Como Lucy havia previsto, não tinha sinal algum de apoio do exército na Hinan do Leste. Mais uma vez eles haviam sido esquecidos.

— Lucy!

Uma voz familiar chamou a atenção da arqueira.

Não demorou muito para que ela avistasse a autora do chamado. Era Lindsay, a irmã mais nova que Lucy havia deixado em sua cidade.

— Tem grupo muito grande de Kotonarus tentando derrubar o muro sul da cidade. — A pequena e magra garota explicava os recentes acontecimentos.

— Essa é só a ponta do iceberg, no caminho para cá eu ultrapassei milhares deles.

Ao ouvir as palavras da irmã mais velha, Lindsay ficou curiosa sobre como Lucy conseguiu ultrapassar milhares de Kotonarus e ainda estar viva. Mas julgando a quantidade de sangue que a garota tinha espalhado por toda a roupa, a pequena Lindsay concluiu que era melhor não perguntar.

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— Tem alguém vivo aí? — A voz de Bisco ecoava pelo cenário destruído da Hinan do Norte.

— Aqui! — Um pouco distante, Dylan acenava para o shikõ.

Os movimentos exagerados do garoto, chamou a atenção de dois kotonarus que avançaram na direção dele com uma ferocidade surpreendente. Desarmado e indefeso, Dylan tentou correr para alguma direção, mas a sua velocidade era claramente inferior. Antes que as duas criaturas pudessem alcançar o garoto tiveram suas cabeças decepadas pela lâmina da lança de Mary.

— Isso foi imprudente. — Mary observava a patética expressão de desespero nos olhos de Dylan.

— Eu sabia que você me salvaria. — Dylan sorriu uma falsa confiança.

— Então trate de tirar essas expectativas de mim, porque eu estou indo embora.

— Para onde? — Dylan se apressou para alcançar a garota.

— Para qualquer lugar.. — Os olhos de Mary estavam vazios.

— Hinan precisa de você, Mary! Das suas habilidades e da sua força… — Dylan tentava convencer a garota — Eu preciso de você…

As palavras do rapaz eram pesadas no coração de Mary, mas ela prosseguiu seu caminho.

— E vocês dois precisam de mim!

Uma voz feminina extremamente familiar vinda de cima  fez com que os dois garotos ficassem perplexos.

— M-Mia… — Mary sussurrava enquanto sentia seus olhos embaçarem por conta das lágrimas que brotaram de imediato.

— Eu pensei que você estivesse…

— Morta? — Mia interrompeu a fala de Dylan enquanto saltava de cima de alguns destroços. — Eu estou.

Mia não teve chance de dizer mais nada, logo teve seu corpo agarrado por Mary, que a abraço com todo o amor e a dor que havia guardado consigo naquelas últimas horas.

Mia estava surpresa, em seu peito estava abafado o choro daquela mulher que sempre parecia tão inabalável, mas que agora tinha a sensibilidade de uma criança perdida.

— Eu sinto muito! — Mary dizia em meio a soluços — Eu precisava cuidar de você! Você é minha irmãzinha! Eu precisava te proteger…

— Mary… — Mia acariciava os cabelos da irmã — Você fez tudo o que pôde, eu fiz escolhas erradas e tive consequências… Por favor não me faça vir aqui apenas para te ver chorar, lute ao meu lado para salvar a todos!

— Mary Ivanov e Mia Ivanov, hoje vocês são oficialmente membros de elite da IOS do Sul. — A voz de Dylan estava um pouco trêmula, devido ao choro preso — A missão desse esquadrão e transportar a salvo os cidadão sobreviventes do Norte para um lugar seguro.

As duas garotas, também emocionadas, fizeram posição de sentido e disseram em coro: — Sim senhor!

— Podemos ir agora? — Bisco dizia com certa impaciência.

**

Na Hinan do sul, Erii dava fim a todos os Kotonarus que encontrava em seu caminho. Mas não importava quantos ele matasse, mais surgiam de diversas partes, houve um momento que ele ficou completamente exausto e se refugiou em uma casa vazia.

Do alto da igreja Lily observava a situação:

— Pobrezinho, acho que precisa de ajuda!

Havia sarcasmo e raiva na voz de Lily.

