Piece of Heaven escrita por Joice Hudson


Capítulo 1
Piece of heaven


Notas iniciais do capítulo

Espero que vocês gostem :3



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Fazia cinco anos que Mark fizera a proposta e mesmo após todo esse tempo, eu ainda podia me lembrar, perfeitamente, de como tudo acontecera.

Flashback

Eu não podia acreditar que Mark Grin havia sugerido que voltássemos a Paris. Não soube ao certo o que dizer quando ele me convocara para aquela viagem, nem ao menos o que sentir. Se por um lado eu amava a cidade por ter sido quase o nosso começo, a odiava por ter quase simbolizado o nosso fim. A arquitetura já não me acolhia, eu não pretendia casar um francês com um sotaque romântico e particularmente esperava encontrar um punhado de sombras do passado em todas as esquinas.

Mas era impossível dizer não a Wolf, principalmente quando ele me olhava com aqueles olhos verdes tão profundos, afundados em um brilho inocente e decorados por expectativa. O amaldiçoei mentalmente quando ele informou que iriamos de trem - ignorando o caminhão de medidas de segurança que eu estava acostumada a tomar -. O loiro compreendia que os últimos acontecimentos haviam me marcado de uma forma mais profunda que eu poderia admitir, mas mesmo assim ele fingia constantemente que não havia nada errado com minha insegurança e ondas de pânico frequentes.

Fomos sozinhos para Paris, como se apenas repetíssemos a noite do sequestro, como se refazemos os passos de há alguns anos. Eu acharia tudo muito divertido e bem intencionado de sua parte, se não pensasse repetidamente que preferia um avião e que Mark estava apenas me torturando.

O loiro parecia estar com um humor sensacional, me arrastava de um lado para o outro cantarolando um conjunto aleatório de músicas japonesas e sua diversão apenas me irritava, apenas me fazia concluir com maior certeza que ele estava - definitivamente - rindo da minha cara.

Fomos abordados por um motorista particular assim que descêssemos na estação e seguimos de carro ao nosso hotel - que, em mais uma piada de Mark, era o mesmo hotel que eu havia feito reserva quando ele me sequestrara -. O loiro não permitiu que minha atenção se perdesse no caminho, manteve suas mãos em mim todo o tempo, sussurrando roucamente o que ele faria comigo assim que estivéssemos sozinhos. Sua tentativa de me seduzir, de colocar todo meu foco em si, fora alcançada com sucesso e logo eu estava com todas as moléculas do meu corpo cativas por ele. A presença do motorista era insignificante diante a insistência de Mark, ou a existência do loiro era suficiente para combater minha relutância.

Fazia quase um pouco mais de quatro anos que estávamos juntos e o efeito Wolf ainda não havia passado, ele ainda conseguia me hipnotizar tão eficazmente quanto fazia no começo de tudo. E concluí que aquele seria seu efeito em mim por toda minha vida, se Mark e eu não acabássemos juntos, eu estaria arruinada para qualquer outro homem. Não havia como comparar um amante comum ao Grande Wolf.

Felizmente, Mark nunca pareceu nem remotamente disposto a acabar nossa relação. Com o passador dos anos ainda erámos os mesmos do começo, e todas as vezes que eu o assistia cozinhar para mim no horário do almoço ou jogar com a cabeça escorada em minha coxa, eu esperava que nunca mudássemos.

- Chegamos, amor. - Sussurrou o loiro ao meu ouvido, quando eu basicamente já não me importava para onde iriamos e se iriamos para qualquer lugar. Sua mão estava displicentemente postada entre minhas coxas, sua boca acariciava meu pescoço e orelha, não era o momento mais indicado para me importar com localização. - Ou estávamos voltando ao voyeurismo e vamos permitir que o pobre senhor a nossa frente tenha um pequeno espetáculo em seu final de noite?

- Você costumava ter uma autoconfiança maior em si mesmo, Wolf. Desde quando algo que fazemos pode ser considerado pequeno?

Antes que o loiro me apanhasse e literalmente me persuadisse a começar um espetáculo, escorreguei para fora do carro, sem me preocupar em analisar a rua que nos encontrávamos. Apenas queria escapar da retaliação que sofreria por caçoar de Mark.

Assim que coloquei os pés para fora do carro, fiquei petrificada entre a porta e o banco. E não voltaria a vida enquanto analisasse aqueles inesquecíveis muros de concreto sem vida.

- Você tem que estar brincando com minha cara, Grin. - Resmunguei em choque, escorregando para longe do carro e caminho em direção a casa. Nunca havia imaginado voltar ali, nem nos meus mais loucos devaneios. E, por mais estranho que aquilo pudesse parecer, me senti terrivelmente nostálgica. Aquela casa me trazia excelentes lembranças, lembranças tão fortes que enevoavam os maus momentos.

- Eu comprei a casa. - Segredou Mark ao meu lado, e desviei meus olhos para seu rosto que me analisava com um sorriso encantador, como se descobrir que eu estava feliz com sua surpresa fosse o ponto de toda aquela viagem.

Fui escoltada até o lado de dentro e tudo era o mesmo, igualmente conservado, sem qualquer pingo diferente. Aceitei a mão que o Mark me oferecia e fui governada para casa. O loiro tomou um longo instante para destravar a porta usando apenas uma mão, e quando fiz menção de libertá-lo das minhas, Grin apenas me segurou com mais força, sem nem ao menos se preocupar em lançar um breve olhar ameaçador pra mim. Finalmente, quando ele foi capaz de destrancar a fechadura, me preparei para escorregar de volta para dentro do passado, para espiar os nossos primeiros dias. Antes que eu pudesse empurrar a porta e entrar, Mark me imobilizou, segurou-me a frente do seu corpo e usou sua mão para tampar meus olhos.

- Não me diga que você decidiu que queria morar aqui, Mark. Sério, se você tiver feito isso, eu vou ter que queimar sua bunda na lareira. Se eu encontrar qualquer mala minha aqui, além das que trouxéssemos, você vai morrer. Eu estou falando muito sério.

A risada do loiro apenas me fez ranger os dentes e me sentir tentada a me soltar. Permiti que ele me guiasse em mais três passos antes de usar minha mão para afastar a sua e espirar o que diabos era sua surpresa.

Eu não estava preparada. Longos instantes se perderam enquanto eu avaliava as velas - perfeitamente postadas no meio da sala -, Mark tomara meu segundo inicial de paralização para se postar de joelhos, e sacar de um de seus bolsos um caixinha de veludo negro. Mesmo minha capacidade de ler estivesse prejudicada, eu seria capaz de compreender o que acontecia. Cobri minha boca com as mãos, ser nem ao menos conseguir conter os traços clichês em minha reação. Quando meu coração disparou e o conjunto de “Oh, meu Deus” escapuliu para fora dos meus lábios, a surrealidade da cena deixara de existir.

