you trying to do to me


It's like we can't stop, we're enemies


But we get along when I'm inside you


You're like a drug that's killing me


I cut you out entirely


But I get so high when I'm inside you

Mônica sentiu um estranho arrepio. Rafaela que estava ao seu lado, percebeu o estranho movimento da garota.

– Oh meu Deus...

Yeah you can start over, you can run free

You can find other fish in the sea

You can pretend it's meant to be

But you can't stay away from me

Mônica se levantou do banco, expressando um cara de tensão. Rafaela se levantou logo depois.

– Mônica, o que está acontecendo? Me responde.

– É ele, Rafaela. É ele.

I can still hear you making that sound

Taking me down rolling on the ground

You can pretend that it was me but no

Mônica começou a andar na direção de um grande gramado verde, na frente do local. Rafaela a seguia intrigada. A música atingiu o seu volume total, enquanto todos olhavam para Mônica.

Baby I'm preying on you tonight

Hunt you down eat you alive

Just like animals, animals

Like animals-mals

Maybe you think that you can hide

I can smell your scent from miles

Just like animals, animals

Like animals-mals

– Dudu…

Sentado no meio da grama, lá estava ele. Eduardo vestia a roupa do mesmo dia em que chegaram a ilha, e olhava fixamente para Mônica com um olhar enigmático. Uma outra mulher estava com ele, e Mônica sentiu um sobressalto, quando viu seu rosto.

Era só sua imaginação ou era real? Mônica já parecia não conseguir distinguir o real do ficcional.

– Mônica, do que está falando?

– Ele está aqui, Rafa.

– Ele quem? – Rafaela perguntou.

Mônica olhou na direção onde Eduardo estivera. Não havia nada ali, muito menos a presença de Valentina, que fizera Mônica questionar o que estava vendo? Valentina estaria morta também?

Um vento gelado chocou-se contra Mônica, enquanto sentia a sua tatuagem estranhamente arder, como se alguém apertasse a tatuagem recém-feita.

Baby I'm preying on you tonight

Hunt you down eat you alive

Just like animals, animals

Like animals-mals

Maybe you think that you can hide

I can smell your scent from miles

Just like animals, animals

Like animals-mals

XXXXX

Não foi uma simples erupção de um vulcão ou mais um acidente qualquer, do tipo que acontece todos os dias e as pessoas deixam de se importar conforme o tempo passa. Foi mais do que queimar a história da vida de cada um, era uma motivação para que um novo começo fosse escrito e com ele a direção para um novo rumo.

Todos querem saber o que há além da capa do livro antes da leitura começar, projetando esferas de expectativas, salvação e felicidade. Cada nome riscado era uma como uma página que precisava ser ultrapassada para chegar-se ao epílogo da jornada.

A frustração não era nenhuma surpresa quando o inusitado acontecia, levando ao terror rubro e viscoso, é aí que se encontra o discernimento do real significado da vida, os limites da capacidade de lógica e raciocínio para atingir a paz.

Durante meses, a angústia crescia dentro de cada um que sobrevivera, imaginando a falta que sentiam daqueles que partiram, sendo assombrados por seus respectivos fantasmas e pedindo perdão por não ter feito nada para impedir. Pagando pela vontade do destino e tornando o tempo seu pior inimigo.

Certo sobre tudo, o passado se encontrou com o futuro, as intenções continuavam em sua visão estéril que jamais será absolvida de sua missão, o cheiro de morte que grudara em todos fazendo-os lembrar que as perdas do destino, transformando esperança em cinzas insignificantes.

Não há mais outro lugar para se refugiarem, a muralha em cada coração ficava cada vez mais fraca para poder se defender, todos aqueles que sobraram já poderiam ser considerados perdedores daquele jogo. E a Morte vencia.

Bastava apenas sentar e esperar pelo fim da história.

XXXXX

Já deveria se passar da meia-noite, todos do casarão dormiam exceto Vivian, que passara a noite inteira agitada, andando em círculos pelo quarto sem medo de tropeçar em algo. Seu primeiro alerta foi o barulho de motor antigo se aproximando do lado de fora do casarão, minutos depois veio a melodia do piano no andar de baixo. Era esse o sinal que esperava.

A ruiva saiu com cuidado de seu quarto em passos lentos, sendo guiada pelo som e recostando-se nas paredes repletas de retratos dos patrícios que fundaram aquela família. O sobrenome de sua família lhe abriu muitas portas, mas nunca aquela que era a mais importante. A da felicidade.

Passou pelo quarto dos pais, lembrando-se do recente carinho que recebera deles, como se ela fosse uma garotinha com medo de trovões. Ernest e Cristina deixaram de lado qualquer julgamento e conquistaram uma ligação com sua filha, queriam tê-la mais perto e ignorar o assunto tragédia.

