Avalanche escrita por Aarvyk


Capítulo 30
Fúnebre


Notas iniciais do capítulo

Postando pro Matheus ganhar da Fhany hahahaha



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Através do vidro, observei Edwin deitado em uma maca confortável, dormindo tranquilamente com o braço engessado e um olho direito com aspecto arroxeado. Eu podia quase imaginá-lo babando no travesseiro como sempre fazia, porém, minha mente se focava apenas em imaginar como aquele garotinho tão inocente havia tomado coragem para envenenar um rei.

As lágrimas em meus olhos não conseguiam secar sem mais delas brotarem logo em seguida. Era surreal ver Edwin tão fraco e em um sono tranquilo.

— O que aconteceu com ele? – sussurrei para Jasper, ainda sentindo sua mão agarrada a minha.

Seu suspiro mostrou um pouco do cansaço que o abatia.

— Além do braço, Edwin quebrou uma costela e perfurou o pulmão. A recuperação foi bem lenta, mas deu tudo certo. – Jasper olhou em meus olhos por um instante, como se estivesse à procura de algum sentimento específico. – Ele vai conseguir ir amanhã no enterro do rei, já consegue andar sozinho só que bem devagar.

Fechei os punhos com força por um momento.

— Jasper... – Suspirei, sentindo as palavras se entalarem. – É verdade o que me disseram sobre a morte de Desmond?

Suas íris castanhas de repente se encontraram com as minhas, evocando mil emoções intensas em um simples relance de olhos. Era incrível como os irmãos Schmidt não se pareciam em nada, nem em aparência ou personalidade. Jasper era de uma pele bronzeada e cabelos quase loiros, enquanto Thomas tinha a pele tão branca quanto a minha e os olhos esverdeados marcantes. Um era o calor, mas o outro era tão frio quanto gelo.

Por que minha mãe havia confiado tanto a Thomas durante seus anos de vida? O que ela via nele?

— Avery, aqui não é o momento e nem a hora. – Sussurrou, me puxando para um canto mais afastado. – Escute bem o que eu vou dizer, por favor. Me prometa isso, ok?

— Claro. Eu escutei o que você me disse antes de ir para Illéa. Tudo funcionou como você havia dito... Meu casamento foi desfeito... – Engoli em seco, no fundo era claro como o dia que meus problemas não haviam simplesmente acabado.

Alexander. Será que seria apenas aquilo entre nós? Cada um em seu país mesmo depois de tudo?

— Então confie em mim mais uma vez, Avy. – disse, enquanto secava algumas de minhas lágrimas com os dedos. – Sei que descobriu que Thomas tem muitos aliados por aí. Mas entenda que quando ele me pediu para te dar o colar da família Schmidt, você passou a ter a confiança dos mesmos aliados. – Em um movimento quase programado, Jasper tocou meu pulso onde a fina pulseira de Yekaterina repousava, mostrando que sabia daquilo. – Entenda que meu irmão não é o seu inimigo. Se existe alguém no mundo que Thomas protegeria com todas as forças seriam os filhos da rainha que ele servia.

— Mas ele favoreceu Cameron esse tempo todo.... Ele...

Minha voz não saía mesmo que eu quisesse. Como primogênita, era meu direito assumir a coroa e zelar por Edwin e Cam, assim como todos os ingleses daquela ilha e dos outros territórios. Se desde o início Thomas tivesse estado alinhado as minhas decisões, meu irmãozinho nunca iria cogitar envenenar seu próprio pai. Mas talvez Alexander não estivesse vivo nesse cenário.

— Quer mesmo ser rainha? – Jasper elevou seu tom de voz. – Acha que Cameron não abdicaria do trono facilmente por você?

— Não foi isso que eu quis dizer... Eu...

Arfei, sentindo as emoções dele baterem em mim como tapas na cara.

— Avery, não existem lados! – Os olhos de Jasper brilharam, ele parecia tão desesperado quanto eu. – Por deus, vocês são gêmeos e tem o mesmo sangue. Pare de tentar colocar uma coroa de espinhos na sua cabeça! – Ele suspirou cabisbaixo. – Você merece ser livre dessa merda de família tanto quanto eu...

Minha respiração pareceu faltar.

— Como assim? Que família? – indaguei, vendo-o segurar as lágrimas.

— É por isso que eu vou embora... – Sussurrou. – Porque eu estou livre... E você também está, Avery. Livre de Illéa e da Nova Inglaterra. Mas se for rainha, jamais vai poder viver a sua vida. Esse é o fardo que Cameron quer carregar por você.

