Obrigado, Nezumi. escrita por suibichen


Capítulo 1
Capítulo Único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/564182/chapter/1

Nascemos e crescemos acreditando na realidade de uma utopia com a qualidade de vida perfeita, sem sabermos que a perfeição é uma farsa. Somos ingênuos demais para sequer questionar a possibilidade de algo perfeito existir; apenas aceitamos aquilo que nos é imposto como boa realidade. A procura pelo conforto nos força a vivermos da superficialidade e ignorar o resto do iceberg.

Assim é um cidadão de No.6; alienado pelo sistema imperfeito.

E eu fugi...mas a culpa me corrompe.

Minha mente não é mais tranquila: a imagem da minha mãe a domina. O seu caloroso sorriso, o cuidado que ela sempre teve comigo. Pergunto-me diariamente por seu estado. A última coisa que desejo é o seu sofrimento. Mentira seria caso eu negasse, a verdade é que eu sinto falta da vida que eu levava, havia tranquilidade e a promessa de um futuro próspero – como todos diziam –, e como minha mãe se orgulhava em dizer. Todavia, a vigente perspectiva é outra, ser um cidadão dentro daquele muro significa viver de marionete em massa daquela cidade. 

O rei é desconhecido, mas seus peões estão na palma de suas mãos.

Sem auto controle, as lágrimas já escorriam em meu rosto. A visão do céu daquele madrugada se distorcia, mas notei a solidão na qual a lua se encontrava. Não havia estrelas, apenas um vasto azul naval. A força da metáfora me deixava tonto. Sentia-me cair em um buraco, mesmo estando devidamente firme ao chão.

Enquanto preso em desespero, não escutei os passos tornando-se cada vez mais altos denunciando a aproximação de alguém, é quando esse alguém se senta ao meu lado que noto sua presença. Após o susto, tranquilizo-me ao compreender de quem se tratava.

“Nezumi, o que faz aqui nesse horário?”  Pergunto apagando a trilha molhado em meu rosto que manifestava minha crise de choro.

“Te procurando?! Acordei pela insônia, não vi você dormindo no sofá e decidi lhe procurar. Por um momento  achei que dessa vez havia decidido ir embora sem nem ao menos um beijo” Disse com um olhar que transmitia sua preocupação mas ainda deixava claro seu lado bem humorado.

“Desculpe-me. É que eu também fiquei com insônia, e decidi vir aqui observar as estrelas...” Olhei para o céu e ri sem graça.

“E por que estava chorando?”  Perguntou-me. Esperava por isso, mesmo torcendo para que ele ignorasse. Mas não adiantaria desviar da resposta, era impossível fugir da sua perspicácia.

“Eu...é que eu estava pensando na minha mãe e na vida antes de todos esses acontecimentos. Ainda me é claro as lembranças da vida tranquila, de uma pessoa não fugitiva e quando minha mãe estava sempre ao meu lado.” Eu sorri, avulso, para me controlar e não chorar de novo.

“Sente falta da mãe...imaginava que você não ficaria apático a isso. Mas, realmente sente falta de viver naquela cidade parasita?” Perguntou, não parecia bravo, apenas curioso e preocupado.

“Não é isso, mas é que...de alguma maneira, era menos doloroso e...” Sentia a dificuldade de me expressar.

“Shion, seja sincero comigo.” Pediu-me. Olhando diretamente nos meus olhos. Minha respiração falhou. “Arrepende-se de ter me ajudado a 4 anos atrás?”

“O quê? É claro que não!” Gritei. Fui pego de surpresa, tal pensamento jamais me rondou a mente. “É um dos feitos que eu nunca me arrependerei.” Ele virou o rosto e olhou para o céu, mas era visível um sorriso em seu rosto.

“Shion?” Sua voz era calma.

“Sim, Nezumi?”

“O que você sente falta da sua mãe?”

“Hum...é tantas coisas. Do seu carinho, sorriso e o conforto que ela me dava. Eu sinto falta de estar em seus braços, ela sempre me abraçava quando eu estava triste. Quando eu chorava, ela dizia palavras reconfortantes. Sinto falta de ter braços me envolvendo de maneira tão acolhedora” Minha visão estava ficando turva novamente.

“Quando eu não conseguir dormir,

basta segurar minha mão que eu ficarei feliz”

“Shion” Chamou-me, e me virei para ele. Sua mão alcançou a minha e ele a segurou, seus olhos fixos nos meus, de forma a transmitir um sentimento de segurança. E eu não me afastei, e nem desejava. Repentinamente, braços envolveram meu corpo; Nezumi me abraçava.

“Nezumi?” Perguntei incerto.

“Você se sente protegido?” Perguntou-me, rente ao meu ouvido.

“O-o que deu em você?” Retruquei, mas a resposta era sim.

“Apenas responda, por favor.”

“É reconfortante” Respondi “Eu me sinto seguro.” E enfim retribuí ao abraço, encaixando-me perfeitamente ao seu corpo. Formamos nosso próprio casulo naquele ato.