Vivian estava agora de frente para a biblioteca da casa, onde pilhas de caixas guardavam os romances russos que nunca leu, mas parara para imaginar a história que eles continham. Ela não hesitou em abrir a porta e a sinfonia se tornou mais audível enquanto ela se aproximava da origem da música.

Angelo estava sentado de frente para o piano de cauda, dedilhando-o de olhos fechados e sendo suprido pela iluminação artificial que vinha do lado de fora que o enquadrava perfeitamente. A coreografia precisa de seus dedos para conseguir a melodia certa, com ritmo e ânsia deixando o contraste do silêncio do salão.

– Oi prima! - O garoto se levantou rápido e a abraçou, depois analisou as cicatrizes em volta dos olhos não funcionais, o rosto dela era perfeito mesmo assim.

– Eu sabia que você viria, ambos precisavam se despedir. - Ela respondeu. - E estou feliz por isso!

– Agora que não temos mais o Maurício, eu não fugir sem passar meus últimos momentos com você.m

Angelo sempre fora considerado o excluído da família e por isso, ele tinha que ser obrigado a entrar escondido no casarão quando quisesse ver o primos. Os dois se desfizeram do abraço e ele a levou até o piano, Vivian nunca mais chegara perto de um desde que seu irmão morrera e era como se ela pudesse senti-lo.

Maurício e Vivian eram como dois opostos que combinavam muito bem, ele era fraco e se espelhava na irmã e copiava suas atitudes, Vivian por sua vez o tinha como seu boneco preferido, onde ela o moldava para ter o que queria.

– Não preciso de uma pulseira de ouro para poder lembrar dele. Eu fui a ruína na vida do meu irmão! - Vivian arrancou o adorno e o atirou em direção ao piso de linóleo. - O levei para o teatro e para a ilha, até matá-lo dentro do Ming YunSpa, também lhe dei sua primeira experiência de quase-morte, a pirofobia e a cicatriz como presente de Ano Novo.

– Encarar a morte e a culpe é como um vírus que nos mata lentamente todos os dias.

– E onde está a Harmony? Nunca pensei que o namoro de vocês fosse sério o bastante. - Ela reprimia um sorriso.

– Ficou me esperando dentro do carro, nós iremos embora dessa cidade e vamos tentar recomeçar. Nós dois ainda temos muitas fantasias para realizar nessa vida.

– NY estará te esperando para lhe dar boas vindas. - Sua expressão saíra de alegria para um quase triste. - Confesso que fiquei feliz quando fui colocada naquele helicóptero, deixar aquela ilha para trás era indescritível, foi como se eu tivesse ficado fora apenas por algumas horas, mas eu pensei na Bella o tempo todo, ela precisava de mim.

– Lembre-se que você não é culpada pelo o que aconteceu com a Bella.

– Lógico que não! A culpa é toda sua. - Falou sem hostilidade.

– Vivian, eu não poderia levar a Bella nem se eu quisesse, seria contra as regras, a ilha nunca ia permitir que um sacrifício fosse poupado e também a Harmony ficaria com ciúmes. - Angelo tentava descontrair. - Eu te tirei daquela ilha para que não sofresse mais, ninguém merece ser caçado por um bando de loucos mal pagos.

– Eu não suportaria tê-la morrendo na minha frente, mas eu ficaria ali até o final, preferindo morrer do que viver com a morte dela dentro de mim.

– Pelo menos, o sacrifício dela foi mais tranquilo do que o do Kris.

– Você se arrepende pelo o que fez com o Kris? - Se rosto estava enrijecido, mas a sua voz estava suave, tentando ser o mais sucinta possível.

– Todo aquele tempo que passei na ilha para observá-lo sob o pretexto de fazer um documentário na ilha, era uma oportunidade de conhecer ainda melhor aquele que me deixou morrer friamente, não foi fácil ter que ficar me insinuando para ele, o ponto positivo foi que encontrei a loira que me salvou.

– Quem?

– Eu não sei o nome dela, mas sempre a via com uma espécie de esquilo-rato pendurado nos ombros.

Vivian apenas arfou, lembrando da mulher que encontrou em seu primeiro dia na ilha.

– Mas não foi isso que eu perguntei. - Ponderou nas palavras. - Quero saber se você se arrependeu de ter matado o Kris?

A pergunta ecoava em sua cabeça, Angelo não ficara surpreso por ela ter tocado no assunto, ele tinha medo de responder e sua prima perceber o medo em sua voz, mas não havia mais motivos para se manter calado.

