Dois meses. Esse era o tempo que já havia se passado. Loki cada vez mais ficava me explicando o que eu poderia fazer, e eu ficava cada vez melhor em tudo. Eu podia acessar lembranças de dias depois que nasci. Eu me lembrava de cada mínimo detalhe de tudo até agora. Eu conseguia sentir... tudo. Inferno, eu basicamente conseguia ouvir o sangue circular pelo meu corpo, entre outras coisas que ainda me deixavam de boca aberta na maioria das vezes. E eu adorava cada minuto disso.

Nesse momento, estava chovendo e eu estava segurando um guarda-chuva acima da minha cabeça, olhando a água passar fortemente em baixo da ponte. Hoje faziam três meses que meu pai havia morrido, e minha cabeça estava meio fora de foco. Felizmente, Loki não estava implicando comigo por causa disso. Acho que, enquanto eu estivesse fazendo o que ele quisesse, ele me deixaria em paz. Pelo menos eu esperava por isso.

Suspirei e fechei os olhos, deixando minha mente vagar até os meses depois que Devin tinha supostamente morrido. Ele sempre entrava no meu quarto com um prato de comida e me chamava para sair, mas eu nunca respondia. Só continuava com o olhar fixo na parede, e as mãos no pescoço, apertando o meu colar. Minha mãe nem sequer passava perto do meu quarto. Acho que, de algum modo, ela também me culpava por Devin. O que me deixava com mais raiva era que ela sabia. Ela sabia que Devin estava viva, e não tinha me contado.

Algumas semanas atrás eu perguntei a Loki sobre isso. Sobre quem sabia que Devin continuava viva. Ele respondeu: alguns agentes da S.H.I.E.L.D., Nick Fury, e meus pais. Eu fiquei sem reação com a última parte. Minha primeira reação, é claro, foi não acreditar nele, mas aos poucos tudo foi se encaixando em minha cabeça. O porquê de minha mãe sempre me odiar mais ainda depois daquilo. O porquê de que as vezes eu ouvia eles conversando aos sussurros e sempre que me viam perto, se calavam na hora. O porquê de que sempre que ouviam o nome da Devin ser mencionado, ficavam estranhos.

Mas não era isso que me deixava com mais raiva. O que me deixava era o motivo de meu pai ter morrido. Ele me contou que a S.H.I.E.L.D. matou meu pai, porque o “acidente de carro” que minha mãe falou, era ele vindo até Nova York me contar tudo. Meu pai estava cansado de mentiras, e quando viu o que Nova York causava em mim, decidiu jogar tudo para o teto e vir atrás de mim. Mas a vadia da minha mãe ligou para Fury e contou o que ele estava prestes a fazer. Nick Fury ia pagar por tudo que havia feito e ainda fazia com minha família. Isso não passaria em branco. Ele pagaria por isso, não importava o que eu teria que fazer para conseguir isso.

— Você vai acabar quebrando o corrimão se continuar assim — sua voz soou atrás de mim, e eu suspirei, enfraquecendo meu aperto no corrimão da ponte. A chuva já havia parado, então simplesmente fechei o guarda-chuva e me virei para ele, que estava parado no começo da ponte, as mãos atrás das costas como sempre.

— Vamos acabar logo com isso — mordi o lábio inferior, saindo de perto da beirada e caminhando para perto dele — Você ainda vai manter sua palavra?

— Eu já não te provei isso? — ergueu as sobrancelhas sugestivamente, e eu suspirei, saindo de seu lado e seguindo o caminho de volta para casa. Estávamos indo até a cidade. Como um prêmio pelo meu “esforço”, Loki havia prometido me ajudar a tirar Devin da S.H.I.E.L.D. Eu não confiava nele. Nenhum pouco. Mas sabia quando ele estava mentindo, e agora não estava. Bom. Se ele voltasse atrás, eu juro por Deus, daria ele para os peixes que ficam no rio da ponte comer.

Mas, primeiro, eu precisava de um computador. Uma das minhas habilidades conseguidas por causa do treinamento serviria para eu conseguir invadir o sistema da S.H.I.E.L.D. sem eles saberem, e eu saberia exatamente onde Devin estava, o que nos ajudaria a não perder tempo e acabar colocando tudo a perder entrando no lugar errado.

Eu deixei o guarda-chuva na varanda e me virei, vendo Loki parado com uma roupa nova perto das árvores. Ele usava uma blusa de lã verde escura e uma calça jeans preta. Revirei os olhos. Nunca mudava dessas cores, o que já estava começando a irritar, apesar de ainda ser estranho vê-lo com roupas... humanas. Seus olhos estavam azuis e o cabelo estava mais curto. Teríamos que realmente ir para a cidade dessa vez, e não poderíamos arriscar ser reconhecidos.