Eram como socos em minha cabeça, verdades irrecusáveis que eu teimava em não aceitar.

Olhei por um instante para o Edwin sonolento. Por anos assumi cargos nas reuniões da Câmara para ver nosso país bem, para que Cam e Ed não precisassem se preocupar com aquelas responsabilidades. Não era justo que meu irmão fizesse o mesmo por mim agora?

— Jasper... – chamei, queria abraça-lo e me refugiar ali. No entanto, o homem apenas se aproximou devagar.

— Desculpe por isso, mas você precisava ouvir, Avy. Nem sempre precisamos nos proteger de tudo ao nosso redor, sabia disso?

Seus lábios tocaram levemente minha testa, um beijo tão inocente quanto nossos sentimentos. Eu sabia que não teria mais nada dele nem se insistisse, Jasper já havia deixado aquilo bem claro.

— Sempre vou estar aqui por você caso precise. – Olhei em seu rosto cansado. – O mínimo que posso fazer agora é não te impedir de ir embora... Mesmo que no fundo eu queira que fique.

Jasper se afastou, não antes de acariciar meu rosto com a ponta dos dedos uma última vez.

— Não daria certo entre nós dois, Avery. – falou, caminhando em direção a porta com uma expressão de dor e receio. – Eu espero realmente que um dia você entenda o porquê...

— Isso é um adeus? – perguntei, as lágrimas escorrendo conforme meu coração se acelerava ao vê-lo próximo a porta da enfermaria.

— Sim. – Deu de costas, tocando a maçaneta enquanto chorava em silêncio. – Eu te amo de um jeito muito errado.

Coloquei as mãos ao rosto assim que ele iria passar pela porta. Não suportaria ver aquilo.... Não suportaria perder Jasper...

Solucei ao chorar enquanto encarava Edwin pelo vidro, torcendo para que ele não acordasse e me visse naquela cena. No entanto, a única coisa que me acalmava era vê-lo respirar, mesmo que adormecido.

Apesar de tudo, estávamos todos vivos. Diferente de Desmond e de minha mãe.

Meu quarto parecia praticamente o mesmo de sempre. O frio das paredes enquanto eu me escorava nelas não havia mudado, nem a roupa de cama e nem o lugar da escrivaninha ou da minha cama. Era como se eu nem tivesse ido para Illéa.

Mesmo assim, eu nunca havia me sentido tão sozinha dentro daquelas quatro paredes. Estava sem forças para esperar Edwin acordar, sem paciência para encarar o covarde do meu gêmeo. E meus olhos não paravam de querer chorar.

Demorei vários segundos para notar que alguém batia insistente em minha porta. Eu já estava quase em um estado de exaustão quando me levantei para ir até a maçaneta. No entanto, sabia que apenas uma pessoa seria corajosa o suficiente para vir me encarar mesmo com o meu pior estado de nervos.

Assim que a porta de mogno rangeu, dei de cara com um par de olhos caramelo me encarando pensativos. Alexander já parecia conhecer os pormenores do meu humor, em especial os do meu péssimo humor.

— Você está horrível. – disse, escorando-se no batente da porta. – Quer companhia?

Ele deu um sorriso de canto, como se nada de horrível tivesse acontecido nos últimos dias. E por algum motivo, aquilo pareceu radiante como o próprio sol.

— Só se você me fizer esquecer as últimas horas do meu dia...

Suspirei, vendo como nossos corpos iam um de encontro ao outro. Alexander me abraçou e entrou no quarto como se sempre tivesse feito parte daquele cômodo. Poucos minutos de sua áurea eram o suficiente para aliviar o peso que eu sentia. Logo, ele se sentou na cadeira de minha escrivaninha, tão à vontade que era estranho saber que aquela era a primeira vez dele em meus aposentos.

— Falei com minha irmã. Não achei nada muito relevante. – falou, suspirando profundamente enquanto me encarava ainda pensativo. – Ela disse que sente falta de Edwin e que amanhã ele estaria aqui para a cerimônia fúnebre do rei. Comentou um pouco sobre o Lorde Schmidt e o seu irmão, parece que os dois sempre estão juntos.

— Isso não é uma novidade. – Me aproximei de Alexander, que encarava os papéis desorganizados de minha escrivaninha, os mesmos de quando eu havia deixado a Nova Inglaterra. – Você sabe algo sobre a coroação do meu irmão?

— Não, Kaya apenas disse que nada foi dito sobre o assunto.