- Eu sou bom com as palavras, assim como sou esplêndido em todas as outras coisas que faço. - Alegou Mark em uma calma vinda diretamente de Wolf, o loiro não conseguia abdicar desse hábito, assim que o nervosismo o ameaçava, a frieza do lobo subia e todos os sentimentos eram encarcerados fora de vista. Saber que ele estava nervoso, deixava toda a experiência mais saborosa. - Então, não há motivos para evitá-las. Eu quero me casar com você, amor. Ou, melhor, eu vou casar com você, nem que eu tenha que te sequestrar e te manter acorrentada em minha cama pelo de nossas vidas. - Transformei o sorriso natural que curvou meus lábios em um inclinar de deboche, como se eu duvidasse de suas palavras, não que isso fosse verdade, apenas não queria dar a Mark algo a mais para se gabar. Eu prolongaria seu discurso o máximo que pudesse, enquanto ele estivesse fora de sua zona de conforto. - Nós somos perfeitos juntos, somos completos juntos, e sobrevivemos a um conjunto inquestionável de obstáculos. E, sabendo valorizar a vida como alguém que a quase perdeu, eu quero você em um voto perpétuo. Quero te fazer feliz não apenas como Amber Watson, quero poder chamá-la de Sra. Grin. O que eu sinto por você é incomparável, incontrolável, e eu só quero me postar a sua frente e jurar diante ao seu Deus que ficarei ao seu lado nos bons e terríveis momentos, que a protegerei com minha vida e que vou garantir que todos seus desejos se tornem realidade. - Mark tinha razão, mesmo inegavelmente inseguro, ele utilizava tamanha eloquência em seu discurso que senti as lágrimas (ah, malditas lágrimas) tão indesejadas inundarem meus olhos. - Embora, tenho certeza que seu maior desejo sou eu. Srta. Amber Watson, você quer se casar comigo? Mesmo que sua mãe vai te detestar pelo resto da sua vida por estar casando um ator pornô pervertido, apesar de extremamente bem sucedido e atraente?

Flashback off

Seria impossível rejeitar aquela proposta, não que rejeitar Mark tivesse passado uma vez sequer por meus pensamentos. O mundo poderia estar em pedaços e tudo se resumir a trevas, e eu ainda acharia extremamente adequado aceitar seu pedido de casamento.

Era em noites como essa, que eu me lembrava do quão sortuda eu havia sido por encontrá-lo, por receber seu amor e atenção, por dividir minha vida com ele.

O loiro estava sentado no chão com Kathleen entre suas pernas, assistindo hipnotizada enquanto ele jogava algum jogo de horror - que garantiria a ela uma longa de noite de pesadelos e que curiosamente sempre acabava com sua chegada sorrateira em nosso quarto a noite -. Aquela era uma cena comum em nossas vidas, assim que Mark se acomodava para jogar, nossa pequena Kathleen corria para seu lado, enfiando-se o mais próximo possível do pai. Seus olhos eram uma réplica exata dos de Wolf, verdes densos, teimosos e obstinados. Aos três anos, eu ainda não sabia com quem ela mais parecia, alguns diziam Mark, outros afirmavam que ela era minha cara.

Minha mãe era uma das minhas mais pertinazes aliadas, possivelmente por não gostar de aceitar que sua neta havia herdados os perfeitos genes de um ator pornô. Agora ela já não detestava tanto o loiro, assumia que ele era o melhor parceiro e pai que poderia existir, no entanto não superava a ideia de poder achar fotos de seu genro nu ou transando com alguém, pela internet.

- Pai, por que a mamãe está chorando? - Sussurrou Kathleen, tentando ser discreta, como se eu não pudesse ouvi-la do sofá. Eu lia um livro terrivelmente banal de romance, e devido aos maravilhosos efeitos da minha segunda gravidez, eu me sentia completamente tocada pela história. Tudo me levava às lágrimas para ser mais exata, eu poderia até mesmo ver algum programa sobre a vida de animais e isso (de alguma forma absurda) se tornava o acontecimento mais tocante do ano. Mark já estava acostumado com meus hormônios descontrolados, apenas me presenteava com alguns chocolates e acariciava meus cabelos. Até eu mesma me detestava nesses dias, mas o loiro nunca reclamava, apenas ficava ao meu lado e procurava me distrair com coisas aleatórias. O que geralmente me fazia chorar um pouco mais.

- Deve ter acontecido algo triste no livro que ele está lendo. - Respondeu Mark vagamente, certo que uma criança de três anos não entenderia uma explicação mais objetiva. Havia sido um sacrifício fazer Kathleen compreender que seu irmãozinho estava em meu ventre, por quase uma semana ela questionou por que simplesmente não o retiramos de lá para que ela pudesse conhecê-lo. Diante a tal questionamento obstinado, Sr. Grin apenas resmungou que deveríamos ter-lhe dito que eu havia engordado, seria uma solução mais simples e prática. - Lembra quando ela chorou porque o pequeno ursinho se perdeu da mamãe urso? Possivelmente é a mesma coisa.

Kathleen ficou em silêncio por um momento, e ergui meus olhos para encontrá-la me observando, intrigada.

- Tudo bem, mamãe, não precisa chorar. O ursinho achou sua mãe, você não lembra?

Automaticamente, Mark e eu dividimos um sorriso derretidos por ela, por sua fofura e ingenuidade. Kathleen foi esmagada entre os braços do loiro, e devido a sua falta de atenção no jogo, seu personagem foi aniquilado. Wolf não poderia se importar menos, beijou os cabelos escuros de nossa filha e continuou amassando-a contra seu corpo.

- Que garotinha inteligente temos aqui, não é, Sra. Grin? Não deve existir outra menina tão inteligente quanto essa em toda a galáxia. Definitivamente, ela herdou a inteligente do pai.

- Tio Will disse que eu sou inteligente como a mamãe. - Kathleen rebateu naturalmente, sem saber ao certo o que dizia, sua inocência apenas me fez afastar o livro e gargalhar. - Ele disse que papai não pensa.

- Eu vou ter que ligar para Will e parabenizá-lo. - Sussurrei, com os olhos presos a Mark, em uma suave provocação. - Ele cada dia consegue ser mais incrível.

- E eu vou garantir que ele não consiga mais colocar aquelas patas dele aqui. Como ele ousa interferir em minha tentativa, que possivelmente logo se tornaria uma derrota, de fazer alguém acreditar que eu sou a cabeça pensante da relação. Você não pode ser a beleza e a inteligente, amor. Isso é injusto.

Mark era adorável, ás vezes eu até me perguntava se ele era de fato real ou se era apenas uma fantasia da minha mente frustrada. Porque ele não poderia ser tão perfeito, embora coberto de imperfeições.

