Funest Cupiditas escrita por Mrs Born to Lose, Davink


Capítulo 6
Vista hariolabant non stillabis - Vista máscaras e não as deixe cair


Notas iniciais do capítulo

Então, não houve uma demora enorme dessa vez, não é? Agradeçam a certo leitor que me assusta mais que a titia Ally, e que comenta em todos os capítulos



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"Quando um jogo termina muito facilmente, pode-se identificar uma trapaça."

Era para ser apenas uma dose, mas naquele momento, ele virou o sétimo copo que chamara de saideira na boca, batendo-o com força sobre a mesa.

Delphine o seguia com os olhos; quase não havia bebido, porque sabia que precisaria manter-se alerta para a fase de embriagado de Dave que viria a seguir. Depois de tamanha imprudência, ele com certeza já perdia o sentido de certo e errado. Ally deveria fazê-lo responder às diversas perguntas que organizara, e sequer aconteceria do outro criar desconfianças.

Era o momento perfeito.

— E então, Dave — começou. Ele a fitou, alheio ao ambiente em que encontravam-se, quase como se não pudesse enxergar nada à sua volta. Mas ela conhecia muito bem o que era lidar e estar daquela forma, então apenas prosseguiu, ignorando as poucas observações sobre as manias do rapaz que notara até então. — Me diz um pouco sobre a sua casa.

Ele pensou um pouco, entre um soluço e outro, e então respondeu:

— É horrível morar lá com aquele velho. Ele só trabalha, e trabalha e acha que manda na minha vida. Prefiro ir à praia. E eu odeio ir à praia.

Ela disfarçou uma careta.

Era um ponto oposto entre os dois.

Alysson amava sentir os pés tocarem a areia macia e molhada da costa. Amava vestir saias curtas e soltas amarradas na cintura. Adorava o sal respingando em seus olhos. Adorava a paisagem e o canto distante dos pássaros. Desde pequena, tinha o sonho de morar próxima ao litoral, para sentir o mar levá-la para longe de tudo, e todos. Apenas paz, brisas mornas e naturalidade.

Fechou os olhos por alguns instantes, se lembrando de como fora maravilhosa a sua última viagem de verão. O sorriso era insistente em crescer no seu rosto; tinha uma memória perfeita da sua noite com o segurança do hotel. Sequer consideraram o crime como de sua autoria, fora sua única passagem com marcas de canibalismo. Aquilo simplesmente não enquadrava-se no perfil do assassino em série que estavam buscando. Era óbvio o motivo de ter feito aquilo com o guarda.

Ele, ao contrário de todos os outros homens que matara, não a conhecia.

Fora a pequena exceção que lhe forçara entrar em uma dieta por mais de três meses, até tornar-se outono novamente. Fora também a carne humana que lhe fizera engordar extraordinariamente rápido.

Como quando Delphine deitou-se depois de ir à praia, já em sua casa e mesmo tão longe da costa, sentiu as ondas puras acariciarem sorrateiramente todos os cantos de seu corpo que estavam imersos na água fantasiosa, mesmo já tão distante de poder matar Davidson Acolla, sentia o prazer de tê-lo em mãos desde vidas passadas.

— Família? — essa hora, ela sentava-se mais próxima a ele. O hálito de álcool podia ser sentido mesmo a meio metro de distância do seu rosto. Aquilo a aborrecia, mas lhe era extremamente necessário.

— Não, não, sem família. Eu vi o que aconteceu com os meus pais, e deu muito, muito errado. Sexo sem compromisso faz mais sentido. — Ela revirou os olhos, ouvindo-o rir um pouco.

Acabou por acompanha-lo, falsamente, tendo-o lido perfeitamente.

— 'Tsc, estou mentindo? — perguntou, ainda risonho.

— Sem compromisso - repetiu, em uma pausa, chamando o dono do recinto com os dedos finalmente. — A conta, por favor.

Dave fez uma cara emburrada, como uma criança prestes a voltar para casa depois de um incansável e divertido passeio. Pagou pelos dois, o que a fez revirar os olhos, caminhando com as chaves do automóvel nas mãos e desativando os alarmes em um "clique".

Ele já não se parecia nem um pouco com a pessoa do elevador, que Alysson encontrara mais cedo. Naquele momento, era nada mais que um párvulo eufórico de olhos extremamente azuis e pele de um bege médio solenemente escondido pelas luzes fracas do carro parado. Ela trancou a porta com os pés, sentando-se por cima de uma das pernas do rapaz.

Davidson apenas sorriu, as bochechas enrubescidas pelo calor do próprio corpo, o coração calmo, a respiração leve. Delphine acostumava-se com a ideia de ficar ali até que ele adormecesse, por mais que quisesse incontestavelmente ir embora.

O fato? Sabia como lidar com garotos do seu tipo.

Ela tinha muito mais do que queria. Estava ganhando aquele jogo em um xeque-mate mesmo movendo as peças mais fracas.

Não seria com isso a se contentar, mesmo que aquilo significasse seduzir a personalidade repetitiva de Dave Acolla. Queria movimentar seus bispos, reis e rainhas, abrir espaço para as torres e criar um exército à sua volta. Queria vencer toda aquela equipe patética em uma jogada demorada, cansativa. Queria um verdadeiro desafio.

"Deve-se sacrificar peões para proteger rainhas" lembrou-se, enquanto selava seus lábios e envolvia seus braços entre o pescoço do outro.