– Ele não disse uma única palavra o tempo todo, suportava a dor sem gritar e parecer mais fraco do que já era, o ardor de seus olhos fixos em mim, eu via cada nervo pulsar e jorrar gotículas de sangue em meu rosto, achei que me arrependeria depois, mas não consigo.

Ficaram em silêncio por alguns minutos, Angelo ainda podia sentir o quanto foi difícil cortar cada osso do corpo de Kris, o jeito como a carne se desfazia e do sangue se esvaindo durante os golpes. Ainda deveria ter algum sangue debaixo das unhas dele.

Angelo fez o possível para que a morte do veterinário fosse rápida e sem exageros. Imaginou que o sofrimento de Verônica seria vingança o suficiente, do mesmo jeito que Harmony sofrera quando achou que o namorado morrera no ano passado.

– Você trouxe o que eu pedi? - Ela perguntou mudando de assunto.

O garoto tirou de seu casaco um objeto metálico e o colocou nas mãos dela. Uma arma.

– Tem certeza que quer fazer isso? - Ele perguntou sério. - Você tem opções Vivian, todos estarão para sempre aqui, com seu coração batendo ou não.

– Eu não quero mais lutar, minhas opções são sofrer até esse minuto ou fingir que aceito tudo isso que me tiraram. Dividida entre a cruz e a espada.

Não existia mais recursos para tentar convencê-la do contrário, Vivian mantinha irredutível em sua decisão, afinal seus amigos foram aqueles que ela compartilhou seus piores e melhores momentos. Juntos na vida e na morte.

Os dois entrelaçaram seus dedos em um gesto mútuo de companheirismo, Angelo levantou e contornou o piano ficando atrás da ruiva e a abraçou, ele também tentava não exprimir demais seus sentimentos por permitir uma ato como aquele, Vivian recebeu o abraço de despedida com lágrimas.

– Por incrível que pareça, eu vou sentir muito a sua falta. - Ele disse.

O garoto deixou o cômodo com o peso em sua consciência, sabia que o que fizera não era certo, mas ele fizera o que pode para tirar aquele pensamento da cabeça de sua prima. Não poderia controlar o destino ou livre arbítrio de alguém. Ainda mais como uma pessoa cabeça-dura como Vivian.

Esperou que Angelo saísse da sala para deslizar o cano da arma por seu peito. Mas não a ruiva não estava totalmente sozinha, havia mais três energias pela sala.

De Bella, a sua melhor amiga e uma das poucas que nunca a julgara por sua personalidade forte. A vizinha da casa ao lado que a compreendia e por muitas vezes tentara levá-la para o lado bom da força. De Gabriel, o garoto que a resgatou dos solitários dias vazios e que amparou em seus piores momentos, aquele que não tinha nenhum motivo para continuar ao seu lado e mesmo assim preferiu cuidar dela. E de Maurício, seu primeiro e único aliado que ignorava seus próprios sentimentos para dar tudo o que a irmã queria, os dois juntos compartilhavam as setes faces do amor que existiam. E assim encontraram a alegria na amizade, na arte e no amor.

– Eu sei que estão aí! - Vivian disse alto. - Inclusive você Bella.

De fato, Maurício estava ali ao lado dela, envolto por um brilho vermelho que radiava glória e calor, capaz de tirar o fôlego de cada um que o visse. Gabriel e Bellaestavam atrás dele, a recém-chegada parecia feliz por estar junto com seus amigo de novo. Todos os três estavam vestido de branco.

Já Maurício não estava nem um pouco contente em ver Vivian naquele drama.

– Poderia me explicar o que foi que deu em você? - Perguntou ríspido. - Todos nós queríamos estar vivos e você quer desperdiçar a sua vida só para ficar conosco? Eu mesmo queria matar o Angelo por essa péssima ideia.

– O que é tão difícil de entender? Eu vou com vocês e está acabado! - Respondeu batendo a mão sem querer nas teclas do piano arrancando um som disforme. - E a ideia foi minha.

– Tudo bem, mas tenta não quebrar a mobília por favor.

Vivian tentou se controlar respirando fundo, o rubor aparecia em suas bochechas e seus olhos se enchiam de lágrimas.

– Não tem nada que a gente possa dizer para você desistir? - Bella perguntou tocando seu ombro.

– Agora é tarde demais. - Ela estremecia nas palavras. - Não vai fazer tanta diferença quando encontrarem o meu corpo, é melhor do que ficar falando com fantasmas para sempre.

– Não vai querer se despedir de seus pais? - Gabriel perguntou se aproximando. - Eu tive uma conversa bastante franca com o meu pai, dias antes da minha morte. Não foi fácil para ele me enterrar, isso o lembrava do dia em que minha mãe morreu. Mais um pedaço dele foi embora naquele dia.