Algumas mulheres verdadeiramente acreditam que os homens necessitam trair, que - indiferente ao caráter - em certo momento, ele vai acabar traindo sua esposa. Eu havia passado anos namorando um ator pornô que poderia ter qualquer criatura pensante ao seu redor, e em certos momentos cheguei a imaginar que era uma questão de tempo. Mark estava exposto, vivia no glamour e no mundo da luxuria, ele recebia convites diários para participar de orgias. E, sendo ele quem era, minha presença ao seu lado era indiferente. As pessoas o viam como Wolf e eu, aos olhos externos, só era uma de suas escravas sexuais, bonita e ingênua. Esperar um relacionamento estável do grande lobo era como aguardar por um milagre, talvez ocorresse com muita fé e orações.

Eu já não poderia contar quantas vezes alguém convidou, bem na minha frente, Mark para invadir suas calças. Os mais ousados também me convidavam para participar, claro, se o loiro permitisse.

Porque, afinal, esse era o relacionamento que o público imaginava.

Por dentro, as coisas não funcionavam daquela forma. Mark e eu erámos exclusivos, nada de sexo com estranhos a trabalho ou não. E, essa resolução acabou me colocando em um papel complexo: ou eu participava dos vídeos para que Mark continuasse presente ou Will seria nosso fantasma particular, resmungando o quanto ele odiava Volpe e sua imitação barata de Wolf.

Decidir foi uma longa caminhada por um campo minado, coloquei todos os pontos negativos e positivos sobre essa proposta - quase imposição -, levando principalmente em conta como aquele novo “trabalho” poderia afetar nosso relacionamento entre quatro paredes e acabei me propondo a tentar pelo menos por um tempo.

No final das costas, conseguimos intercalar nossa vida com o papel, o que não era uma missão muito árdua: já que eu recebia para transar com meu namorado. Acho que o fato de Wolf aparecer na melhor forma possível enquanto suspostamente transava com uma garota que não era eu, foi um principal ponto que fez minha mãe detestá-lo. Ela não se importava quem diabos ele era, se eu dizia que ele não me traía, vivia resmungando que não aguentava suas amigas ou tarando seu “provisório” genro ou lamentando pelo meu péssimo gosto para homens

Eu teria revelado a identidade da garota de Wolf, no entanto, Mark foi o primeiro a se opor a ideia. Às vezes acho que ele queria me proteger da exposição, outros, penso que ele também tinha um grande receio de receber a fúria de Samantha Watson. E ela o mataria se soubesse que qualquer pessoa do planeta poderia me ver nua por um bom monte de libras.

O loiro aposentou sua máscara no momento que me pediu em casamento. Nunca pediu para que o Wolf sumisse de cena, ou que o site desaparecesse da internet como um passe de mágica. Mas foi exatamente isso que encontramos no dia seguinte ao seu pedido de casamento, Will não havia achado prudente permitir que futuros pais de uma família continuassem participando de suas perversões. Até chegou a resmungar que “Mark já não era sua inspiração” com um ar mais abatido que o aconselhável. Sozinho, lidou com a imprensa e os fãs, explicando como havíamos chegado àquela decisão e que continuaria a dividir as histórias de Wolf através de livros.

Por meses, Mark e eu fomos investigados de todos os lados, a primeira aposta da mídia foi que eu estava grávida, a segunda - que estava chantageando o loiro com documentos suspeitos -; uma das minhas favoritas foi a que afirmava que eu havia sequestrado algo importante de Mark e só o entregaria de volta após o casamento. Foi necessário uma serie de entrevistas com Sr. Grin para garantir que eu não era uma louca psicótica que estava forçando-o a se casar. O loiro teve até mesmo que disponibilizar um vídeo do seu pedido de casamento (que eu só fiquei sabendo alguns dias depois da existência e não pude agradecer suficiente a Will e Greg por terem planejado esse detalhe perfeitamente) para que os murmúrios cessassem e que recebêssemos espaço suficiente para sobrevivermos.

Esperei que após o casamento as coisas se acalmassem, que fossemos respeitados como casal. Mas, Mark era Wolf. O herói dos livros eróticos (que sem um real problema se tornaram best sellers) de Will e mesmo sem os vídeos, o loiro ainda atraía o mesmo número de pessoas, era convidado para ménages e rapidinhas em becos. Talvez essa fosse outra coisa que minha mãe particularmente odiava em Mark, ela realmente não podia suportar a ideia de ter um ator pornô como genro. E aquele era um carma seu. O loiro não era perseguido vinte quatro por sete, conseguíamos andar na rua sem encontrar com fãs pervertidos e inclinados a provar um pouco de sexo selvagem do lobo. Contudo, todas as vezes que Samantha Watson oferecia sua companhia, um grupo expressivo de pessoas se unia para tentar convocar Mark para transar. Meu pai respeitava completamente nossa relação, não colocava sua opinião sobre a profissão ou se atrevia a julgá-lo de qualquer forma, pelo contrário. Todas as vezes que minha mãe choramingava por meu inexistente gosto masculino, meu pai era quem defendia Mark, que ressaltava o quanto ele era digno e leal, a pessoa mais adequada para me fazer feliz.

Quando Kathleen nasceu, concluímos que nossas vidas poderiam finalmente ser taxadas como normais. Estávamos começando uma família, possuíamos um relacionamento sólido e uma renda familiar expressiva. Compramos uma bela casa consideravelmente afastada do centro londrino, decididos a oferecer a infância mais natural e saudável para nossa criança. E, para que isso pudesse acontecer, precisávamos nos separar de Wolf, do ambiente agradavelmente erótico que era seu apartamento e nos acomodar em um lar.

Após a primeira babá, nossos objetivos se mostraram um pouco ilusórios.

Apesar de todos os empregados de confiança, Mark achou adequado atender a porta para a mulher que cuidaria de nossa filha pelo período que ele trabalhasse (Greg apenas forçava o loiro a testar as versões betas de jogos e oferecer sugestões de melhorias) ou que eu estivesse gastando meu tempo cuidando da administração da Watson (embora, por meses eu houvesse rejeitado a possibilidade, eu ainda era a herdeira de meu pai e a empresa seria passada a mim em alguns anos). O loiro havia afirmado que nossas vidas jaziam nas mãos da boa alma que estava do outro lado da porta.

Kathleen ainda não tinha um ano, mas, mesmo com seu pequeno tamanho, conseguia produzir um grito fofo que enchia toda a casa pela madrugada. Mark e eu estávamos exaustos, e o ponto do loiro era compreensível. Se aquela mulher fosse nos salvar, até mesmo eu me sentiria em obrigação de atendê-la na entrada.

O loiro tomou a frente e foi para porta, enquanto eu estava sentada no final da escada com Kathleen adormecida em minhas coxas. Acompanhei os movimentos de Mark, forçando um sorriso gentil nos lábios para causar uma boa impressão e fingir que eu não estava há mais de uma semana sem um descanso apropriado. A pobre babá precisava ser atraída para a armadilha, para só então descobrir no que se meterá.