— Agora esse maldito vai ver quem precisa ficar em segurança. — Lily dizia com rancor enquanto saltava o telhado das casas ao redor da igreja até chegar no solo.

Ao avistar um Kotonaru, Lily assobiou para chamar a sua atenção, assim que conseguiu o feito, a garota correu para um beco vazio. Quando o monstro a alcançou, teve seu pescoço decepado por uma onda de energia cortante. De joelhos, Lily utilizava o sangue derramado do monstro morto como tinta para escrever e desenhar um feitiço no chão. Quando ainda estava no telhado da igreja, Lily havia calculado a distância de todas as bestas até aquele local, em teoria ela teria um tempo razoável antes que qualquer monstro viesse até ali, mas como qualquer plano tinha uma margem de erro, uma das criaturas seguiu a primeira vítima, e agora se preparava para atacar a maga.

O kotonaru avançou na direção de Lily, mas logo foi atingido por uma bola de energia que o fez cair extremamente ferido. A besta gritou de forma ensurdecedora.

— Para de fazer escândalo! — Lily dizia irritada enquanto explodia a cabeça do kotonaru — Vai acabar atraindo outros…

Antes que a maga pudesse terminar a sua frase, se viu cercada por seis monstros. Vendo que matá-los apenas atrairia mais deles, Lily ergueu um campo de força ao seu redor e voltou a executar o seu feitiço. As bestas começaram a cavar o campo de energia com muita voracidade e a cada segundo que se passava, mais iam chegando, atraídas pela movimentação.

— Deveria ser trabalho do Erii estar aqui me dando cobertura — Lily carrega rancor em sua voz — Mas não, ele se sente o senhor da verdade e da força. Mas adivinha quem tá salvando o dia? EU!

Lily reclamava com mais voracidade enquanto prosseguia com o desenho.

— Está pronto! — A garota sorria como um gênio maligno.

Naquele momento ela estava de pé no meio de um círculo de encantamento feito com letras e símbolos antigos. Aquilo não era uma magia da Jordy, não só dela. Desde que havia se dedicado a magia, Lily estudava vários livros antigos. Aquilo que era considerado ficção por todos, não parecia mais tão irreal depois que ela conseguiu explodir a primeira garrafa de vidro com o poder da mente. Magos, xamãs, alquimistas… Lily havia lido sobre tudo. Aquilo definitivamente não era uma magia da Jordy, era uma magia da Lily a humana mais poderosa de todos os tempos. Esses pensamentos faziam o peito da pequena garota estufar orgulho.

— Aqui estou diante do círculo da vida, feito com o sangue dos mortos, que a minha alma seja a luz que erradica o mal desse sangue.

Ao som das palavras da maga, o círculo de sangue brilhava com força.

— Aqui estou diante do círculo da vida, feito com o sangue dos mortos, que a minha alma seja a luz que erradica o mal desse sangue.

Aos poucos o círculo de sangue se erguia do solo e orbitava ao redor da garota.

— E esse é o meu sacrifício. — Ao dizer essas palavras Lily cortou a palma de sua mão e deixou escorrer o seu sangue. O sangue de Lily não alcançou o chão, ele levitou e se juntou ao resto do círculo que girava cada vez mais rápido.

— Não deixe sobrar nenhum… — O comando de Lily fez com que o círculo se expandisse em proporções inimagináveis ao ponto de cobrir toda a Hinan do Sul.

Usando as costas para forçar a porta da casa onde havia se escondido, Erii viu que todo o barulho de fora havia parado.

— Toc… Toc… — Lily dizia com suavidade do lado de fora.

Erii abriu a porta a toda velocidade:

— O que você está fazendo aqui?

— O certo é “quem bate?” — Lily dizia com sarcasmo.

— Onde estão todos os…

— Mortos.

— Como? — Os olhos de Erii encaravam a garota com incredulidade.

— Eu cuidei de tudo enquanto você estava em segurança. — Lily também encarou Erii com um semblante vitorioso estampado em seu rosto.

— Acho que eu errei com você… — O rapaz se mostrava um pouco tímido.

— Ajoelhe-se e me reverencie! — Lily apontava para o chão com a autoridade de um tirano.

— Você não merece receber nenhum crédito! — Erii estapeava a própria testa com decepção.

— Não entendi o porquê…