Depois dos Jogos escrita por River Herondale


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

"Ninguém nunca ganha os jogos. Ponto final. Há sobreviventes. Não há vencedores."



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Hoje é dia de meu aniversário.

Levo um tempo para raciocinar enquanto me levanto da cama. Estou fazendo vinte e quatro anos? É, vinte e quatro. Há dez anos eu estava ganhando os Jogos Vorazes.

A dez anos o pesadelo começara.

Olho em minha agenda enquanto levanto da cama e odeio lembrar que Twyle – viúva de um ex-idealizador de jogos, uma mulher de meia idade que jura ser jovem – vai me dar uma festa de aniversário de noite. Ótimo, era tudo o que eu queria.

Me olho no espelho e encaro meu rosto amassado e sonolento. Sou Finnick Odair, Distrito 4, ganhei os Jogos Vorazes, minha vida se tornou um inferno.

Eu só queria poder estar com Annie agora, e sentir-me seguro por uns minutos em seus braços.

É engraçado como fico nostálgico em meus aniversários, e toda minha vida passa pelos meus olhos. Lembro de quando eu tinha nove anos e meu pai morreu. Também lembro de quando eu tinha dez e era tão bom na pescaria que todos me levavam tão a sério como adulto – e eu gostava disso.

Minha mãe dizia que quando eu crescesse eu seria um destruidor de corações. Que eu tinha olhos de uma cor peculiar e que eu seria alto e inteligente como meu pai. Nunca levei isso a sério. Nunca levei nada a sério. Eu só era um moleque que teve que crescer antes da hora.

Tudo mudou aos quatorze anos.

Ganhar os jogos em troca de viver não é tão compensador quanto se imagina. O dinheiro, a fama, nada disso pode suprir a vida vazia que você recebe depois disso.

Aos quatorze anos, o mais jovem vitorioso dos jogos, e minha única escolha é agir como adulto diante de novos tributos ano após anos, entrevistas e fazer amizades vazias com o povo da Capital. Quase o contrário... Snow poderia fazer minha vida um inferno.

Quando completei dezesseis anos eu já parecia um homem. Qualquer traço infantil dos quatorze, daquele garoto que ganhou os jogos haviam sido extintos. A única coisa que provava que eu era o mesmo de sempre eram a cor dos meus olhos e do meu cabelo, porque meu corpo, minha vida e meus medos, tudo havia mudado.

E aos dezesseis Snow me deu a pior ameaça. Se eu não fizesse o que ele mandasse ele mataria cada pessoa que eu amava. Eu nunca deixaria isso acontecer.

“O que eu tenho que fazer?”

“Você está com dezesseis. Sei que vai dar conta.”

“Dar conta do quê?”

Snow se acomodou no sofá e então bufou, cansado.

“A população da Capital te adora. Te acham lindo e amam acompanhar seu crescimento. Agora que é praticamente um homem, todos querem um pedaço de você.”

“Um pedaço de... mim?”

“Basta dar o que eles querem. Sua companhia, seu corpo. Caso não concorde saiba que para matar sua família basta eu solicitar.”

Eu tinha escolhas?

Lembro da primeira pessoa que me contratou. Era impossível saber quantos anos ela tinha pela grossa camada de maquiagem. Ela foi dócil comigo até onde podia, mas ainda me tratava do modo que um contratante trata sua compra. Fui sua acompanhante em uma festa.

“E não é Finnick Odair. Cada dia mais agradável aos olhos.” Uma amiga da minha contratante disse enquanto bebia uma bebida verde. Eu havia sido obrigado a usar calça cáqui agarrada e uma camisa parcialmente transparente, meus músculos aparentes. Meu cabelo penteado perfeitamente pela cabeleireira pessoal da minha contratante e um colar de pedras espalhafatosas que ela me dera para que mostrasse que naquela noite eu era só dela.

“Um príncipe. Educação perfeita, ótima companhia e uma beleza de aguar meus olhos. Não poderia ter escolhido melhor.” Ela sorria para mim, mas eu estava assustado demais para dizer alguma coisa.

Voltando para casa dela, ela me empurrou na parede, me beijando. Eu deveria beijá-la, sei que deveria. Mas como? Eu só queria fugir dali.

Ela parou de repente e me encarou.

“Algum problema, Finnick?”

“Não, nenhum.” Quem eu estava mentindo?

“Não, há algum problema sim. Você sabe que te contratei para ser meu amante hoje, não sabe?”

“Sei.”

“Então?”