– Não, acho que não consigo fazer isso e deve ser muito melhor assim. Não há mais motivos para agradecer por ainda estar viva, eu queria nunca ter pisado naquela ilha

– Nós três iríamos morrer do meu jeito. - Maurício disse. - Além do mais, não pedi amigos e ganhei o Gabriel, não pedi um amor de verão e ganhei a Valentina, mesmo que nossa relação não tenha durado muito nessa vida, Maurentina continuará existindo até o final.

– É, ainda não perdoei você por ter dado seu violão para ela. Eu te comprei aquele violão lembra?

– Achei que estava tudo bem entre você e o Juliano, Vivian. - Bella comentou. - Até que formavam um casal "agradável".

– O Juliano viu um coração em mim que eu nunca poderia enxergar, ele me ajudou muito a tentar superar, mas a não foi o suficiente depois do fechamento do Ming YunSpa. Ele, a Bruna e a Sophia foram embora depois disso.

– Vai ver, eles não eram tão seu amigos assim. - Gabriel disse e Bella deu uma cotovelada de leve no braço dele. O moreno a encarou fazendo uma careta.

– Podemos acabar logo com isso por favor? Ainda é muito estranho passar a madrugada conversando com fantasmas no meio da biblioteca. - Vivian pegou a arma de volta.

Maurício, Gabriel e Bella se entreolharam, o ruivo ainda não estava de acordo em participar do suicídio da irmã.

– Acho que a Trindade Profana pode aceitar mais um membro. - Disse derrotado. - Já que estamos os três aqui na frente de um piano, que tal uma última música?

Bella montou em cima do piano com Gabriel a segurando pela cintura, Maurício estava ao lado de Vivian, mesmo cega ela sabia de cor todas as notas e quais teclas tocar sem dificuldade. Como fizeram no salão do hotel, iriam tocar cantar a versão acústica da música que definia o quarteto.

Maurício:

"You may think that I'm a zero

And everyone you wanna be

Probably started off like me

Vivian:

You may say that I'm a freak show

But give it just a little time

I bet you're gonna change your mind

Gabriel e Bella:

I'm not thinking 'bout you haters, no

And I could be a superstar

I'll see you when you wash my car

Não era uma despedida, era como a música original criada pelo ruivo, mesmo que um milhão de anos se passasse, depois que o sol se tornasse escuro e deixasse de existir, os Astros estarão de volta depois de serem caçados pela morte.

Não era um fim das estrelas que não podem morrer, elas esperam e são esquecidas, apenas para renascerem de volta ao poder de direito, como páginas queimadas ou como perdedores orgulhosos.

Todos:

Just go ahead and hate on me and run your mouth

So everyone can hear

Hit me with the worst you've got, knock me down

Baby, I don't care

Keep it up and soon enough you'll figure out

Maurício era a luz dela e Vivian sempre fora a sombra dele, e não pode existir uma sombra sem luz. Um não podia existir sem o outro.

You wannabe, you wannabe

A loser like me

Vivian realmente sabia qual seria o seu próximo quando apontou a arma para o próprio coração e apertou gatilho.

A loser like me."

XXXXX

Meses depois

Junho de 2015

Eva estava debruçada sobre a mesa de seu novo escritório, na nova Animal Rescue, na Ilha dos Milagres, longe de qualquer vulcão e em uma ilha onde os animais nativos precisavam de ajuda. A mulher conferia alguns papéis, enquanto conferia relatórios e chamadas de resgate. Algumas tartarugas marinhas estavam precisando de atendimento imediato e era seu dever contatar as equipes de resgate nas quais estavam sendo encaminhando até o local para a verificação. A mulher mal desligou o telefone, quando o mesmo tocou novamente. Pensando se tratar de Marcos para relatar algo sobre a operação, atendeu prontamente.

— Alô?

— Eva, querida, sou eu, Barbara. — A voz do outro lado era desesperadamente sensual e aveludada.

— Barbie, que bom conversar com você novamente! Como está? — A bióloga sorriu, reclinando-se na poltrona giratória. — A que devo a honra?

— Perdão a grosseria, minha amiga, mas o assunto é sério e queria pedir ajuda! — Barbara estava realmente receosa. Tudo era transmitido pela sua forma de falar.

— Oh, claro, pode falar. O que aconteceu?

— Aconteceu o que eu temia... — A voz saiu trêmula. — Eu ajudei a causar toda essa pandemia.

— Pandemia? Que pandemia? Barbie acalme-se. Seja mais direta, por favor. — Eva também já ficara nervosa.

— Um surto viral! — A mulher do outro lado da linha respondeu. — É disso que se trata.

De repente o sinal caiu, cortando a ligação.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não esqueçam de comentar. Os comentários são muito importantes para a continuidade do projeto.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Premonição Chronicles 2" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.