No fundo, eu quis sorrir. Aquilo comprovava o que Jasper havia dito. Cameron não queria me magoar, talvez fosse até mesmo querer conversar antes de seguir adiante com a coroação.

Alexander pegou em uma de minhas mãos, como se chamasse minha atenção de alguma forma.

 — Minha irmã também disse que gosta muito de príncipe Cameron.... – Continuou a dizer. – Então tenho receio de que você esteja certa sobre a sua teoria da morte do rei... o seu pai...

Fechei os olhos com força por um segundo, não antes de ver o quão preocupado e constrangido ele se sentia.

— Foi... o Edwin. – As palavras saíram com dificuldade, e antes que eu pudesse voltar a chorar, senti os braços do príncipe ao meu redor. – Parece que Desmond... Ele espancou meu... irmãozinho e... inventaram essa mentira da Universidade, mas ele na verdade...

As lágrimas quase saíram sem que eu as controlasse. No entanto, Alexander abafava meu choro como se me protegesse dos últimos acontecimentos e revelações. Aquilo me ajudava a ter mais consciência da situação.

— Não consigo acreditar nisso. – Confessou, acariciando meu cabelo e uma de minhas têmporas. – Mas eu sei que vai ficar tudo bem, porque se não ficar, eu vou fazer você ligar de novo para o Igor Pyetov e pedir outro exército para darmos um golpe de estado em todo mundo.

Soltei um pequeno riso. Minha cabeça doía só de pensar em minhas responsabilidades, e eu gostava da forma como o príncipe lidava com tudo, tornando o que era pesado em algo leve com suas péssimas piadas.

— Talvez no fundo eu não queira ser rainha... – sussurrei, o que o fez olhar em meus olhos de uma forma diferente. A voz de Jasper ecoava em mim como se fosse uma harmonia. – Cameron está destruído, Alexander. Ele parece cansado da mesma forma que eu via rei Maxon ao lidar com a Sociedade do Sul. Sinceramente, eu não sei mais o que eu quero para minha vida... Esse lugar me sufoca...

O príncipe parou por alguns segundos, analisando cada pequena expressão facial que eu fazia. Ele mal piscava, apenas atento ao que quer que estivesse conjecturando.

— Volte para Illéa comigo até você decidir algo, Avery.

Prendi o ar. No entanto, o ímpeto dentro de mim fez com que meus lábios fossem na direção dos dele, emergindo ambos em um beijo calmo e quente.

Eu sabia que no fundo só estava fugindo, fadada a nunca enfrentar os meus problemas. De repente, não queria mais ter que lidar com a presença sombria de Thomas ou com a mudança de Cameron, ao mesmo tempo que ver Edwin seria doloroso demais. Como em uma medida de sobrevivência, eu deveria me agarrar a única coisa sólida que eu tinha: Alexander.

— Acha que seria uma boa ideia? – indaguei, ainda receosa do caminho que eu escolhia.

— Claro. – respondeu em meio a um suspiro, ele parecia preocupado e meio sem jeito. – Já tem umas semanas que passei a me acostumar com sua presença... Seria estranho não ter você ali, sabe? Isso me forçaria a ajudar mais meu pai na segurança do nosso país, tudo para que não aconteça um outro ataque rebelde... Não quero ver você de novo em uma situação daquelas. – Sorriu em meio as palavras. – Mesmo assim, acho que eu poderia te proporcionar um pouco de paz em Illéa.

Senti minhas bochechas corarem. Era como se, de um momento para o outro, eu me sentisse queimando por dentro. Exausta e cheia de sentimentos, como um redemoinho sem controle.

— E se eu te magoar?

Suspirou.

— Confio no seu potencial para qualquer coisa. Não teria problema se magoasse.

Contraí meus lábios em um sorriso pequeno. Era visível o quanto ele se esforçava para tentar tornar as coisas melhores. Mesmo assim, sentia uma crescente escuridão se apossando de quem eu era.

— Só prometa não sair do meu lado amanhã, por favor. – Pedi em mais um sussurro.

O pior ainda estava por vir.

Eu usava um sobretudo preto de inverno, luvas de couro e uma boina igualmente preta. Observava todos os arranjos ao redor como se estivesse no próprio inferno.

As flores estavam quase mortas naquela paisagem fúnebre. O céu cinzento de Londres mostrava um profundo luto por alguém que não merecia orações pela própria alma. O corpo de Desmond estava pálido, esquisito e bem vestido, com honrarias militares no peito que ele certamente não merecia. O odor era quase um misto de putrefação e perfume. Era como se tivessem tentado tornar aquele momento o melhor possível para o descanso do rei.