Nossa primeira babá se chamava Kate, tinha cabelos negros curtos e - pela foto de seu currículo - possuía um rosto simples, porém simpático e de confiança. Assim que a porta foi aberta, toda a primeira impressão que eu tinha tido após ver sua foto, estava de volta. Ela parecia a perfeita candidata para o cargo, se não fossem seus olhos. Assim que as duas bolinhas negras se focaram em Mark, seus lábios abriram um “o” de surpresa e o resto que parecia tão meigo e inocente, foi coberto por um escarcéu de excitação que improvavelmente envolveria ouvir berros de um bebê e limpar suas fezes.

- Céus, você é Wolf. Pessoalmente você é ainda mais maravilhoso.

Eu poderia resmungar uma maldição para mim mesma, impaciente. Quase gritando que não fazia diferença, que se ela pudesse cuidar de Kathleen por algumas horas, eu até lhe presentearia com um DVD dos vídeos de Wolf (que definitivamente Will deveria possuir). O loiro não parecia tão inclinado a seguir minha linha de raciocínio. Seu rosto foi sugado em uma carranca e a irritação dominou seus traços.

- Esse é o profissionalismo que a senhora tem para oferecer? - As palavras de Mark foram afiadas, frias, sublinhando a falta de intimidade em seu tom. A reação natural do loiro conseguiu, de uma forma bizarra, chocar Kate. Talvez ela realmente esperava que ele lhe oferecesse um sorriso e a recebesse de braços abertos, quando ela havia cruzado todas as barreiras de profissionalismo e se esquecera que o homem a sua frente era principalmente seu chefe. A mulher tentou corrigir sua postura, cruzou suas mãos a frente de seu abdômen e abriu os lábios possivelmente para implorar por um pedido de desculpa. - Agradeço por vir até aqui, mas definitivamente a senhora não é quem estamos procurando. Se retire, por favor.

O tom de Mark nunca subiu, nunca deixou de ser completamente formal, e Kate possivelmente viu seu lado irredutível, não adiantaria tentar protestar ou persuadi-lo. Eu era a única pessoa que podia fazê-lo mudar de ideia, que podia manipulá-lo para que ele cedesse aos meus desejos. No entanto, assim que fiquei grávida, fizemos um acordo de cumplicidade, nos apoiaríamos em todas as nossas decisões e se discordássemos completamente, conversaríamos sobre o assunto separadamente para encontrar uma solução.

Nossa primeira babá pediu as mais sinceras desculpa e se retirou, felizmente sem implorar por sua posição e por nossa compreensão.

O loiro fechou a porta assim que ela saiu para entrada, e se arrastou até onde eu me sentava com Kathleen, deitando-se no chão bem no meio do hall, exausto.

- Acho que vamos precisar mudar nossos padrões de procura. - Resmunguei, sem vontade de expor qualquer outro comentário sobre o que havia acontecido.

Precisamos de mais alguns pares de tentativas para encontrar alguém. Havíamos tentado pessoas mais velhas, que em geral se chocavam com as coleções macabras de Mark (felizmente, o loiro havia abandonado sua antiga mania de deixar seus DVDs pornográficos no meio da sala, seria mais um detalhe para apavorar as pobres senhoras), adolescentes que mesmo não o conhecendo como Wolf, sentiam-se absurdamente atraídas por ele. E no final ficamos com Smith, um jovem de vinte anos que estava verdadeiramente interessado em cuidar de Kathleen e Kathleen apenas.

No final, Mark abandonou seus jogos e iniciou uma maratona de Tim Burton com Kathleen, abandonei meu livro e me arrastei para sentar-me junto a eles já acostumada com aquela rotina. Assistíamos tanto aos filmes do Tim Burton que nós três erámos capazes de recitar todas as falar e cantar todas as músicas, nenhum de nós ficava verdadeiramente cansado daquela rotina. Víamos dois filmes durante a noite e colocamos Kathleen na cama juntos, eu lia uma história para fazê-la adormecer e nos retirávamos para nosso quarto.

Acho que tanto eu quanto Mark não queríamos falhar em nossos papéis de pais, não queríamos uma criança com os nossos defeitos, nem que tivesse que enfrentar os nossos erros e infortúnios. Após ter minha própria filha, pude entender um pouco mais meu pai. Olhando os pequeninos olhos verdes de Kathleen e seu sorriso imaculado, eu seria capaz de matar para protegê-la, era um instinto natural do meu corpo. Mas, eu ainda era incapaz de compactuar com as ações de meu pai, incapaz de compreendê-lo completamente.

Assim que Kathleen adormeceu, o loiro postou suas mãos no meu ombro e me dirigiu para nosso quarto, cantarolando uma versão em seu próprio estilo de Baby, I love you. Ainda era cedo, apenas alguns minutos haviam se passado após a meia-noite. Mas preferíamos ficar em nosso quarto depois que Kath dormia para que ela nos localizasse se tivesse algum pesadelo ou precisasse de algo durante a noite.

- Não é o dia que você deveria me fazer uma massagem? - Resmunguei suavizando meu tom e vestindo a expressão que o loiro havia nomeado como “filhote perdido no meio de uma chuva”, após me acomodar na cama e acompanhar o loiro se desfazendo de sua roupa, apresentando-me seu corpo.

- Eu virei seu escravo, não virei? Você deve sentir um prazer particular em me exigir coisas, certa que eu não posso dizer não a você quando me olha desse jeito.

- Sim, não te nada que me faça mais satisfeita. - Rebati, sorrindo abertamente, enquanto me deitava na cama, deixando espaço suficiente para o loiro se enfiar atrás de mim e começar sua massagem. Mark podia descarregar uma série de reclamações, mas eu tinha certeza que mesmo se eu não pedisse, ele acabaria se oferecendo. Fora ele quem procurara investigar como poderia aliviar quaisquer dores que eu poderia ter através de massagens e também aprendera algumas técnicas que seriam adequadas para grávidas.

Sem quaisquer outras palavras, as mãos de Mark cobriram meu corpo e suavemente ele passou a me acariciar, sem deixar de ressaltar - pela milésima vez desde que começara a massagem - que eu deveria falar com ele se sentisse qualquer desconforto. Enquanto ele me tocava, permiti que minha mente se perdesse no momento, vagasse sem rumo. E me vi perguntando, sem um real planejamento, algo que constantemente içava-se em meus pensamentos.

- Quando me conheceu você imaginava que chegaríamos tão longe juntos? Ou melhor, mesmo após termos um envolvimento sexual, você um dia imaginou que estaríamos casados, construindo uma família?

- Certo, estamos em seu momento filosófico. - Murmurou Mark como sempre fazia quando eu começava com minhas perguntas aleatórias, eu podia até mesmo descrever sua reação sem precisar olhá-lo, ele possivelmente tinha um sorriso presunçoso no canto dos lábios, como se todo aquele questionamento não passasse de um teste que eu gostava de submetê-lo. - Nunca imaginei que chegaríamos tão longe juntos, mas, para ser mais sincero. Eu não imaginava que eu viveria tanto. - Uma gargalhada saiu de seus lábios, e virei meu rosto para observá-lo, para constatar sua solene onda de humor sombrio. O loiro não forçava uma risada, já havia abandonado seu passado e agora vivia no presente. - Mas, se for para ganhar pontos, posso responder que sim sem hesitações. Ou que, embora não tivesse a ousadia de pensar que um dia viveríamos isso, essa sempre foi minha utopia particular. Qual das respostas você preferiria?