Não havia romance, ou paixão. De sua parte, não havia nada. Talvez progredisse desejo. Sendo algo completamente carnal para ele, e completamente psicótico para ela. Quando fechou os olhos, podia imaginar suas mãos naquele mesmo pescoço que tocava com os lábios. Sentiria o pulsar forte, o coração agitado.

Ouviria o ar tentando chegar aos pulmões, em um chiado musical. Fantasiava a cena dele debatendo-se, em surpresa, até a face arroxeada se tornar inerte. O cheiro do seu corpo queimando. Os olhos fechados...

Ele adormecera. E ela não precisou tê-lo matado.

Ele estava ali, dormindo no seu carro.

— Perfeito — sussurrou, girando as chaves e pisando no acelerador. — Mas vou precisar mesmo tomar um banho demorado depois de me sujar tanto com esse fedelho imundo.

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A biblioteca municipal era realmente interessante, especialmente quanto ao modo como os livros eram organizados ali.

Diante uma imensidão de textos, épocas, figuras e palavras, muito do conteúdo a que lhe era doado não cabia nas estantes que o governo financiava. E o que não poderia ser encaixado nas prateleiras, era, portanto, enfileirado como uma grande escada onde cada degrau parecia possuir uma cor diferente. Trazia uma certa graça, ao local, mesmo que nascesse de forma tão mal-organizada de empilhar livros.

Era mórbido entrar lá e apenas encontrar a atendente atrás de um monitor, sendo iluminada pela luz azul da tela. E se isso lhe parece ruim, muitos dos frequentadores de lá podem assegurar-te de que o cheiro que emanava dos setores de clássicos assustaria qualquer um que não tivesse a ciência de que só estavam de tal forma por má-conservação dos antigos usuários.

Alysson era a única pessoa que parecia não se importar, diante tamanho desprezo com o ambiente. Não era, afinal, o tipo de mulher que dá-se ao luxo de incomodar-se com esse tipo de coisa.

Entendia muito bem as duas únicas funcionárias do lugar. Sentia raiva, acima de tudo.

"Isso é machismo" idealizava, na própria mente. "Se fossem homens a conservar isso daqui, duvido que alguém estaria reclamando de uma coisa tão boba feito o cheiro de um corredor idiota."

Continuou andando pelo setor que chamava de "relíquias da literatura". Os olhos passaram por O Grande Gatsby, O Som e Fúria, Os Miseráveis e pousou em Otelo, de William Shakespeare.

Então, tendo o livro junto à Divina Comédia e Guerra e Paz debaixo dos braços, Alysson punha-se a sorrir.

"Bendita seja a construção social..." pensou, enquanto olhares atentos e respeitosos passavam por ela quando notavam o livro que lia no canteiro da praça. "Todos aqui parecem adorar moças prendadas."

Aquilo era o que a enojava. Banalidade humana, a pensar que só por ler, seu carácter aumenta. Pode-se ler, e fazer de um belo livro, uma péssima interpretação. Pode-se ler sem atenção. Pode-se comprar livros apenas para que cresça a imagem de boa pessoa. E por fim, pode-se ler por apreciação à leitura; e era somente o que gostaria de fazer naquele momento.

Minutos depois de um intenso discurso interior, pensou em deixar de lado a sociedade, passou a dedicar-se a dissertar sobre o livro. Pensava na desumanidade de Iago ao jurar e confiar lealdade ao general, assassinando a senhora de Emília a troco de uma vingança.

Odiava preferir os que a sociedade chama de "vilões". Odiava ter sempre uma teoria formada para um motivo de amá-los, inspirar-se internamente quando ouvia uma de suas brilhantes frases.

O fato era simples.

Ela era como Dave, por isso não poderia matá-lo tão cedo.

Era não mais que uma criança, apegada a pelúcias, animais e personagens das suas histórias favoritas. Ela não queria largar seus brinquedos, mas se continuasse deixando pistas de que eles existiam, seria tirada deles pela sua brincadeira ilegal. Suas vítimas provavelmente nunca entenderiam o motivo dos ursos e gatinhos inanimados pendurados ao lado de sua cama.

Aterrorizava, que mulher crescida fosse tão perturbada. Eles rompiam berros no silêncio. E como se gostasse de atuar como a mãe que Ally nunca tivera, ela os mandava se calar. Era, no fundo, agindo como eles, entre sangue e gritos de súplica, que conseguia esquecer-se do terrível passado. Mas os seus eram calados. Os seus continuavam ali, trancados naquele porão. Continuavam sofrendo com a imagem de um pai impiedoso. Alysson ocupava a sua mente. Lia, bordava, trabalhava e matava. Às vezes meticulosamente cozinhava, e impressionava a todos, mesmo que no fim, a sua única meta fosse impressionar a si mesma.

"Talvez eu seja maluca... E aí eu me identifico com eles." Riu, consigo mesma, pensando nos vilões de suas histórias favoritas.

"Não... Com toda a certeza não."

Prendeu os olhos em um homem robusto, cheio de tatuagens, com um cigarro na boca. Ela o identificou como o próximo a ser adicionado ao seu santuário. Aquele era o momento em que o seu segundo plano entraria em ação. Aquele era o momento em que seus peões abririam caminho para que andassem seus cavalos.

Aquela era simplesmente o momento perfeito, como calculou sua brilhante mente.

"Minha sanidade está intacta."


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Notas finais do capítulo

E entãaaaao?
Pois é, são 05:41 e ainda não dormi editando esse capítulo... Mas bem, espero com sinceridade que apreciem!!!
Comentários são mais que bem vindos! O que estão achando?
~CHUS DE SANGUE



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