Agora, para mim, era questão de honra me vingar de Fury e todos da S.H.I.E.L.D. Loki era apenas uma pessoa que estava me ajudando com isso para seus próprios fins, e isso não me incomodava. Ah, quem eu estava querendo enganar... Isso me incomodava como o inferno. Eu sentia que ele iria me trair em algum ponto, e apesar de lutar contra todas as células do meu corpo querendo não acreditar nisso, eu não ficaria surpresa. Apesar de tudo, ele continuava sendo o deus da Trapaça e isso nunca mudaria.

Mas só ele “disfarçado” não ajudaria muito. Antes de me mudar para São Francisco, eu passei minha vida toda em Nova York, e a maioria das pessoas aqui me conheciam. Então, porque não usar meus poderes para isso? Meu cabelo, ao contrário do castanho escuro normal, estava ruivo laranja. Eu acho que havia exagerado um pouco, já que dá última vez que me olhei no espelho, meu cabelo parecia estar em chamas. Mas era o máximo que eu conseguia. Já meus olhos eu já conseguia mais. Eles estavam uma cor mel, puxada para o castanho claro. Eu estava quase irreconhecível, aos meus olhos.

Loki e eu andamos lado a lado, mas silenciosamente. Esses dois meses foram difíceis. Apesar de nossas brigas terem diminuído, elas não pararam, e estavam cada vez ficando piores. Eu já cheguei a realmente acertar uma coisa nele, o que acabou cortando sua bochecha esquerda. Ele gargalhou quando isso aconteceu, falando que minha pontaria e força também estavam melhor. Eu gritei algumas coisas nada legais para ele.

Assim que chegamos perto da civilização, pegamos um taxi. Eu não me cansava de andar, e apostava que ele também não, mas mesmo assim, apesar de tudo que estávamos fazendo para não sermos descobertos, todo cuidado era pouco. Se alguém sequer imaginasse quem realmente éramos, as coisas não terminariam bem.

Paguei o taxi e saímos. O símbolo da Apple praticamente brilhava naquele mar de pessoas que era o centro de Nova York. A loja não estava muito cheia, para minha surpresa, mas ainda sim tinha bastante pessoas lá. Sempre que alguém encostava em Loki sem querer, eu via sua cara de desgosto e nojo. Aposto que ele estava se arrependendo por ter me seguido. Eu parei em frente a um Macbook, e olhei disfarçadamente para os lados. Ninguém que eu conhecesse ali.

— Fique atrás de mim, tampando a tela — pedi baixinho para Loki que estava parado ao meu lado, me encarando um pouco perdido. Ele resmungou alguma coisa mas mesmo assim fez o que mandei. Eu liguei a tela e entrei na internet. Meus dedos pareciam voar pelo teclado. Um sorriso vitorioso se abriu em meu rosto quando consegui entrar — Quem está mandando nisso aqui agora, vadias... — sussurrei para mim mesma, voltando a digitar rapidamente. Eu sentia os olhos de Loki grudados na tela do computador por cima de meu ombro, mas ignorava. Ele podia fazer o que quisesse, contanto que não saísse dali e não me atrapalhasse. Parei de digitar e esperei os dados carregarem — Segundo isso aqui, as celas da S.H.I.E.L.D. ficam no subterrâneo, décimo primeiro andar, terceiro corredor — falei baixinho, mas em uma altura que ele conseguisse ouvir.

— Conseguiu o que queria, agora podemos sair daqui? — pediu, claramente incomodado. Eu ri pelo nariz.

— Davina? — ouvi a voz de alguém me chamar, e eu fechei a página da internet na velocidade da luz, batendo a tela do computador, olhando alarmada para frente. Chloe e Sarah estavam paradas na minha frente. Droga! — Sim, é você mesma! Porque seu cabelo parece estar pegando fogo? — Chloe perguntou surpresa, encarando meu rosto com descrença, enquanto Sarah fitava Loki com os olhos cerrados. Oh droga, isso não é bom, definitivamente isso não é nada bom... — Onde você esteve? Todos ficaram igual loucos atrás de você! E quem é seu amigo? Droga, não importa, onde você esteve?!

— Hã, é... Oi Chloe — sorri sem graça, meus olhos rodando pela loja como loucos, procurando um jeito de sair dali rapidinho — Eu... É que... Ai, olha, eu estou com um pouco de pressa agora, podemos conversar depois? — as palavras saíram atropeladas da minha boca, enquanto eu dava pequenos passos para trás. Sarah ainda encarava Loki desconfiada, e ele retribuía o olhar com nojo e superioridade.

— Não vai nos apresentar seu amigo, Davina? — falou ela pela primeira vez, finalmente desviando os olhos dele para mim. Eu engoli em seco. Isso não deveria acontecer. Eu abri a boca para responder alguma coisa da boca para fora, mais um barulho alto me impediu. Não deu tempo de olhar para trás, muito menos de ver de onde vinha o barulho. A única coisa que consegui prestar atenção era no sangue agora escorrendo da testa de Sarah, onde havia uma bala cravada. Um grito horrível escapou da minha garganta, e eu perdi o equilíbrio.