- A primeira estava boa, até você soltar a risada inoportuna e um pouco macabra que arruinou tudo. Mas, vamos com essa resposta mesmo.

O loiro apenas sorriu e voltou a acariciar minhas costas, retornando a minha posição inicial, depositei minha cabeça no travesseiro e fechei os olhos para aproveitar seu toque.

- E, você, amor? Essa era a vida que você imaginava sendo sua no futuro?

Sua perguntando não tinha qualquer traço de hesitação, nossa relação era aberta, transparente. Falávamos sobre tudo e discutíamos sobre qualquer coisa sem restrições. Desde o começo, procuramos abandonar o típico relacionamento entre um casal, um relacionamento que embora fosse tão próximo e íntimo, continuava distante e inseguro. No qual palavras viviam entaladas nas gargantas e - de ambas as partes - um conjunto indiscutível de mal-entendidos se aglomeravam. Aquela era a melhor abordagem que poderíamos tomar, já que o loiro por si só, gostava de ser terrivelmente sincero e direito. E eu o preferia assim, não precisava tentar desvendar seus pensamentos, descobrir seus desejos, pois ele dizia exatamente tudo que passava por sua mente, esperando que eu fizesse o mesmo.

- Não sei, nunca fui muito de pensar em um futuro. Nunca imaginei que eu teria filhos, que construiria uma família. Quando era uma adolescente me imaginava uma coroa de quarenta que pegava jovens, e essa ideia realmente parecia ser adequada para mim.

- Você tinha um bom plano do futuro, como você ficou comigo no final?

- Ainda me pergunto isso sabe, eu tinha um futuro brilhante e acabei casada. - Rebati, em tom de brincadeira, enquanto erguia minhas mãos para expressar minhas palavras. - Então, acho que foi o sexo, você é bom nisso.

O loiro apenas gargalhou, sussurrando logo após - em uma voz entornada de rouquidão e erotismo - próximo ao meu ouvido, com uma confissão, uma redenção de seus pecados que possivelmente se referia a seu ego gigantesco: “Eu aceito maravilhoso amor, extraordinário, surreal. Apenas bom é terrivelmente medíocre.”.

- Eu definitivamente te mostraria essa classificação irrisória se você não tivesse que acordar cedo amanhã. - Ranzinzou o loiro, descendo os lábios para beijar minha nuca, em um misto de erotismo e gentileza. Eu me tornava sua boneca de porcelana durante a gravidez, toda a selvageria que marcava nosso sexo desaparecia e Mark sempre perguntava se eu estava confortável, se queria mudar de posição, se ele não estava me pressionando com muita força. Sua atenção era adorável, mas eu preferia nossa rotina normal, nossa luta particular. - Já estou tomando seu turno para cuidar de Kath essa noite, para que você descanse o suficiente para a reunião amanhã. Certifique-se de me pagar, com juros.

- Eu também te amo, Mark. - Resmunguei, virando meu rosto em sua direção para lançar-lhe um sorriso. Aproveitei sua proximidade para sentir seus lábios contra os meus, procurando transmitir um terço da gratidão e apreço que eu sentia.

Dormi poucos minutos depois, ainda sendo massageada gentilmente enquanto ouvia a baixa melodia de música clássica que o loiro havia nos acostumado a ouvir durante a noite todos os dias de minha gravidez. Havíamos ouvido em algum lugar que fazia bem ao bebê, então, Mark presumiu que seria adequado nos submeter a horas e horas de um conjunto repetido de músicas clássicas.

Acordei com o primeiro berro do meu alarme, e rolei na cama - assim que acertei meu celular - para me agarrar ao loiro e lutar a favor do meu instinto natural de procrastinar na cama, de minha tentativa de fingir que eu não teria que abandonar o calor dos minhas cobertas e sair.

No entanto, ao procurar seu calor, seu corpo, apenas encontrei o vazio do seu lado, detalhe que transformava minha estadia na cama em algo irrefutavelmente menos tentador. Abri meus olhos, morosamente, e procurei por algum sinal do loiro no quarto. Ás vezes Mark se sentava próximo a janela e lia para procurar seu sono, adorável hábito que havia se tornando meu protetor de tela. Naquela manhã, nenhum Sr. Grin não adornava minha primeira impressão do dia.

Contrafeita, me envolvi em nosso lençol, embrulhando-me em seu cheiro e me arrastei para fora da cama. Vasculhei todo o perímetro até a cozinha, esperando encontrá-lo antes que atingisse meu objetivo, pronta para usá-lo como desculpa para volta perder alguns minutos.

O loiro não estava em lugar nenhum, e não tive nenhuma razão para evitar minha caminhada. Quando cheguei á cozinha, encontrei Kath sentada no colo de Mark, recebendo o cereal que o loiro lhe oferecia enquanto passava os olhos atentamente no jornal que estava postado ao lado da tigela. Os assisti se alimentando, hora o loiro lhe dava a colher e em outros momentos a enfiava em sua própria boca.

Aquela era uma das nossas constantes tentativas de eliminar nossos defeitos, não queríamos que Kathleen adquirisse nossos lados ruins. Eu, como Mark adorava acentuar, - de uma forma que fazia o defeito se tornar uma qualidade peculiar fofa - era egoísta. E nenhum de nós queria que nossa filha fosse assim, embora o loiro constantemente declarasse que eu era extremamente desejável quando queria tudo para mim. Havíamos a acostumado a dividir tudo, incentivamos a oferecer o que ela comia e os brinquedos que ela brincava. Também insistíamos em convencê-la que ela precisava ser responsável por qualquer bagunça que fazia.

Nossa pior inimiga nessa luta era minha mãe. Em uma tarde que Kathleen passasse em sua casa, tudo que tentávamos ensiná-la era substituído por novos valores. Nos quais, Kath era uma futura herdeira, uma criança privilegiada.

- Bom dia, meus amores. - Os cumprimentei, levemente sonolenta, beijando Kathleen na bochecha e Mark nos lábios. Acrescentei um resmungo em russo, para que apenas o loiro pudesse entender: - Eu preferia a época que eu era quem sentava no seu colo e você me alimentava.

- Aparentemente alguém acordou afundando-se em expectativa para hoje a noite. - O loiro riu, piscando para mim, habilmente administrava o cereal, sua atenção para mim e o jornal. - Vamos usar essa animação com sabedoria.

- Na verdade, a resposta certa seria você concordar comigo.