O silêncio permaneceu no ambiente por algum tempo. Nem eu e nem ele se arriscava abrir a boca para proferir algo. Nada se manifestava em som além do vento e da nossa respiração. Seu corpo quente transmitia um calor aconchegante de se sentir, meus olhos fechados me permitiam apreciar melhor a sensação.

E foi naquele silêncio que um sentimento de comodidade se propagou, senti que enfim havia encontrado meu porto seguro; nos braços de Nezumi.

“Nessa noite sem fim, eu tenho um pedido

Que nesse céu sem estrelas brilhe uma luz”

“Nezumi...” Chamei-o, ainda abraçando-o.

“Sim?”

“Será que poderia realizar um pedido meu?”  Perguntei.

“Um pedido? Que coisa repentina.”  Respondeu-me soltando-se do abraço e direcionando seu olhar para mim. “Tudo bem. Se for possível eu realizá-lo. Qual o seu pedido?”

“Será que você poderia iluminar meu vasto céu vazio?”

“Desde quando você diz frases dessa forma?” Perguntou com uma expressão surpresa “Mas, por que tenho uma leve impressão, de que compreendi muito bem o seu pedido?” Deu um sorriso de lado.

“Mesmo que seja uma estrela distante e efêmera
              Renascerá e iluminará a noite”

“Do jeito que você é, entenderia frases desse tipo de longe”  Retribuí o sorriso.

“Você tem razão”  Nezumi levou uma mão ao meu rosto e se aproximou, juntando nossas testas. “Shion, quanto ao seu pedido: eu vou realizá-lo. Não tem mais porquê você ficar chorando sozinho. Se você se sente perdido e em conflito, venha até a mim. Eu estou aqui, eu serei sua luz a partir de agora, independente se for dia ou noite. Serei uma luz que não se apagará e que estará lhe protegendo, lhe guiando para o lugar certo. Tentaremos o possível para que reencontre com sua mãe. Por isso, não chore mais, meu Shion.”

“O milagre que veio dentre as estrelas
              Está no meio da multidão e foi visto novamente ”

“Nezumi...” Minha voz saiu embargada e já não mais resisti. Pela terceira vez na mesma noite, lágrimas derramaram pelo meu rosto. Mas dessa vez, não fora de tristeza ou conflito, mas de alívio. Foi como se depois de muito caminhar a esmo, finalmente encontrei a mim mesmo e alguém para eu chamar de lar.

“A noite que eu chorei pelo passado ao qual não posso voltar
              Eu direi adeus, e certamente ela brilhará no amanhã”

Lentamente e com calma, Nezumi aproximou mais nossos rostos. Fechei meus olhos no automático e senti seus lábios nos meus. Um selar delicado, mas que estava sendo muito bem desfrutado por nós dois. “Obrigado, Shion.” Pronunciou-se quando nos afastamos.

“Por quê?” Perguntei confuso.

“Por ter gritado na varanda do seu quarto há 4 anos, por ter me ajudado. Eu era um garoto perdido e ignorado, mas esse garoto estranho gritando no meio da noite foi uma luz no fim do túnel.” Sentia minha garganta arder e a vontade de chorar voltar. “Por ter fugido comigo e me aceitado. Por tudo. Obrigado.”

“Nezumi, eu que deveria agradecer. Você me salvou tantas vezes, você cuida de mim, preocupa-se comigo. Eu nem imagino onde eu poderia estar nesse momento se não fosse por você.” Disse sincero.

“Parece que temos algo bem em comum.”  Riu.

“Tem razão.” E dessa vez, eu tomei a iniciativa de outro beijo. Um selar no começo, porém, senti a língua de Nezumi pedindo passagem depois de alguns segundos, cedi sem pensar duas vezes. Suas mãos foram de encontro a minha nuca, enquanto eu segurava no tecido de sua jaqueta, na região da cintura. Não havia malícia ou desespero, era calmaria e aconchego. Meu coração batia em ritmo acelerado, dando indício do despertar de um sentimento que se encontrava trancafiado tempo demais e palavras e atos foram a chave para libertá-los.

Ao nos separarmos, entre um selinho ou outro, entrelaçamos nossos dedos, encostei minha cabeça em seu ombro e ele encostou sua cabeça na minha. E ficamos ali, observando o céu. Não fazia ideia do horário, mas desejava que o tempo desacelerasse. Fiquei surpreso ao constatar que a lua não era mais o único corpo celeste naquela vastidão, agora se manifestava várias estrelas, todavia, uma estrela brilhava reluzente no céu e destacava-se entre as outras, chamando a atenção toda para si. A lua igualmente parecia mais iluminada, a aura fria daquela madrugada mudou subitamente para uma calorosa noite fresca.

“Promete estar sempre comigo?” Perguntei, levantando minha outra mão com o punho cerrado e apenas meu dedo mindinho amostra, demonstrando um infantil ato para selar uma promessa.

“Prometo.”  Respondeu depois de hesitar alguns segundos e então entrelaça nossos dedos mindinhos, selando a promessa.

“Mesmo que seja apenas uma pequena constelação
              Foi percebida que esteve aqui
              Obrigado”

“Obrigado, Nezumi. Novamente, obrigado!”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Obrigado, Nezumi." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.