“Desculpe, mas nunca fiz isso antes. Não sei ser amante.”

“Eu te ensino se desejar.”

Não pude contestar. Além do dinheiro que ganharia, Snow prometera matar minha família. Eu apenas queria que aquilo acabasse logo.

De manhã rastejei de sua cama colocando minha roupa, sentindo meus olhos ardendo pelo choro que eu segurava. Agora eu me transformara em um prostituto, meu Deus, onde eu chegara?

E não acabou. Em todo evento da Capital eu era convidado por várias pessoas para ser seu acompanhante. Snow começou a escolher os contratantes para mim em base de sua fama e poder. Todos me queriam, todos me amavam.

E com o tempo fui aprendendo a como agir, e como tirar proveito disso.

Se antes eu parecia um garoto perdido e acompanhando meus contratantes com medo, agora eu adotara uma postura confiante e sedutora. Com o olhar eu atiçava novos contratantes, e cada vez mais dinheiro eu conseguia. Era fácil. Eu olhava com os olhos semicerrados para a pessoa, sorria maliciosamente mostrando minhas covinhas e pronto, estavam em minha rede.

Ou melhor. Na ponta do meu tridente.

Mas pra que tanto dinheiro? O que eu ganhava com isso? Já tinha o suficiente para viver quinhentos anos, não precisava de nada daquilo. Foi então que tive uma brilhante ideia.

Aos dezoito anos eu trocava meus serviços por segredos.

Foi como tudo começou. Intercalando beijos e bebidas alcoólicas eu fazia perguntas. “Como conheceu Snow? Como era Snow jovem? A política ainda anda estável?” com a ajuda da bebida e de minhas carícias as pessoas soltavam mais do que deviam, me contavam segredos antigos e terríveis. Por algum motivo sentia que que aqueles segredos seriam minha arma, minha rebelião própria contra o homem que me pôs nessa posição.

E então veio Annie.

Uma moça bonita que infelizmente foi chamada na Colheita. Eu tinha dezenove anos, ela dezessete. E eu prometi pra mim mesmo que salvaria ela daqueles jogos horríveis, custasse o que custar.

E custou meu corpo.

Me vendi em troca de Tésseras para Annie.

“Por que está fazendo isso por aquela garota?” um deles me disse enquanto eu enviava a Téssera.

Eu não respondi.

“Finnick. Se quer que eu continue dando Tésseras para essa menina terá que me responder.”

“Ela é do meu Distrito, só isso.”

“Você nunca fez isso antes.”

Como mentor dela tentei ao máximo ajuda-la. Mas não era só isso. Ela tinha um brilho nos olhos, uma singularidade que me fez apaixonar. Ela não me tratava como o “vitorioso Finnick Odair”, ela me tratava com Finnick, e isso me fazia tão bem.

Seria imprudente demostrar meus sentimentos considerando o fato que ela podia morrer. Então lutei até o último momento que ela ganhasse aqueles Jogos para podermos ficarmos juntos.

Ela ganhou, mas estava mudada.

Annie sofrera um grande estresse na arena e agora estava psicologicamente incapaz. Bem, era isso que diziam, mas posso ser sincero? Nada mudara.

Nada mudara para mim.

Ela me abraçou quando saiu da arena, e eu olhei nos olhos dela. E estava pronto para beijá-la.

Mas não o fiz. Não o fiz até o momento em que ela se mudou para a Aldeia dos Vitoriosos.

Queria conquista-la aos poucos, conversando, mostrando meu interesse. Mas foi então que ela me disse:

“Não precisa disso. Você já me conquistou a que tempo.”

E pela primeira vez dei um beijo com vontade. Um beijo de verdade e apaixonado. Annie havia me dado vida de novo.

Mas nada é perfeito. Passar a vida ao lado dela mostrara-se bom, mesmo com seus problemas psicológicos que às vezes estavam mais graves que nos outros. Treinamos tributos juntos a cada ano, eu faço meu serviço na Capital, mas por fim estou de volta para os braços dela.

É sonhar alto demais dizer que gostaria de um mundo sem os Jogos. Ou sem o Snow. É sonhar demais dizer que gostaria de viver em paz com Annie. Mas enquanto isso apenas me agarro a esperança e aos sonhos de um mundo melhor.


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Notas finais do capítulo

Negócio rápido, mas a única coisa que consigo pensar é que aos vinte e quatro anos Finnick teria que voltar para a Arena e participar de uma revolução. Ele nem fazia ideia...



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