Mark voltou a rir, dessa vez em uma gargalhada incrédula, conseguindo borbulhar um sorriso em meus lábios. Sentei-me ao seu lado, onde uma vasilha de cereal havia sido deixada para mim e aproveitei o leite - estrategicamente - abandonado em cima da bancada, para completar meu café da manhã.

- De um lado a mulher da minha vida e do outro a minha pequena lady. Ou eu escolho entre obedecer a ordem real e quebrar minha palavra como guerreiro, ou rejeito a ordem real e completo minha promessa. Nos dois casos, acabo morto. É nessa posição que me sinto quando você me pede para escolher.

Inquestionavelmente, aquela era a resposta certa. A resposta que conseguira apertar meu coração e obrigar-me a segurar um suspiro, que apenas injetaria um pouco mais de soberba ao seu ego.

- Você realmente é bom com palavras, Sr. Grin.

- Foi preciso anos de casamento para você descobrir isso, Sra. Grin?

Ás vezes eu me perguntava se mudaríamos, se deixaríamos de ser o casal do início, deixaríamos de dividir aquela mesma atenção ou se perderíamos aquele sentimento, se em algum ponto meu coração pararia de responder a ele e o dele deixaria de pertencer a mim.

Entretanto, a cada ano que passava, essa possibilidade se tornava mais surreal, mas inimaginável.

- Pequena lady Kathleen, por que está tão calada hoje? - Perguntei, desviando minha atenção para a pequena sonolenta no colo de Mark, ignorando o sorriso presunçoso nos lábios do loiro. - Não dormiu bem?

Kathleen apenas bocejou, abrindo um sorriso para mim.

- Papai disse que ele vai me levar no parque hoje. - Segredou-me, com os olhos pequenos brilhantes. - Disse que vamos visitar o tio Greg e tio William. E, também vamos ir ao trabalho da mamãe, a tardinha.

- E antes que você pergunte, sim, eu avisei o Smith, ele não vai vir. - Acrescentou Mark, já prevendo o que eu diria. Ele dizia frequentemente que eu repetia as mesmas perguntas milhares de vezes, no entanto, assim que trocávamos de posição, o loiro fazia as mesmas indagações, com a mesma frequência. - Tudo corretamente planejado.

- E recuse qualquer outra lembrancinha suspeita de William. Se Kathleen trouxer outra camisa com F-O-D-A-S-E V-O-C-Ê, eu vou realmente matá-lo.

As vestimentas era um problema, Kathleen estava dividida entre ser a futura herdeira de Ozzy Osbourne e uma criança normal. O loiro não economizava um centavo em vestidos vitorianos feitos sobre medida, também não se decidia se queira que ela seguisse o estilo Lolita dark ou uma futura cantora de rock. Ela tinha jaquetas de couro, calças jeans rasgadas, coturnos e um conjunto de blusas que qualquer adolescente rebelde adoraria. Muitas dessas blusas eram presentes do “Tio William” o que eu duvidava, por algum motivo eu acreditava que eram mais roupas aleatórias que o próprio Mark comprava e dizia que eram presentes, por saber que eu não acharia adequado simplesmente jogá-las fora. A única camisa que eu considerava um presente do verdadeiro Will era a que possuía a frase “The winter is coming” e um lobo em seu centro. Qualquer um sem malícia pensaria em Game of Thrones, mas em uma piada quase interna, víamos a sutil referência à Wolf.

Contra essa camisa, eu não tinha qualquer queixa.

- Vou avisá-lo, não se preocupe. - Resmungou o loiro, incapaz de esconder completamente o quão contrafeito estava. - Afinal não queremos nossa filha seja uma criança que tenha estilo.

Apenas ri de seu comportamento - que o entregava - e terminei meu café da manhã.

- Kathleen já é a criança mais estilosa que eu conheço, amor. - Rebati, o amaciando com um tom suave e um curvar de lábios agradável. Terminei de comer meu café da manhã e me arrastei para longe do banco. - Ela tem todas aquelas roupas maravilhosas que o, inegavelmente estiloso, pai dela comprou. - O sorriso de canto de lábios que o loiro, contrafeito, lutou para conter, ainda curvou sua boca. - Quer decidir o que a mamãe vestir, Kathleen?

Acabei saindo de casa com um vestido negro, justo, que acertava pouco a cima do meu joelho. Junto com a meia pata e algumas joias de acessórios, eu estava formal o suficiente para a reunião.

Fui acompanhada até a garagem por Mark e Kathleen, como de costume. Era quase uma tradição matinal, indiferente a quem saia. Se fosse o loiro, eu seria quem levava Kath. Como dessa vez era eu quem saia, aquela era a sua missão. Recebi um beijo no rosto da minha pequena, e uma discreta mordida de Mark. E parti.

A reunião correu tudo bem, apresentaram as estáticas do mês e o plano de metas do seguinte, deixando os programas que haviam funcionado e os que seria sábio mantê-los. Após duas longas horas de cálculos e propostas, dei a reunião por encerrada arrastando-me de volta para minha sala.

Eu já não tinha tempo para seriados, recebia notificações a cada instante sobre qualquer problema - indiferente a importância -, revisava os relatórios de gastos que recebia dos coordenadores e costumava procurar novos mercados propícios para investimento.

Às três horas, Lucy escorregou para dentro do minha sala, perfeitamente vestida para o escritório, embora não fosse para trabalhar em nossa empresa. Fazia anos que ela deixara a Watson, mas continuava fazendo outras corporações crescerem e era bastante conhecida por produzir ouro em tudo que se envolvia. Havia feito a empresa de Will, Greg e Mark dobrar de tamanho em poucos meses, e conseguira trazer o nome da mesma para os holofotes (ajudada, inegavelmente, pelo escândalo da identidade de Wolf). Acomodou-se em um dos sofás em frente a minha mesa e espreguiçou-se.

- Se estivéssemos em alguns anos atrás, com certeza estaríamos programando um happy hour para quarta-feira e você nem estaria na empresa, devido o horário. Agora você está no passo de ser tornar a Presidente da Watson e eu pulo de empresa para empresa, embora na maioria do tempo estou trabalhando para Greg.

- Ainda somos as mesmas. - Afirmei, sem tirar meus olhos do relatório que lia. E, apenas esse detalhe, invalidava minha afirmação. Não erámos a mesmas, principalmente, eu. Havia amadurecido, me tornado uma Diretora de Executivo de punho de ferro e conseguira adquirir respeito, não como herdeira, mas como funcionária. - Ainda somos excelentes para festejar, só não fazemos isso com a mesma frequência de antes.

- É, agora consideramos festejar almoçar em um restaurante a noite. - Brincou Lucy irônica, e eu não podia discutir com aquilo, já não tínhamos muito interesse em boates e ressacas. - Eu sinto falta da época que íamos a clubes de strip e saboreávamos álcool no corpo de strippers.

- E eu sinto falta da época que vocês ficaram brigadas. - Uma voz masculina familiar encheu o cômodo, e afastei meus olhos do trabalho para encarar Mark e lhe sorrir, já prevendo seus lábios pressionados em uma de suas típicas expressões de desagrado. - Foi mais saudável para Amber.

