O luar atravessava os vidros das enormes janelas e as notas suaves do piano preenchiam o grande salão naquela noite gélida de outono. Uma mulher dedilhava as teclas com delicadeza, se sentindo distraída e finalmente sozinha após um longo mês de "afazeres importantes" tão chatos que beiravam o insuportável.
Porém esse sentimento não durou muito, pois uma voz conhecida soou às suas costas, séria e sensual sem a intenção de ser, como sempre.
— Algumas pessoas diriam que dormir é o mais apropriado a se fazer as duas e trinta e oito da madrugada, Princesa Evelyn.
As íris castanhas logo se voltaram para a mulher que andava em sua direção de maneira tão leve e natural que nem ao menos parecia usar o colete de ferro quase tão pesado quanto ela própria debaixo do uniforme azul marinho da guarda real, o cabelo preto estava preso num rabo de cavalo assim como a bainha da espada presa a cintura, mas o escudo prateado que costumava carregar consigo estava encostado na parede ao lado da janela por onde a jovem entrara.
— Não deveria estar aqui, General Liana. — Murmurou a Princesa, logo focando a atenção outra vez nas teclas.
— E você deveria, Alteza? — Questionou com um sorriso debochado ao passo que cruzava os braços e se apoiava com o quadril no piano.
— Touché. — Replicou com um sorriso de canto, mas ainda concentrada na música.
Por alguns minutos a General ficou quieta apenas observando sua princesa. Os volumosos cachos cor de chocolate levemente bagunçados deixavam claro o quanto ela rolou na cama antes de descer para o grande salão, os olhos sempre com um brilho inocente agora pareciam tão... Vagos. A parte negra da pele reluzia a luz pálida da lua enquanto as manchas brancas de vitiligo começavam a ficar adoravelmente coradas por toda a intensidade com que as íris muito verdes a encaravam.
Depois de algum tempo, que pode ter sido curto ou longo demais e nenhuma delas saberia dizer ao certo, Liana foi até a vitrola, escolheu um disco e o colocou para tocar, fazendo com que uma melodia calma e agradável de violino se sobrepusesse a música que a Princesa improvisava no piano, então voltou para perto dela e fez uma leve reverência, estendendo a mão direita.