O rosto de meu pai, sem vida e repleto de flores, parecia tão inofensivo que eu quase conseguia dar mais alguns passos em sua direção, sem sentir o medo percorrer minha espinha. No entanto, permaneci longe do caixão.

Aquilo tudo me deixava estarrecida. E a única coisa que me fazia não surtar era saber que Alexander estava bem ali, me encarando de uma distância perto o suficiente para me apoiar e longe o bastante para eu ter privacidade.

Respirei fundo por um longo instante. Tentando me preparar para enterrar aquele odioso homem logo ao lado de minha amável mãe. Torcia para que os dois não se encontrassem na morte, que fossem para lugares bem diferentes e nem se lembrassem um do outro.

Uma única lágrima escorreu. Mais por ela do que por ele.

— Você não merecia minha mãe. – Sussurrei, colocando uma de minhas mãos na madeira fria do caixão. Era como um choque de liberdade por todo o meu corpo.

Escutei um suspiro atrás de mim, profundo o suficiente para que eu me virasse na direção de quem quer que fosse.

Quase tropecei ao ver a figura proeminente de Thomas. Ele era sorrateiro o bastante para não ser notado quando não queria. No entanto, o homem de quase meia idade parecia triste em seu uniforme militar, o semblante parecia se sentir culpado pelos demônios de seu passado, ou até mesmo assolado pela frase que eu havia acabado de proferir.

— Sua mãe era boa demais para esse mundo. Ninguém a merecia. – respondeu, deixando evidente que havia me escutado. A memória dela parecia afetá-lo tanto quanto a mim.

Thomas deu pequenos passos em minha direção, o que me fez instintivamente me afastar um pouco dele. Ainda não sabia o que pensar. Havia tanto que eu tinha que encarar.... Illéa parecia o refúgio perfeito para me abster de tudo.

Fiquei sem fala.

— Sinto muito por ter sido tão ausente, Avery. Vejo que você cresceu tanto que eu mal a reconheço, deve ser a melhor jogadora de xadrez a esse ponto. – disse ele, suspirando mais uma vez enquanto tentava manter um semblante amigável. Um turbilhão de memórias infantis se alastrava por minha mente.  – É uma pena que nos reencontremos em um momento tão delicado. Também peço desculpas por ter feito qualquer coisa que tenha te magoado. Nunca fez parte das minhas intenções.

Senti cada parte de meu eu se trincar. Em um relance, pude notar os olhos do príncipe de Illéa me apoiando de longe. No entanto, aquelas palavras de Thomas eram surreais demais para qualquer coisa conseguir me ajudar.

— Eu... – Tentei clarear minha mente, a procura de qualquer coisa autêntica que pudesse dizer. – Eu não sei se quero voltar a ter contato com você...

Minha voz embargada e trêmula fez com que o homem ficasse cabisbaixo, parecia entristecido pela resposta. Ao mesmo tempo, aquela era a pura verdade, e ele não era do tipo que se iludia com falsas esperanças.

Os conselhos de Jasper eram sempre bons, e só de eu não gritar novamente com Thomas, já sentia ser um grande avanço. Apesar disso tudo, a memória de minha mãe morrendo ainda era vívida como o corpo morto de Desmond.

As últimas palavras de Miranda haviam sido para Thomas... O que ela havia sussurrado?

— É mais do que justo não querer. – respondeu, dando de ombros com o semblante ainda melancólico. – E agradeço por estar usando o colar da minha família. Isso significa muito para mim, mais do que você imagina.

— É pelo Jasper. – Agarrei o leão em meu peito, a prata contrastando com o preto de minhas roupas.

— Se precisar de algo, estarei aqui. – Thomas deu um passo para trás, parecia entender que não havia mais nada a ser dito.

Entre nós, havia apenas um vácuo de velhos conhecidos, da pessoa que havia sido quase um pai para mim e Cameron.

Como se fosse um prelúdio para a paz, o sol saiu de entre as nuvens cinzas da Nova Inglaterra, iluminando nossos rostos e o caixão a nossa frente. Meus olhos esverdeados doeram com a claridade, o que já era quase um costume nos raros dias ingleses de sol. E, curiosamente, Thomas também pareceu se incomodar com a luz solar em suas íris cor de musgo, piscando várias vezes antes de continuar seu caminho.


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Notas finais do capítulo

Wow. Esse finzinho... Deixa dicas.
Boa sorte ao Matt nesse ranking. HALA CHELSEAAAA kkkkkk