Kathleen não estava muito atenta ao que falávamos, desprendeu-se dos dedos de Mark e correu para Lucy. Ela vestia um vestido que tinha um estilo chinês, com o diferencial na saia rodada. Não precisava de mais de duas olhadas para perceber a sujeira em suas vestes. Mas isso não a deteve, Kath se jogou nos braços de Lucy, reclamando que fazia alguns dias que ela não nos visitava.

- Ah, querida. Estive ocupada por alguns dias, mas prometo que estarei lá antes desse final de semana. E, se você estiver com muita saudade, peça seu pai para te levar até lá. Ele tem muito tempo livre.

O loiro apenas crispou a boca e girou os olhos, caminhando até o sofá em frente ao de Lucy para sentar-se. Perdendo todo o clima para o trabalho e dando o dia por completo, finalizei tudo que mexia, guardei minhas coisas e me ergui. Caminhei na direção de Mark e me afundei ao seu lado.

- É, definitivamente, eu preferia quando Amber estava brigada com você. - Enquanto falava, o loiro passou o braço ao redor dos meus ombros, puxando-me para si. - Ela deveria arranjar amigas melhores.

- Por favor, Mark. Todos sabem que você nem a Amber não vive sem mim. E agora, a Kath não vive sem mim, não é pigmeu? Você não adora a tia Lucy?

- Sim, tia Lucy. - Respondeu Kathleen automaticamente, brincando com os cabelos longos de Lucy, em sua típica adoração. Mark e eu não sabíamos o que Lucy havia feito para ganhar tamanha admiração de Kath, só acontecera. Ela vivia pedindo por sua tia favorita e passara dias choramingo por não estarmos visitando Lucy.

- Amor, vamos embora logo antes que essa criança nos rejeite como pais e peça para morar com esse infortúnio que você chama de amiga.

Lucy não se preocupou em respondê-lo, lançou um olhar mortal ao loiro e se levantou, erguendo Kathleen junto a si.

- Prometo ir te visitar antes do final de semana, pigmeu. E vou levar Phil para brincar com você a tarde inteira. - Suas palavras apenas conseguiriam causar uma nova onda de animação em Kathleen, que, em uma ordem de escolha, possivelmente largaria Mark e eu para ficar com Phil, que era o primeiro filho de Lucy. E, também, a primeira paixonite de Kath.

- Hey. - Rebateu o loiro automaticamente, levantando-se também para apanhar Kathleen. Embora Lucy e Mark viverem trocando alfinetadas, o relacionamento dos dois era terrivelmente íntimo. Eles trocavam mensagens, ligações, visitas e incontáveis vídeos de nossos filhos fazendo as mais corriqueiras coisas. - Você tem que parar de incentivar esse relacionamento, toda vez que Kath vê Phil, ela simplesmente esquece-se dos seus pais. Perguntei a ela de quem ela mais gostava em todo mundo, papai ou mamãe, ela disse que era do Phil. - O loiro recebeu Kathleen em seus braços como se ela não pesasse nada, e voltou a sentar do meu lado, agora completando a nossa família.

Acompanhei a gargalhada de Lucy, diante ao suave ciúme de Mark. O loiro jurava que não seria um pai ciumento, mas todas as vezes que Kath citava qualquer um diferente dele ou de mim (a única pessoa por quem ele aceitava ser trocado), Sr. Grin passava horas emburrado, tentando persuadir Kathleen a mudar de ideia.

- Tudo bem, Phil também vive dizendo que gosta mais de Kath do que de mim e Ian, então, acostume-se e supere. Eu estou indo, meus queridos, encontro vocês um dia desses. E espero que ambos comecem afastar suas bundas gordas do sofá e se arrastem até a minha casa também, ninguém morrerá se vocês começarem a me visitar.

O loiro deu de ombro, e apenas soltou “se você fizer seu filho parar de seduzir minha pequena, com certeza podemos ir” como resposta. Lucy não perdeu seu tempo rebatendo, beijou tanto Mark quanto Kathleen na bochecha e se inclinou para me apertar em seus braços, despedindo-se.

Ficamos pouco mais de cinco minutos após sua despedida, chequei novamente se havia guardado e trancado tudo e convidei Mark e uma sonolenta Kathleen para partirmos. Ainda era horário de expediente, portanto, acenei em adeus polidamente para de cada funcionário que cruzava nosso caminho. Embora a atenção deles - em geral - estava mais dirigida a Mark que entretinha Kath para impedi-la de dormir fora de horário. O loiro não era uma pessoa da mídia, fazia séculos que não comparecia a qualquer evento que lhe colocasse embaixo dos holofotes. Havia deixado de atender as sessões de autógrafos de Will depois que uma mulher aleatória se ajoelhou a sua frente e implorou que ele a usasse. Mark não queria aquele tipo de fama, simplesmente porque ele não desejava que Kathleen crescesse no meio, não queria que ela fosse “A pequena Wolf”. Mas, havíamos decidido - após notarmos que a fama do loiro não iria desaparecer em um piscar de olhos - que deveríamos informá-la em certo ponto, quando ela já estivesse crescida o suficiente para entender. Já que era possível que em algum momento ela trombasse com alguém que conheceria Wolf, e era melhor conhecer a situação para evitar infortúnios futuros. Não havia uma pessoa na empresa que não sabia quem era Mark, e se houvesse, após as incontáveis matérias de jornais em letras garrafais que gritavam ao mundo que Wolf, célebre ator pornô, se casara com a filha do magnata Watson, passaria a conhecê-lo. Em geral as pessoas só estavam curiosas sobre qual era a natureza de nossa relação, mas não tinham coragem suficiente para se aproximar e perguntar diretamente.

- Contem-me como foi o dia de vocês? - Perguntei para o primeiro que se sentisse inclinado a responder, assim que nos enfiamos em meu carro. Durante toda nossa travessia até minha vaga, mantive a expressão séria, a postura impecável, não permitindo que ninguém tivesse a audácia de resmungar qualquer coisa contra minha família. - Fizeram algo divertido?

- Sim, papai me levou para brincar no parque e disse que vai pedir ao Papai Noel um cachorro para mim de Natal. Mas, eu tenho que ser boazinha. Papai Noel não dá presentes para quem for levada. E, eu ganhei uma blusa.

Automaticamente desviei a atenção que dava a Kathleen e virei meu rosto para Mark, com as sobrancelhas erguidas em uma ameaça sutil, meus olhos se estreitaram e voltei ao olhar Kath que sorria jovialmente. O loiro fingia que nada via, olhava pela janela discretamente, como se esperasse que eu desse partir rapidamente.

- Ganhou? Presente de quem?

Para que Kathleen não percebesse a possivel ameaça em minhas feições, dei-lhe meu melhor sorriso e coloquei minha mão na coxa de Mark, para garantir que ele não se virasse e tentasse convencê-la a dizer algo além da verdade.

- Oh, isso é um segredo. - Sussurrou Kath olhando para o lado do pai, com um sorriso completamente orgulhoso de si mesma.

- Foi seu pai?

- Oh, mamãe, como você sabia? - Sua reação causou um suspiro incrédulo do loiro, e novamente prendi minha atenção no rosto de Mark, pretendo minhas unhas com mais intensidade em sua veste. - Papai disse que era surpresa, que você nunca acertaria.

Sem que eu precisasse pedir para ver a camisa, o que eu pediria, Kathleen puxou o saco que estava escondido ao lado de sua cadeira de segurança e trouxe a blusa negra para fora, completamente orgulhosa de sua ação.

O sorriso em meu rosto quase oscilou quando vi a camisa. No centro havia uma imagem de um Papai Noel - muito pouco natalino -, circulado pelas palavras “Papai Noel não existe, mas eu não sei ler, então está tudo bem”.

- É uma camisa adorável, meu bem. - Forcei a responder, virando-me para frente em seguida perdendo minha expressão. Meu tom caiu o suficiente para que apenas Mark ouvisse, e dei partida no carro, garantindo que Kathleen tivesse outra coisa para se concentrar. - Mark Grin, você vai para o inferno. Seu humor é terrível.

- Mas, amor. - O loiro tentou se defender, olhando-me com sua expressão surpresa, expressão que impedia qualquer um de julgá-lo tão cruelmente. - Pensei que você só não queria as com obscenidades, concluí que as de humor não trariam qualquer problema.

Apenas suspirei, imaginando o tempo que gastaríamos desnecessariamente naquela discussão. Aquela não seria a última camisa que eu deveria me desfazer, e também não seria a última que Mark iria comprar. Não o respondi, foquei-me no trânsito e preocupei-me em construir a estratégia perfeita para sumir - sem deixar vestígios - com aquela camisa dispensável. Menos de um minuto depois do meu silêncio, o loiro voltara a falar, ainda com a voz baixa, mantendo a conversa apenas entre nós dois:

- Sra. Grin, você está com raiva? Devo programar uma forma inesquecível e indiscutivelmente sedutora de mudar seu humor?

Não respondi com palavras, apenas desviei meu olhar rapidamente em sua direção, sem deixar transparecer qualquer emoção em meu rosto e ergui as sobrancelhas, esperando para descobrir o que eu poderia ganhar se mantivesse aquele comportamento.

- Você está me dando um gelo, amor? - O loiro perguntou, inclinando-se para mais próximo do painel do carro para me observar de frente. Havia uma incredulidade indiscutível em seus traços, como se ele fosse incapaz de acreditar no ocorria. - E só por uma camisa? Acho que a última vez que tomei um gelo de uma garota eu tinha vinte. Escute minha dica, essa é sua reação a raiva menos atraente. A minha favorita é quando você fica agressiva, diabos, eu definitivamente te irritaria todos os dias se fosse receber aquela reação.

Novamente, o ignorei e liguei o rádio do carro, rangendo os dentes ao perceber que era um dos CDs de punk de Mark. Kathleen soltou um gritinho do banco de trás, e passou a cantarolar as músicas com uma maestria de alguém que as ouvia quase todas as horas possíveis de seu dia. Sem uma real luta, ela estava completamente inclinada ao gosto musical do loiro.

- O que você quer que eu comece a recitar todas suas falas favoritas de filmes românticos? - Questionou um loiro, abaixando seu tom. Eu não o olhava, mas eu sabia que ele me analisava atentamente, seduzindo-me a ceder as suas vontades. E, sendo sincera, eu nem estava com raiva, Mark havia tirado suas conclusões e era engraçado vê-lo tentando revirar meu humor. - Devo repetir que te amo até inebriar-te? Drenar-te toda para mim? Você sabe que farei, amor. - Suas palavras lançaram uma onda de excitação por meu corpo, e senti meu coração acertar meu peito em desespero, como se gritasse sua resposta a medida que batia. Eu o amava tanto que poderia me afogar naquele amor. Mas não lhe ofereci uma resposta verbal, o sentia dentro de mim, presente em cada molécula do meu corpo. O loiro esperou por minha reação por alguns segundos, esperou que eu falasse qualquer coisa, que sorrisse ou simplesmente caísse de amores por ele. E quando não reagi de nenhuma forma que ele previra, uma risadinha baixa tomou sua boca. - Como você ousa fingir que está com raiva de mim para que eu fique te cobrindo de elogios até chegarmos em casa? Já estava até programando um ataque mais baixo, regatando aquelas terríveis falas do seu livro favorito.

Diante a suas palavras, tive que sorrir e dar de ombros, como se admirasse minha capacidade de enganá-lo. Naquele caso em particular, realmente admirava.

- O que me dedurou, amor?

Embora ele estivesse correto, eu não sabia o que eu tinha feito de errado, o que havia me entregado. Minha postura com certeza era a mesma, nem um detalhe diferente, nem um inclinar de lábios. Como ele poderia saber que eu fingia?

- Você nunca foi de guardar sentimentos, amor, principalmente se está com raiva. Poderia até tentar controlar-se, mas quando reagi da maneira de sempre, possivelmente você juraria me matar assim que chegássemos em casa. Essa é uma perfeita fala sua com raiva. - Assim que as palavras do loiro saíram, lancei outro olhar em sua direção, novamente com as sobrancelhas erguidas e os lábios inclinados em irritação. - Mas, você sabe que eu te amo por isso, né? Amo cada um de seus surtos psicóticos. Por favor, não me mate quando chegarmos em casa, eu sou um pai de família.

Como eu poderia me irritar com Mark Grin? Como eu poderia conter o sorriso que ele era tão hábil em colocar em meus lábios?

Se era aquilo que a vida tinha a me oferecer, eu deveria admitir que era a pessoa mais sortuda de toda a humanidade. E, se dependesse de mim, me seguraria naquele pedaço de paraíso pelo resto de minha vida.


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Notas finais do capítulo

Casos vocês acabaram de ler essa estória aleatoriamente, deveriam tentar ler o "começo" dela: http://fanfiction.com.br/historia/210264/Drain_You/

~~
Comentem, porque isso me deixa muito feliz. E até a próxima.
(Preguiça nível master de escrever um novo resumo pra tudo)
Vou deixar meus twitters para quem quiser entrar em contato comigo e conversar (como te costume)
Meu Fc: @Weirdopoynter
Meu pessoal: @morbidsenseofun
Btw, também fiz um ask pra DY (http://ask.fm/morbidsenseofun). Sempre fico revolta quando as autoras das fics que eu leio somem, então se vocês quiserem aparecer por lá pra me xingar se eu desaparecer, exigir por novos capítulos, dividir teorias, falar mal (okay, cortem a última parte) e talz.
E tem o grupo de drain you no face, quem estiver interessado: https://www.facebook.com/groups/287691471361127/
Malfeito, feito xx